Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01082/05.4BEPRT-A
Data do Acordão:06/04/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
DEMISSÃO
ACTO DESCONFORME COM O JULGADO
Sumário:Não pode ser declarada nula ou anulada, em sede executiva, a segunda decisão disciplinar de demissão da mesma funcionária pública que, proferida num outro processo disciplinar com base em infracções disciplinares parcialmente distintas, e impugnada num outro processo judicial, teve lugar após a primeira e antes da sua decisão com trânsito em julgado.
Nº Convencional:JSTA000P26036
Nº do Documento:SA12020060401082/05
Data de Entrada:09/12/2019
Recorrente: MUNICÍPIO …………
Recorrido 1:HERANÇA JACENTE DE A……………….. (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O MUNICÍPIO ……… [M…..] interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 15.02.2019, o qual concedeu parcial provimento ao «recurso de apelação» que interpôs da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], de 18.03.2017, proferida no âmbito de execução do julgado anulatório - processo nº1082/05.4BEPRT, a que os presentes autos estão apensos - contra si instaurada pela HERANÇA JACENTE DE A……………, e ainda por B…………., e o «condenou a pagar às exequentes» determinadas quantias pecuniárias, com juros de mora.

Conclui assim as suas alegações de revista:

DA ADMISSÃO DO RECURSO

A) O recurso é interposto do acórdão - reformado - do TCAN que concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelas exequentes - ora recorridas - revogou em parte a sentença do TAF e, no que para o presente recurso releva, condenou o município executado a pagar às exequentes «os salários, subsídios de férias, de Natal e de refeição que a funcionária A……….. […] deixou de auferir desde o dia seguinte à data em que foi notificada do acto de demissão - 23.02.2005 -, com excepção dos dias em que recebeu o seu vencimento correspondentes a 14 dias do mês de Março de 2005 e a 8 dias do mês de Abril de 2005, conforme dado como provado, até à data da sua morte - 01.06.2014 -, durante o período em que, por força do acto impugnado, esteve a cumprir pena de demissão a que foi condenada, incluindo os aumentos salariais eventualmente ocorridos nesse período e os diferenciais existentes por eventuais progressões na carreira […]»;

B) O presente recurso deverá ser admitido, nos termos previstos no artigo 150º, nº1, do CPTA, pois está em causa a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, e porque, simultaneamente, se verifica que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

C) Em causa no presente recurso está a validade do acto sancionatório pelo qual, no âmbito de um processo disciplinar, foi aplicada uma pena de demissão a uma trabalhadora com vínculo de trabalho em função pública;

D) Assume particular relevância saber se para fundamentar a aplicação da pena de demissão a um funcionário público é necessário que essa pena, de demissão, surja legalmente tipificada como consequência de uma determinada infracção, ou deve considerar-se que embora por si só cada uma das infracções imputadas ao funcionário não tenha como consequência a aplicação de pena de demissão, todas essas infracções, consideradas no seu conjunto, e na medida em que inviabilizam a manutenção da relação funcional, são susceptíveis de fundamentar aplicação de pena de demissão;

E) Mais concretamente, há que averiguar se o acto que aplicou a referida pena de demissão é ou não nulo, por lhe faltar um dos seus elementos essenciais, o que implica que se avalie a suficiência dos fundamentos que suportaram a aplicação dessa pena;

F) Como é altamente intuitivo, dado o impacto socioeconómico da relação de emprego público e, bem assim, a delicadeza de qualquer questão que contenda com extinção do vínculo laboral, o problema em litígio possui um interesse jurídico e comunitário inegável;

G) Ademais, basta ter em consideração o elevado número de cidadãos com vínculo de emprego público, e a frequência com que a extinção desse vínculo culmina num processo judicial, para concluir, com facilidade, que a utilidade da decisão que vier a ser proferida extravasa os limites do caso concreto, sendo potencialmente aplicável a uma panóplia de casos semelhantes;

H) Além da questão relativa aos fundamentos para a aplicação da pena disciplinar de demissão no âmbito do vínculo de trabalho em função pública, está também em causa, neste recurso, a densificação de uma das causas de nulidade prevista no artigo 133º, nº1 do CPA, na redacção aplicável ao caso, questão que detém, só por si, relevância suficiente para a admissão;

I) Uma tal constatação é ainda reforçada se se tiver em consideração que a concreta causa de nulidade em escrutínio - a saber, a falta de «elementos essenciais» do acto administrativo - peca pelo seu carácter indeterminado e consequente dificuldade acrescida na concretização dos casos que lhe poderão ser subsumíveis;

J) Tendo sido pela falta de «elementos essenciais» do acto administrativo praticado pelo Senhor Vereador em 07.11.2007 que o Tribunal a quo o considerou nulo, sempre terá de se averiguar, no presente recurso, quais são afinal os «elementos essenciais» cuja falta redunda na nulidade do acto administrativo e, concretamente, saber se um acto administrativo pode ser considerado «elemento essencial» do outro;

K) Ora, a considerável dificuldade no preenchimento do conceito de «elementos essenciais» deu azo a uma divergência doutrinal [e jurisprudencial] entre os defensores da adopção do critério estrutural que reconduzisse os «elementos essenciais» aos elementos constitutivos do conceito de acto administrativo [com a inerente dificuldade de se esbaterem fronteiras entre a nulidade e a inexistência do acto administrativo], e os defensores da adopção de critério material, associando o conceito vindo de referir a requisitos legais cuja falta, pela sua essencialidade ou gravidade, se entendesse que não devia ser apenas submetida ao regime da anulabilidade [não se ultrapassando, na verdade, o recurso a conceitos iminentemente indeterminados];

L) A complexidade inerente à concretização do conceito indeterminado em matéria tão sensível e com consequências tão gravosas, conduziu a que a jurisprudência adoptasse uma postura extremamente restritiva quanto à aplicabilidade da causa de nulidade vinda de referir, a qual foi totalmente postergada pela decisão recorrida;

M) A densificação de uma das causas de nulidade de actos administrativos, é uma questão que reveste, por si, relevância jurídica indesmentível;

N) No presente recurso está precisamente em causa o preenchimento do controverso conceito de «elementos essenciais», já que foi com fundamento nesta causa de nulidade que o Tribunal a quo considerou nulo o acto de 07.11.2007, que aplicou à funcionária a 2ª pena de demissão;

O) Resulta evidente do que se deixou exposto, que o presente recurso versa sobre uma matéria de assinalável relevância, e notável complexidade, que importará, de certo, a um largo espectro de casos;

P) Neste recurso cumpre esclarecer, ainda, se extravasa o âmbito do processo de execução de julgado as questões de saber se o acto de 25.02.2005 é ou não elemento essencial do acto de 07.11.2007, e se, em concreto, as demais infracções disciplinares praticadas pela funcionária A……… são, ou não, suficientes para afirmar a inviabilidade da manutenção da relação laboral e, consequentemente, sustentar a aplicação da pena de demissão;

Q) O Tribunal a quo não podia pronunciar-se, no presente processo executivo, sobre a validade do acto que aplicou a pena de demissão de 07.11.2007, impondo-se, também, quanto a esta questão, que este STA se pronuncie, porquanto a mesma reveste um interesse que ultrapassa o âmbito destes autos, sendo susceptível de se repetir;

R) Também do ponto de vista jurídico, as questões elencadas requerem a intervenção do STA, uma vez que o acórdão recorrido revela flagrantes erros na aplicação do direito;

S) O Tribunal recorrido fez erradíssima interpretação do disposto nos artigos 176º, nº5, e 179º, nº2, do CPTA;

T) O acórdão recorrido faz uma interpretação ilegal do disposto no artigo 133º, nº1, do CPA e ignora, por completo, que o «Estatuto Disciplinar» previa, no nº1, do artigo 26º, uma cláusula geral que permitia, à semelhança do actual artigo 187º da «Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas», a aplicação da pena de demissão às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional;

U) Tudo razões pelas quais se conclui que este recurso reúne os pressupostos vertidos no nº1, do artigo 150º, do CPTA, requerendo-se a sua admissão;

DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO

V) Antes do mais, em ordem a esclarecer definitivamente o objecto dos autos principais e a sua articulação com outros processos, atente-se na seguinte sistematização:

1) O processo nº1082/05.4BEPRT teve como objecto o despacho do Senhor Vereador de 15.02.2005, que aplicou a primeira pena de demissão à funcionária A…………. e que foi anulado com base no vício de incompetência. Os presentes autos respeitam precisamente à execução da sentença de anulação proferida no âmbito deste processo;

2) O processo nº3134/14.0BEPRT tem como objecto o despacho do Senhor Vereador de 07.11.2007, que aplicou a segunda pena de demissão à funcionária A………….., e no qual ainda não existe decisão transitada em julgado;

3) O processo nº1174/05.0BEPRT teve como objecto o despacho do Senhor Vereador de 25.02.2005, que considerou injustificadas as faltas dadas pela funcionária A………… no ano 2002, e que foi anulado;

W) Convém esclarecer, a nível factual, que os processos disciplinares nºs …….. e ……., que deram origem ao despacho do «Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos» da Câmara Municipal ……….., de 07.11.2007, tiveram, de acordo com o respectivo relatório, subjacentes os seguintes factos: [i] a funcionária deu 15 faltas seguidas e 20 interpoladas, todas injustificadas, no ano de 2002; [ii] a funcionária deu 5 faltas interpoladas, injustificadas, quatro em Dezembro de 2004 e a quinta no dia 5 de Janeiro de 2005; [iii] em 7 de Janeiro de 2005, a funcionária requisitou, para utilização pessoal, acórdãos do STA, utilizando expedientes de falsas requisições, durante o horário de expediente; [iv] incidente ocorrido na sala de leitura de periódicos, com falta de respeito da funcionária em relação ao seu superior hierárquico, no dia 13 de Janeiro de 2005;

X) Tais factos culminaram na condenação da funcionária, A…………, em várias infracções disciplinares, por violação dos deveres de assiduidade e pontualidade, lealdade e de correcção - ver facto provado nº8;

Y) Dito isto. O Tribunal recorrido considerou que, tendo sido anulado o despacho de 25.02.2005 - que classificou de injustificadas as faltas dadas pela funcionária A……….. em 2002 - o despacho de 07.11.2007 - que aplicou a segunda pena de demissão à funcionária A……… - seria nulo, nos termos do artigo 133º, nº1, do CPA, na redacção aplicável aos presentes autos, por lhe faltar um «pressuposto essencial, de facto e de direito»;

Z) Segundo o entendimento do Tribunal a quo, as faltas dadas pela funcionária A………. no ano de 2002 - objecto do «despacho de 25.02.2005» entretanto anulado - seriam o único fundamento legalmente admissível para aplicação da pena de demissão;

AA) Em ordem a sustentar esta sua conclusão, o Tribunal recorrido limita-se a remeter para o facto provado nº8, que, por facilidade, de seguida se transcreve:

«No âmbito do processo disciplinar nº ………, instaurado contra a mesma funcionária por despacho da Directora Municipal de Recursos Humanos de 10.03.2005, foi proferido despacho, em 07.11.2007, pelo Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos da Câmara Municipal ………., que aplicou à funcionária nova pena de demissão, por se ter considerado inviabilizada a manutenção da relação funcional e com base nos fundamentos constantes do relatório final do processo disciplinar, datado de ……….., e de acordo com o qual a mesma praticou as seguintes infracções disciplinares:

Com efeito, a arguida praticou:

- Quatro infracções disciplinares, ao infringir o dever de assiduidade e pontualidade, por duas vezes, em 2002 e 2004, previstos nas alíneas g) e h) do nº4, nºs 11 e 12, do citado artigo 3º. As infracções de 2002 estão sancionadas com a pena de aposentação compulsiva e de demissão, prevista no nº1 e alínea h) do artigo 26º do ED, e as de 2004 com a pena de suspensão prevista pelo nº1 do artigo 24º do ED […];

- Outra infracção disciplinar pois, com a prática dos factos provados, afrontou o dever de lealdade, previsto no citado artigo 3º, alínea d) do nº4 e nº8 punida pelo artigo 24º do ED com a pena de suspensão;

- Outra infracção disciplinar, pois violou o dever de correcção, previsto na alínea f) do nº4 e nº10 do artigo 3º, sancionada com a pena de multa prevista no artigo 23º, nº1 e alínea d) do seu nº2» - ver documento de folhas 200 a 220 do suporte físico do processo;

BB) Não obstante a fundamentação do acórdão recorrido ser lacónica, parece que a asserção de que só as faltas de 2002 poderiam legalmente sustentar a pena de demissão, tem por base a alínea h), do nº2, do artigo 26º do Estatuto Disciplinar, que prevê a aplicabilidade da pena de demissão aos funcionários que, dentro do mesmo ano civil, derem cinco faltas seguidas ou dez interpoladas sem justificação;

CC) Assim, por ser a única infracção praticada pela funcionária A………… elencada expressamente no nº2 do artigo 26º do Estatuto Disciplinar, concluiu o Tribunal recorrido que as faltas dadas em 2002 seriam imprescindíveis para aplicação legalmente fundamentada da demissão;

DD) Antes do mais, cumpre esclarecer que a validade do despacho do Senhor Vereador, de 07.11.2007, nomeadamente a questão de saber se o despacho de 25.02.2005 é ou não elemento essencial do mesmo, e se, em concreto, as demais infracções disciplinares são suficientes para preencher a previsão do artigo 26º, nº1, do «Estatuto Disciplinar», extravasa os poderes de cognição do Tribunal recorrido no âmbito do presente processo de execução;

EE) Ao contrário do que argumenta o Tribunal «a quo», o facto de as aqui recorridas terem arguido e pedido a declaração de nulidade dos actos administrativos desconformes com o julgado anulatório e a anulação daqueles que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal - designadamente, o despacho do Vereador de 07.11.2007 e a posterior deliberação camarária de 16.12.2008 - não legitima o Tribunal a apreciar a validade desses actos naquilo que vá além do que o que poderia alegadamente contender com o acto que é efectivamente objecto do processo principal;

FF) Os poderes conferidos ao tribunal, no sentido de ser permitido declarar a nulidade e anular actos administrativos [artigo 167º do CPTA], estão necessariamente balizados pela natureza, fins e objecto do processo de execução;

GG) Por essa razão, há que distinguir os casos em que a anulabilidade ou nulidade de um acto pode e deve ser aferida no âmbito do processo de execução de outro acto, pois que a validade do primeiro obsta ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, e os casos em que tem de ser proposta acção de impugnação autónoma, que serão aqueles em que, como no caso, esteja em causa apreciação de ilegalidades que envolvem aspectos novos;

HH) Assim, sendo certo que o despacho do Senhor Vereador, de 07.11.2007, não constitui acto desconforme com o julgado, e não mantém sem fundamento a situação ilegal, não é legítimo ao Tribunal «a quo» pronunciar-se sobre os demais vícios que eventualmente possam inquinar o mencionado acto;

II) Com efeito, o despacho de 07.11.2007 aplicou a pena de demissão à funcionária A………. na sequência de outros processos disciplinares e com base em factualidade distinta que não aquela que deu origem à primeira pena de demissão - anulada nos autos principais - sendo, além disso, anterior à sentença exequenda, pelo que não poderia ser desconforme com a mesma;

JJ) Isso mesmo é reconhecido, quer pela sentença de 1ª instância [páginas 13 a 19], quer pelo próprio Tribunal recorrido [página 19 do acórdão de 23.11.2018 e página 20 do acórdão recorrido]:

«No caso vertente, já vimos que a segunda pena de demissão não constitui um re-exercicio do acto disciplinar anulado, agora sem o vício que lhe foi assacado, mas um novo acto, autónomo do primeiro, fundado em factos diferentes do primeiro processo disciplinar […]»;

KK) Assim, é inevitável concluir que o Tribunal «a quo» não pode, sob pena de se pronunciar sobre a validade de um acto que não é, nem nunca foi, objecto do presente processo, sindicar a validade do acto de 07.11.2007;

LL) O Tribunal «a quo» violou, por conseguinte, o disposto no nº5, do artigo 176º, e nº2, do artigo 179º do CPTA;

MM) Ainda que não se entenda - sem conceder - que o Tribunal se pronunciou sobre uma questão que extravasa largamente os poderes de cognição que lhe estão atribuídos no âmbito da acção executiva, sempre chegaríamos à conclusão de o acto de 25.02.2005 não constituir elemento essencial do acto de 07.11.2007;

NN) Isto porque, embora corresponda à verdade que as faltas dadas pela funcionária A……….., em 2002, são a única infracção que, de per si, é suficiente para sustentar a pena de demissão, uma tal constatação não impede - e é aqui que falha o Tribunal recorrido - que o comportamento global da funcionária A………… aliado às restantes infracções disciplinares por si praticadas, não possa constituir materialidade suficiente para sustentar a inviabilidade da manutenção da relação funcional, e consequentemente para fundamentar a aplicação da pena de demissão nos termos do artigo 26º, nº1, do Estatuto Disciplinar;

OO) Resulta abundantemente dos autos - nomeadamente do facto provado nº8 a que, curiosamente, o Tribunal «a quo» recorre para sustentar a sua afirmação - que não foi apenas em virtude das faltas injustificadas de 2002 que a pena disciplinar de demissão foi aplicada, tendo também sido tido em consideração o desvalor global do comportamento reiteradamente insubordinado demonstrado pela funcionária A……….., em violação, entre outros, dos deveres de lealdade e correcção;

PP) De resto, isso mesmo consta indesmentivelmente da parte relativa à «Pena Proposta», do relatório final do respectivo processo disciplinar, a folhas 2269 do documento nº8 junto com a petição inicial:

«Avaliado na sua globalidade, no seu contexto, o seu comportamento atingiu tal desvalor, que pôs em causa a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deve merecer a administração pública, revelando uma personalidade inadequada ao exercício das funções públicas. O comportamento da arguida quebrou definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente [ver AC STA de 01.04.03, processo nº1228/02, de 06.10.93, processo nº30463, e de 30.11.94, processo nº32500, Marcello Caetano, obra citada, volume II, página 821]. Ou seja, por tudo quanto se disse e provou, está inviabilizada a manutenção da relação funcional entre esta Câmara e a arguida - nº1 do artigo 26º do ED. E assim sendo, propõe-se a aplicação da pena de demissão à funcionária A……………»;

QQ) Sendo certo que, no caso, as faltas dadas em 2002 não foram o único fundamento para aplicação da pena de demissão, resta saber se, legalmente, tais faltas eram o único fundamento capaz de sustentar a dita pena, de tal modo que possam ser consideradas elemento essencial da mesma;

RR) E a resposta, em face do regime legal aplicável, não pode deixar de ser negativa;

SS) Como se disse, mas se reitera, o artigo 26º do Estatuto Disciplinar de 84, prescreve que «as penas de aposentação compulsiva e de demissão serão aplicáveis em geral às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional» e foi com base nesta previsão normativa, e não exclusivamente com base na alínea h) do nº2 do referido preceito, que se aplicou uma pena de demissão;

TT) Numa palavra, as faltas dadas pela funcionária A………. em 2002 não foram em concreto, nem tinham legalmente de ser, o único fundamento do segundo acto de demissão;

UU) A conclusão vertida no acórdão recorrido, de que o despacho de 25.02.2005 é «elemento essencial» da 2ª pena de demissão, é, assim, claramente improcedente, por contraditória com o regime legal aplicável e, bem assim, com o relatório final do processo disciplinar que culminou nessa mesma pena e com o facto provado nº8;

VV) Deste modo, se existem, em abstracto, outros fundamentos para a aplicação da pena de demissão, e se, em concreto, essa pena foi aplicada com outros fundamentos, então as faltas dadas em 2002 não podem ser elemento «essencial» da pena de demissão;

WW) A errada asserção constante da decisão recorrida conduziu a ostensivo erro de julgamento que urge corrigir: tendo dado como provado que a 2ª decisão de demissão, de 07.11.2007, é nula, entendeu o Tribunal a quo que o dever de reconstituição da situação existente se estendia desde a data em que começou a produzir efeitos o acto anulado nos autos principais, até à data da morte da funcionária A…………;

XX) Porém, a evidência de que a 2ª pena de demissão, concretizada no acto de 07.11.2007, mantém plena validade e eficácia, impõe que o intervalo a considerar para efeitos de cálculo das quantias em dívida à funcionária A…………. seja aquele que medeia entre o momento em que começou a produzir efeitos o acto anulado «e o momento em que sobreveio o evento que, independentemente do acto anulado, sempre teria posto termo à relação de emprego», isto é, o momento em que começou a produzir efeitos a nova pena de demissão;

YY) Face ao exposto, deve ser alterado o intervalo temporal a considerar para efeitos de cálculo das quantias devidas pelo recorrido à funcionária A……………, considerando-se, como havia feito a douta sentença de 1ª instância, o período compreendido entre a data em que o acto anulado começou a produzir os seus efeitos, 23.02.2005, e a data de produção de efeitos do acto que aplicou a nova pena de demissão, 17.01.2008;

ZZ) Ainda que se entendesse que o Tribunal «a quo» pode, no âmbito do presente processo executivo, pronunciar-se sobre a validade do despacho do Vereador, de 07.11.2007, e que, em todo o caso, as faltas dadas pela funcionária A………… seriam o único fundamento capaz de fundamentar a pena de demissão - o que, em face do que acima se expôs, por mera cautela de patrocínio se equaciona - o circunstancialismo do caso concreto não preenche a causa de nulidade enunciada no artigo 133º, nº1, do CPA, na redacção aplicável;

AAA) Com efeito, quer se adopte perspectiva estrutural, quer se adopte a perspectiva material para preencher o conceito indeterminado de «elementos essenciais» do acto administrativo, a verdade é que nunca a causa de nulidade constante do nº1 do artigo 133º do CPA estaria, no caso, verificada;

BBB) De uma perspectiva estrutural, ao despacho do Senhor Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos da Câmara Municipal ……….., de 07.11.2007, não falta - e nem isso foi alguma vez alegado - nenhum dos elementos constitutivos ou integrantes, isto é, não falta nenhum dos elementos que o caracterizam como acto administrativo;

CCC) De uma perspectiva material, e pelas razões supra expostas, ao despacho do Senhor Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos da Câmara Municipal …….., de 07.11.2007, não falta requisito legal cuja gravidade seja de tal forma acentuada e decisiva que imponha que o acto seja sancionado com nulidade;

DDD) Também por este motivo sempre seria improcedente a conclusão do Tribunal a quo, pelo que sempre o acórdão em apreço teria de ser revogado e mantida a decisão proferida pelo TAF do Porto, na parte em que considerou, para efeitos de cálculo das quantias devidas, o período compreendido entre a data em que o acto anulado começou a produzir seus efeitos - 23.02.2005 - e a data de produção de efeitos do acto que aplicou a nova pena de demissão, 17.01.2008.

Termina pedindo a admissão da revista e seu provimento, com a consequente revogação do acórdão recorrido.

2. As recorridas contra-alegaram, formulando estas conclusões:

1- O recorrente olvida o carácter marcadamente excepcional do presente meio processual, nem foram invocadas razões que justifiquem derrogar o carácter excepcional do recurso de revista;

2- Sabe o recorrido que o julgado anulatório que ora se executa teve como objecto a aplicação de uma pena disciplinar de demissão, que fora - como desde sempre alegado - ilegalmente aplicada à exequente, funcionária A……………..;

3- Resulta a inexistência de qualquer «relevo jurídico e social indesmentível» «com capacidade de repercussão económico-social capaz de gerar controvérsia nos presentes autos»;

4- O que demonstra o Município é vontade de persistir na ilegalidade, de forma a - protegendo também o seu interesse económico - tardar a execução da Justiça, que se lhe impõe e impôs, e na sua aplicação ao arrepio de tudo e de todos;

5- Este processo executivo tem interesse concreto e individual, dizendo respeito à execução de acórdão anulatório cujo trânsito em julgado a exequente aguardava, e aguardou até à data da sua morte, a fim de ver anulado o despedimento ilegal de que foi vítima;

6- Aliás, a exequente funcionária - não obstante a persistente e infundada instauração de procedimentos disciplinares alcançou sempre - note-se, SEMPRE! - a devida anulação em sede contenciosa dos actos ilegalmente praticados pelo executado recorrente, o que não pode deixar de ser atendido por este Colendo Tribunal;

7- Brade-se que o verdadeiro fundamento deste recurso é a continuação - fazendo uso inadmissível do recurso de revista - do ilegal saneamento da funcionária;

8- Acresce que, a inaplicabilidade do processo a casos futuros é de tal forma manifesta que o próprio regime disciplinar aplicável ED/2008 - aplicável aos factos, datados de 2005 - foi revogado pela Lei nº35/2014 de 20.06, incluindo as normas de execução da decisão disciplinar de demissão [como aliás refere, inter alia, o acórdão recorrido];

9- Não foi invocada pelo recorrido qualquer violação de direito fundamental, o que determina a inadmissibilidade do presente recurso;

10- Ressumam também não verificados os pressupostos de admissibilidade da revista relativos à relevância jurídica ou social da questão, e da sua importância fundamental, pelo que deve a mesmo ser inadmissível;

11- No que concerne ao pressuposto referente à melhor aplicação do Direito, diga-se, desde já, que o Município recorrente não distingue entre não concordar com a decisão com uma decisão que faça má aplicação do Direito;

12- A questão de direito foi decidida pelo TCAN de acordo com a jurisprudência consolidada do STA, referindo-a expressamente, pelo que deverá ser recusada a admissibilidade da revista [ver AC de 05.07.2007, processo nº570/07, AC de 05.06.2008, processo nº447/08, e, mais recentemente, AC de 03.04.2014, processo nº338/14, de 15.01.2015, processo nº1498/14, e de 25.11.2015, processo nº1498/15];

13- É ademais manifesto que a questão não apresenta interesse objectivo para a clarificação do quadro legal ou uniformidade da aplicação do direito, e que a decisão recorrida está dentro das soluções plausíveis de direito, não revelando a existência de erro manifesto ou grosseiro que torne justificável a intervenção do Tribunal de revista;

14- Tendo em conta os critérios essenciais seguidos para admissão da revista excepcional pelo STA, resulta à saciedade que: i. Não foi alegado ou demonstrado, nem foi reconhecido noutro processo tratar-se de questão fundamental; ii. Não foi alegado ou demonstrado, nem se trata de matéria que requeira uniformização; iii. Nem foi alegado ou demonstrado, nem existe, qualquer desconformidade com orientação jurisprudencial; iv. Nem foi alegado fundamento concreto, nem é previsível que a questão se coloque em casos futuros;

15- Por tudo o exposto, não deverá ser admitida a revista do acórdão recorrido;

16- As penas de demissão de processos disciplinares - posteriores à «extinção do vínculo laboral» - apenas podem ser executadas se e quando o trabalhador regressar ao exercício de funções;

17- Tendo a funcionária sido demitida a 23.02.2005, e tendo tal acto de demissão sido anulado por acórdão de 29.05.2014, tudo se deverá passar como se tal acto não tivesse ocorrido, devendo a funcionária regressar ao exercício das suas funções e receber os salários tramitados até ao regresso ao exercício de funções [no caso faleceu dias antes];

18- No período que decorreu entre o acto anulado de demissão - 23.02.2005 a 29.05.2014 - e a reintegração, não poderá ocorrer qualquer cessação do vínculo laboral, em virtude de qualquer acto entretanto praticado pela Administração, pois que tais factos só poderão ser executados e produzir efeitos a partir da reintegração;

19- O artigo 5º nº3 do ED, obriga a «suspender o efeito» da execução de decisão de demissão quando a relação jurídica de emprego já tinha previamente cessado;

20- A execução do acórdão anulatório determina que tudo se deveria passar como se o vínculo laboral não tivesse cessado e a funcionária regressasse ao exercício de funções;

21- Não fosse o seu falecimento a 01.06.2015, a exequente funcionária regressaria ao exercício de funções após a prolação do acórdão anulatório, concretamente no dia seguinte ao trânsito em julgado do acórdão anulatório de 29.05.2014, que se executa, e que confirma a anulação da ratificação da pena de demissão de 2005;

22- Só aquando do regresso ao exercício de funções poderia, eventualmente, ser executada qualquer decisão de aplicar nova pena de demissão [nomeadamente a mencionada pena de demissão decidida em 07.11.2007 e por executar];

23- A reconstituição da relação administrativo-laboral deve ocorrer - ininterruptamente e como se nunca tivesse sido perturbado - até à data da morte, a 01.06.2014;

24- A retroactividade na execução do acórdão anulatório apenas serve o desiderato de eliminar os efeitos do acto anulado - tudo se mantendo - até à execução da anulação - como se tal acto inexistisse [isto é, mantendo a situação de emprego];

25- O acto de injustificação das faltas relativas ao ano 2002 [que constituem o único fundamento da demissão de 07.11.2007] foi anulado judicialmente pelo processo 1074/05.4 BEPRT, cuja revista foi negada por este STA;

26- A decisão de demissão proferida em 07.11.2007, fundada na injustificação das faltas, por despacho de 25.02.2005, dez dias depois da demissão de 15.02.2005, entretanto anulado por acórdão do TCAN, de 21.09.2012, no âmbito do processo 1174/05.0BEPRT, constitui um acto que ostensivamente intenta manter a situação ilegal de demissão - e que teve e tem em vista impedir o regresso ao exercício de funções aquando do trânsito em julgado da anulação;

27- Em caso algum, se poderia admitir que o acto renovado [poder de praticar novo acto administrativo] ou bem assim, qualquer execução de decisão suspensa ou não executada pudesse - aquando da anulação da primeira decisão - ter eficácia retroactiva;

28- Os efeitos retroactivos excepcionais do acórdão anulatório devem ser produzidos de forma a reconstituir plena - ao menos tendencialmente - a chamada situação hipotética favorável ao administrado;

29- A exequente funcionária, ilegalmente demitida, tem direito a ver reconhecido que desde a data da sua demissão ilegal até à sua morte foi trabalhadora do executado - tal como declarado em sede declarativa;

30- A exequente funcionária esteve a cumprir a pena de demissão ilegal de 2005 até à data da sua morte - ao abrigo da decisão de demissão de 2005;

31- Não pode a demissão de 11.07.2007 ser executada em 2014, com eficácia retroactiva a 2007;

32- Atente-se que, notificado o executado Município - no processo de impugnação do despacho que considera injustificadas as faltas que fundamentam a alegada demissão de 2007 - para informar da existência de qualquer procedimento disciplinar fundado nessas mesmas faltas, o mesmo não informou o Tribunal da existência do processo disciplinar [posterior à demissão de 2005];

33- Atente-se, ainda, que o Município não juntou nem comunicou quer aos presentes autos em sede declarativa [ainda que a autora o tenha referido logo na sua petição inicial a folha 2] quer ao processo 1174/05.0BEPRT - que correu termos na U05 do TAF do Porto - a existência, conteúdo ou qualquer acto ou decisão de procedimento disciplinar ou qualquer ratificação que tivesse sido notificada ou publicada no processo disciplinar que origina a decisão de aplicação de pena de demissão de 07.11.2007;

34- O exclusivo fundamento para a decisão de aplicação de pena de demissão de 07.11.2007, foram as alegadas faltas injustificadas anuladas, relativas ao ano de 2002, tal como se encontra expressamente exarado no acórdão recorrido;

35- Tais faltas do ano 2002 foram todas consideradas justificadas e o acto administrativo que as injustificou foi anulado judicialmente no âmbito do processo administrativo 1174/05.0BEPRT - documento nº1, junto à réplica, do suporte físico do processo executivo 1082/05.4BEPRT-A - facto provado 17;

36- É manifesta a nulidade do acto de demissão de 2007, vertido no facto provado 8, por falta de um seu pressuposto essencial - o próprio objecto [artigo 133º CPA];

37- Entre as faltas injustificadas e a decisão existe uma relação que determinaria a invalidade da demissão por faltas injustificadas caso a anulação da injustificação das faltas tivesse sido produzida antes da sua prolação;

38- Por todo o exposto, não merece censura o acórdão recorrido.

Termina pedindo a não admissão da revista, e, de todo o modo, o seu não provimento.

3. Mas a revista foi admitida por este STA - «Formação» a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA, na redacção aqui aplicável.

4. O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento da revista - artigo 146º, nº1, do CPTA - sendo que as recorridas vieram expressamente discordar desta pronúncia pública.

5. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir a revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêm das instâncias:

1) Em 15.02.2005 foi proferido despacho pelo «Vereador dos Recursos Humanos» da Câmara Municipal ………….. que aplicou à funcionária A…………. a pena de demissão, por se ter considerado inviabilizada a manutenção da relação funcional entre a Câmara Municipal ……….. e a referida funcionária [ver documento de folhas 5 e 6 do suporte físico do processo cautelar nº582/05.0 PRT, apenso aos autos principais];

2) Do relatório final do processo disciplinar, datado de 17.01.2005, e no qual se baseou a decisão mencionada no ponto antecedente, resulta que a pena de demissão foi aplicada à funcionária pela prática das seguintes infracções:

«Com efeito, a arguida praticou, aqui, de forma continuada:

- Uma infracção disciplinar, ao infringir os deveres de obediência e correcção prescritos nas alíneas c) e f) do nº4, nºs 7 e 10 do citado artigo 3º; de obediência, quando desobedeceu sistemática e continuamente às ordens dos seus superiores hierárquicos dadas em objecto de serviço e com forma legal; de correcção, quando desrespeitou gravemente os seus superiores hierárquicos e colegas. […]

- Outra infracção disciplinar, ao faltar ao serviço, ou seja, ao não comparecer ao serviço, desde 26.08.2003 até 11.10.2004 [ressalvados os dias em que a ele não compareceu por motivo de doença, devidamente justificado] durante a totalidade do período de trabalho a que estava obrigada, em local de trabalho a que estava obrigada, por superiormente determinado […]» [ver documento de folhas 7 a 29 do suporte físico do processo cautelar nº582/05.0 PRT, apenso aos autos principais];

3) A funcionária A………………… tomou conhecimento do despacho que lhe aplicou a pena de demissão, referido supra no ponto 1), em 22.02.2005 [ver documento de folha 6, no verso, do suporte físico do processo cautelar nº582/05.0 PRT, apenso aos autos principais];

4) Por acórdão proferido por este Tribunal, em 29.04.2008, no âmbito do processo nº1082/05.4 PRT, foi julgada procedente a acção administrativa especial interposta por A………….. contra o despacho do Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal ………. de 15.02.2005, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, e, em consequência, foi o mesmo anulado com base no vício de incompetência [ver acórdão de folhas 533 a 555 do suporte físico do processo principal nº1082/05.4 PRT];

5) Na sequência da ampliação do objecto da instância - processo nº1082/05.4 PRT - à impugnação da deliberação da Câmara Municipal ……………., datada de 18.11.2008, pela qual foi ratificado o acto que aplicou à funcionária a pena de demissão, foi proferido acórdão por este Tribunal, em 12.01.2012, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta por A………… e, em consequência, anulou o referido acto de ratificação, por enfermar do vício de violação de lei por ofensa dos artigos 137º, nº2, e 141º, nº1, do CPA [ver acórdão de folhas 919 a 928 do suporte físico do processo principal nº1082/05.4PRT];

6) Por acórdão proferido pelo TCAN em 29.05.2014, foi confirmado o acórdão referido no ponto anterior [ver acórdão de folhas 1046 a 1062 do suporte físico do processo principal nº1082/05.4 PRT];

7) A funcionária A…………. faleceu no dia 01.06.2014 [ver documento de folha 20 do suporte físico do processo];

8) No âmbito do processo disciplinar [PD] …………., instaurado contra a mesma funcionária por despacho da Directora Municipal de Recursos Humanos de 10.03.2005, foi proferido despacho, em 07.11.2007, pelo «Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos» da Câmara Municipal ……… que aplicou à funcionária nova pena de demissão, por se ter considerado inviabilizada a manutenção da relação funcional e com base nos fundamentos constantes do relatório final do PD, datado de ………….., e de acordo com o qual a mesma praticou as seguintes infracções disciplinares:

«Com efeito, a arguida praticou:

- Quatro infracções disciplinares, ao infringir o dever de assiduidade e pontualidade, por duas vezes, em 2002 e 2004, previstos nas alíneas g) e h) do nº4, nºs 11 e 12, do citado artigo 3º. As infracções de 2002 estão sancionadas com a pena de aposentação compulsiva e de demissão, prevista no nº1 e a alínea h) do nº2 do artigo 26º do ED, e as de 2004 com a pena de suspensão prevista pelo nº1 do artigo 24º do ED […];

- Outra infracção disciplinar pois, com a prática dos factos, provados, afrontou o dever de lealdade, previsto no citado artigo 3º, alínea d) do nº4 e nº8 punida pelo artigo 24º do ED com a pena de suspensão;

- Outra infracção disciplinar, pois violou o dever de correcção, previsto na alínea f) do nº4 e nº10 do artigo 3º, sancionada com a pena de multa prevista no artigo 23º, nº1 e alínea d) do seu nº2» [ver documento de folhas 200 a 220 do suporte físico do processo];

9) Pelo aviso nº1458/2008, de 09.01.2008 - publicado em Diário da República, 2ª série, de 16.01.2008 - foi publicitado o despacho do Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos, de 07.11.2007, referido no ponto anterior [ver documento de folha 227 do suporte físico do processo];

10) O mesmo despacho do «Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos», de 07.11.2007, que aplicou à funcionária nova pena de demissão, foi ratificado por deliberação da Câmara Municipal …………. [CM……..] de 16.12.2008 [ver documento de folhas 361 a 368 do suporte físico do processo];

11) A funcionária A…………. auferiu, nos meses de Fevereiro de 2004 a Janeiro de 2005, as seguintes remunerações liquidas:


Fevereiro 2004 ---- 702,15€

Março 2004 -------- 681,84€

Abril 2004 ---------- 789,77€

Maio 2004 ---------- 648,00€

Junho 2004 -------- 1.313,74€

Julho 2004 --------- 784,42€

Agosto 2004 ------- 682,80€

Setembro 2004 --- 738,57€

Outubro 2004 ----- 738,57€

Novembro 2004 -- 1.427,54€

Dezembro 2004 -- 701,57€

Janeiro 2005 ------ 746,57€

[ver documento de folhas 512 a 523 do suporte físico do processo];


12) Em Outubro de 2013 foram pagos à funcionária A………………. as remunerações correspondentes a 14 dias do mês de Março de 2005 e a 8 dias do mês de Abril de 2005, na sequência do efeito suspensivo da eficácia do acto que lhe aplicou a pena de demissão, em 15.02.2005, em resultado da interposição de recurso hierárquico e de providência cautelar, acrescidas de juros de mora, perfazendo o total de 823,55€, valor líquido dos descontos obrigatórios efectuados [ver documentos de folhas 560 a 563 e 579 do suporte físico do processo];

13) Nos anos de 2005 a 2014 não foram efectuados quaisquer descontos para a «Segurança Social» quer pela funcionária A…………….., quer por terceiros, uma vez que, nesse período, não foram declaradas remunerações em nome da referida funcionária [ver documento de folha 592 do suporte físico do processo];

14) A partir do dia 24.02.2005 e até à data do seu falecimento, não foram efectuados quaisquer descontos para a «Caixa Geral de Aposentações» quer pela funcionária A……………, quer por terceiros, não lhe tendo sido igualmente efectuado, nesse período, qualquer pagamento a título de prestação social [ver documento de folhas 593 e 594 do suporte físico do processo];

15) Nos anos de 2005 a 2014 a funcionária A………….. não auferiu quaisquer outros rendimentos provenientes de actividade profissional, para além das remunerações pagas, nesse período, pelo executado e que foram declaradas nos anos de 2005 e 2013 [ver documentos de folhas 601 a 620 e 623 a 664 do suporte físico do processo];

16) O executado foi citado no presente processo de execução no dia 21.11.2014 [ver documento de folha 375 do suporte físico do processo];

17) Foi anulado, por decisão transitada em julgado no processo nº1174/05.0PRT, o despacho de 25.02.2005 que considerou injustificadas as faltas dadas no ano de 2002 a que se refere a decisão que aplicou de novo a pena de demissão à funcionária A………….., de 07.11.2007 [ver documento nº1 junto à réplica, do suporte físico do processo executivo 1082/05.4 PRT-A].

III. De Direito

1. A HERANÇA JACENTE DE A…………… - representada pela «cabeça de casal» B………… - e esta última - enquanto única herdeira - pediram a tribunal a execução do julgado anulatório proferido no processo nº1082/05.4BEPRT, a que estes autos estão apensos.

Nesse processo nº1082/05.4BEPRT, fora anulada a decisão do MUNICÍPIO ………… que tinha sancionado disciplinarmente a sua funcionária A…………. com pena de demissão. Primeiro fora anulado, com fundamento em vício de incompetência, o despacho do Vereador dos Recursos Humanos, de 15.02.2005, que aplicara tal pena, e depois, no mesmo processo judicial - e por «ampliação do objecto da instância» - fora anulada a deliberação da Câmara Municipal …………, de 18.11.2008, que «ratificara» a aplicação dessa pena de demissão, agora com fundamento em vício de violação de lei por ofensa aos artigos 137º, nº2, e 141º, nº1, do CPA então vigente [pontos 1 a 6 do provado].

A decisão judicial que anulou o dito despacho do Vereador foi proferida em 29.04.2008 [4 do provado], e a decisão judicial, final, que anulou a deliberação camarária, foi proferida pela 2ª instância em 29.05.2014 [6 do provado].

Em sede executiva, foi solicitado a tribunal, fundamentalmente, que declarasse inexistir causa legítima de inexecução; declarasse nulos ou anulasse actos desconformes com o julgado - designadamente o despacho do Vereador do Pelouro de Recursos Humanos, de 07.11.2007, e a posterior deliberação camarária de 16.12.2008; condenasse o município executado a pagar às exequentes salários, subsídios e quaisquer outras quantias devidas à sua funcionária, «ilegalmente demitida», e entretanto falecida, desde a data da demissão e até à data da sua morte; a fazer os devidos descontos para a CGA, ADSE e Autoridade Tributária - IRS; a pagar o montante considerado justo por danos morais; e fixasse o prazo de execução acrescido de sanção pecuniária compulsória.

Ou seja, pretendem as exequentes dar «execução ao julgado anulatório» decorrente do acórdão da 2ª instância [TCAN], de 29.05.2014, que confirmou a sentença que anulou a deliberação da Câmara Municipal ………, de 18.11.2008, que ratificou o despacho do Vereador dos Recursos Humanos, de 15.02.2005, e assim, aplicou a pena disciplinar de demissão à funcionária A………………..

2. O tribunal de 1ª instância - TAF do Porto -, na sua sentença [18.03.2017], identificou como questões fundamentais a decidir, a de saber se o despacho de 07.11.2007 do Vereador dos Recursos Humanos, e a deliberação de 16.12.2008 da Câmara Municipal ………. - que o ratificou - deverão ser declarados nulos por serem actos desconformes com o julgado anulatório dado à execução, ou anulados por manterem sem fundamento válido a situação ilegal, e a de saber se o executado deve ser condenado à prática dos actos e operações peticionados pelos exequentes.

Relativamente à primeira questão repesquemos o seguinte do julgamento do TAF:

[…]

«No âmbito da execução de sentenças de anulação de actos administrativos, dispõe o artigo 176º, nº5, do CPTA, que quando for caso disso, o autor pode pedir ainda a declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, bem como a anulação daqueles que mantenham, sem fundamento válido, a situação constituída pelo ato anulado. Acrescenta o nº2 do artigo 179º, do mesmo Código, que sendo caso disso, o tribunal também declara a nulidade dos actos desconformes com a sentença e anula os que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal.

A questão está, assim, em saber em que consistem os actos desconformes com a sentença e os actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação constituída pelo acto anulado. Ora, o conceito de desconformidade com a sentença tem sido interpretado no sentido de cobrir as situações de ofensa ao caso julgado e os casos em que o acto administrativo, embora dirigido a fazer o que é devido, determine um resultado que não corresponde àquele que deveria ser produzido porque não foi correctamente praticado. Por sua vez, a referência aos actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal vai mais longe, permitindo ao exequente deduzir também, logo no início ou no decurso do processo de execução, o pedido de anulação dos eventuais actos administrativos supervenientes que configurem uma recusa disfarçada de executar, por virem dar, de modo ilegal, uma nova definição jurídica à situação a que respeitava o acto anulado, com o propósito ou, pelo menos, o alcance de afastar a reconstituição da situação que deveria existir se aquele acto não tivesse sido praticado [Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, 2010, página 1083]. Esta última situação - actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal - decorre directamente do chamado efeito preclusivo procedimental da sentença, mediante comprovação da existência de uma tentativa efectiva, por parte da Administração, de defraudar o resultado material da anulação judicialmente decretada, no domínio do procedimento que deve ser retomado após a anulação do acto que lhe pôs termo e no reexercício do poder de actuação administrativa [consequente à anulação do acto anterior]. Aqui, embora não se esteja perante uma verdadeira ofensa de caso julgado, por envolver o conhecimento de questões que não tocam o acórdão anulatório, nem por isso se afasta do âmbito do processo de execução a apreciação da desconformidade deste tipo de actos […].

Portanto, quando os referidos artigos 176º, nº5, e 179º, nº2, do CPTA, se referem à nulidade dos actos desconformes à sentença e à anulação dos que mantêm a situação ilegal, está a admitir, no âmbito da execução de julgado, a apreciação dos vícios subsequentes do acto renovado, isto é, dos vícios que não decorrem da violação do caso julgado [para os quais a sanção é a nulidade, nos termos do artigo 133º, nº2, alínea h), do CPA aprovado pelo DL nº442/91, de 15.11]. Ante o exposto, temos que os actos administrativos cuja declaração de nulidade e/ou anulação pode ser peticionada no processo de execução, nos termos acima analisados, são, antes de mais, os actos administrativos praticados, cronológica e sequencialmente, após a prolação do julgado anulatório do acto impugnado, tendo necessariamente como referência a situação que fora constituída pelo próprio acto anulado. Com efeito, só assim se compreende a possibilidade de estes actos serem desconformes à sentença exequenda e ofenderem o caso julgado [o que apenas ocorre quando o acto é praticado em momento posterior ao julgado anulatório] e, bem assim, a possibilidade de estes actos supervenientes conferirem, de modo ilegal, uma nova definição jurídica à situação a que respeitava o acto anulado, uma vez que traduzem o reexercício do mesmo poder de actuação administrativa que levou, num primeiro momento, à prática do acto entretanto anulado [tratando-se, na grande maioria dos casos, de actos renovados].

Ora, a verdade é que nenhum dos actos cuja declaração de nulidade ou anulação vem agora peticionada pelas exequentes partilha das características acima mencionadas. Isto porque os actos que foram anulados pelo acórdão exequendo, com base na verificação do vício de incompetência e do vício de violação de lei por ofensa dos artigos 137º, nº2, e 141º, nº1, do CPA - anulação cujos efeitos se pretende sejam executados com o presente processo -, consistiram no despacho, de 15.02.2005, proferido pelo Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal ……….. que aplicou à funcionária A………….. a pena de demissão, por se ter considerado inviabilizada a manutenção da relação funcional entre aquela Câmara e a dita funcionária, e a posterior deliberação camarária, datada de 18.11.2008, pela qual foi ratificado o acto que aplicou a pena de demissão. Esta sanção foi-lhe aplicada pela prática de uma infracção disciplinar decorrente da violação dos deveres de obediência e de correcção e […] por outra infracção disciplinar em virtude de ter faltado ao serviço, desde 26.08.2003 até 11.10.2004 [ver pontos 1 e 2 do provado].

Tenha-se, ainda, presente a seguinte factualidade [pontos 4, 5 e 6 dos factos provados]: - o acórdão que, em primeira instância, anulou o despacho de 15.02.2005 foi proferido em 29.04.2008, no âmbito do processo nº1082/05.4BEPRT; - o acórdão que, em primeira instância [na sequência da ampliação do objecto do processo nº1082/05.4BEPRT], anulou o acto de ratificação de 18.11.2008 foi proferido em 12.01.2012; - o acórdão do TCAN que confirmou o acórdão referido no ponto anterior foi proferido, por fim, em 29.05.2014. Ao invés, os actos cuja declaração de nulidade e/ou anulação vem peticionada [ao abrigo do artigo 176º, nº5, do CPTA], são [i] o despacho, de 07.11.2007, proferido pelo Vereador dos Recursos Humanos, da Câmara Municipal ……………, que aplicou à mesma funcionária nova pena de demissão, por, mais uma vez, se ter considerado inviabilizada a manutenção da relação funcional, tudo no âmbito doutro processo disciplinar […………] que lhe fora instaurado, diferente do processo disciplinar que culminou no anterior acto de 15.02.2005; e [ii] a deliberação camarária de 16.12.2008 que ratificou aquele anterior despacho de 07.11.2007 que aplicou à funcionária em causa nova pena de demissão. Esta sanção foi aplicada, por sua vez, atendendo à prática das seguintes infracções: - 4 infracções disciplinares - por violação do dever de assiduidade e de pontualidade, por 2 vezes, em 2002 e 2004; - outra infracção disciplinar - por violação do dever de lealdade; - outra infracção disciplinar - por violação do dever de correcção [pontos 8 e 10 dos factos provados].

Ante esta factualidade acabada de referir, facilmente se conclui que o acto praticado em 07.11.2007 não configura um acto desconforme com o julgado anulatório que ora se pretende executar, nem um acto que mantém, sem fundamento válido, a situação constituída pelo acto anulado [despacho de 15.02.2005 que aplicou à funcionária a primeira pena de demissão, posteriormente ratificado em 18.11.2008], por diversas ordens de razões. De uma banda, o despacho em crise [de 07.11.2007] é anterior à prolação do primeiro acórdão que, em primeira instância, anulou o acto que demitiu a funcionária em 15.02.2005, acórdão esse que é datado - como vimos - de 29.04.2008, sendo que, obviamente, o acórdão do TCAN - acórdão ora exequendo - é, necessariamente, posterior, tendo sido proferido já em 29.05.2014. Se aquele despacho [de 07.11.2007] é anterior ao próprio julgado anulatório que ora se pretende executar, não pode o mesmo, desde logo, ser desconforme ao acórdão exequendo e, assim, ofender o caso julgado. De outra banda, considerando que o despacho em questão [07.11.2007] foi proferido no âmbito de um outro processo disciplinar, diverso do que deu origem ao anterior despacho [anulado] de 15.02.2005, e que, em consequência, aquele despacho [07.11.2007] foi proferido com base na verificação de diferente factualidade e na ocorrência de diferentes infracções disciplinares imputadas à mesma funcionária - não obstante este acto ter o mesmo conteúdo do acto [anulado] de 15.02.2005, porque também culminou com a aplicação de uma pena de demissão -, isto significa que o despacho de 07.11.2007 não se reporta à mesma situação que fora constituída pelo próprio acto anulado, e, nessa medida, não pode tal acto conferir, seja de modo legal, seja de modo ilegal, uma nova definição jurídica à situação a que respeitava o acto anulado, uma vez que esses actos [de 15.02.2005 e 07.11.2007] não traduzem o exercício do mesmo poder concreto de actuação administrativa. Numa palavra, o despacho de 07.11.2007 não representa uma renovação [legal ou ilegal] do despacho [anulado] de 15.02.2005. E se assim é quanto ao despacho do Vereador dos Recursos Humanos de 07.11.2007, à mesma conclusão se chega relativamente à deliberação de 16.12.2008, que mais não fez do que ratificar esse primeiro ato.

Por conseguinte, temos que os actos acabados de referir não consubstanciam, em si mesmo considerados, actos desconformes com a sentença nem actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação constituída pelo ato anulado, para efeitos de aplicação do disposto nos artigos 176º, nº5, e 179º, nº2, do CPTA. […]

Daqui decorre que, não podendo tais actos ser declarados nulos e/ou anulados, nos termos peticionados pelas exequentes, não cabe no presente processo de execução discutir e apreciar a verificação dos vícios que lhes são apontados, e que acima deixámos identificados, pois que tal extravasa largamente o objecto desta acção executiva, ditado pelos limites impostos pelo julgado anulatório. Com efeito tais actos deveriam ter sido autonomamente impugnados em acção destinada a esse fim, sendo que não colhe o argumento, avançado pelas exequentes, de que a alegada ineficácia do acto praticado em 07.11.2007 [derivada da falta de notificação] levaria a que inexistisse qualquer dever de impugnação desse acto. Não é pelo facto de um acto ser - alegadamente - ineficaz que ele não pode ser oportunamente impugnado, sendo certo que, além do mais, é sempre possível a impugnação de actos administrativos ineficazes [artigo 54º CPTA]. Não tendo sido até este momento impugnados pelas exequentes [através do meio processual adequado] quer o despacho do Vereador dos Recursos Humanos, de 07.11.2007, quer a deliberação camarária de 16.12.2008, que o ratificou, vigoram na ordem jurídica e produzem os efeitos a que os mesmos se destinam […]

Pelo exposto, improcede o pedido de declaração de nulidade dos actos administrativos desconformes com a sentença e anulação daqueles que mantenham sem fundamento válido a situação ilegal, nomeadamente do despacho do Vereador dos Recursos Humanos de 07.11.2007 e deliberação camarária de 16.12.2008.»

[…]

No tocante à segunda questão, o TAF entendeu serem devidos à funcionária ilegalmente demitida - agora às exequentes -, em execução do julgado anulatório, os montantes por elas peticionados e a que aquela teria direito entre duas datas: a da produção de efeitos do acto anulado e a da produção de efeitos da nova pena de demissão aplicada.

E, assim, proferiu a seguinte decisão final [citada apenas na parte pertinente]:

[…]

«Em face do exposto, julga-se esta execução parcialmente procedente e, em consequência: a) Declara-se a inexistência de causa legítima de inexecução; b) Condena-se o executado a pagar às exequentes as quantias correspondentes aos vencimentos, subsídios de férias, de Natal e de refeição, que a funcionária A…………….. teria auferido se não tivesse sido praticado o acto anulado, calculadas por referência ao período de 23.02.2005 [data em que o acto anulado começou a produzir os seus efeitos], a 17.01.2008 [data da produção de efeitos do acto de 07.11.2007, que aplicou a nova pena de demissão à funcionária], incluindo os aumentos salariais eventualmente ocorridos nesse período e os diferenciais existentes por eventuais progressões na carreira, descontando-se as remunerações já pagas à funcionária relativas a 14 dias do mês de Março de 2005 e a 8 dias do mês de Abril de 2005, sem prejuízo do dever de o executado efectuar todos os pagamentos legalmente devidos à CGA, à ADSE e à Autoridade Tributária [IRS], a título de descontos sobre os montantes em dívida; […]»

3. O TCAN - pelo acórdão ora recorrido - concedeu parcial provimento à apelação interposta pelas exequentes, e condenou o executado a pagar-lhes as quantias pecuniárias referidas na sentença do TAF mas até à data do falecimento da funcionária demitida: 01.06.2014 - ponto 7 do provado.

E assim fez porque, não obstante concordar que «A segunda pena de demissão não constitui um re-exercício do acto disciplinar anulado, agora sem o vício que lhe foi assacado, mas um novo acto, autónomo do primeiro, fundado em factos diferentes do primeiro processo disciplinar […]», entendeu o seguinte:

[…]

«Embora não tenha transitado em julgado a decisão final proferida no processo [processo nº3134/14.0PRT] em que se pediu a anulação deste despacho [de 07.11.2017, publicado in DR, 2ª série, nº11, de 16.01.2008], outra conclusão não se pode tirar nos presentes autos que não seja a de que tal acto, da segunda demissão, é nulo, e, por isso, não pode produzir qualquer efeito. Na verdade, este segundo acto de demissão tem três infracções de natureza distinta como fundamento, a saber, quatro infracções disciplinares por violação dos deveres de pontualidade e assiduidade, por duas vezes, em 2002 e 2004, outra infracção disciplinar por violação do dever de lealdade, e, finalmente, uma outra infracção disciplinar por violação do dever de correcção. E o despacho de 25.02.2005, anulado por decisão transitada em julgado, apenas se refere às faltas dadas em 2002 e consideradas injustificadas. Sucede que precisamente apenas a infracção disciplinar pelas faltas dadas em 2002 poderia justificar a demissão [ver facto provado nº8]. O que significa que falta para o segundo acto de demissão um pressuposto essencial, de facto e de direito, a existência de faltas injustificadas, o que o fere de nulidade nos termos do artigo 133º, nº1, do CPA [de 1991], aplicável ao caso. Sendo nulo, não pode produzir quaisquer efeitos, como pedido pela exequente - artigo 134º, nº1, do mesmo diploma. E o mesmo se diga relativamente à deliberação que o ratificou».

[…]

Nesta revista, o município executado reputa de juridicamente errado este julgamento, e pede a sua revogação. Esse erro de julgamento de direito consiste, em seu entender, na errada interpretação e aplicação dos artigos 176º, nº5, e 179º, nº2, do CPTA, e - a admitir-se que o tribunal podia conhecer da validade do segundo acto de demissão -, na errada interpretação e aplicação do artigo 133º, nº1, do CPA [na versão aqui aplicável, anterior ao DL nº4/2015, de 07.01].

4. Os artigos 176º e 179º do CPTA fazem parte das normas que regulam a «execução de sentenças de anulação de actos administrativos», sendo a primeira relativa à petição de execução e a segunda relativa à respectiva decisão judicial [as suas «redacções» são idênticas, antes e depois do DL nº214-G/2015, de 02.10].

De acordo com artigo 176º, o exequente, para além de dever, na petição de execução, especificar os actos e operações em que considera que a execução deve consistir, pode ainda, quando for caso disso, pedir a declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, bem como a anulação daqueles que mantenham, sem fundamento válido, a situação constituída pelo acto anulado [nº5].

Por seu lado, agora na perspectiva da decisão judicial, o artigo 179º diz que sendo caso disso, o tribunal também declara a nulidade dos actos desconformes com a sentença e anula os que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal [nº2].

5. A obrigatoriedade das sentenças dos tribunais administrativos [158º do CPTA] desdobra-se na prevalência e na imperatividade das respectivas decisões.

Esta última - a imperatividade - implica - no campo do julgado anulatório - o dever da Administração adoptar todos os actos jurídicos e operações materiais necessários à concretização do caso julgado, havendo uma clara opção legislativa pela tutela reconstitutiva [173º do CPTA]. E por isso se exige ao exequente que, na petição de execução, especifique os actos e operações em que considera que a execução deve consistir.

Por seu turno, a prevalência implica que se declarem nulos os actos jurídicos e operações materiais praticados em desrespeito pelo caso julgado anulatório [133º, nº2 h), do CPA aplicável], e ainda que sejam anulados os actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação constituída pelo acto definitivamente anulado.

Como vemos, o determinado pelo «nº5 do artigo 176º e pelo nº2 do artigo 179º» está juridicamente apoiado nessa obrigatoriedade das sentenças dos tribunais administrativos - 158º do CPTA -, que vai ao ponto de fazer incorrer os autores dos actos desrespeitadores do caso julgado anulatório em responsabilidade civil, criminal e disciplinar.

6. No presente caso, o invocado «erro de julgamento de direito» consistente na errada aplicação dos artigos 176º nº5, e 179º nº2, do CPTA, cifra-se em saber se o «despacho de 07.11.2007» [8 do provado] e a «deliberação de 16.12.2008» [10 do provado] configuram actos desconformes com o julgado anulatório, dado à execução, ou actos que mantêm, sem fundamento válido, a situação constituída pelo acto anulado.

E obviamente que isto não ocorre, pelas razões muito bem explanadas na sentença da 1ª instância que, por isso mesmo, fizemos questão de citar, e que se resumem a duas: - a primeira consiste na impossibilidade lógica dos actos em questão [8 e 10 do provado] «serem desconformes» com um julgado anulatório que ainda não existia; - a segunda consiste em tais actos [8 e 10 do provado] terem sido proferidos num outro procedimento disciplinar [………..] - que não aquele a que respeita o «julgado anulatório exequendo» - e terem por objecto infracções disciplinares que, ao menos parcialmente, são diferentes das que justificaram a pena de demissão anulada [2 e 8 do provado].

Mesmo que a «segunda pena de demissão» tenha tido objecto parcialmente coincidente com a que posteriormente veio a ser anulada, isso não implica nem a desconformidade nem a manutenção da situação ilegal referidas na lei, pois, quando muito, contamina a segunda decisão disciplinar por violação do princípio «non bis in idem».

E, assim, configurando a segunda demissão um acto administrativo sem implicações ao nível da execução do julgado anulatório relativo à primeira demissão, resulta correcto o respectivo julgamento realizado pelo TAF, e errado o julgamento do acórdão recorrido.

7. Dito isto, perde utilidade a abordagem do segundo vector do «erro de julgamento de direito» invocado pelo município recorrente, e que tem a ver com errada interpretação e aplicação do artigo 133º, nº1, do CPA [na versão aqui aplicável, anterior ao DL nº4/2015, de 07.01].

Segundo alega, esta norma sanciona com a «nulidade» os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais e não é verdade, como parece ter suposto o acórdão recorrido, que o segundo acto de demissão seja nulo com esse fundamento.

Abordar esta questão seria entrar na apreciação da validade desse segundo acto, isto é, seria admitir o que já negamos: a possibilidade de declarar nulo ou anular tal acto nesta sede executiva. Significaria determo-nos sobre questão sem interesse prático para os autos, o que deverá ser evitado, uma vez que o escopo do processo judicial não é académico.

Resta, assim, concluir pelo julgamento de procedência do erro de julgamento de direito relativo à errada interpretação e aplicação dos artigos 176º, nº5, e 179º, nº2, do CPTA, e, com base nele, conceder provimento à revista e revogar o acórdão recorrido.

Assim se decidirá.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento a este recurso de revista e revogar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorridos.

Lisboa, 4 de Junho de 2020. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.