Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01351/13
Data do Acordão:09/25/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
Sumário:Da conjugação do disposto no nº 2 do art. 199º e no art. 195º, ambos do CPPT resulta que ao interessado na prestação da garantia por meio de hipoteca voluntária que haja sido aceite pela AT não seja exigível a outorga de escritura de tal hipoteca e que o respectivo registo possa ser feito com base em certidão do título de que resulta a garantia.
Nº Convencional:JSTA00068369
Nº do Documento:SA22013092501351
Data de Entrada:08/08/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Jurisprudência Nacional:CPPT99 ART199 N1 N2 ART195 N2 N3; CCIV96 ART704-ART717
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED LISBOA AREAS EDITORA 2011 PAGS392-393
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da decisão que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal (art. 276º do CPPT) deduzida por A………, com os demais sinais dos autos, contra o acto praticado pelo chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-4 que lhe comunicou, em 25/2/2013, a aceitação da hipoteca a constituir sobre o imóvel inscrito na matriz respectiva da freguesia de …………., concelho de Vouzela, sob o art. 200º, mas remetendo a aferição definitiva dessa aceitação para momento após apresentação/remessa da escritura de hipoteca e consequente registo na respectiva conservatória e após verificação sobre os eventuais encargos que oneram o referido artigo matricial.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
28. A sentença do tribunal a quo consagra um procedimento novo de apresentação de uma hipoteca voluntária como garantia da dívida e acrescido em processo de execução fiscal para efeitos de suspensão, até ser apreciado um contencioso associado.
29. Partindo de uma alteração do artigo 195º do CPPT, aplicável "com as necessárias adaptações" por remissão do artigo 199º nº 2 do CPPT, considerou-se que caberia ao órgão de execução fiscal a constituição da hipoteca voluntária "(...)pelos mesmos meios, mecanismos e formalismos através dos quais procede à constituição de hipotecas legais".
30. E também se entendeu que "a questão de determinar qual a forma pela qual o executado deverá prestar a sua declaração unilateral de vontade de constituição de hipoteca voluntária já escapa ao âmbito da presente acção" dado que o Chefe de Finanças não se pronunciou sobre a matéria.
31. Salvo o devido respeito, não podemos aceitar este entendimento pelo seguinte:
A) A natureza voluntária da hipoteca aqui em causa não permite que se apliquem de forma automática as normas da hipoteca legal;
B) Designadamente a declaração de vontade do executado no sentido de constituir uma hipoteca voluntária sobre um imóvel de que é titular, terá de assumir a forma legal prevista no artigo 714º do Código Civil;
C) E não pode o órgão de execução fiscal substituir-se ao executado na prática deste acto por carecer de legitimidade para o fazer;
D) E como a hipoteca confere preferência no direito de ser pago pelo valor da coisa relativamente aos restantes credores, aplicando-se a regra da prioridade de registo (artigo 6º do Código do Registo Predial),
E) Caberá ao executado que pretende prestar garantia através de hipoteca voluntária proceder ao seu registo na respectiva conservatória,
F) Porque só assim é que o órgão de execução fiscal se encontra habilitado a apreciar com segurança a idoneidade da garantia prestada, uma vez que estará ao abrigo de eventuais ónus e encargos prestados a terceiros que entretanto sejam objecto de registo.
G) Os gastos efectuados pelo executado, se afinal se considerar que a garantia não era devida, serão ressarcidos, como se viu, por parte da AT.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida, declarando-se agora improcedente a reclamação.
1.3. O recorrido contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado, alegando, em síntese:
▬ Que não podia ter sido a decisão, tendo em conta a actual redacção do art. 195º nº 2 do CPPT, introduzida pelo DL nº 53-A/2006, de 29/12, que dispõe que a hipoteca legal é constituída com o pedido de registo à conservatória competente, que é efectuado por via electrónica, sempre que possível, bem como a remissão feita pelo art. 199º do mesmo Código, que estende a aplicação deste regime às hipotecas voluntárias.
▬ Assim, em processo de execução fiscal, a hipoteca voluntária, à semelhança do que se passa com a hipoteca legal, é constituída com o pedido de registo à conservatória competente, que é efectuado pelo órgão de execução fiscal, por via electrónica, sempre que possível.
▬ E tendo em conta este regime, e ainda o disposto no nº 1 do citado art. 195º do CPPT, forçoso é concluir que, à imagem do regime da penhora, o pedido de registo (comunicação) da hipoteca voluntária ou legal, formulado pelo órgão de execução fiscal, vale como título suficiente para a constituição da garantia.
▬ Sendo, portanto, a decisão fundamentada do OEF que consubstancia o acto constitutivo da hipoteca voluntária ou legal, de que, quanto muito, terá que ser feita prova no processo de registo, ainda que o pedido seja formulado por via electrónica.
▬ Não fazendo sentido a invocação das regras gerais (arts. 704º, 712º e 714º do CCivil), na medida em que, existindo normas especiais aplicáveis à constituição das hipotecas voluntárias em processo de execução fiscal (art. 195º nº 2, ex vi, art. 199º, ambos do CPPT), prevalecem estas sobre aquelas.
▬ Sendo que a decisão de constituição da garantia é um acto de natureza administrativa, a que têm de ser aplicados os requisitos procedimentais exigidos para tal tipo de actos e os requisitos gerais dos actos administrativos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao direito de audição e sua dispensa e de fundamentação, estando, pela mesma razão, a decisão de constituição de hipoteca legal, sujeita a notificação aos que podem ser afectados (nº 3 do art. 268º da CRP) e podendo ser impugnada contenciosamente, no caso, tratando-se de decisão tomada em processo de execução fiscal, através da reclamação prevista no art. 276º do CPPT.
▬ Tanto basta para que caiam por terra os argumentos vertidos pela recorrente como fundamentos do seu recurso, o qual, na verdade, se prende apenas com uma questão que está, aliás, aflorada nas respectivas alegações (ponto 25) e conclusões (conclusão G), e que é a das despesas com a constituição da hipoteca, nomeadamente as inerentes ao pedido de registo às conservatórias competentes.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes, além do mais:
«(…) A nosso ver o recurso merece provimento.
Nos termos do disposto no artigo 199º/2 do CPPT a garantia idónea pode constituir, também, a requerimento do executado em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações.
A nosso ver, em consonância com a recorrente, a remissão que se faz no artigo 199º/2 do CPPT para o artigo 195º, com as necessárias adaptações não implica que o interessado na prestação da garantia não tenha de outorgar a respectiva escritura de hipoteca e proceder ao respectivo registo, nos termos do disposto nos artigos 714º e 687º do CC.
Só a hipoteca legal tem por base um acto de natureza administrativa, susceptível de reclamação nos termos do estatuído nos artigos 276º a 278º do CPPT, e se constitui com o pedido de registo à CRP competente, por via electrónica, sempre que possível ((1) Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, III volume, páginas 392/393, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.)
A hipoteca voluntária, em causa nos presentes autos, tem por base declaração unilateral do recorrido que mereceu a aceitação legal do OEF.
Todavia, como bem decidiu o despacho da autoridade tributária, a aceitação da hipoteca voluntária como garantia idónea pressupõe, necessariamente, a apresentação da respectiva escritura pública, nos termos do disposto no artigo 714º do CC e, bem assim, a prova da efectivação do respectivo registo, sob pena de ineficácia mesmo entre as partes (artigo 687º do CC).
Tanto assim parece ser que, nos termos do disposto no artigo 50º do CRP, o registo da hipoteca legal é feito com base em certidão do título de que resulta a garantia enquanto o registo definitivo da hipoteca legal é feito com base na escritura pública respectiva (artigo 43º/1 do CRP), sendo certo que o registo provisório é feito com base em declaração do proprietário ou titular do direito (artigo 47º do CRP).
Ora, se inexiste acto administrativo a determinar a constituição de hipoteca legal, porquanto não está sequer em causa uma hipoteca legal e, bem assim, escritura pública de constituição de hipoteca voluntária com base em que documento pode ou deve o OEF promover o registo da hipoteca? Não conseguimos descortinar.
A sentença recorrida merece, pois, censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar-se a sentença recorrida, mantendo-se na ordem jurídica o acto sindicado do OEF.»

1.5. Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS
2. A decisão recorrida julgou provada a factualidade seguinte:
A) Em 30.07.2012 o ora reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de imposto do selo datada de 12.07.2012 no valor de 11.958,65 €, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 4 sob o nº 3301201204002059 (cfr. fls. 5 a 10 do PEF);
B) Juntamente com a reclamação graciosa identificada na alínea antecedente, o reclamante apresentou requerimento de prestação de garantia nos seguintes termos:
"A………, (...), vem em apenso à reclamação graciosa da liquidação de imposto do selo de 18.07.2012, prestar garantia idónea nos termos do disposto no artigo 199º do CPPT, o que faz pela seguinte forma:
Hipoteca a favor do Instituto de Gestão Contabilística Pública (IGCP), no montante de € 11.958,65, sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vouzela sob o nº 2091/20111227, da freguesia de …………., concelho de Vouzela, inscrito na matriz sob o artigo 200, com o valor patrimonial tributário de € 136.110,00" (cfr. fls. 6 do PEF).
C) Em 10.12.2012 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 4, contra o reclamante, o processo de execução fiscal nº 3301201201137034 pela dívida de imposto do selo mencionada em A) (cfr. fls. l do PEF).
D) Em 19.02.2013 foi elaborada a seguinte informação por funcionário do Serviço de Finanças de Lisboa 4:
“INFORMAÇÃO
Aos 2013-02-19 faço estes autos conclusos, cumprindo-me informar que foi deduzida pelo contribuinte Oposição Judicial nº 3301201309000020.
O contribuinte pretende apresentar como garantia hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Vouzela sob o nº 2091/20111227, da freguesia de ………… , inscrito na matriz sob o art. 200.
Informo ainda que, o referido imóvel está avaliado pelas regras do IMI e tem o VP actual de € 136.110,00.
Mais se informa que o valor a apresentar como garantia é de € 15.720,25, conforme print informático que se junta" (cfr. fls. 18 do PEF).
E) Em 20.02.2013, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4, foi proferido, sobre a informação mencionada na alínea antecedente, o seguinte despacho:
"Visto o requerimento a solicitar a aceitação da hipoteca a constituir sobre o artigo matricial 200 da freguesia de …………, concelho de Vouzela, atenta a informação prestada, aceito a referida proposta, devendo para o efeito ser tido em conta que o artigo em causa está em compropriedade.
A aceitação definitiva será aferida após apresentação/remessa da escritura de hipoteca e consequente registo na respectiva conservatória e após verificação sobre os eventuais encargos que oneram o referido artigo.
A hipoteca será constituída a favor da Administração Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de Lisboa -4, - processo de execução fiscal nº 3301201201137034.
Notifique-se" (cfr. fls. 20 do PEF).
F) O reclamante foi notificado do despacho transcrito na alínea antecedente em 25.02.2013 (cfr. fls. 19-verso do PEF).
G) A presente reclamação foi apresentada em 06.03.2013 (cfr. fls. 1 dos autos).

3.1. Aceitando a subida imediata da reclamação, a sentença recorrida debruçou-se, em seguida, sobre a questão de saber se, no caso de oferecimento de hipoteca voluntária com vista à suspensão da execução fiscal, cabe ao executado efectuar todos os trâmites legais com vista à sua constituição, ou se esse ónus cabe exclusivamente ao OEF, por via da remissão do art. 199º do CPPT para o art. 195º do mesmo diploma legal.
E respondendo a essa questão, concluiu que tal ónus cabe ao OEF.
Fundamentando-se, em síntese, em que, podendo as hipotecas classificar-se como legais, judiciais e voluntárias (cfr. arts. 703º e ss. do CCivil) e dispondo o art. 714º deste mesmo Código que “sem prejuízo do disposto em lei especial, o acto de constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado”, então, no âmbito tributário e face ao actualmente disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 199º e no art. 195º (na redacção posterior à Lei nº 53-A/2006, de 29/12, que revogou o anterior nº 3 e alterou a redacção do nº 2), passou a resultar, indubitavelmente, deste nº 2, que se trata de uma norma especial reguladora da forma de constituição da hipoteca legal accionada pelo OEF (já que tal norma é expressa e clara ao referir que aquela se constitui com o pedido de registo à conservatória competente, que será efectuado por via electrónica, sempre que possível); e, por outro lado, tendo sido revogado o nº 3, a remissão operada pelo art. 199º para o regime do art. 195º tem que se entender, forçosamente, como fazendo estender aquela forma de constituição da hipoteca também às hipotecas voluntárias, sob pena de tal remissão ser totalmente vazia de conteúdo na parte referente precisamente ao regime da hipoteca voluntária oferecida pelo executado para efeitos de suspensão da execução.
Daí que, para a sentença recorrida, se deva concluir que nos casos em que, pelo executado, seja oferecida hipoteca voluntária sobre determinado imóvel, havendo concordância por parte do OEF que a aceite, deverá este promover a sua constituição pelos mesmos meios, mecanismos e formalismos através dos quais procede à constituição de hipotecas legais.

3.2. Do assim decidido discorda a Fazenda Pública que, sustenta, como se viu, que a natureza voluntária da hipoteca não permite que se lhe apliquem, de forma automática, as normas da hipoteca legal, sendo que, designadamente, a declaração de vontade do executado no sentido de constituir uma hipoteca voluntária sobre um imóvel de que é titular, terá de assumir a forma legal prevista no art. 714º do CCivil, não podendo o OEF substituir-se ao executado na prática deste acto por carecer de legitimidade para o fazer e cabendo, igualmente, ao executado que pretende prestar garantia através de hipoteca voluntária proceder ao seu registo na respectiva conservatória e sendo que, se vier a considerar-se que a garantia não era devida, os gastos efectuados pelo executado serão ressarcidos por parte da AT.
Vejamos, pois.

4.1. Nos nºs. 1 e 2 do art. 199º do CPPT, dispõe-se:
«Artigo 199º - Garantias
1. Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2. A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações».
Por sua vez, o art. 195º do CPPT dispõe o seguinte:
«Artigo 195º - Constituição de hipoteca legal ou penhor
l. Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor.
2. A hipoteca legal é constituída com o pedido de registo à conservatória competente, que é efectuado por via electrónica, sempre que possível.
3. (Revogado).
4. (…)
5. (…)»

4.2. Antes das alterações introduzidas pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, os nºs. 2 e 3 deste artigo 195º tinham a redacção seguinte:
«2. O órgão da execução fiscal deverá promover na conservatória competente, a favor da Fazenda Pública, o registo da hipoteca legal, quando for o caso.
3. Ao registo servirá de base o acto constitutivo respectivo.»

4.3. Da conjugação do disposto nestes normativos com o regime constante do CCivil, a sentença recorrida conclui que o nº 2 do art. 195º do CPPT consubstancia, actualmente (e contrariamente ao que sucedia até às alterações introduzidas pela Lei 53-A/2006) uma norma especial reguladora da forma de constituição da hipoteca legal accionada pelo OEF e que, tendo sido revogado o nº 3 do mesmo artigo, então a remissão operada pelo art. 199º para o regime deste art. 195º tem forçosamente que ser entendida como fazendo estender aquela forma de constituição da hipoteca também às hipotecas voluntárias.
Ou seja, no entendimento da sentença, o regime anterior às mencionadas alterações admitia a hipoteca legal e a hipoteca voluntária (por força da remissão operada no art. 199º) como meios legais para garantir dívidas fiscais, mas não estipulava regras especiais para a forma que aqueles actos deviam revestir, limitando-se a aceitá-los e a disciplinar os procedimentos da AT perante tais garantias. ( E o n° 3 do art. 195°, ao referir que para o registo serviria o acto constitutivo respectivo, reforçava a ideia de que não constituía essa norma, em si, disposição especial reguladora da forma para a hipoteca voluntária, face à norma geral contida no art. 714° do CC, já que, nos termos legais, o acto constitutivo respectivo seria sempre a escritura pública, o testamento, o documento particular autenticado.)
E assim, considerando que o CPPT é omisso quanto à indicação de tal forma e considerando que só são admissíveis como títulos daquelas garantias os meios previstos na lei geral [escritura pública para a hipoteca voluntária - art. 714º do CCivil - e certidão do título de que resulte a garantia e, se for necessário, declaração a identificar os bens, para a hipoteca legal - art. 50º do Código do Registo Predial], então, face à redacção conferida pela dita Lei 53-A/2006 a esse mesmo art. 195º e face à revogação do seu nº 3, o que resulta é que, agora, depois dessas alterações, o actual nº 2 do art. 195º do CPPT já se configura como uma norma especial reguladora da forma de constituição da hipoteca legal accionada pelo OEF, dado que o normativo é expresso e claro ao referir que aquela (hipoteca legal) se constitui com o pedido de registo à conservatória competente, que será efectuado por via electrónica, sempre que possível.
E tendo sido revogado o nº 3 do mesmo artigo, então também a remissão operada pelo art. 199º para o regime deste art. 195º tem forçosamente que ser entendida como fazendo estender aquela forma de constituição da hipoteca às hipotecas voluntárias, sob pena de tal remissão ser totalmente vazia de conteúdo na parte referente precisamente ao regime da hipoteca voluntária.

4.4. É sabido que a hipoteca legal, prevista nos arts. 704º a 709º do CCivil, é aquela que resulta directamente da lei, não dependendo, por isso, da vontade das partes e podendo constituir-se desde que exista a obrigação a que serve de garantia.
Já a hipoteca voluntária, prevista nos arts. 712º a 717º do mesmo compêndio, nasce de contrato ou de declaração unilateral, sendo que, de nos termos do art. 714º «Sem prejuízo do disposto em lei especial, o acto de constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado» (redacção dada pelo art. 4º do DL nº 116/2008, de 4/7).
De referir é, ainda, que o direito real de garantia conferido à hipoteca implica o respectivo registo para efeitos de eficácia em relação a terceiros, sendo que, no que respeita à hipoteca legal e judicial, o registo assume eficácia constitutiva.
Ora, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 195º do CPPT (cfr. igualmente a al. b) do nº 2 do art. 50º da LGT), a AT (OEF) pode constituir hipoteca legal quando «o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável». E esta hipoteca legal é constituída com o próprio pedido de registo à conservatória competente, a ser efectuado por via electrónica, sempre que possível (nº 2).
Por seu lado, também o executado que pretenda obter a suspensão da execução pode, nos termos dos nºs. 1 e 2 do art. 199º do CPPT, oferecer garantia idónea (se nenhuma estiver já constituída) e esta pode consistir, além do mais, em hipoteca voluntária, desde que para isso obtenha a concordância da AT e aplicando-se, então, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 195º.

No que se refere à hipoteca legal (constituída nos termos do art. 195º do CPPT) o respectivo registo é efectuado com base em documento comprovativo da decisão do OEF que declarou constituída aquela garantia.
Regime que parece manter-se apesar de a nova redacção do nº 1 do art. 195º do CPPT (introduzida pelo DL nº 53-A/2006, de 29/12) ter omitido a referência à necessidade de fundamentação da decisão constitutiva da garantia [e no nº 2 desse mesmo art. 195º, na redacção introduzida pelo citado DL também se diz que «a hipoteca legal é constituída com o pedido de registo à conservatória competente, que é efectuado por via electrónica, sempre que possível», o que, conjugado com o nº 1, poderia sugerir que o pedido de registo (comunicação) da hipoteca legal, formulado pelo órgão de execução fiscal, vale como título].
Ou seja, é de entender que continua a ser necessária uma decisão fundamentada do OEF, e que será esta decisão que consubstancia o acto constitutivo da hipoteca legal, de que terá que ser feita prova no processo de registo, ainda que o pedido seja formulado por via electrónica. (E parece ser esse também o entendimento do Cons. Jorge Lopes de Sousa quando, referindo-se à nova redacção, introduzida pela Lei n° 53-A/2006, de 29/12 e à omissão da referência à necessidade de fundamentação da decisão, pondera que essa necessidade de fundamentação «decorre da própria natureza de acto administrativo que tal acto tem» e que «deverá interpretar-se a alteração legislativa introduzida no n° 1 deste art. pela Lei n° 53-A/2006 como não afastando a necessidade de fundamentação, pois é a interpretação que se compagina com a Constituição, que impõe a fundamentação expressa e acessível dos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268°, n° 3, da CRP)» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Lisboa, Áreas Editora, Vol. III, anotação 7 ao art. 195º, pp. 392/393).)

4.5. No caso dos autos estamos, porém, perante o oferecimento de uma garantia que se corporiza em hipoteca voluntária (e não hipoteca legal) questionando-se se a remissão operada no segmento final do nº 2 do art. 199º do CPPT, para o disposto, com as necessárias adaptações, no art. 195º do mesmo CPPT implica que neste caso de oferecimento de garantia idónea por meio de hipoteca voluntária aceite pela AT, o ónus de promover a «constituição» e o pertinente registo de tal hipoteca voluntária incumba ao OEF e não já ao executado.
Ora, para além de, como acima se disse, o acto de constituição ou modificação de hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, poder constar não só de escritura pública mas também de documento particular autenticado [art. 714º do CCivil, com a redacção dada pelo DL nº 116/2008, de 4/7, diploma este que, igualmente, procedeu à revogação da al. h) do nº 2 do art. 80º do Código do Notariado ─ onde, especialmente, se previa que os actos de constituição, de modificação e de distrate de hipotecas, a cessão destas ou do grau de prioridade do seu registo, deviam ser celebrados por escritura pública, não se prevendo, então, a celebração por documento particular], há também que atentar na ressalva estabelecida na al. f) do art. 81º do referido Código do Notariado, onde se admite que sejam praticados nos termos da legislação especial respectiva, outros actos regulados na lei; nestes outros actos podendo, a nosso ver, ter-se por incluída a constituição de hipoteca voluntária no âmbito do disposto no aqui questionado art. 199º do CPPT e da aí indicada remissão adaptada para o regime da hipoteca legal por parte da AT, nos termos do art. 195º do mesmo CPPT, articulando-o, até, com o também disposto na al. h) do nº 1 do art. 2º e no art. 50º do Código do Registo Predial, segundo o qual o registo de hipoteca legal é feito com base em certidão do título de que resulta a garantia, se o serviço de registo não conseguir aceder à informação necessária por meios electrónicos e, tratando-se de prédio não descrito, em declaração que identifique os bens.
Será, portanto, título bastante para o registo da hipoteca voluntária convencionada no âmbito daquele procedimento de prestação de garantia em sede de execução fiscal, a decisão do OEF, desde que tenha sido adoptada em termos de ela mesma titular a constituição daquela garantia real (precisa e completa identificação dos prédios abrangidos - cfr. arts. 716º do CCivil e a al. b) do nº 2 do art. 44º do Código do Registo Predial - bem como a determinação do montante do crédito assegurado, dos seus acessórios e do respectivo fundamento (cfr. arts. 693º do CCivil e 96º do Código do Registo Predial).
Ou seja, da citada remissão que o nº 2 do art. 199º do CPPT faz para o regime previsto no art. 195º do mesmo Código resultará, a nosso ver, que ao interessado na prestação da garantia por meio de hipoteca voluntária que haja sido aceite pela AT, não seja exigível a outorga de escritura de tal hipoteca. E daí que, ao invés do sustentado pelo MP, também não entendamos que obste à aplicação deste regime o facto de a hipoteca legal ter por base um acto de natureza administrativa (susceptível de reclamação nos termos dos art. 276º a 278º do CPPT) e se poder constituir com o pedido de registo à CRP competente, por via electrónica, sempre que possível, sob pena de ineficácia mesmo entre as partes (art. 687º do CCivil). Aliás, nos termos do disposto no art. 50º do CRP, o registo da hipoteca legal (bem como da hipoteca judicial) é feito com base em certidão do título de que resulta a garantia e o registo definitivo da hipoteca voluntária também pode ser feito com base em documento que legalmente a comprove (nº 1 do art. 43º do CRP), sendo certo que o registo provisório, antes de titulado o negócio, é feito com base em declaração do proprietário ou titular do direito ─ art. 47º do CRP (regime que, aliás, se mantém, após as alterações introduzidas no CRP pelo recente DL nº 125/2013, de 30/8).
Concluímos, pelo exposto, que a sentença recorrida decidiu de acordo com a lei, devendo ser confirmada, sendo que, por um lado e como aí se exara, «a questão de se determinar qual a forma pela qual o executado deverá prestar a sua declaração unilateral de vontade de constituição de hipoteca voluntária já escapa ao âmbito da presente acção, uma vez que no caso o OEF não se pronunciou quanto a essa questão, limitando-se a aceitar, ainda que condicionalmente, a garantia oferecida» e, por outro lado, também nem sequer vem suscitada a questão do pagamento dos actos de registo, apenas a Fazenda alegando que os gastos efectuados pelo executado, se afinal se considerar que a garantia não era devida, serão ressarcidos, por parte da AT.
Impõe-se, portanto, a confirmação do julgado recorrido.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 25 de Setembro de 2013. – Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Valente Torrão.