Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0571/13
Data do Acordão:06/18/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS
Sumário:I – O recurso de revista excepcional previsto no art.º 150º do CPTA só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detectada não perante o interesse teórico da questão, mas perante o seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular.
II – Revestem-se de relevância jurídica fundamental as questões de saber: (i) se, face ao que dispõe o art. 7º do Acordo Para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Holanda e ao tratamento fiscal independente da sucursal e da casa-mãe, as relações comerciais estabelecidas entre ambas são fiscalmente tratadas como sendo realizadas por um único ente ou, antes, entre duas entidades distintas embora com relações especiais, para o efeito de determinar se a majoração que incide sobre o custo nas vendas efectuadas pela casa-mãe à sucursal, assume a natureza de custos gerais de administração, a apreciar nos termos do art. 23º, e sujeitos ao regime previsto no art. 49º, ambos do CIRC, ou se constitui margem de lucro da casa-mãe, imposta pelo princípio da plena concorrência, enquadrando-se no regime de preços de transferência previsto no artigo 57º do CIRC; (ii) se a Administração Tributária pode, ad libitum, aplicar o regime previsto no art. 57º do CIRC ou a disciplina contida no art. 23º do mesmo diploma legal.
III – Com efeito, tais questões reconduzem-se a uma tarefa de interpretação e conjugação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional – o ADT celebrado entre Portugal e a Holanda – com normas eminentemente internas, que determinam, ou podem determinar, soluções jurídicas diversas em face da consideração e análise de conceitos complexos, demandando a realização de operações exegéticas de alguma dificuldade sob o ponto de vista jurídico.
IV – Verifica-se também uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões, já que a sua solução tem, ou pode vir a ter, repercussão em todo o universo de sociedades que, sob a mesma unidade económica, se deslocalizem através de estabelecimentos estáveis situados em Portugal.
Nº Convencional:JSTA000P15925
Nº do Documento:SA2201306180571
Data de Entrada:04/15/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………………….., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que, em sede de recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida pelo TAF de Sintra, e, decidindo em substituição, julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra o acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2000, no montante global de € 1.066.662,77.

1.1. Terminou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:
A) O art. 150º do CPTA permite o recurso de revista excepcional sempre que a decisão do Tribunal a quo tenha violado a lei substantiva ou processual, constituindo jurisprudência pacífica do STA “que é possível, na jurisdição tributária, o recurso de revista com previsão no art. 150º do CPTA”

B) A Recorrente entende que se mostram preenchidos ambos os requisitos para a admissão do presente recurso, uma vez que (i) a aplicação e violação de normas de Direito Internacional, em concreto de um Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado pelo Estado Português configura uma questão jurídica de grande relevância; (ii) a matéria da dedutibilidade de custos imputados a estabelecimentos estáveis localizados em Portugal e a admissibilidade de tais custos serem majorados à luz do artigo 57º do CIRC (regime de preços de transferência) e sua articulação com o regime de dedução de encargos gerais de administração, exige a revisão da decisão proferida em segunda instância para melhor aplicação do direito

C) Trata-se de questões de elevada complexidade técnica, por um lado, e de enorme relevância social e económica, pois que colocam em causa os modelos de negócio adoptados por diversos grupos empresariais em Portugal, exigindo-se uma interpretação uniforme sobre a natureza das relações tributárias entre as sedes e os seus estabelecimento estáveis localizados em Portugal, bem como uma adequada articulação entre o disposto no regime interno e o disposto nas normas convencionais;

D) Estamos, pois, perante uma questão susceptível de transcender o interesse particular da ora Recorrente, uma vez que não se mostra admissível a manutenção na ordem jurídica de uma decisão que viole e contrarie o Direito Internacional de fonte convencional, bem como princípios estruturantes do Direito Internacional Fiscal;

E) O Acórdão recorrido violou de forma frontal diversas normas legais de fonte interna e convencional, em particular os artigos 49º e 57º do CIRC na redacção em vigor à data dos factos tributários, bem como o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda;

F) Assim, as questões jurídicas de especial relevância cuja apreciação se requer a este Venerando Tribunal são as seguintes:

- A venda e imputação dos custos de venda da sede à sucursal cai no âmbito de aplicação do artigo 49º do CIRC, sendo as mesmas assimiladas a custos gerais de administração?

- Não sendo questionada a dedução dos encargos em si mesmos, mas apenas a majoração efectuada ao abrigo da política internacional de preços de transferência adoptada pela Recorrente, a posição defendida pelo TCA Sul no acórdão ora recorrido está em conformidade com o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe, com o regime de preços de transferência plasmado no artigo 57º do CIRC, e, em última instância, mostra-se compatível com o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda?

- Estando em causa relações entre a casa-mãe e a sua sucursal em Portugal pode afirmar-se, como o fez o TCA Sul no Acórdão ora recorrido, que inexistem relações especiais na acepção do artigo 57º do CIRC? Em caso de resposta negativa, o artigo 57º impunha a aplicação de uma margem de lucro sobre essas transacções em obediência ao princípio da plena concorrência?

- A Administração Tributária pode eximir-se à aplicação do regime legal e de fundamentação previsto no artigo 57º do CIRC e 77º, nº 3 da LGT escudando-se na aplicação do artigo 23º do CIRC?

G) Recorde-se que não está em causa a dedutibilidade dos encargos imputados pela Recorrente à sua sucursal em Portugal, mas apenas a imputação de uma margem de lucro de 9% sobre o custo das mercadorias e gastos gerais de administração ao abrigo do princípio da plena concorrência consagrado no artigo 57º do CIRC e do tratamento independente da sucursal face à sua sede, conforme preceituado in fine no artigo 49º do CIRC e no artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda;

H) É precisamente neste ponto que assenta o erro ostensivo de apreciação e interpretação das normas jurídicas em que incorreu o Venerando TCA Sul, ao considerar que o artigo 49º do CIRC fornece o critério legal decisor para a apreciação desta matéria — assimilando no fundo custo de mercadorias e margem de lucro ao conceito de gastos gerais de administração —, bem como pugnando pela inexistência de relações especiais na acepção do artigo 57º do CIRC no caso sub judice;

I) Sobre a primeira questão, o Venerando TCA Sul fundamenta a sua posição quase única e exclusivamente no disposto no artigo 49º do CIRC, à data dos factos tributários, referindo que não seria aplicável o regime do artigo 57º do CIRC, não só em virtude do argumento sistemático de organização do CIRC, mas também porque aquela primeira disposição legal, nas palavras do Tribunal: “prevê a exacta situação jurídico-tributária da sucursal na determinação do lucro tributável, nas suas relações com a casa-mãe, quanto aos custos comuns e gerais e a respectiva repartição”;

J) Ao contrário do sustentado pelo TCA Sul, não é verdade que o custo das mercadorias vendidas caia no âmbito do artigo 49º do CIRC, nem tão pouco se mostra correcta a conclusão em conforme aquele preceito legal, em particular o nº 2, disponha sobre os critérios gerais de admissibilidade da dedução de todos os encargos imputados pela casa-mãe à sua sucursal;

K) É relativamente claro que os nºs. 2 e 3 do artigo 49º do CIRC são de aplicação supletiva aos métodos de imputação directos previstos no CIRC, e que os mesmos apenas se aplicam aos gastos gerais de administração, os quais, naturalmente, não se confundem com o custo das mercadorias vendidas e cujos proveitos foram alocados ao estabelecimento estável em Portugal, por um lado, e por outro, à margem de lucro calculada sobre esses mesmos custos calculada com base nas regras de preços de transferência previstos no artigo 57º do CIRC;

L) A aceitação da dedução da referida margem de lucro da sede e imputada como gasto dedutível na esfera da sucursal não se coloca no plano dos critérios de repartição dos gastos gerais de administração — sendo que o artigo 49º do CIRC não fornece tão pouco critério legal para repartir uma margem de lucro — nem tão pouco do conceito de indispensabilidade plasmado no artigo 23º, nº 1, do CIRC, mas precisamente na adequação da referida margem face à existência de relações especiais entre a sede e o seu estabelecimento estável;

M) O TCA incorre num clamoroso erro de aplicação das normas legais ao invocar que “(...) não existiam duas entidades independentes diferentes com relações especiais entre si nos negócios em que intervinham, mas sim uma entidade (a casa-mãe), que quanto aos custos das vendas da sucursal, resolveu majorar em 9% para compensar diversos custos (dela, casa-mãe)”;

N) O referido entendimento, na óptica da Recorrente, viola de forma flagrante o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal consagrado no ordenamento justributário nacional e nas normas de direito convencional — princípio, esse, que determina que nas operações entre a sede e a sucursal a sucursal deve ser considerada para efeitos tributários como se de uma empresa distinta se tratasse - com consagração in fine nos artigos 3º, 49º e 57º do CIRC;

O) Ao contrário do invocado no acórdão ora recorrido, é matéria assente e sempre foi pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, mesmo antes da entrada em vigor do regime de preços de transferência actualmente vigente, a aplicação directa das regras de preços de transferência às relações estabelecidas entre a casa-mãe e a sua sucursal, o que motivará a admissibilidade do presente recurso;

P) Parece relativamente pacífico que as relações comerciais entre uma sede e a sua sucursal são passíveis de configurar relações especiais para os efeitos consignados no artigo 57º do CIRC, padecendo, assim, de manifesto erro de interpretação e aplicação das normas legais vigentes a decisão proferida pelo TCA Sul no Acórdão recorrido, ao considerar que (i) a margem de lucro imputada à sucursal sobre os gastos gerais de administração e custos de mercadorias deveria ser apreciada in totum ao abrigo do disposto no nº 2 e 3 do artigo 49º do CIRC; e (ii) que as relações entre a sede e a sucursal não consubstanciavam relações especiais;

Q) Por natureza, a margem de lucro fixada nas relações entre a sede e a sucursal não releva do conceito de indispensabilidade, mas antes, resulta de uma imposição legal decorrente do princípio da plena concorrência e do tratamento independente da sucursal face à casa-mãe, o que obrigaria o julgador e o intérprete a socorrerem-se do regime plasmado no artigo 57º do CIRC;

R) A decisão ora recorrida viola, ainda, de forma ostensiva regras de direito internacional directamente aplicáveis na ordem jurídica fiscal português, em particular, viola directamente o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda matéria alegada pela ora Recorrente na sua petição de impugnação e mais tarde reiterada em sede de contra-alegações de recurso;

S) A aplicação directa das disposições do referido ADT decorre directamente do facto de a situação objecto dos presentes autos envolver a análise do impacto fiscal das relações/operações entre uma sociedade residente na Holanda e a sua sucursal estabelecida em Portugal;

T) O ADT celebrado entre Portugal e a Holanda é directamente aplicável à questão material ora controvertida, por se tratar de operações entre a casa-mãe residente na Holanda e a sua sucursal Portuguesa, consagra no nº 2 do artigo 7º que “(…) serão imputados em casa Estado Contratante, a esse estabelecimento estável, os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas actividades ou actividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.

U) Da análise do preceito convencional resulta de forma inequívoca que ADT entre Portugal e a Holanda adopta o princípio do tratamento fiscal independente e distinto da sucursal face à sua casa-mãe, sendo que nas relações estabelecidas entre casa-mãe e sucursal devem ser adoptadas condições e preços correntes de mercado;

V) O princípio do tratamento independente da sucursal tinha, aliás, também, consagração expressa na Convenção nº 90/436/CEE, de 23 de Julho de 1990, adoptada pelos Estados membros da União Europeia, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas, vulgarmente denominada “Convenção de Arbitragem”;

W) Assim, a questão verdadeiramente essencial nos presentes autos e que acaba por escapar ao julgamento deste Venerando Tribunal — por culpa exclusivamente imputável aos serviços de inspecção tributária — consistia em determinar se a margem concretamente aplicada pela Recorrente (9%) estava conforme com os princípios da plena concorrência, ou se a mesma redundava numa diminuição intolerável da matéria tributável da sucursal, matéria que caberia à Administração Tributária evidenciar e fundamentar nos termos do nº 3 do artigo 77º da LGT

X) O Acórdão recorrido coloca em crise as normas do CIRC sobre preços de transferência (artigo 57º do CIRC), o princípio da plena concorrência, bem como as normas de direito internacional convencional previstas no ADT entre Portugal e a Holanda, normas cuja preponderância na ordem jurídica nacional está expressamente consagrada no artigo 8º do nosso texto fundamental, impondo-se, assim, sem necessidade de maiores considerações a sua revista.

Y) A manutenção na ordem jurídica nacional do acórdão ora recorrido implicaria a consolidação de uma decisão inconciliável não só com regras estruturantes do direito fiscal interno (artigo 57º do CIRC), mas também com uma disposição de direito internacional, o que justifica por si só a sua revista, ao abrigo do artigo 150º do CPTA, motivo porquanto se requer a estes Venerandos Juízes Conselheiros que se dignem a admitir o presente recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, e a revogar o acórdão ora recorrido, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes CONSELHEIROS deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela ora Recorrente ser julgado totalmente procedente, por provado, determinando-se a revista e consequente revogação do Acórdão recorrido, bem como o acto tributário sindicado, melhor identificado nos presentes autos, tudo com as demais consequências legais.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público, depois de breve análise dos pressupostos contidos no art. 150º, nº 1, do CPTA, bem como das questões colocadas no recurso, e considerando embora que essas questões não assumem relevo social fundamental «(…) por não interferir com interesses importantes da comunidade ou ligadas aos direitos dos consumidores) como a saúde, o ambiente, a ecologia, a qualidade de vida e o património cultural e histórico, segundo o previsto no art. 9.º n.º 2 do C.P.T.A.», defendeu que «(…) nada mais ser por ora de acrescentar, relegando-se para momento posterior eventual parecer quanto ao mérito do recurso, de acordo com o previsto no art. 146.º n.ºs 1 e 2 do CPTA, subsidiariamente aplicável, e caso o mesmo venha a ser admitido (…)», atento o disposto no art. 150º, nº 5, do CPTA.

1.4. Colhidos que foram os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que constitui jurisprudência actualmente pacífica nesta Secção de Contencioso Tributário que o recurso de revista excepcional, previsto no artigo 150.º CPTA, é admissível no âmbito do contencioso tributário.

2. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal

Tal preceito prevê, assim, a possibilidade recurso de revista excepcional para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Razão por que a jurisprudência tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que ele só pode ser admitido nos estritos limites fixados no preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador deixou sublinhado na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VIII e n.º 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ser accionada nos estritos limites do preceito, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.

Por conseguinte, este recurso só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detectada não perante o interesse teórico da questão, mas perante o seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular.

Deste modo, e como tem sido explicado nos inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, que aqui nos dispensamos de enumerar, a relevância jurídica fundamental deve ser detectada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade (seja em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, seja de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, seja da necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos) ou quando a sua análise tenha suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.

Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando estiver em causa um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e se detecte um interesse comunitário significativo na resolução da questão.

Por outro lado, a clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito há-de resultar da repetição ou possibilidade de repetição noutros casos e necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito. Pelo que a admissão do recurso terá lugar, designadamente, quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e a decisão nas instâncias esteja ostensivamente errada ou seja juridicamente insustentável, ou se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, tornando-se objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

Vejamos se tais requisitos se verificam no caso vertente.

No caso em apreço, é incontroverso, face à matéria fáctica assente nas instâncias, que a impugnante, ora recorrente, é uma sucursal da A……………………………, com sede na Holanda, e foi alvo de uma acção inspectiva por banda da Administração Tributária relativamente aos exercícios de 2000 e 2001, na sequência da qual a AT concluiu que os custos identificados nas rubricas “Custo das Vendas “ e “Gastos Gerais Administrativos”, foram majorados em 9%, de acordo com o critério definido pela sede, sem, contudo, se mostrar devidamente justificada e comprovada a indispensabilidade dessa majoração, nos termos definidos pelo art. 23º do CIRC; e, neste circunstancialismo, levou a efeito uma liquidação adicional do imposto, relativa ao IRC de 2000, no montante de € 1.066.662,72, desconsiderando a dita majoração que a Recorrente nele reflectira, e aplicando o disposto no art. 49º, nº 3, al. a), do CIRC.

Reagindo contra essa liquidação, a ora Recorrente deduziu impugnação judicial, sustentando a tese de que essa liquidação é ilegal, tanto por preterição de formalidade legal essencial prevista no art. 15º, nº 1, do RCPIT - já que o âmbito da inspecção se circunscrevia ao IVA e não abarcava o IRC - , como por ser aqui inaplicável o regime previsto no art. 23º do CIRC, mas antes a normatividade inserta no art. 57º do CIRC, por decorrência o princípio do tratamento fiscal independente e distinto da sucursal face à sua casa-mãe, que transparece do art. 7º do Acordo sobre Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Holanda.

A sentença de 1ª instância julgou a impugnação procedente com fundamento na invocada preterição de formalidade essencial, por entender que não se mostrando tal vício sanado, os posteriores actos ficaram irremediavelmente inquinados, implicando a anulação da liquidação.

Dessa sentença recorreu a Fazenda Pública para o TCAS, advogando, em suma, que fora cometido um erro de julgamento, porquanto, na sua perspectiva, se não verificava a julgada ilegalidade.

O acórdão do TCAS, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida, e, conhecendo, em substituição, nos termos do art. 715º, nº 2, do CPC, dos demais fundamentos da impugnação, julgou a impugnação improcedente, aduzindo, neste segmento da decisão, a seguinte argumentação:

«A impugnante sustenta, sobretudo, que a sua situação deve ser aferida à luz do art.º 57º do mesmo CIRC, o que, desde logo num plano sistemático levanta a maior das objecções, que é a de aplicarmos uma norma posterior sem a aplicação de uma anterior, todas elas inseridas no Capítulo da determinação da matéria colectável, art.º 15.º e segs do CIRC, para mais quando esta prevê a exacta situação jurídico-tributária da sucursal na determinação do lucro tributável, nas suas relações com a casa mãe, quanto aos custos comuns e gerais e a respectiva repartição, e o respectivo modo concreto de apuramento do lucro tributável da sucursal (na impossibilidade de apuramento do mesmo lucro com base na sua contabilidade), pelo que sendo a situação tributária desta aqui subsumível, logo não sendo ilegal a consequente liquidação alcançada, não vemos como poderíamos deixar de aplicar esta norma para ir aplicar outra que, eventualmente, ao caso também pudesse ser aplicada.

Por outro lado, também sempre se dirá que, de acordo com a matéria apurada em sede de exame à escrita e não infirmada por qualquer outra, no caso, não existiam duas entidades diferentes com relações especiais entre si, nos negócios em que intervinham, mas sim uma entidade (a casa-mãe), que quanto aos custos das vendas da sucursal, resolveu majorar em 9% para compensar diversos custos (dela, casa-mãe), caindo-se ao fim e ao cabo, nos encargos gerais a que se refere a citada norma do art.º 49.º do CIRC, logo, no respectivo critério de repartição que deve presidir em tais custos gerais da casa-mãe, que não no próprio preço das mercadorias e bens pela mesma directamente fornecidos aos clientes portugueses e que eram facturados pela sucursal (contabilizados, simultaneamente, nas duas entidades).

É certo que a AT não goza de qualquer discricionariedade na subsunção da situação jurídico-tributária de cada contribuinte à respectiva norma de incidência tipificada na lei, como bem se pronuncia a impugnante, mas também é certo que legalmente cabe a esta efectuar tal subsunção na norma que entende ser devida e proceder à liquidação do tributo daí resultante e que, não se mostrando este inquinado de nenhum vício que o afecte na sua legalidade, não pode o mesmo deixar de se manter, sem termos de curar saber se, eventualmente, tal situação fáctica não poderia ser também subsumível em uma outra norma de incidência, por eventual concorrência de duas ou mais normas, desta forma improcedendo a matéria atinente a esta questão.

Na matéria dos arts. 79º e 80º da mesma petição de impugnação veio ainda a mesma a esgrimir que, em qualquer dos casos, sempre tais custos com tais majorações deveriam ser considerados como custos fiscais à luz do art.º 23º do CIRC, por terem sido indispensáveis para a obtenção dos lucros e para a manutenção da fonte produtora, o que desde logo coloca a questão de que tais custos foram desconsiderados por inexistência de um qualquer critério que os justificasse nos seus respectivos montantes, à luz não só deste art.º 23º do CIRC, mas também à luz do citado art.º 49º, pelo que só por apelo a esta norma do art.º 23º do CIRC os mesmos se não poderiam justificar, por nos encontrarmos perante um caso específico de relações entre a casa mãe, entidade não residente, com a sua sucursal, entidade residente, para as quais a citada norma do art.º 49º dispõe de condições específicas para que os gastos gerais de que a sucursal também beneficiou (onde no caso, também se incluía igual percentagem sobre os custos das vendas dos bens, todos eles fornecidos pela respectiva casa-mãe, que directamente os remetia aos clientes da sucursal portuguesa), possam nesta ser considerados custos na determinação do lucro tributável desta, na exacta medida que, economicamente, deles tenha beneficiado, segundo um qualquer dos critérios possíveis, pelo que só por apelo (a) àquela norma do art.º 23º não poderia a presente impugnação deixar de se encontrar condenada ao fracasso.».


Neste recurso de revista, a Recorrente continua a defender, como se pode ver pelas suas conclusões, que a majoração em causa não podia ter sido desconsiderada por aplicação do art. 23º do CIRC, porquanto, à luz do art. 7º do ADT celebrado entre Portugal e a Holanda, vigora o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe, donde que as vendas da sede à sucursal, com a inerente imputação dos respectivos custos que a questionada margem de 9% visa cobrir, constitui mesmo imposição legal por respeito das regras da concorrência; e existindo relações especiais entre duas entidades fiscalmente distintas, a situação tem de ser enquadrada no regime de preços de transferência previsto no art. 57º do CIRC; nessa medida, caberia, tão-só, à Administração Tributária apurar e fundamentar, nos termos do art. 77º, nº 3, da LGT, se essa margem de 9% respeitava os princípios da plena concorrência ou se traduzia, antes, uma inadmissível redução da matéria tributável da sucursal; não se colocando a questão dos custos no plano dos critérios de repartição dos gastos gerais de administração a que se refere o art. 49º ou, sequer, da sua indispensabilidade nos termos do art. 23º, nº 1, do CIRC, era vedado à Administração optar por este enquadramento legal.

Ou seja sustenta que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação das normas contidas no artigo 7º do Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Holanda, e nos artigos 23º, 49º e 57º do CIRC, na redacção vigente na data do facto tributário. E coloca as seguintes questões jurídicas a este Supremo Tribunal:

- A venda e imputação dos custos de venda da sede á sucursal cai no âmbito de aplicação do artigo 49º do CIRC, sendo as mesmas assimiladas a custos gerais de administração?

- Não sendo questionada a dedução dos encargos em si mesmos, mas apenas a majoração efectuada ao abrigo da política internacional de preços de transferência adoptada pela Recorrente, a posição defendida pelo TCA Sul no acórdão ora recorrido está em conformidade com o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe, com o regime de preços de transferência plasmado no artigo 57º do CIRC, e, em última instância, mostra-se compatível com o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda?

- Estando em causa relações entre a casa-mãe e a sua sucursal em Portugal pode afirmar-se, como o fez o TCA Sul no Acórdão ora recorrido, que inexistem relações especiais na acepção do artigo 57º do CIRC? Em caso de resposta negativa, o artigo 57º impunha a aplicação de uma margem de lucro sobre essas transacções em obediência ao princípio da plena concorrência?

- A Administração Tributária pode eximir-se à aplicação do regime legal e de fundamentação previsto no artigo 57º do CIRC e 77º, nº 3, da LGT escudando-se na aplicação do artigo 23º do CIRC?

E advogando que tais questões são juridicamente relevantes, de elevada dificuldade e complexidade técnica, implicando uma interpretação e articulação entre normas de direito interno e normas que emergem de convenções internacionais, assumindo também relevância social e económica por interessarem a todos os grupos empresariais de cariz internacional que tenham sucursais em Portugal, sendo importante clarificar e uniformizar o conceito da natureza das relações tributárias estabelecidas entre as várias estruturas do ente social, defende que a apreciação dessas questões extravasa o seu interesse particular e preenche os pressupostos que subjazem à admissão deste recurso excepcional de revista.
Na verdade, as questões que a Recorrente coloca não têm natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência, extensível a todo o universo de sociedades que, sob a mesma unidade económica, se deslocalizem através de estabelecimentos estáveis situados em Portugal e que reclamam, sem dúvida, uma clarificação no que tange ao enquadramento jurídico-tributário das relações que se estabelecem entre a sede e a sucursal.
É, assim, patente que se verifica uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões.
Por outro lado, tais questões reconduzem-se a uma tarefa de conjugação e interpretação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional com normas jurídicas do direito interno português, e que determinam, ou podem determinar, soluções jurídicas diversas em face da consideração e análise de conceitos complexos, demandando a realização de operações exegéticas de alguma dificuldade sob o ponto de vista intelectual e jurídico.

O que tudo nos leva a concluir no sentido de que tais questões revestem uma relevância jurídica fundamental face à definição que acima deixámos explicitada.

E a intervenção do Supremo, conhecendo da revista, pode contribuir para aclarar o quadro jurídico e contribuir para uma melhor aplicação do direito em sentido objectivo, pelo que se justifica admitir o recurso face aos pressupostos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA.

Por todo o exposto, atenta a verificação dos requisitos previstos no art.º 150.º do CPTA, impõe-se a admissão do presente recurso.


3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em admitir a revista.
Sem custas nesta fase.


Lisboa, 18 de Junho de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Valente Torrão – Casimiro Gonçalves.