Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0102/12
Data do Acordão:01/15/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:SUCURSAL FINANCEIRA EXTERIOR
IRC
PERSONALIDADE TRIBUTÁRIA
Sumário:I – As Sucursais Financeiras Exteriores licenciadas para operarem na Zona Franca da Madeira não têm personalidade jurídica nem personalidade tributária não podendo ser directamente sujeitos de relações jurídicas tributárias.
II – O sentido do nº 8 do art. 60º do CIRC (segundo redacção vigente à data dos factos), na parte a que se refere, como pressuposto da sua aplicabilidade, que “o sócio residente em território português, que se encontre nas condições do nº 1, esteja sujeito a um regime especial de tributação”, “(…), deve entender-se que tal só ocorre quando a generalidade dos rendimentos da entidade que é sócia da sociedade estrangeira estiver sujeita a um regime especial, não se verificando tal requisito quando aquela entidade é, nos termos da lei, sujeito passivo de IRC, embora beneficie de isenção em relação a determinada fonte dos seus rendimentos, os obtidos através da sua sucursal financeira exterior.
Nº Convencional:JSTA00068528
Nº do Documento:SA2201401150102
Data de Entrada:01/30/2012
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTLISBOA DE 2011/09/30
Decisão:PROVIDO
Indicações Eventuais:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUG JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRC ART60 N8
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01264/12 DE 2013/01/16.; AC STA PROC026362 DE 2001/11/14.
Referência a Doutrina:NUNO SAMPAYO RIBEIRO - A ZONA FRANCA DA MADEIRA E OS SERVIÇOS BANCÁRIOS DIREITO E JUSTIÇA VOLXI TOMOI 1997 PAG109.
ALBERTO XAVIER - MANUAL DE DIREITO FISCAL LISBOA 1974 CADERNOS DE CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL PAG78-79.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 30 de Setembro de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidação de IRC do exercício de 2005 (resultante da correcção à matéria colectável traduzida no acréscimo de €9.325.938,94 ao resultado tributável sujeito ao regime geral de IRC, por imputação à imputação à impugnante dos resultados líquidos apurados no exercício de 2005 pela sociedade B………… Ltd, efectuada nos termos do então artigo 60.º do CIRC, e na correspondente dedução do mesmo valor à parcela do resultado tributável ligado à actividade desenvolvida através da sua Sucursal Financeira Exterior (SFE) da Zona Franca da Madeira - ZFM).
O recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial, tendo o Tribunal “a quo” para tanto pugnado, após breve explicitação do enquadramento jurídico da natureza da SFE, bem como do fim visado com a criação do benefício fiscal que conferiu isenção de IRC aos rendimentos obtidos na Zona Franca da Madeira, e ainda do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, que, em 2005, sendo a Recorrente a detentora da totalidade do capital social do B………… e tendo procedido à afectação de tal participação à sua sucursal financeira exterior na Zona Franca da Madeira, sujeita ao regime de isenção temporária previsto no artigo 33.º do EBF, então por aplicação do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, não podia a administração tributária ter deixado de proceder à correcção de que resultou a liquidação impugnada;
2.ª Mais se pugnou naquela sentença que, no que concerne à invocada tributação dos sócios da Recorrente por força do disposto no n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, uma vez que são as primeiras entidades que se encontram na cadeia de participações residentes em território nacional e sujeitos ao regime geral de tributação, “(…) porque do que se trata é da tributação do lucro em bloco e não do lucro distribuído e, sócia do B…………, entidade que gerou os lucros em causa, é a Impugnante e não os seus sócios .” (cf. página 11 da sentença recorrida);
3.ª Ora, a sentença recorrida não deve proceder, porquanto incorre em erro de julgamento, uma vez que os fundamentos em que a mesma se alicerça são, que ´re
4.ª Desde logo, a fundamentação que subjaz à correcção “sub judice” padece de manifesta incongruência;
5.ª Com efeito, por força do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, artigo 125.º do CPA e no artigo 77.º da LGT, e como bem se refere no acórdão de 22 de Fevereiro de 2006 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01077/05, a fundamentação do acto tributário, como a de qualquer acto administrativo, tem de ser exteriorizada de modo claro, suficiente e congruente, para que se percebam as razões pelas quais o acto tributário foi praticado com o sentido decisório que lhe foi dado, permitindo ao destinatário conhecer os seus fundamentos, de modo a que ele perceba a motivação do seu autor, ficando assim, habilitado a decidir ataca-lo ou, ao invés, impugná-lo, sabendo neste último caso, como deve desferir o seu ataque, como contra-argumentar;
6.ª Todavia, na situação “sub judice” não é possível perceber se os serviços de inspecção tributária entendem verdadeiramente que a SFE localizada na Zona Franca da Madeira se trata de uma entidade autónoma, à qual não são imputados os lucros distribuídos pela B…………, em virtude da sua sujeição a um regime especial de tributação e consequente aplicação do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, ou se, pelo contrário, a entende como parte integrante da própria Recorrente sem qualquer autonomia, devendo então aqueles lucros ser tributados segundo o regime geral de tributação em IRC, que é o regime ao qual considera que a recorrente se encontra sujeita;
7.ª Ora, em conformidade com as disposições legais acima invocadas, semelhante contradição vicia a fundamentação do acto tributário “sub judice”, porquanto inviabiliza uma contra-argumentação por parte da ora recorrente que não seja a de que não podem tais razões de facto e de direito ser consideradas como fundamento do acto tributário em crise, devendo, desde já, ser anulada a liquidação impugnada e, nessa medida, a sentença recorrida;
8.ª Ainda que se entenda não ser procedente o vício supra alegado, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se admite, sempre se impõe concluir que se está em presença do vício de violação de lei decorrente de uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 60.º do Código de IRC e do artigo 33.º do EBF, ambos na redacção à data aplicável, o que, de qualquer modo, sempre determina a total improcedência dos fundamentos invocados pelos serviços de inspecção tributária e, nessa medida, do entendimento pugnado pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida;
9.ª A título prévio, atenta a circunstância de fundamentação da liquidação “sub judice”, bem como a sentença recorrida, revelarem uma apreciável confusão, quer sobre o conteúdo do benefício fiscal previsto no artigo 33.º do EBF, quer sobre o regime legal da imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado plasmado no artigo 60.º do Código do IRC, ambos na redacção à data aplicável, importa proceder, em síntese conclusiva, ao seu cabal esclarecimento;
10.ª Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º do EBF, as instituições de crédito e as sociedades financeiras instaladas na Zona Franca da Madeira até 2003 beneficiam, relativamente aos rendimentos da actividade aí exercida e mediante a observância de determinados requisitos, de isenção de IRC até 31 de Dezembro de 2011;
11.ª Assim nos termos do artigo 33.º do EBF, por um lado, são, na verdade, esses rendimentos que beneficiam da isenção, e não o sujeito passivo, cujo regime de tributação em nada se altera por força dessa isenção, excepto, evidentemente, nos casos em que esses rendimentos são os únicos que o sujeito passivo obtém e, por outro lado, não cura este preceito de saber o tipo de estrutura através da qual esses rendimentos são obtidos, designadamente se ela dispõe ou não de personalidade jurídica;
12.ª Acresce que, do mesmo modo, aquele preceito não estabeleceu qualquer restrição em razão da proveniência dos rendimentos gerados pela actividade das entidades instaladas na Zona Franca da Madeira (desde que os mesmos não resultem de operações com residentes em território português ou com estabelecimentos estáveis de não residentes aí situados), dispensando, assim, idêntico tratamento aos rendimentos provenientes de operações com não residentes sujeitos ou não a regimes fiscais claramente mais favoráveis;
13.ª Importa, neste âmbito, referir ainda o n.º 20 do citado artigo 33.º do EBF, na redacção à data aplicável, dispõe que as entidades que não exerçam em exclusivo a sua actividade nas zonas francas devem organizar a sua contabilidade de modo a permitir o apuramento dos resultados das operações aí realizadas, naturalmente para manter intacto o regime de tributação a que essas entidades já se encontravam sujeitas, obrigação que já impendia sobre a Recorrente, por força da alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC;
14.ª Quanto ao enquadramento jurídico subjacente ao artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, importa, em suma, referir que o mesmo consiste num mecanismo de imputação de lucros que, à semelhança do verificado em legislações de outros Estados, se dirige a contrariar práticas de diferimento de tributação através da utilização de jurisdições fiscais de reduzida ou nula tributação (cf. preâmbulo do Decreto-lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro), resultando, assim, mormente do n.º 1 do citado preceito legal, que a imputação dos lucros verifica-se sem necessidade da sua distribuição – isto é, sem que seja necessária a colocação à disposição de um dividendo – e na proporção da participação social detida por cada sócio no capital da sociedade CFC não residente;
15.ª O mecanismo é ainda completado por aquilo a que impropriamente se costuma chamar “desimputação” (cf. artigo 60.º, n.º 5 do Código do IRC, na redacção à data aplicável) e que, em boa verdade, serve para repor a “tributação normal”, isto é, devolver a tributação dos sócios ao domínio do princípio da capacidade contributiva, precisamente quando o motivo que subjaz à aplicação da norma CFC (diferimento de tributação) deixa de existir, isto é, quando a própria sociedade controlada coloca o rendimento à disposição dos titulares do respectivo capital;
16.ª Importa, por fim, atentar no n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, aditado pelo Decreto-lei n.º 266/98, de 23 de Novembro, no qual se determina que “Quando o sócio residente em território português, que se encontre nas condições do n.º 1, esteja sujeito a um regime especial de tributação, a imputação que lhe seria efectuada, nos termos aí estabelecidos, é feita directamente às primeiras entidades que se encontrem na cadeia de participação, residentes nesse território e sujeitas ao regime geral de tributação (…).” (sublinhado nosso);
17.ª Conforme se evocou na impugnação judicial, em face de todo o anteriormente exposto, não restam quaisquer dúvidas de que a análise sumária do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, conduz à conclusão da sua inaplicabilidade aos casos em que, como na situação “sub judice”, as participações sociais das sociedades localizadas em território com regime claramente mais favorável (os chamados “paraísos fiscais”) são detidas por um sujeito passivo sujeito ao regime geral de tributação, embora através de uma sucursal cujos rendimentos gozam – temporariamente – de uma isenção de imposto, sendo, assim, manifestamente improcedente o pugnado pelo Tribunal “a quo”;
18.ª Com efeito e, em primeiro lugar, importa reforçar que, no exercício de 2005, a titularidade jurídica da participação na B………… pertence à própria Recorrente e não à SFE, facto aliás, dado como provado na sentença recorrida (cf. ponto C da matéria de facto dada como provada), mormente por a sua sucursal na Zona Franca da Madeira, ser incapaz de ser titular de direitos de propriedade, pois carece de personalidade jurídica, sendo igualmente certo que, embora esta participação se encontre afecta à actividade desenvolvida pela Recorrente a partir da Zona Franca da Madeira, ou seja, à sucursal que aí opera (cf. ponto D da matéria de facto dada como provada), essa afectação em nada perturba a qualidade de acionista que a Recorrente mantém;
19.ª Na verdade, a lei, admitindo às sociedades a criação de formas legais de representação (cf. o artigo 13.º do Código das Sociedades Comerciais), não lhes reconhece personalidade jurídica, embora lhes atribua personalidade judiciária (cf. artigo 22.º do Código de Processo Civil e artigo 13.º, n.º 5, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras);
20.ª Acresce que, a afectação de uma parte do património da empresa a uma sucursal nada tem de estranho ou de invulgar, nem determina que, por tal circunstância, esta passe a consubstanciar uma entidade económica distinta, contrariamente ao que parece entender-se na sentença recorrida (cf. página 8 da mesma), pelo contrário, justamente por uma sucursal se consubstanciar numa parte da empresa de determinada pessoa jurídica, espacialmente separada do estabelecimento principal, que celebra negócios jurídicos de forma duradoura e autónoma é que lhe é indispensável uma certa afectação de meios, tanto humanos como materiais (cf. Portaria n.º 320/2002);
21.ª E, pois, neste contexto, que o n.º 20 do artigo 33.º do EBF, na redacção à data aplicável dispõe que as entidades que não exerçam em exclusivo nas zonas francas devem organizar a sua contabilidade de modo a permitir o apuramento dos resultados das operações aí realizadas, naturalmente para manter intacto o regime de tributação a que essas entidades já se encontram sujeitas;
22.ª Importa, pois, concluir que, com referência ao exercício de 2005, a SFE da Zona Franca da Madeira, enquanto estrutura representativa da Recorrente, participa da personalidade jurídica desta e, consequentemente, não é sequer sujeito passivo de imposto, pois, como é evidente, o sujeito passivo de imposto é a própria Recorrente, que se encontra sujeito ao regime geral de tributação, já que o benefício previsto no artigo 33.º do EBF, na redacção à data aplicável, não traduz qualquer regime especial de tributação aplicável à SFE ou sequer à Recorrente – não se trata, pois, de uma isenção subjectiva, trata-se antes de uma isenção objectiva concedida apenas aos rendimentos obtidos pela Recorrente através da sua actividade na Zona Franca da Madeira;
23.ª Portanto, sendo a Recorrente a sócia da B………… e o sujeito passivo do imposto, encontrando-se, no exercício de 2005, sujeita ao regime geral de tributação não se vê com que fundamento podem os serviços de inspecção tributária ter desencadeado a aplicação do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, razão pela qual, com este fundamento, a liquidação impugnada é ilegal, devendo, consequentemente, ser anulada e revogada, nessa medida, a sentença recorrida;
24.º Sem prescindir, ainda que se entenda não proceder o exposto, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se pode conceber, importa, em segundo lugar, explicitar que, mesmo se o n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data, fosse aplicável à situação sub judice, este preceito jamais conduziria à solução proposta pelos serviços de inspecção tributária e pugnada pela sentença recorrida;
25.ª Com efeito, ainda que se pudesse pressupor que, no exercício de 2005, a SFE da Recorrente na Zona Franca da Madeira fosse um sujeito passivo autónomo de imposto, sujeito a um regime especial de tributação – condição indispensável à aplicação do n.º 8 do artigo 60.º, na redacção à data aplicável -, a imputação nos termos daquele preceito legal haveria de ser “(…) feita directamente às primeiras entidades que se encontrem na cadeia de participação (…) sujeitas ao regime geral de tributação (…)”, ou seja, aos sócios da Recorrente que se encontrem sujeitos ao regime geral, porquanto são estes que, a seguir à sucursal, em primeiro lugar se encontram na cadeia de participações;
26.ª Efectivamente, contrariamente ao pugnado pelos serviços de inspecção tributária e pela sentença recorrida, tais relações de capitais inexistem entre um estabelecimento principal e uma sucursal, uma vez que embora a Casa-Mãe possa dotar de capital a SFE, conforme supra se aludiu, a SFE não constitui património autónomo do da Recorrente no âmbito da qual foi constituída (cf. Rui Duarte Morais, in Imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado – Controlled foreign companies – o artigo 60.º do CIRC, Publicações Universidade Católica, 2005, páginas 280 e 281, 323, 436 e 437 e Manuela Duro Teixeira, in Sucursais financeiras exteriores – Alterações introduzidas pela Lei n.º 30-F/2000, de 29 de Dezembro, Ciência e Técnica Fiscal n.º 401, Lisboa, página 175);
27.ª Por fim, para que dúvidas não subsistam, explicite-se que a regra prevista no n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, além de especial, constitui ainda uma extensão da incidência do imposto subjacente ao n.º 1 do mesmo preceito legal, pelo que, não só se encontra sujeita ao rígido princípio da legalidade fiscal, como é insusceptível de aplicação analógica (cf. artigo 103.º da CRP e artigo 11.º da LGT);
28.ª Assim, e em suma, o maior espartilho da norma anti-abuso anteriormente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 37/95 tem sempre subjacente a existência de “cadeia de participações”, sendo assim evidente que a intencionalidade da lei é manifesta no sentido de estarem em causa sociedades participadas, pois só em relação a estas a existência de uma cadeia de participação se coloca, pelo que tal expressão pressupõe, sempre, a existência de relações de capital, inexistente na relação “casa-mãe” e sucursal;
29.ª De resto, encontrando-se previamente à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 366/98 já definida a actividade da SFE no âmbito da Zona Franca da Madeira (cf. Decreto-Lei n.º 10/94, de 13 de Janeiro), bem como o regime de isenção de IRC no então artigo 41.º do EBF, não pode senão concluir-se que, atentos o preâmbulo daquele e o n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC aí consagrado, o legislador não pretendeu neste incluir tal realidade tributária;
30.ª Atento o exposto, identificando (bem) o Tribunal “a quo” a Recorrente como a única sócia do B………..., não pode depois, aquando da aplicação do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC (inadmissível no entender da Recorrente, repita-se), considerar que o mesmo determina que é a Recorrente e não os seus sócios que se encontram sujeitos ao regime de imputação de lucros previsto naquela norma;
31.ª Em suma, não pode o Tribunal a quo a todo o custo entender que há lugar à correcção “sub judice”, pretendendo, através de mera interpretação sem qualquer suporte na lei, impor tal desiderato, porquanto, face ao disposto no artigo 103.º da CRP, no artigo 11.º da LGT e no artigo 9.º do Código Civil, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não podendo ser considerado um resultado que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente;
32.ª Assim, atento todo o exposto, contrariamente ao entendimento pugnado pelos serviços de inspecção tributária, bem como pela sentença recorrida, não se afigura susceptível a aplicação, in casu, do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, improcedendo, também por este fundamento, a liquidação impugnada, a qual deve ser anulada e, nessa medida, revogada a sentença recorrida;
33.ª Esclarecida a inaplicabilidade da regra especial do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, importa evidenciar que a solução que conduz a aplicação da regra geral prevista no n.º 1 do citado preceito, quando conjugada com os n.ºs 1 e 20 do artigo 33.º do EBF, ambos na redacção à data aplicável, foi correctamente adoptada pela Recorrente, improcedendo assim o entendimento dos serviços de inspecção tributária, bem como do tribunal a quo;
34.ª Com efeito, foi nos termos do n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, que a recorrente procedeu em 2005, acrescendo à sua matéria colectável os lucros obtidos pela sua subsidiária B…………, contudo, encontrando-se a participação social dessa sociedade afecta à SFE que opera no âmbito da Zona Franca da Madeira, ao abrigo das regras de organização da contabilidade que, por força do n.º 20 do artigo 33.º do EBF (então em vigor), seriam aplicáveis, os lucros em crise foram imputados àquela sucursal, constituindo proveitos seus, ainda que isentos de IRC nos termos do n.º 1 do artigo 33.º do EBF, pelo que a sua efectiva tributação, conforme pretendem os serviços de inspecção tributária, esvazia, por via administrativa e sem qualquer apoio na lei, o conteúdo dessa isenção legalmente plasmada nesse preceito legal;
35.ª E, como se assinalou supra, a regra da imputação dos lucros prevista no n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, apenas pretende antecipar, para o exercício em que foram gerados, o momento da tributação desses lucros, não competindo a esta norma evitar a redução da carga fiscal a que há lugar pela eventual afectação de tal participação a uma SFE situada na Zona Franca da Madeira, como na situação sub judice, pois não sendo a regra geral susceptível de ampliar a carga fiscal que sobre aqueles lucros recairia, da sua aplicação – fundada numa ficção de distribuição desses lucros – não pode resultar uma tributação a que não haveria lugar caso eles fossem efectivamente distribuídos;
36.ª Com efeito, tal conclusão resulta quer da letra da lei, quer do preâmbulo do respectivo diploma, quer ainda do princípio da proporcionalidade, enquanto manifestação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva (cf. artigo 102.º, n.º 4 da CRP), pois embora constituindo uma norma anti-elisão, a tributação decorrente da aplicação do artigo 60.º do Código do IRC, na redacção à data aplicável, não é punitiva, não se pretendendo tributar rendimento que, de outro modo, não seria tributado, sendo precisamente nesta circunstância que se encontra o resultado apurado pela Recorrente, ao qual é aplicável o regime previsto no n.º 1 do artigo 33.º do EBF na redacção à data aplicável, não podendo, assim, deixar de relevar o benefício fiscal de isenção de IRC aí previsto;
37.ª Assim, atento o exposto, importa, pois concluir que se está em presença do vício de violação de lei decorrente de uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 60.º do Código do IRC e do artigo 33.º do EBF, ambos na redacção à data aplicável, o que sempre determina a total improcedência dos fundamentos invocados pelos serviços de inspecção tributária;
38.ª Razão pela qual a liquidação impugnada é manifestamente ilegal, devendo, consequentemente, ser anulada e revogada, nessa medida, a sentença recorrida.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo dessa Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, o acto tributário em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 231 a 233 dos autos, concluindo no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como alegado, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar conforme à lei - concretamente ao n.º 8 do artigo 60.º do CIRC - a correcção ao lucro tributável da impugnante relativo ao exercício de 2005 efectuada pela Administração tributária ao abrigo do disposto no então n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC e que se traduziu no acréscimo de €9.325.938,94 ao resultado tributável sujeito ao regime geral de IRC, por imputação à imputação dos resultados líquidos apurados no exercício de 2005 pela sociedade B………… Ltd, efectuada nos termos do então artigo 60.º do CIRC, e na correspondente dedução do mesmo valor à parcela do resultado tributável ligado à actividade desenvolvida através da sua Sucursal Financeira Exterior (SFE) da Zona Franca da Madeira (ZFM).
A alegação consistente na incongruência da fundamentação daquela correção apresentada pela Administração tributária no relatório de inspecção (cfr. conclusões 4.ª a 7.ª das suas alegações de recurso), embora igualmente invocada na petição inicial de impugnação (cfr. os artigos 10.º a 12.º da respectiva petição inicial, a fls. 5 dos autos), não o foi ali no sentido de que tal aparente incongruência ser geradora do vício de falta de fundamentação, ao invés o foi como geradora do vício de violação de lei (cfr. o artigo 13.º da petição inicial de impugnação, a fls. 5 dos autos), não havendo, pois, que nela conhecer no recurso com estes novos contornos por se afigurar como questão nova.


5– Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:
A. A impugnante é uma sociedade com sede em Portugal que exerce a actividade de “comércio bancário” – fls. 56;
B. A Impugnante dispõe de sucursal Financeira Exterior na zona franca da Madeira – fls. 57;
C. A Impugnante é detentora de 100% do capital do B…………, Ltd, com sede em Ilhas Cayman – fls. 58;
D. Relativamente ao exercício de 2005, a impugnante afectou o lucro obtido por B…………, Ltd, à parcela da sua actividade exercida por intermédio da sucursal financeira exterior na zona franca da Madeira – fls. 84 do PET;
E. A Impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, com incidência, além do mais, sobre o IRC do exercício de 2005, cujas conclusões constam de relatório a fls. 77 e ss do processo administrativo tributário (PAT);
F. De acordo com o relatório citado em A, da análise efectuada durante a acção de inspecção resultaram várias alterações entre as quais a que deu origem à liquidação aqui impugnada – fls. 119 do PAT;
G. Lê-se no relatório dos Serviços de Inspecção, relativo à acção referida em A:
«(…) Imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado (art. 60.º do CIRC)
- Eur. 9.325.938,96 – Regime geral de tributação
- (Eur 9.325.938,96) – Regime geral de isenção tributária
Montante referente aos lucros do B………… imputados à Sucursal Financeira Exterior, sujeita a um regime especial de tributação, e que nos termos do art. 60.º do CIRC, devem ser imputados ao regime geral de tributação (…)
Imputação de custos à SFE (Portaria n.º 360/2002, de 5 de Abril)
- Eur. 20.412.614,90 – Regime geral de tributação
- (Eur. 20.412.614,90) – Regime de isenção temporária
Correcção a efectuar ao regime geral de tributação e ao regime de isenção temporária referente aos custos operativos (de €10.206 307,45) calculados pelo Banco e a imputar à Sucursal Financeira Exterior na Zona Franca da Madeira, mas que erradamente foram imputados à sede, uma vez que foram acrescidos ao regime de isenção temporária e deduzidos ao regime geral de isenção (…)» - fls. 77 e 78 do PAT;
H. Mais adiante, lê-se no Relatório referido em C), com o Título DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
«(…) Imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado (art. 60.º do CIRC)
- Eur. 9.325.938,96 – Regime geral de tributação
- (Eur 9.325.938,96) – Regime geral de isenção tributária
O Banco acresceu ao lucro tributável da SFE o montante de EUR. 9.325.938,96, decorrente da aplicação do art. 60.º do CIRC. Este acréscimo deriva da participação no capital do B…………, Ltd, sedeado nas ilhas Cayman, território constante da lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Esta participação financeira encontra-se registada na conta 40 – Imobilizações Financeiras da Sucursal Financeira Exterior da Zona Franca da Madeira, razão pela qual o Banco efectuou as correcções ao lucro tributável no regime de isenção temporária a que a mesma está sujeita nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º do EBF. O que significa que os lucros por ela obtidos estão isentos de IRC, até 31 de Dezembro de 2011.
O Decreto-Lei n.º 37/95 de 14 de Fevereiro, ao introduzir o art. 57.º-B (actual art.º 60.º) no CIRC, veio consagrar na ordem jurídica nacional, uma medida anti-abuso com vista a contrariar a deslocalização de rendimentos para territórios que assegurem um regime fiscal privilegiado, através da acumulação por residentes, de resultados em sociedades por eles controladas naqueles territórios.
Assim, e como refere o preâmbulo daquele diploma, a medida consiste num simples regime de antecipação da consideração para efeitos de tributação em Portugal, dos lucros que cabem à participação do sócio residente. Isso traduz-se na imputação a este, independentemente da distribuição, da parte do lucro que lhe cabe, atendendo ao capital social detido, mas com aplicação de um regime semelhante ao dos lucros distribuídos.
Posteriormente, em Novembro de 1998, no sentido de reforçar as normas anti-abuso introduzidas na legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 37/95 foi o art. 57.º-B alterado e aditado com o n.º 8 dispondo este que, quando o sócio residente em território português, esteja sujeito a um regime especial de tributação, a imputação que lhe seria efectuada nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, será feita às primeiras entidades que se encontrem na cadeia de participações no território nacional, e sujeitas ao regime geral de tributação.
Como refere o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 366/98 de 23 de Novembro, que aditou o nº 8 ao art. 57.º-B (actual art. 60.º), a alteração introduzida pelo mesmo veio eliminar a possibilidade de contornar a aplicação do estatuído naquele artigo através da interposição, na cadeia de participações, de uma entidade residente em território português abrangida por um regime especial de tributação.
Posteriormente, com o intuito de facilitar a caracterização de um território ou país como “paraíso fiscal” ou com “regime claramente mais favorável”, veio a Portaria nº 1272/2001, de 9 de Novembro (posteriormente revogada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro), enumerar uma lista de países claramente naquela situação.
Com os diplomas já mencionados, o legislador quis garantir que os rendimentos obtidos por sociedades residentes em países territórios ou regiões com regimes de tributação privilegiada ficariam inequivocamente sujeitos ao regime geral de tributação.
O procedimento do Banco, de imputar ao lucro tributável da SFE os lucros obtidos pelo B………… no ano em que os mesmos são obtidos, e de os deduzir também ao lucro tributável da SFE, no ano da sua distribuição, resulta numa total isenção de tributação dos mesmos, seja qual for o momento.
Tal procedimento contraria o espírito do legislador ao introduzir na legislação nacional uma norma específica que visasse o combate ao uso de sociedades situadas em paraísos fiscais.
No caso concreto o Banco é, em termos jurídicos, o detentor da participação social no B…………, porque a SFE não tem personalidade jurídica, consistindo a mesma uma extensão do próprio Banco. Pelo que a participação daquela no B………… consubstancia uma participação directa e efectiva do A………….
No entanto, em termos tributários o Banco e a SFE são entidades distintas, separadas. Terá sido, talvez, essa a razão pela qual o Banco imputou essa participação ao regime de isenção temporária.
Neste sentido, não poderão ser tidos em consideração quaisquer ajustamentos ao lucro tributável da SFE do Banco efectuados nos termos do art. 60.º do CIRC, dado que a SFE está sujeita a um regime especial de tributação e o legislador, ao introduzir no Código do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas o art. 60.º (anterior art. 57.º-B), e alterá-lo posteriormente, visou “puxar” para o regime geral de tributação rendimentos que, de outra forma, nunca seriam tributados.
Assim os resultados apurados pelo B………… devem ser imputados pelo Banco ao regime geral e não ao regime de isenção, nos termos do art. 60.º do CIRC.
Face ao exposto, será anulado o acréscimo ao lucro tributável da actividade sujeita ao regime de isenção temporária, no montante de Eur.9.325.938,96, e será acrescido ao lucro tributável da actividade sujeita ao regime geral o mesmo montante, nos termos do disposto no art. 60.º do CIRC» - fls. 84 a 86 do PAT.»

6 – Apreciando
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 143 a 153 dos autos, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra liquidação adicional de IRC do exercício de 2005, na parte correspondente à correcção efectuada ao lucro tributável da impugnante traduzida no acréscimo de €9.325.938,94 ao resultado tributável sujeito ao regime geral de IRC, por imputação à imputação dos resultados líquidos apurados no exercício de 2005 pela sociedade B………… Ltd, efectuada nos termos do actual artigo 60.º do CIRC, e na correspondente dedução do mesmo valor à parcela do resultado tributável ligado à actividade desenvolvida através da sua Sucursal Financeira Exterior (SFE) da Zona Franca da Madeira (ZFM).
Julgou a sentença recorrida inverificado o vício de violação de lei que o impugnante imputara à referida correcção, no entendimento de que sendo a impugnante a detentora da totalidade do capital social do B…………, Ldt., com sede nas ilhas Cayman onde foi gerado o lucro tributável em causa, embora tenha procedido à afectação de tal participação financeira à sua sucursal financeira exterior na zona franca da Madeira e estando a referida SFE sujeita, à data a que se reporta a liquidação impugnada, ao regime de isenção temporária previsto no artigo 33º, nº 21, al. c) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por aplicação do citado n.º 8 do art. 60.º do CIRC, não podia a Administração Tributária ter deixado de proceder à correcção de que resultou a liquidação impugnada, na parte em que o é, tributando pelo lucro tributável gerado pelo B…………, no ano de 2005, a ora Impugnante, isto é, segundo o regime geral de tributação de IRC e não segundo o regime especial de isenção de que beneficiava a SFE (cfr. sentença recorrida, a fls. 152 dos autos). Mais considerou a sentença recorrida, quanto à alegação da Impugnante de que, se assim fosse, tributados deveriam ser os seus sócios e não ela, por serem eles as primeiras entidades, que se encontrem na cadeia de participação, residentes em território nacional e sujeitas ao regime geral de tributação, que, porque do que se trata é da tributação do lucro em bloco e não de lucros distribuídos e, sócia de B…………, entidade que gerou os lucros em causa, é a Impugnante e não os seus sócios, tal argumentação não procede.
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer junto aos autos, pronuncia-se pelo não provimento do recurso, essencialmente no entendimento de que a sentença recorrida fez uma interpretação da disposição legal aplicanda em conformidade com a intenção do legislador na criação da norma anti-abuso específica então constante do n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC.
Discorda do decidido o recorrente, imputando à sentença recorrida vício de violação de lei por errada interpretação do então n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC – disposição ao abrigo da qual foi efectuada a correcção questionada nos presentes autos – alegando, em síntese, não se verificarem no caso dos autos os pressupostos dos quais depende a aplicabilidade daquela disposição legal, pois que a Sucursal Financeira Exterior não é pessoa jurídica distinta do Banco impugnante, não está sujeita a regime especial de tributação e não é detentora de qualquer participação social no B…………, embora esta participação lhe esteja afecta.
Vejamos.
Que se saiba, não foi questionado pela Administração tributária, nem é questionada nos presentes autos, a legitimidade da afectação da participação social do B…………, Ldt., detido a 100% pelo A…………, à sua Sucursal Financeira Exterior (SFE) na Zona Franca da Madeira, antes a questão decidenda é a de saber se estão ou não reunidos os pressupostos dos quais depende a aplicação ao caso dos autos do então n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, com fundamento no qual a Administração tributária operou a correcção questionada nos autos, porquanto é indiscutível a verificação dos pressupostos previstos no n.º 1 daquele mesmo artigo.
Dispunha o referido preceito legal - o n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC - que:
«Quando o sócio residente em território português, que se encontre nas condições do nº 1, esteja sujeito a um regime especial de tributação, a imputação que lhe seria efectuada, nos termos aí estabelecidos, é feita directamente às primeiras entidades, que se encontrem na cadeia de participação, residentes nesse território e sujeitas ao regime geral de tributação, independentemente da sua percentagem de participação efectiva no capital da sociedade não residente, sendo aplicável o disposto nos nºs 2 e seguintes com as necessárias adaptações».
Resulta expressa e inequivocamente da letra do transcrito preceito legal que este é aplicável quando o sócio residente em território português, de sociedade residente fora desse território e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável (cfr. o n.º 1 do mesmo preceito legal), esteja sujeito a um regime especial de tributação.
A aplicação desta disposição ao caso dos autos passa, pois, por saber se o Banco recorrente, acionista único da B………… (cfr. a alínea C) do probatório fixado), está sujeito a um regime especial de tributação, sendo em relação ao recorrente, e não à sua Sucursal Financeira Exterior na Zona Franca da Madeira, que esta questão necessariamente se coloca, porquanto as Sucursais Financeiras Exteriores não têm personalidade jurídica nem personalidade tributária não podendo ser directamente sujeitos de relações jurídicas tributárias (cfr. os Acórdãos deste STA de 14 de Novembro de 2001, rec. n.º 26.362 e de 16 de Janeiro de 2013, rec. n.º 1264/12). É que, o facto de estarmos perante uma norma especial anti-abuso, introduzida com o propósito assumido de reagir contra determinados comportamentos destinados a contornar a regulamentação do art. 57º-B, concretamente aqueles que se traduzissem na “interposição, na cadeia de participações, de uma entidade residente em território português abrangida por um regime especial de tributação (cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 266/98, de 23 de Novembro, que aditou ao então artigo 57.º-B do Código do IRC o seu n.º 8) não legitima - pois que tal se encontra expressamente vedado pelo princípio da legalidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República) -, que a respectiva estatuição possa ser aplicada independentemente dos pressupostos estabelecidos pelo legislador na sua previsão, numa interpretação funcionalizada ao objectivo de combate à evitação fiscal.
Ora, à questão de saber se o recorrente se encontra sujeito a um regime especial de tributação, em virtude de dispor de Sucursal Financeira Exterior na zona franca da Madeira (cfr. a alínea B) do probatório fixado) – já este Supremo Tribunal deu resposta por Acórdão de 16 de Janeiro de 2013, proferido no recurso n.º 1264/12, sendo esta em sentido negativo, porquanto, como aí se consignou, deve entender-se que tal só ocorre quando a generalidade dos rendimentos da entidade que é sócia da sociedade estrangeira estiver sujeita a um regime especial, não se verificando tal requisito quando aquela entidade é, nos termos da lei, sujeito passivo de IRC, embora beneficie de isenção em relação a determinada fonte dos seus rendimentos, os obtidos através da sua sucursal financeira exterior.
É este entendimento que sufragamos também aqui, pelos fundamentos aí expostos e porquanto a isenção – real, temporária e cujo âmbito varia em função de cada actividade, nas expressivas e precisas palavras de NUNO SAMPAYO RIBEIRO ( Cfr. NUNO SAMPAYO RIBEIRO, «A Zona Franca da Madeira e os Serviços Bancários - Breve conspecto acerca da evolução do regime legal relativo ao âmbito de operação conexo à isenção de tributação sobre o rendimento», Direito e Justiça, volume XI, tomo 1, 1997, p. 109).) - de que beneficiavam os rendimentos da ora recorrente gerados através da sua Sucursal Financeira Exterior na Zona Franca da Madeira (ex vi do então artigo 33.º n.º 1 alínea c) do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF), tem por efeito, como é próprio das isenções ( Cfr. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1974, pp. 281/282 e NUNO SÁ GOMES, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (165), 1991, pp. 78 e 79.), “impedir” ou “paralisar” os efeitos próprios do regime de tributação-regra, reaparecendo estes uma vez cessada a isenção, razão pela qual tal isenção não se configura como um “regime especial de tributação” para efeitos de aplicação do disposto no então n.º 6 do artigo 60.º do Código do IRC ou sequer como um “regime de tributação”.
E assim sendo, não estando o recorrente sujeito “a um regime especial de tributação” – estando antes sujeito ao regime geral de tributação de IRC beneficiando embora de uma isenção em relação aos rendimentos da sua actividade gerados através da sua Sucursal Financeira Exterior na Zona Franca da Madeira -, tem-se por inverificado um dos pressupostos de que depende a aplicação do então n.º 8 do artigo 60.º do Código do IRC, carecendo de fundamento legal a correcção efectuada pela Administração tributária e impondo-se a revogação, por erro de julgamento, da sentença recorrida que a entendeu conforme à lei, julgando-se, ao invés, procedente a impugnação judicial e em consequência anulando-se a liquidação de IRC sindicada na parte em que se encontra inquinada em virtude de tal correcção.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação, anulando a liquidação sindicada na parte impugnada.

Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Casimiro Gonçalves.