Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0707/12
Data do Acordão:01/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
FUNDAMENTOS
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Constituem fundamentos de oposição à execução fiscal subsumíveis na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que existir um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade, designadamente a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo.
II - Não se consubstanciam em factos extintivos ou modificativos da dívida exequenda a requalificação dos prédios que deram origem às dívidas de IMI exequendas, a atribuição de novos (e inferiores) valores patrimoniais tributários a tais prédios e a pendência de requerimento no qual à solicitado ao Serviço de Finanças que sejam dadas sem efeito as liquidações de contribuição autárquica e IMI efectuadas desde 2000 e substituídas por novas liquidações assentes nos novos valores patrimoniais, pois que apenas no caso de tais liquidações serem efectivamente revistas poderão ter-se como modificadas as dívidas exequendas e o requerimento apresentado não obsta à exigibilidade da dívida, pois que não tem efeito suspensivo da execução fiscal.
III - Julgado verificado o erro na forma do processo utilizado haverá que, em face dos termos imperativos do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT e por razões de economia processual, ordenar a convolação da petição apresentada para a forma de processo adequada, quando tal convolação seja necessária para que o interessado possa obter o efeito útil pretendido e a menos que a convolação se traduza na prática de um acto inútil, e como tal proibido por lei.
IV - Não havendo certeza quanto à caducidade do direito de acção – pois a oponente não forneceu os elementos requeridos - não pode o tribunal a quo demitir-se de obter os elementos necessários – designadamente oficiando o Serviço de Finanças competente no sentido de os fornecer –, pois que o princípio do inquisitório a isso o obriga.
Nº Convencional:JSTA00068067
Nº do Documento:SA2201301300707
Data de Entrada:06/25/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL / OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:CPPT98 ART204 N1 I ART98 N4
LGT99 ART97 N3
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A……, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, de 2 de Fevereiro de 2012, que indeferiu liminarmente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.º 3247200501061364 e apensos, contra si instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa-2 para cobrança coerciva de dívidas de IMI referentes aos anos de 2003 e de 2004, no montante de €15.152,90.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª – Na douta sentença recorrida entendeu-se que não se verificava o fundamento de oposição à execução invocado previsto na alínea i) do nº 1 do artigo 204.º do CPPT porque este fundamento não comporta a legalidade das liquidações em causa;
2ª – Todavia, a matéria alegada nos artigos 10º a 17º do requerimento inicial de oposição não visa atacar a legalidade das referidas liquidações;
3ª – Com efeito, a matéria de facto comprovada por documentos alegada nos artigos 10º a 17º do requerimento inicial da oposição não visa pôr em causa a legalidade das liquidações em causa, antes se consubstancia em factos extintivos ou modificativos das dívidas exequendas posteriores às referidas liquidações, na medida em que a nova avaliação dos prédios obriga à revisão oficiosa destas, nos termos do artigo 115.º n.º 1, alínea b) do CIMI;
4ª – Sendo certo que a referida revisão há-de consubstanciar-se na substituição das liquidações em causa por novas liquidações baseadas nos novos valores patrimoniais tributários dos prédios, que conduzirão, necessariamente, a colectas substancialmente inferiores às que agora estão em execução;
5ª – Verifica-se, assim, o fundamento de oposição à execução previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida;
6ª – Por outro lado, foi entendido na douta sentença recorrida não convocar os princípios “anti-formalista”, “pro actione” e “pro favoritate instantiae” para ordenar a convolação do processo de oposição em acção de impugnação, visto que a ora recorrente, pese embora ter sido convidada, não indicou ou logrou provar as datas cujo conhecimento se afigurava como necessário para a apreciação do pressuposto processual da caducidade da acção;
7ª – Todavia, é certo que os factos em causa – datas de pagamento voluntário das liquidações exequendas – configuram-se como matéria de excepção, pois visam avaliar da eventual caducidade do direito da acção de impugnação;
8ª – Sendo assim, no desconhecimento das referidas datas deveria o Tribunal “a quo” ter convolado o processo e ordenado a citação da Fazenda Pública para contestar, querendo, podendo então esta excepcionar a eventual intempestividade da acção, o que se requer subsidiariamente para o caso de se entender que não se verifica o fundamento previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT;
9ª – Caso assim não se entenda, sempre se dirá que não constando dos autos quaisquer elementos que permitissem aferir das datas de notificação e de pagamento voluntário das liquidações em causa, não podia o Tribunal “a quo”, sem prévia averiguação desses factos, nomeadamente junto da requerida Fazenda Pública, concluir e decidir, como decidiu, pela não convolação dos presentes autos em autos de impugnação;
10ª – Pois a tanto estava obrigada por força dos princípios “anti-formalista”, “pro actione” e “pro favoritate instantiae”, sendo certo que a omissão na averiguação e na fixação dessas datas, necessárias à boa decisão da causa, conduz à anulação da douta sentença recorrida e à necessária remessa do processo ao Tribunal “a quo” para melhor investigação e nova decisão em resultado do que vier a ser apurado a este respeito;
11ª – O Tribunal “a quo” interpretou e aplicou incorrectamente o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, no artigo 115.º n.º 1, alínea b) do CIMI, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 342.º do Código Civil e interpretou e aplicou incorrectamente os princípios “anti-formalista”, “pro actione” e “pro favoritate instantiae” .
Nestes termos, requer-se a Vª Exªs se dignem conceder provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Revogar a douta sentença recorrida ordenando a sua substituição por despacho que receba a oposição à execução, seguindo-se os ulteriores termos processuais;
b) Caso assim não se entenda, revogar a douta sentença recorrida que deverá ser substituída por despacho a convolar a oposição em processo de impugnação;
c) E para o caso de assim também não se entender, anular a douta sentença recorrida, ordenando a baixa do processo para apuramento das datas de notificação e de pagamento voluntário das liquidações em causa para, em conformidade com o que vier a ser apurado, ser proferida nova decisão sobre a possibilidade de convolação (ou não) da oposição em processo de impugnação.
Assim decidindo, será feita JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 83, frente e verso, dos autos, no qual conclui que quer devido a não se verificar o fundamento para a oposição que se invoca, quer devido a não ser oportuno determinar a convolação da oposição em impugnação, parece que o recurso é de improceder, sendo de manter o decidido que indeferiu liminarmente a oposição apresentada.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 84 a 86 dos autos), nada vieram dizer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -

5 – Questão a decidir
É a de saber se incorreu em erro de julgamento o tribunal “a quo” ao indeferir liminarmente a petição de oposição, por inverificação do fundamento de oposição invocado e por ter determinado não convolar a petição apresentada no meio processual tido como próprio, por a oponente não ter fornecido os elementos necessários à averiguação da caducidade (ou não) do direito de impugnar.

6– Apreciando.
6.1 Do indeferimento liminar da oposição e da sua não convolação em impugnação
A decisão recorrida, a fls. 45 a 49 dos autos, indeferiu liminarmente a oposição deduzida pela ora recorrente, por erro na forma de processo insusceptível de convolação, por ter entendido que, não obstante a invocação do fundamento constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, compulsados os fundamentos de facto que sustentam o efeito jurídico pretendido, forçoso será concluir que a interessada quer atacar o resultado da primeira avaliação, que alegadamente fora efectuada antes de 2003 (cfr. sentença recorrida, a fls. 47). Mais decidiu a sentença recorrida que não há que convocar os princípios “anti-formalista”, “pro actione” e “pro favoritate instantiae” para ordenar a convolação deste meio processual inadequadamente utilizado no meio processual adequado, visto que a interessada, pese embora tenha sido convidada, não indicou e não logrou provar as datas cujo conhecimento se afigurava como necessário para a apreciação do pressuposto processual – “da caducidade da acção”(cfr. sentença recorrida, a fls. 48 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, nos termos supra sintetizados, pedindo que seja revogada a sentença recorrida ordenando a sua substituição por despacho que receba a oposição à execução, seguindo-se os ulteriores termos processuais, que, caso assim não se entenda, seja revogada a douta sentença recorrida que deverá ser substituída por despacho a convolar a oposição em processo de impugnação e finalmente, para o caso de assim também não se entender seja anulada a douta sentença recorrida, ordenando a baixa do processo para apuramento das datas de notificação e de pagamento voluntário das liquidações em causa para, em conformidade com o que vier a ser apurado, ser proferida nova decisão sobre a possibilidade de convolação (ou não) da oposição em processo de impugnação.
Vejamos, pois.
Se, como alega, a recorrente tivesse invocado como fundamento da oposição que deduziu “factos extintivos ou modificativos das dívidas exequendas” não poderia ter-se como acertada a decisão que considerou que os fundamentos invocados não eram subsumíveis na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pois que por via desta alínea residual são invocáveis como fundamentos de oposição à execução todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que existir um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade, designadamente a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª ed., 2011, Lisboa, Áreas Editora, pp. 498/499 – notas 38 a), 2.º parágrafo e 38 b), último travessão, ao art. 204.º do CPPT).
Sucede, contudo, que os factos alegados pela recorrente nos artigos 10º a 17º do requerimento inicial da oposição – concretamente, a requalificação dos prédios ocorrida em 2009, a atribuição de novos (e inferiores) valores patrimoniais tributários aos prédios e o requerimento datado de 3 de Dezembro de 2009 pedindo que sejam dadas sem efeito as liquidações de contribuição autárquica e IMI efectuadas desde 2000 e substituídas por novas liquidações assentes nos novos valores patrimoniais tributários (cfr. fls. 6 a 8 dos autos) - não se consubstanciam, ao contrário do alegado, em factos extintivos ou modificativos das dívidas exequendas, pois que apenas no caso de tais liquidações serem efectivamente revistas poderão ter-se como modificadas as dívidas exequendas.
E também a pendência de decisão sobre o requerimento de fls. 22 e 23 dos autos – no qual se requer ao Chefe do Serviço de Finanças do Montijo que sejam dadas sem efeito as liquidações de contribuição autárquica e IMI efectuadas desde 2000 e substituídas por novas liquidações assentes nos novos valores patrimoniais tributários - não obsta à exigibilidade da dívida, pois que tal requerimento não tem efeito suspensivo da execução fiscal, não constituindo, pois, fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT ou em qualquer das demais alíneas desse preceito legal.
Bem andou, pois, a decisão recorrida, na parte em que julgou inverificado fundamento de oposição à execução fiscal.
No que à convolação da petição de oposição em impugnação judicial respeita, em face dos termos imperativos do disposto nos artigos 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT e por razões de economia processual, constitui esta dever do juiz quando tal convolação seja necessária para que o interessado possa obter o efeito útil pretendido e a menos que a convolação se traduza na prática de um acto inútil, e como tal proibido por lei, como paradigmaticamente sucede no caso de extemporaneidade do novo meio processual para o qual fosse convolada a petição.
Não há nos autos elementos que permitam esclarecer a suspeição de que a convolação para impugnação judicial das liquidações não deve ter lugar por extemporaneidade desta, não tendo o contribuinte fornecido ao tribunal “a quo” tais elementos, que lhe foram expressamente solicitados. Não obstante, não havendo certezas quanto a essa extemporaneidade, não podia o tribunal demitir-se de os obter – designadamente oficiando o Serviço de Finanças competente no sentido de os fornecer –, pois que o princípio do inquisitório a isso o obriga, e optar, ao invés, por não convolar a oposição, como “sanção” pela falta de cooperação da oponente.
Não pode haver sanção que não esteja legalmente prevista e a convolação do meio processual inadequadamente utilizado no meio processual adequado constitui um dever do juiz, e não um benefício da parte.
Impõe-se, deste modo, revogar a decisão recorrida na parte em que não convolou a petição de oposição em impugnação judicial, baixando os autos ao tribunal “a quo” para que averigúe e fixe os factos dos quais depende a decisão de convolação ou não convolação.
O recurso merece nesta parte provimento.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte em que não convolou a petição de oposição em impugnação judicial, mantendo-a no demais, baixando os autos ao tribunal a quo para que obtenha os elementos de facto necessários a uma decisão fundamentada sobre a possibilidade ou não de convolação.

Custas pela recorrente, na parte em que decaiu.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.