Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:041/20.1BESNT-S2
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INSTRUÇÃO DO PROCESSO
PROVA PERICIAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista de acórdão do TCA que deferiu requerimento de instrução probatória por reputar a realização da prova pericial pertinente e necessária dado o entendimento nele firmado mostrar-se fundamentado de forma juridicamente plausível, não apresentando a questão relevância social e jurídica, já que desprovida não só de interesse comunitário significativo, mas, também, de grau de controvérsia, porquanto enraizada naquilo que são as especificidades e particularidades da instrução e prova objeto de discussão entre as partes na ação.
Nº Convencional:JSTA000P28284
Nº do Documento:SA120211007041/20
Data de Entrada:09/21/2021
Recorrente:B..........., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE LISBOA CENTRAL, E.P.E. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. B………., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. [doravante Contrainteressada], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 17.06.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] - sustentando pelo acórdão de 18.08.2021 [cfr., respetivamente, fls. 290/305 e fls. 412/413 - paginação «SITAF» do apenso tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual contra si instaurada por A…………, Lda. [doravante A.] concedeu provimento ao recurso interposto e revogou o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - Juízo de Contratos Públicos [doravante TAC-JCP] [cfr. fls. 277/281], em 04.03.2021, que não havia admitido a prova pericial requerida.

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 316/374] na relevância jurídica e social da questão objeto de litígio e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», dada não só a nulidade de decisão [arts. 607.º, 615.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC/2013)], mas, ainda, a incorreta interpretação e aplicação feita do disposto nos arts. 476.º n.º 1, do CPC/2013, 388.º do Código Civil [CC], 90.º, n.º 3, do CPTA, e 20.º da Constituição da República Portuguesa [CRP], ao ter sido deferida/determinada a requerida produção de prova pericial.

3. A A. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 383/402] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão da presente revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Como vimos TAC/JCP não admitiu a realização da prova pericial requerida [cfr. fls. 277/281], sendo que o TCA/S, em apreciação do objeto recursivo que lhe foi dirigido, revogou tal entendimento, afirmando, por um lado, que «em face dos temas de prova fixados, é de excluir a hipótese de ter a perícia requerida como impertinente, já que a mesma se reporta a factos considerados relevantes para a boa decisão da causa e controvertidos» e, por outro lado, que «a factualidade articulada pelas partes, é nosso entendimento que a perceção dos factos em causa – ou mais precisamente, a sua valoração – carecerá de conhecimentos especiais, isto é, de conhecimentos para além da ciência jurídica, – no caso, científicos e/ou técnicos -, que não estão, ao menos, de forma completa e segura, ao alcance do julgador. Com a realização de prova pericial, o Juiz a quo ficará melhor habilitado a formar a sua convicção e decidir a causa em conformidade com a verdade material, melhor alcançando a solução justa. … Em boa verdade, afigura-se-nos que, atento o objeto da causa, não sendo a prova documental suficiente para que o Tribunal a quo tenha dado como provados os factos alegados (conhecendo de imediato do mérito da causa, nos termos do art. 88.º do CPTA), a prova pericial resulta não só admissível como preferencial. Com efeito, ainda que a prova possa ser feita através de testemunhas (em conjugação com a prova documental), consideramos que, por, no caso, a instrução assentar essencialmente no objetivo de munir o Juiz a quo de informações/esclarecimentos que permitam a melhor interpretação da prova documental – e não (tanto) no que a testemunha viu, ouviu, sentiu ou captou - será de dar preferência à apreciação e valoração efetuada por um técnico, um profissional imparcial - o perito», tanto mais que se impõe «ao tribunal que dê resposta a um conjunto de questões de natureza técnica, para as quais se mostram necessários conhecimentos especializados em matéria de análises clínicas, tipicidade e variedade de reagentes químicos existentes no mercado, as características e os requisitos técnicos associados, sistemas analíticos e software utilizado em equipamentos de análises clínicas, que o julgador não possui», pelo que «[d]ecidindo em conformidade, importa revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que determine a realização da perícia requerida, devendo o Juiz a quo diligenciar pela correção da terceira questão, nos termos que repute mais adequados».

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

8. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que a motivação/argumentação expendida pela Contrainteressada/recorrente, não se mostra convincente, não se descortinando que o juízo firmado revele a necessidade de uma melhor aplicação do direito, nem que a questão colocada assuma relevância jurídica e social fundamental.

9. Com efeito, não resulta como minimamente persuasiva a argumentação produzida para efeitos da necessidade de admissão da revista para uma melhor aplicação do direito, porquanto, presentes os contornos do caso sub specie e da discussão nele realizada, temos que primo conspectu o juízo firmado pelo TCA/S no acórdão sob censura mostra-se como acertado, porquanto para além de não se revelar haver incorrido em nulidade decisória de harmonia com o explicitado no acórdão de sustentação pelo mesmo produzido, também o mesmo não aparenta haver incorrido em manifesto erro lógico ou jurídico, já que fundamentado numa interpretação coerente e sem desacerto do quadro normativo posto em crise e daquilo que é a sua devida articulação/concatenação.

10. Por outro lado, também não se mostra como convincente a argumentação expendida quanto à relevância jurídica e social da questão objeto de dissídio, porquanto respeitando e tratando-se de quaestio juris marcadamente adjetiva e processual, não se surpreende dos seus termos que a mesma revista de importância fundamental.

11. É que a mesma apresenta-se in casu um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre a temática, não reclamando labor interpretativo superior, nem se mostra revestir de elevada complexidade em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise tenha ou venha suscitando dúvidas sérias, sendo que a mesma apresenta-se, além disso, como desprovida de interesse comunitário significativo, porquanto sem controvérsia bastante ou litigiosidade significativa que transcendam o caso concreto e aquilo que é a sua especial e própria singularidade, tanto mais que se mostra enraizada e centrada naquilo que são as especificidades e particularidades da instrução e da prova da concreta factualidade controvertida objeto de discussão entre as partes na ação.

12. Flui do exposto que a presente revista mostra-se inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da recorrente.
D.N..

Lisboa, 7 de outubro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.