Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0157/10
Data do Acordão:06/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
PLURALIDADE DE RECURSOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I - Sendo revogada por acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional a sentença na parte recorrida, fica sem objecto, a determinar a extinção da instância (cfr. art. 287.º, alínea e), do CPC), o recurso dessa mesma parte da sentença que, interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, foi por este remetido a este Supremo Tribunal Administrativo na sequência da decisão sobre a competência em razão da hierarquia.
II - A infracção das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final, devendo ainda o tribunal, na decisão que declare a incompetência, indicar o tribunal que considera competente (cf. arts. 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e 13.º do CPTA).
III - Em regra, a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito (arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, no art. 280.º, n.º 1, do CPPT).
IV - Quando nas conclusões de recurso se discorda da apreciação da prova feita na sentença recorrida, se discorda das ilações de facto retiradas dos factos dados como provados e se invocam factos que não foram dados como assentes pela decisão recorrida e dos quais se pretendem extrair consequências jurídicas, é de considerar que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de direito.
Nº Convencional:JSTA00067670
Nº do Documento:SA2201206140157
Data de Entrada:03/01/2010
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM
Decisão:INCOMPETÊNCIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB
DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPC96 ART287 E ART684 N3
CPPTRIB99 ART16 ART18 N2 ART280 N1
ETAF02 ART26 B ART38 A
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC738/09 DE 2009/12/16; AC STA PROC189/10 DE 2010/04/21
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A…… (adiante Oponente) deduziu oposição a uma execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e coimas aplicadas em processo de contra-ordenação fiscal, reverteu contra ele por ter sido considerado pelo órgão de execução fiscal como responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou a oposição procedente, no que respeita às dívidas provenientes de coimas, e improcedente, quanto às demais dívidas.
Isto, em síntese, porque considerou,
·quanto às dívidas provenientes de impostos, após distinguir o regime do ónus da prova da culpa relativamente às dívidas que deveriam ter sido pagas no período de gerência do Oponente daquelas que apenas se constituíram nesse período, que ficou demonstrada a culpa do Oponente pela insuficiência do património da sociedade originária devedora para responder por todas as dívidas exequendas, motivo por que responde subsidiariamente por elas;
·quanto às dívidas provenientes de coimas, que se verifica a inconstitucionalidade do art. 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por violação do princípio da intransmissibilidade das penas consagrado no art. 30.º da Constituição da República (CRP).

1.3 Dessa sentença foram interpostos três recursos: um, pelo Oponente, para este Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 291); outro, pela Fazenda Pública, para o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. fls. 293); o terceiro, pelo Ministério Público, para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 292).
Os recursos foram admitidos, para subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 O Oponente apresentou alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Porque a execução foi instaurada em data posterior à destituição do oponente como gerente da primitiva devedora;

2. Porque o período legal de pagamento da dívida exequenda é posterior a essa destituição;

3. Porque a AF juntou aos autos que a facturação é posterior à destituição do Oponente gerou a liquidação de IVA no montante de € 42.0160,52;

4. Porque esse valor de IVA, ponderando a taxa de 19% em vigor no ano a que se reporta (2003) é demonstrativo de uma facturação de € 262.896,22, ou seja, mais do dobro daquilo que é exigido ao ora Oponente;

5. Para além do crédito de IVA no montante de € 51.782,96

6. Porque da fundamentação não consta que os documentos juntos com as alegações tenham sido ponderados
- a matéria de facto dada como provada é insuficiente, devendo ser ampliada no sentido de que após a destituição do Oponente a B...... facturou, pelo menos, o montante de € 262.896,22;

7. Porque nos termos do disposto no n.º 1 a) da Lei Geral Tributária, a reversão pressupõe que seja efectuada a prova da culpa do gerente pela verificada insuficiência patrimonial;

8. Porque essa culpa não se presume e o ónus respectivo impende sobre a Administração Tributária;

9. Porque a Administração Tributária não fez prova dessa mesma culpa, pelo contrário;

10. Porque o oponente fez prova que a sociedade à data da destituição tinha património suficiente para esse mesmo pagamento, seja por crédito de Iva, seja pelos equipamentos que deixou na sociedade e que a nova gerência transferiu para uma nova empresa que constituiu e que ainda alienou o desbarato um terreno;

11. Porque as certidões de dívida juntas aos autos evidenciam que posteriormente a essa destituição, a sociedade facturou valores bem superiores à dívida exequenda e, não obstante, a nova gerência não os aplicou no pagamento da dívida exequenda

12. Nova gerência que não renovou o alvará e que transferiu para uma outra sociedade com o mesmo objecto social para a qual transferiu a totalidade dos activos da devedora B……Lda.,

13. Fundamento bastante até para que seja equacionada a descaracterização da personalidade jurídica das referidas empresas,

14. Porque o Tribunal nem sequer ponderou os factos que deu como provados que bem evidenciam que a nova gerência transferiu para a C…… todo o património da B…… Lda., parte através da factura n.º 569 e, o restante, através da venda a um familiar de um terreno, por valor simbólico e o remanescente do imobilizado, ou seja os equipamentos necessários à actividade de construção, através das facturas que a AF, por cruzamento de informação, logrou apurar e que constam do documento n.º 8 junto com a Oposição e que a AF tempestivamente não impugnou e,

15. A Conclusão da Douta Sentença em crise nem sequer ponderou a circunstância de no Relatório se ter evidenciado que parte das dívidas reclamadas se reportarem a período posterior ao da Exoneração do Oponente como gerente da B…… Lda.

- Demonstrado que foi que o não pagamento da dívida exequenda não é imputável ao oponente mas sim à nova gerência que expurgou a primitiva devedora do seu património, transferindo para uma nova sociedade os equipamentos aptos ao prosseguimento da mesma actividade estatutária, alienado a familiares e ao desbarato de um terreno que a devedora possuía e não renovando o alvará daquela;

Demonstrado ficou que a Douta Sentença em crise nem sequer ponderou em sede de conclusão as dívidas constituídas em momento posterior ao da destituição do Oponente, o que, salvo o devido respeito, constitui erro mais que notório.

A Douta Sentença em crise viola, assim, ostensivamente, o disposto nos arts. 264.º, n.ºs 2 e 3, e 659.º, n.º 3, do CPC, 368.º, 374.º e 376.º, Cód. Civil e art. 24.º, n.º 1, a), da LGT, pelo que deve ser revogada».

1.5 A Fazenda Pública apresentou alegações, que resumiu no seguinte quadro conclusivo:

«a) A douta sentença violou o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do Art.º 8.º do RGIT quando julgou inconstitucional aquela norma legal, por a mesma violar o princípio da intransmissibilidade das penas e o princípio da presunção de inocência do arguido (Vide Art.ºs 30.º e 32.º da CRP), na esteira do entendimento proferido em alguns Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 2008/13/12, proc. n.º 01053/07 e de 2008/02/27, proc. n.º 01057/07;

b) Submetida obrigatoriamente a análise o Tribunal Constitucional, declaração de inconstitucionalidade das alíneas a) e b) do Art.º 8.º do RGIT, emitida pelo Supremo Tribunal Administrativo, caiu por terra;

c) Já que o entendimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 129/2009, de 12 de Março (Proc. n.º 649/08, 3.ª Secção) foi no sentido dos gerentes e administradores das sociedades serem responsáveis civilmente pelo não pagamento das coimas fiscais imputadas a estas sociedades e que para eles foram revertidas. Responsabilidade que decorre da ilicitude e culpa que os administradores ou gerentes tem na insuficiência patrimonial da sociedade e a consequente falta de capital para pagar tais coimas;

d) O Tribunal Constitucional considera que não existe qualquer transmissibilidade penal ou contra-ordenacional, mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Tributária, na não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima devida. E, que a responsabilidade subsidiária, nestes casos, não resulta do facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, decorrente de uma acção ou omissão do gerentes e administradores que criaram um dano à Administração Tributária. É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil;

e) Ainda que se aceite que o princípio da presunção da inocência do arguido também tem aplicação no âmbito dos processos de contra-ordenação, o certo é que no caso sub judice, não se trata de u imputação a terceiro de uma infracção contra-ordenacional relativamente à qual não possui possibilidade d defesa mas sim dum mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que não se confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima;

f) Além disso, a Administração Tributária cumpriu o ónus que sobre ela recaía de provar que foi por culpa do oponente que o património societário se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais (ide factos constantes do probatório que conduzem à conclusão segura que insuficiência do património societário resultou da deficiente gestão do oponente, ora recorrido);

g) Daqui resulta que, não se deve manter a inconstitucionalidade das als. a) e b) do n.º 1 do Art.º 8.º do RGIT sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo, e reiterada pelo Mm.º Juiz [do Tribunal] “a quo” na sentença recorrida, antes sendo de entender julgar como não inconstitucionais as citadas normas, concedendo provimento ao presente recurso e ordenando a anulação da sentença em conformidade com o juízo de constitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional (Cfr. Ac. do TC n.º 129/2009, de 12 de Março, proc. n.º 649/08, 3.ª Secção)».

1.6 O Oponente contra alegou o recurso interposto pela Fazenda Pública,

«1- Porque nos termos do plasmado no art. 70.º da CRP ao Tribunal Constitucional apenas cumpre aferir da constitucionalidade das normas aplicadas ou recusadas pelos demais Tribunais;

- O mesmo não conhece das eventuais ofensas das Decisões aos princípios constitucionais;

2- Porque a norma do art. 8.º, abstractamente, não colide com o princípio constante do art. 30.º n. 3 da CRP, que proíbe a transmissibilidade das penas,

- Pois que a sanção, verificada a previsão constante do indicado normativo, apenas é imposta ao gerente que delapidou o património da executada ou afectou a fim diverso os meios por esta libertos, agindo, assim, com culpa sendo, por isso, responsável por esse pagamento

3- Porque o art. 8.º do RGIT, abstractamente, não colide com o princípio que afasta a indefesa, ou da presunção de inocência

- Não é a norma em si que colide com o indicado princípio consagrado no art. 32.º, n.º 2 da CRP.

Tais princípios, são assim, factos constitutivos do direito à Reversão que casuisticamente o Tribunal deve apreciar, sendo obrigação elementar da Fazenda, abster-se de formular pedidos que saiba ofenderem tais regras, o que é diverso e concreto. Assim,

4- Porque no caso em apreço, a AF vem exigir do Oponente a satisfação de dívidas fiscais quando a Fazenda sabe e não pode validamente ignorar que no momento em que o mesmo foi exonerado da gerência, a devedora B…… não só tinha património largamente superior ao da dívida exequenda, seja em equipamentos, terreno, crédito a reportar de IVA, capacidade instalada e imobilizado que permitiu uma facturação dos três meses subsequentes de montante superior a € 250.000,

- O que emerge do documentos por si juntos aos autos a 6/2/2009, com força probatória plena face ao plasmado com meridiana clareza nos art. 352.º, 368.º e 376.º, n.º 2 do Cód. Civil;

- O que já resultava do facto de não tempestivamente impugnado os doc. n. 8 que instruiu as Alegações apresentadas e primeira Instância;

- Não só não se verificam os pressupostos da reversão no que tange à insuficiência patrimonial, como à culpa dessa insuficiência que é superveniente e resulta da actuação reprovável da nova gerência;

- Como também a AF vem exigir o pagamento de coimas que sabe resultarem essencialmente da actuação concreta da nova gerência que facturou aqueles valores e não deu entrada nos cofres nem do IVA liquidado nas operações de ocultação de bens nem os meios libertos foram afectos ao pagamento da dívida exequenda;

- Como também a AF deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora em pode validamente ignorar

- Como ainda a AF vem exigir o pagamento de coimas fixadas em processo que bem sabe não ter sido precedido de audição prévia do ora Oponente, no qual não interveio, defendendo-se

A Actuação concreta da AF é, destarte, violadora da CRP, o que é inqualificável

5- Porque bem sabe que foi a nova gerência que o delapidou ou ocultou o património;

6- Porque a AF bem sabe que os actos a que a nova gerência procedeu violam ostensivamente o plasmado no art. 610.º do C. Civil, sendo suficientes à Impugnação Pauliana que lhe competia promover;

7- Porque não obstante, vem imputar ao Oponente responsabilidade pela insuficiência patrimonial, bem sabendo que tal facto resulta de acto de nova gerência e da passividade da própria AF;

8- Porque essa passividade é absolutamente contrária à prática comum e quotidiana que a leva a participar criminalmente e a deduzir o inerente pedido de indemnização por fraude fiscal, como é acessível para quem se dê ao trabalho de consultar o site ITIG

A Actuação da AF, no caso concreto, deve ser severamente penalizada, condenando-se a mesa em exemplar multa e indemnização como litigante de requintada má fé, com valores que representem a gravidade da ofensa e a necessidade de prevenção de ulteriores prevaricações.

Termos em que embora por fundamento diferente, as Doutas Alegações devem ser julgadas improcedentes, reconhecendo-se que não se verificam os pressupostos da Reversão e que no caso concreto, a pretensão da AF é contrária aos ditames dos art. 30.º e 32.º da CRP, à comezinhas regras de imparcialidade e decência a que alude o art. 55.º da LGT, à ética mínima de procedimentos, designadamente, os que decorrem da confissão através dos documentos por ela própria juntos ou dos carreados pelo Oponente e que a mesma tempestivamente não impugnou, assumindo, nos presentes autos um, comportamento de chicana processual em manifesta contradição com o habitualmente adoptado em casos idênticos, devendo, por isso, ser exemplarmente condenada como litigante de requintada má fé nos termos do plasmado no art. 104.º n.º 1 da LGT e 456.º do CPC na multa máxima e na indemnização que este Venerando Tribunal fixar, ponderando a gravidade da ofensa e as necessidades de prevenção futura e a probidade exigível à Fazenda nacional».

1.7 Os autos foram remetidos ao Tribunal Central Administrativo Sul, que, após salientar que «[n]o que toca aos recursos interpostos pelo oponente e pelo RFPública, a ser este [aquele] Tribunal o competente para conhecer do interposto pelo primeiro, sê-lo-á, também, para apreciar o interposto pela segunda», conhecendo da competência em razão da hierarquia relativamente ao recurso que lhe foi endereçado – o que foi interposto pela Fazenda Pública –, declarou-se incompetente e indicou como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual remeteu os autos a requerimento da Recorrente.

1.8 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Juiz relator remeteu os autos ao Tribunal Constitucional, a fim de aí ser conhecido o recurso interposto pelo Ministério Público para esse Tribunal, que foi admitido com subida imediata e efeito suspensivo.

1.9 O Tribunal Constitucional, julgando não inconstitucional a norma do art. 8.º do RGIT «na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal», concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida para ser reformada de acordo com esse juízo de não inconstitucionalidade.

1.10 Devolvidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que se considerem prejudicados os recursos pela decisão do Tribunal Constitucional e se remetam os autos à 1.ª instância.

1.11 O Juiz relator ouviu as partes sobre a questão, por ele suscitada, da eventual incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia para conhecer do recurso interposto pelo Oponente.

1.12 Com dispensa dos vistos, cumpre apreciar e decidir, sendo que as questões a dirimir são, como procuraremos demonstrar, apenas as de saber (i) se ficou prejudicado o recurso interposto pela Fazenda Pública pela decisão dada ao recurso para o Tribunal Constitucional e (ii) se este Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da hierarquia para conhecer do recurso interposto pelo Oponente.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

«A) A execução fiscal foi inicialmente instaurada, no dia 20/07/2005, no Serviço Local de Finanças de Lagos, contra B……., Lda., para cobrança de créditos de IVA, IRS e IRC e respectivos juros compensatórios, relativos aos anos de 2001 a 2003 e Coimas Fiscais.

B) Não foi encontrado qualquer pertencente à devedora susceptível de penhora.

C) Por despacho do Chefe daquele Serviço Local de Finanças a execução fiscal reverteu contra aquele por naquele período de tempo o memo estar inscrito no registo comercial como gerente dela.

D) O Oponente esteve inscrito no registo comercial como gerente da sociedade desde o dia 17/8/1987 até ao dia 4/7/2003 (a assembleia da sociedade deliberara essa destituição no dia anterior).

E) Em 20 de Novembro de 2002 o oponente vendeu uma viatura da marca Mercedes, com a matrícula …… à sociedade D……, Lda., pelo preço de € 14.124,00, a qual era propriedade da sociedade B……, Lda., o cheque da venda foi depositado na sua conta pessoal com o n.º …… do Crédito Agrícola;

F) O oponente movimentou em proveito próprio várias importâncias da sociedade (a sociedade obrigava apenas a uma assinatura), depositando, em 2/8/2002, 11/9/2002 e 11/7/2003, na conta …… junto do BPN em nome de A……, os cheques fotocopiados a fls. 73, 76, 79 e 80, emitidos em nome da B……., Lda., pela cliente E……, Lda., correspondentes ao pagamento de trabalhos executados por aquela sociedade.

G) O oponente efectuou o levantamento em dinheiro através de cheque da sociedade B……, Lda., (cópia do cheque a fls. 82), emitido em 3/7/2003, no montante de € 38.900 da conta do BES, por si assinado e levantado pela funcionária F……, na data da sua destituição de funções de gerência, deixando a conta praticamente sem provisão.

H) A B……., Lda., não renovou o seu alvará para o ano de 2004, tendo este caducado em 31/12/2004 (doc. de fls. 117).

I) G……. e H……, respectivamente a ex-cônjuge e o filho do oponente, constituíram em 12/8/2003, a sociedade C……, Lda., com o mesmo objecto social da executada B……, Lda. (docs. de fls. 121 a 133).

J) Em 18/8/2003 a sociedade C……, Lda., através da factura 569 adquiriu à executada B……, Lda., parte do património desta, conforme discriminado nessa factura (cfr. cópia da factura a fls. 136 e docs. de fls. 137 a 140).

K) Em 21/11/2003 a B……, Lda., vendeu a I…… um terreno rústico sito na ……., freguesia de Bensafrim, concelho de Lagos, pelo valor declarado de 2500 Euros (doc. de fls. 141 a 145).

L) Em 10/10/2006 a DDF de Faro certificou que, relativamente à B……., Lda., consta na conta de corrente de EXCESSO A REPORTAR, desde 2003/05/12, um crédito de € 51.872,96 (doc. de fls. 155/156).

M) As dívidas em execução [referidas na al. a) supra] são as discriminadas nas certidões executivas de fls. 27 e 28 e nas relações anexas de fls. 32 a 35, donde resulta com interesse para a decisão:


ProcessoCertidãoPeríodoTributoPagamento
1074200501045946265032002-01 2003-12Coima
10742005010427771570812003IVA2005/08/12
10742005010375871762742001IRS
10742005010375871762752002IRS
1074200501045008
1074200501045008
1074200501045008
1074200501045008
1074200501045008
1074200501045008 1074200501045008
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215503 215504 215505 215506 215507 215508 215509 215510 215511 215512 215513 215514 215515 215516 215517 215518 215519 215520 215521 215522 215523 215524 215525 215526 215527 215528 215529 215530 215531 215532 215533 215534 215535 215554 215555 2003-07 2003-07 2003-07 2003-07 2003-08 2003-08 2003-09 2003-09 2003-09 2003-09 2003-10 2003-10 2003-10 2003-10 2003-12 2003-12 2001-03 2001-03 2001-03 2001-03 2001-08 2001-08 2001-08 2001-08 2002-01 2002-01 2002-01 2002-01 2002-02 2002-02 2002-03 2002-03 2002-04 2002-04 2002-04 2002-04 2002-05 2002-05 2002-05 2002-05 2002-06 2006-06 2002-06 2002-06 2002-07 2002-07 2002-07 2002-07 2002-08 2002-08 2002-08 2002-08 2002-09 2002-09 2002-09 2002-09 2002-11 2002-11 2002-12 2002-12 2002-12 2002-12 2003-03 2003-03 2003-03 2003-03 2002-10 2002-10 2002-10 2002-10 IVA
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2005.09.01
2005.09.01
2005.09.01
2005.09.01
2005.09.01
2005.09.01
2005.09.01
10742005010388772191382002IRC
10742005010407582419622003IRC

N) Quanto às dívidas de IRS de 2001 (Retenção na Fonte) o prazo de pagamento voluntário terminou em 2005-06-15, cfr, certidão de fls. 249, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

O) Quanto às dívidas de IRS de 2002 (Retenção na Fonte) o prazo de pagamento voluntário terminou em 2005-06-15, cfr. certidão de fls. 249, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

P) Quanto às dívidas de IRC de 2002, o prazo de pagamento voluntário terminou em 2005-07-16, cfr. certidão de fls. 249, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

Q) Quanto à dívida referente à coima e custas, fixada no processo de contra-ordenação n.º 1 074-04/6011373, o prazo de pagamento voluntário terminou em 2005-09-12, cfr., cujo teor aqui se tem por reproduzido.

R) Relativamente às dívidas de IVA do ano de 2003, a Administração Fiscal resulta de fls. 258 e 259 destes autos:

TOTAL DAS LIQUIDAÇÕES


S.PERTIPM N.LIQUI. DATA.LIQ . MONTANTEDT.LIMITENOTCP SIT
0309JCLA05161192
2005/06/04
129,66
2005/08/31
S
N
NAOREG
0309LAFI05161191
2005/06/04
3879,22
2005/08/31
S
N
NAOREG
0308LAFI05161190
2005/06/04
418,00
2005/08/31
S
N
NAOREG
0307JCLA05161189
2005/06/04
285444,65
2005/08/31
S
N
NAOREG
03LO05025739
2005/02/12
2244,60
2005/08/31
S
N
NAOREG
0210JCLA05202480
2005/06/19
36,44
2005/08/31
S
N
NAOREG
0210LAFI05202479
2005/06/19
445,93
2005/08/31
S
N
NAOREG


TOTAL DAS LIQUIDAÇÕES

S.PERTIPMN.LIQUIDATA.LIQ. MONTANTEDT.LIMITENOTCPSIT
06LO071132122007/06/09
1496,40
2007/12/06
S
N
NAOREG
05LO062685232006/11/04
1496,40
2007/05/03
S
N
NAOREG
04LO061157722006/06/24
2244,60
2006/12/21
S
N
NAOREG
0303LOLA051640712005/06/04
57,37
2005/08/31
S
N
NAOREG
0303JCFI051640702005/06/04
1074,89
2005/08/31
S
N
NAOREG
0312LAFI051611952005/06/04
276,57
2005/08/31
S
N
NAOREG
0310LALA051611942005/06/04
238,70
2005/08/31
S
N
NAOREG
0310JCFI051611932005/06/04
7920,35
2005/08/31
S
N
NAOREG

O) As dívidas de IVA do ano de 2003, cujo facto constitutivo ocorreu até 04/07/2003, são (cfr. fls. 265);
- 2003/03 – liq. 051 64070 – 1.074,89 – 2005-09-01;
- 2003/03 – J. comp. Liq. 05164071 – 57,37 – 2005-09-01».

2.1.2 Relativamente à matéria de facto não provada, ficou dito na sentença recorrida:

«- Não se provou que a certidão de dívida no montante de € 17.679,50 se reporta essencialmente a facturas emitidas posteriormente à destituição do oponente como gerente e parcialmente à venda de bens que foram retirados do activo da executada em benefício da G…… e seu filho e sócio;

- Não se provou que a facturação posterior à destituição do oponente ascende a € 257.863,94;

- Não se provou que na data de 31/12/2002 o imobilizado da executada originária era suficiente para pagamento da dívida exequenda».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DO RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA

A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida no presente processo de oposição à execução fiscal para o Tribunal Central Administrativo Sul, que se declarou incompetente em razão da hierarquia, declarando que a competência para conhecer desse recurso é deste Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que considerou estar em causa exclusivamente uma questão de direito, qual seja a respeitante ao juízo sobre a constitucionalidade da norma do art. 8.º do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelo pagamento de coimas aplicadas às sociedades onde exerciam funções de administração.
Aceitando nós essa competência, sucede que, entretanto, foi decidido pelo Tribunal Constitucional o recurso interposto pelo Ministério Público da mesma sentença, tendo aquele Tribunal decidido pela não inconstitucionalidade da norma do art. 8.º do RGIT «na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal», motivo por que concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença – na parte recorrida, subentende-se – para ser reformada de acordo com esse juízo de não inconstitucionalidade.
Em face da decisão do Tribunal Constitucional, o recurso interposto pela Fazenda Pública, que tinha como objecto a sentença na parte em que esta tinha julgado procedente a oposição à execução fiscal, ou seja, na parte em que se referia às dívidas provenientes de coimas, deve ter-se por prejudicado, por ter perdido o objecto, uma vez que, nessa parte, a sentença foi revogada pela referida decisão.
Essa perda de objecto determina a extinta a instância de recurso por impossibilidade superveniente da lide (cfr. arts. 287.º, alínea e), do CPC), como se decidirá a final.

2.2.2 DO RECURSO DO OPONENTE

2.2.2.1 Inconformada com a sentença na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal, veio o Oponente recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo.
Cumpre, antes do mais, ajuizar da competência, questão que é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra (cfr. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro). Cumpre, designadamente, aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. art. 16.º do CPPT).
A declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, dispondo o interessado do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão para apresentar aquele requerimento (cfr. arts. 18.º, n.º 2, do CPPT).

2.2.2.2 Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» (art. 38.º, alínea a), do ETAF).
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (() (Vide, entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo com o n.º 738/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2052/2057, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/faa144134d6efbf5802576a30041135b?OpenDocument;
de 21 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 189/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 670/674, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8445188eb602055b80257711005292ba?OpenDocument.)).

2.2.2.3 Da leitura das conclusões do recurso jurisdicional interposto pelo Oponente, que acima (em 1.4) ficaram transcritas e que delimitam os respectivos âmbito e objecto (cf. art. 684.º, n.º 3, do CPC), resulta que este põe em causa a sentença na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por ele deduzida porque, contrariamente ao que considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, entende que ficou demonstrado a ausência de culpa sua pela situação de insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, situação essa que nem se verificava à data em que foi destituído da gerência.
Assim, o Recorrente, no que ora nos interessa em ordem a averiguar da competência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia, alegou, designadamente,
· que «[a] matéria de facto dada como provada é insuficiente, devendo ser ampliada no sentido que que após a destituição do Oponente a B...... facturou, pelo menos, o montante de € 262.896,22» (cfr. conclusão 6.),
· que «o oponente fez prova que a sociedade à data da destituição tinha património suficiente para esse mesmo pagamento, seja por crédito de Iva, seja pelos equipamentos que deixou na sociedade e que a nova gerência transferiu para uma nova empresa que constituiu e que ainda alienou o desbarato um terreno» (cfr. conclusão 10.),
· que a «[n]ova gerência que não renovou o alvará e que transferiu para uma outra sociedade com o mesmo objecto social para a qual transferiu a totalidade dos activos da devedora B…… Lda.» (cfr. conclusão 12.),
· que «o Tribunal nem sequer ponderou os factos que deu como provados que bem evidenciam que a nova gerência transferiu para a C…… todo o património da B…… Lda., parte através da factura n.º 569 e, o restante, através da venda a um familiar de um terreno, por valor simbólico e o remanescente do imobilizado, ou seja os equipamentos necessários à actividade de construção, através das facturas que a AF, por cruzamento de informação, logrou apurar e que constam do documento n.º 8 junto com a Oposição e que a AF tempestivamente não impugnou» (cfr. conclusão 14.).
Ou seja, o Recorrente põe em causa o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1.ª instância, quer discordando das ilações de facto retiradas dos factos dados como provados, quer considerando que não foi feita correcta valoração dos elementos de prova, quer ainda considerando que não foram levados ao probatório factos relevantes e pretendendo extrair relevantes consequências jurídicas dos factos relativamente aos quais considera ter havido erro de julgamento.
O que significa que existe controvérsia factual a dirimir e que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.
Nesta perspectiva, o recurso deduzido pelo Oponente não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, como bem salientou em momento anterior o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, motivo por que a competência em razão da hierarquia para dele conhecer pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Sul, como se decidirá a final.

2.2.2.4 BREVE NOTA FINAL

Poderia eventualmente questionar-se – e, a nosso ver, relevantemente – se não deveria desde já remeter-se o processo à 1.ª instância, a fim de aí ser reformada a sentença, nos termos ordenados pelo Tribunal Constitucional.
Acontece, porém, que, como deixámos já dito, a questão da competência, designadamente, em razão da hierarquia logra prioridade sobre as demais, não podendo o tribunal que se declare incompetente apreciar qualquer outra questão.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulo as seguintes conclusões:
I -Sendo revogada por acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional a sentença na parte recorrida, fica sem objecto, a determinar a extinção da instância (cfr. art. 287.º, alínea e), do CPC), o recurso dessa mesma parte da sentença que, interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, foi por este remetido a este Supremo Tribunal Administrativo na sequência da decisão sobre a competência em razão da hierarquia.
II -A infracção das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final, devendo ainda o tribunal, na decisão que declare a incompetência, indicar o tribunal que considera competente (cf. arts. 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e 13.º do CPTA).
III -Em regra, a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito (arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, no art. 280.º, n.º 1, do CPPT).
IV -Quando nas conclusões de recurso se discorda da apreciação da prova feita na sentença recorrida, se discorda das ilações de facto retiradas dos factos dados como provados e se invocam factos que não foram dados como assentes pela decisão recorrida e dos quais se pretendem extrair consequências jurídicas, é de considerar que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de direito.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência,

a) julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela Fazenda Pública;

b) julgar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso interposto pelo Oponente, declarando que a competência para o efeito é do Tribunal Central Administrativo Sul.

*
Sem custas, o recurso da Fazenda Pública.
Custas pelo Oponente, relativamente ao recurso por ele interposto.
*
Notifique, sendo-o o Oponente com a advertência do n.º 2 do art. 18.º do CPPT.
*
Lisboa, 14 de Junho de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.