Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01381/14
Data do Acordão:05/14/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
ARGUIÇÃO DE NOVOS VÍCIOS
DESPACHO DE REVERSÃO
PRESSUPOSTOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Podendo o MP arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não ocorre a nulidade da sentença judicial, por excesso de pronúncia, se esta julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocada unicamente pelo mesmo Ministério Público.
II - De acordo com o nºs 1 e 2 do artº 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal e depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
III - Tendo o órgão da execução fiscal apurado anteriormente ao despacho de reversão a inexistência de bens da executada originária, a qual se encontrava encerrada, existindo outra empresa a funcionar no mesmo local, e tendo disso dado conhecimento ao revertido no momento do exercício do direito de audição, o despacho de reversão não sofre de falta de fundamentação por dele não constarem as diligências efetuadas para o apuramento de bens, uma vez que tal exigência não consta da lei.
Nº Convencional:JSTA00069202
Nº do Documento:SA22015051401381
Data de Entrada:11/24/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXECUÇÃO FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART123 N1 ART124 ART125 N1 ART121 N1 ART153 N2 ART160 ART201 ART204.
LGT ART23 N1 N2 N4 ART77 N1.
CCIV66 ART487 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0948/12 DE 2012/10/31.; AC STA PROC01226/13 DE 2014/09/10.; AC STA PROC01087/12 DE 2013/02/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 13 de Setembro de 2013, que julgou totalmente procedente a oposição à execução fiscal nº 1821200101001388, para cobrança coerciva de quantias referentes a IVA, IRC, IRS e coimas dos anos de 2000 a 2008, deduzida por A………….
O recurso foi dirigido ao TCA Norte que por decisão de 24 de Setembro de 2014, se declarou incompetente em razão da hierarquia, considerando competente este Supremo Tribunal para onde os autos foram remetidos.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a 13.09.2013 pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição [interposta pelo revertido A…………] deduzida por apenso à execução fiscal n.º 1821200101001388 e aps., que corre seus termos no Serviço de Finanças de Matosinhos (OEF).
B. A execução foi instaurada, contra a originária devedora “B…………, Lda.”, NIPC ………, para a cobrança coerciva de dívidas relativas a IVA, IRC, IRS e coimas relativas a 2000 a 2008.
C. Sendo certo que, de acordo com o princípio da estabilidade da instância o pedido e a causa de pedir (objecto do processo) em regra, devem ser apresentados no início do processo na petição inicial cfr. art. 260.° CPC aplicável ao contencioso fiscal ex vi al. e) do art.° 2.° do CPPT,
D. Os fundamentos aduzidos na petição inicial de oposição apresentada podem sintetizar-se da seguinte forma:
> Ilegitimidade do oponente, por violação do princípio da excussão prévia;
> Prescrição da dívida quanto ao responsável subsidiário;
> Inconstitucionalidade do art.° 8.° n.°1 do RGIT.
E. O oponente na sua petição inicial, a final, peticionou “(...) deve a presente oposição ser julgada provada e procedente, tudo com as legais consequências.”
F. Na douta sentença recorrida, o M.mo Juiz do Tribunal a quo quedou-se pela apreciação da questão [não alegada pelo oponente] da falta de fundamentação formal do despacho de reversão e não passou à análise em substância das restantes questões suscitadas na oposição.
G. Considera a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida é nula por enfermar de vício formal de excesso de pronúncia, nos termos do disposto dos art.°s 615.° nº 1 alínea d), 608.° nº 2 e 124.° e 125.° do CPPT
H. Entendimento jurisprudencialmente plasmado no douto acórdão, de 14/11/2013, proferido no processo nº 06594/13 do Tribunal Central Administrativo do Sul.
Subsidiariamente,
e se assim não se entender,
I. A Fazenda Pública considera que o despacho de reversão, em conjunto com a informação que o antecede, encontra-se devidamente fundamentado, na medida em que, o oponente demonstrou total conhecimento da responsabilidade que lhe estava a ser imputada e exerceu na sua plenitude os seus direitos processuais.
J. O M.mo Juiz do Tribunal a quo decidiu pela falta de fundamentação formal do despacho de reversão suportado pelo facto de “(...) quer do despacho quer da informação não consta referência a diligências efectuadas para apurar que a devedora originária não é possuidora de bens passíveis de satisfazer o pagamento da dívida exequenda(...)”
K. Além disso, mesmo que se considere que o despacho de reversão se encontra inquinado de falta de fundamentação formal, em bom rigor [e no que toca ao argumento aduzido] a reversão encontra-se substancialmente bem fundamentada, as diligências existiram e constam no processo executivo.
Subsidiariamente,
e se assim não se entender,
L. O oponente na sua petição inicial, a final, efectuou um pedido genérico, o que, e atendendo aos fundamentos no seu corpo aduzidos, a Fazenda Pública entendeu que este peticionava pela extinção da execução, no que a este lhe diz respeito.
M. O M.mo Juiz do Tribunal a quo na douta sentença recorrida, com o fundamento de se ter verificado o vício de falta de fundamentação meramente formal do despacho de reversão, decidiu “totalmente procedente a presente acção”.
N. Neste seguimento de raciocínio, parece à Fazenda Pública que o Tribunal a quo decidiu pela extinção da execução contra o oponente revertida.
O. De onde se conclui que o M.mo Juiz do Tribunal a quo, errou na consequência jurídica que deriva da alegada verificação de tal vício [falta de fundamentação formal do despacho de reversão], enfermando a sentença de erro de julgamento.
P. Na medida em que, deveria ter decidido pela anulação do despacho de reversão, por vício de forma, tendo como consequência a absolvição do oponente da instância executiva, em virtude desta decisão não se consubstanciar como uma decisão de mérito,
Q. Com efeito, é entendimento jurisprudencialmente assente, por todos, plasmado no douto acórdão, de 10/10/2012, proferido no processo nº 0726/12 do Supremo Tribunal Administrativo.
R. Incorreu pois o M. mo Juiz a quo, em erro na aplicação do direito ao ter decidido pela extinção da execução, quando deveria apenas ter anulado o despacho de reversão e absolvido o oponente da instancia executiva.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela procedência do recurso. Em síntese, entende que a sentença é nula pois conheceu de vícios não invocados e deixou de conhecer de outros invocados pela oponente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. A execução fiscal n° 1821200101001388 foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Matosinhos contra “B…………, Lda.” para cobrança coerciva de quantias referentes a IVA, IRC, IRS e coimas fiscais dos exercícios de 2000 a 2008;
B. A 23 de Janeiro de 2009 foi proferida sentença a declarar a sociedade referida em A), insolvente, tendo a sentença transitada a 26 de Fevereiro de 2009 - cfr. certidão de fls. 196 a 205;
C. A 31 de Dezembro de 2008 foi lavrado auto de diligências, Mandado n°946/08, do qual consta “Aos trinta um dias do mês de Dezembro de Dois Mil e Oito, nesta freguesia de Matosinhos com sede ou residência de B………… LDª NIPC ……… onde eu, ………, servindo de escrivão das execuções fiscais, vim a fim de dar execução ao Mandado de Penhora que antecede, verifiquei não o poder cumprir, em virtude de ao executado não são conhecidos bens susceptíveis de penhora na área deste Serviço de Finanças.” - cfr. fls. 136;
D. O oponente consta da matrícula da sociedade referida em A) na Conservatória do Registo Comercial do Porto como gerente - cfr, certidão de fls. 137 a 139;
E. Pelo ofício n° 19148 foi o oponente notificado para exercer o seu direito de audição - cfr. fls. 141;
F. A 02 de Dezembro de 2009 foi lavrado despacho de reversão contra o oponente, no qual consta “tendo em conta a informação que antecede, proceda-se à citação dos responsáveis subsidiários nela identificado, nos termos do artigo 160° do CPPT - Código de Procedimento e de Processo Tributário, que deve conter a verificação dos pressupostos referidos no n° 2 do art° 153° do CPPT, para pagar no prazo de 30 dias, a dívida exequenda que contra eles reverteu, ou dentro do mesmo prazo requerem o pagamento em regime prestacional nos termos do art° 196° do mesmo diploma, a dação em pagamento referida no artigo 201° ou deduzirem oposição judicial com os fundamentos do art° 204°, ambos do CPPT.”- cfr. fls. 49;
G. Por sua vez, na informação que antecede o despacho referido em F), consta “tendo em conta que os processos n° 1821200101001288, 181200801055399 e 1821200801123068 se encontram na mesma fase e, por economia processual, fez-se a apensação ao pef 182 1200101001288, que assim fica a constar como principal.
Por despacho de 13 de Outubro de 2009, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, foi feita a notificação dos responsáveis subsidiários A…………, nif ………, C…………, nif ……… e D…………, nif ………, para exercerem o direito de audição no prazo de 15 dias. Findo o referido prazo, nada disseram.
Assim, na ausência de quaisquer alegações, será de reverter a execução fiscal contra os responsáveis antes identificados.” - cfr. fls. 49
H. O oponente foi citado a 16 de Dezembro de 2009;
I. Os presentes autos deram entrada a 12 de Janeiro de 2010.
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, que o oponente tenha exercido o seu direito de audição.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
São duas as questões colocadas pela Fazenda Pública neste seu recurso:
1- nulidade da sentença, por enfermar de vício formal de excesso de pronúncia, nos termos do disposto dos art.°s 615.° nº 1 alínea d), 608.° nº 2 e 124.° e 125.° do CPPT – conheceu da ilegalidade da falta de fundamentação não alegada pelo oponente;
2- erro de julgamento, no tocante à procedência da ilegalidade da falta de fundamentação – quer do despacho, quer da informação, não consta qualquer referência a diligências efectuadas para apurar que a devedora originária não é possuidora de bens passíveis de satisfazer o pagamento da dívida exequenda, nem a tal factualidade é feita qualquer referência no despacho de reversão.

Quanto à primeira questão.
Alega a recorrente, no essencial, que o M.mo Juiz do Tribunal a quo quedou-se pela apreciação, de questão não alegada pelo oponente, da falta de fundamentação formal do despacho de reversão e não passou à análise em substância das restantes questões suscitadas na oposição.
Da leitura da sentença recorrida extrai-se que a questão da falta de fundamentação foi suscitada pelo Ministério Público no parecer que emitiu a fls. 213 a 220.
Dispõe o artigo 123º, n.º 1 do CPPT que, a sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
Por sua vez o artigo 124º do mesmo CPPT estabelece a ordem pela qual são conhecidos os diferentes vícios imputados ao acto impugnado:
1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.
Dispondo, por sua vez, o artigo 125º, n.º 1 sobre as causas de nulidade da sentença - constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Da leitura conjugada destes preceitos legais ressalta à evidência que o tribunal tem que conhecer de todos os vícios imputados ao acto impugnado, quer tenham sido arguidos pelo impugnante, pela Fazenda Pública ou pelo Ministério Público, sendo que a nulidade por excesso de pronúncia só ocorre quando o tribunal conheça de vício não gerador de nulidade que não haja sido suscitado por qualquer um dos intervenientes processuais.
Daqui podemos concluir, portanto, que incumbia (era um dever) ao Sr. Juiz a quo emitir pronúncia relativamente à questão suscitada pelo Ministério Público, uma vez que se tratava de questão expressamente suscitada e, ao fazê-lo, actuou dentro dos limites estabelecidos pelo disposto nos artigos 123º, n.º 1 e 124º do CPPT, não incorrendo, por isso, em excesso de pronúncia decorrente do conhecimento de questão de que não devia conhecer.
Suscita-se, no entanto, se ocorrerá o erro de julgamento, cfr. parecer do Ministério Público junto deste STA, no tocante ao conhecimento de tal questão, uma vez que se tratava de vício relativamente ao qual já se havia extinto o prazo legalmente estabelecido para a sua arguição, cfr. artigos 203º e 204º do CPPT.
Vejamos então.
A resolução desta questão passa por saber qual o alcance das competências do Ministério Público no âmbito dos processos judiciais tributários.
Dispõe o artigo 121º do CPPT (aplicável às Oposições por força do disposto no artigo 21º, n.º 1):
1 - Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais.
2 - Se o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública.
Da leitura conjugada deste preceito legal, com o disposto nos anteriormente referidos artigos 123º, n.º 1 e 124º, podemos ter como assente que a intervenção do Ministério Público neste tipo de processos não se reconduz a uma intervenção passiva, antes configura-se como uma intervenção activa, exigindo por parte do julgador uma especial atenção a essa mesma intervenção, a exemplo do que se passa com as partes, autor e entidade pública.
É-lhe conferido um verdadeiro poder idêntico ao das partes, nomeadamente no que toca à arguição de vícios, sendo certo que esta possibilidade não está, não pode estar, condicionada pelos prazos preclusivos impostos ao autor pois, se assim fosse, ficaria esvaziada de conteúdo a sua intervenção nos processos judiciais, desde logo, porque a sua intervenção ocorre após a produção de prova e em momento imediatamente anterior ao da prolação da sentença final.
E, neste sentido, se tem pronunciado este Supremo Tribunal, de forma reiterada e uniforme.
Relembremos o que se escreveu no acórdão datado de 31/10/2012, recurso n.º 0948/12:
2.2.2 DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
Considera a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao proceder à apreciação do vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, que não é do conhecimento oficioso, nem foi invocado pelo Oponente.
Como resulta dos autos e o Recorrente admite expressamente, esse vício foi suscitado pelo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel no parecer emitido ao abrigo do disposto no art. 121.º do CPPT, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 211.º do mesmo Código. No entanto, sustenta a Recorrente que o Ministério Público não pode pronunciar-se senão sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, pois, levantar questões novas de legalidade.
Assim, e considerando que a questão respeitante à suficiência dos fundamentos do despacho de reversão, porque não foi suscitada pelo Oponente, se encontrava fora do objecto da oposição e, por isso, não podia ser suscitada pelo Ministério Público, sustenta a Fazenda Pública que a sentença não podia ter conhecido da mesma e, porque conheceu, enferma de nulidade por excesso de pronúncia.
«No n.º 1 deste art. 121.º refere-se que a vista ao Ministério Público lhe é dada para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que são objecto do processo ou suscitar outras que se enquadrem nas suas competências legais.
Assim, a referência a pronúncia «sobre as questões de legalidade suscitadas no processo» não tem um alcance restritivo das possibilidades de intervenção do Ministério Público, estendendo-se as suas possibilidades de intervenção processual a todas as que se coadunam com a sua função estatutária nos tribunais administrativos e fiscais.
Nestes termos, além das expressamente previstas possibilidades de se pronunciar sobre as questões de legalidade suscitadas no processo e suscitar questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, o Ministério Público poderá também promover o que tiver por conveniente, como lhe é genericamente permitido pelo art. 6.º, n.º 1, do EMP, designadamente promover a regularização da petição e sanação de irregularidades processuais, deduzir excepções, arguir nulidades, e requerer a realização de diligências.
Do preceituado na alínea b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, conclui-se que o Ministério Público pode também arguir vícios do acto impugnado que não tenham sido arguidos pelo impugnante, possibilidade essa que estava expressamente prevista para os recursos contenciosos de actos administrativos, na alínea d) do art. 27.º da LPTA, e está também prevista para as acções administrativas especiais, nos n.ºs 3 e 4 do art. 85.º do CPTA» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao art. 121.º, pág. 300.).
É certo que, como referido nas alegações de recurso, CASALTA NABAIS defendeu que além das questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo, o Ministério Público só pode suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade (Direito Fiscal, 5.ª edição, Almedina, pág. 425.).
No entanto, essa tese não foi acolhida pela jurisprudência (Sobre a possibilidade de o Ministério Público arguir vícios não arguidos pelo impugnante, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
–de 22 de Março de 1995, proferido no processo n.º 18.996, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Julho de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32210.pdf), págs. 880 a 883, com sumário disponível em –
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/191c800bdd5ec649802568fc00393d8f?OpenDocument;
–de 29 de Outubro de 1997, proferido no processo n.º 18.997, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2750 a 2752;
–de 5 de Novembro de 1997, proferido no processo n.º 21.043, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2849 a 2851;
–de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 21.168, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32210.pdf), págs. 952 a 954;
–de 31 de Outubro de 2000, proferido no processo n.º 25.516, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Janeiro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32241.pdf), págs. 3999 a 4002;
–de 8 de Fevereiro de 2006, proferido no processo n.º 810/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32210.pdf), págs. 239 a 243.) nem pela doutrina, sendo que JORGE LOPES DE SOUSA a criticou expressamente, pelos motivos que vimos de citar (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, volume I, nota de rodapé com o n.º (2), anotação 4 ao art. 121.º, pág. 861.).
Podemos, pois, concluir que o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente e, consequentemente, que não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocado unicamente pelo Representante do Ministério Público.”, em igual sentido cfr. o acórdão datado de 15/05/2013, recurso n.º 01021/12.
Face a este entendimento, não há dúvida que o Sr. Juiz a quo conheceu da questão suscitada tal como lhe era legalmente imposto, não incorrendo, por isso, em excesso de pronúncia.
Concluímos, assim, que improcede nesta parte o recurso que nos vem dirigido.

Quanto à segunda questão.
Após ter elencado as normas legais que regulam a responsabilidade subsidiária dos gerentes dos devedores originários, bem como as normas que regulam a prolação do despacho de reversão, escreveu-se na sentença recorrida: “De acordo com estas normas citadas, a lei exige que do despacho de reversão conste os respectivos pressupostos para que se verifique a reversão, ou seja, determina que conste a inexistência de bens na posse da devedora originária suficientes para garantir a totalidade da dívida exequenda e que o revertido seja responsável subsidiário pelo pagamento dessa dívida exequenda - por ter exercido efectivamente as funções de gerência.
Ora, por mais boa vontade que o Tribunal tivesse na leitura do despacho de reversão e da informação que lhe subjaz, a verdade é que quer do despacho quer da informação não consta qualquer referência a diligências efectuadas para apurar que a devedora originária não é possuidora de bens passíveis de satisfazer o pagamento da dívida exequenda, nem a tal factualidade é feita qualquer referência no despacho de reversão.
É verdade que no despacho de reversão se refere que na citação "deve conter os pressupostos referidos no n" 2 do art° 153° do CPPT", no entanto, tal deve constar do despacho de reversão, independentemente da citação que se verificar posteriormente.
Assim sendo, concorda este Tribunal integralmente com o parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo-se que o despacho de reversão não se encontra devidamente fundamentado e como tal, a oposição tem que ser considerada forçosamente procedente.”.

Com interesse para a decisão desta questão, levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto, que se alinha por ordem cronológica:
C. A 31 de Dezembro de 2008 foi lavrado auto de diligências, Mandado n°946/08, do qual consta “Aos trinta um dias do mês de Dezembro de Dois Mil e Oito, nesta freguesia de Matosinhos com sede ou residência de B………… LDª NIPC ……… onde eu, …………, servindo de escrivão das execuções fiscais, vim a fim de dar execução ao Mandado de Penhora que antecede, verifiquei não o poder cumprir, em virtude de ao executado não são conhecidos bens susceptíveis de penhora na área deste Serviço de Finanças.” - cfr. fls. 136;
B. A 23 de Janeiro de 2009 foi proferida sentença a declarar a sociedade referida em A), insolvente, tendo a sentença transitada a 26 de Fevereiro de 2009 - cfr. certidão de fls. 196 a 205;
E. Pelo ofício n° 19148 foi o oponente notificado para exercer o seu direito de audição - cfr.fls. 141;
G. Por sua vez, na informação que antecede o despacho referido em F), consta “tendo em conta que os processos n° 1821200101001288, 181200801055399 e 1821200801123068 se encontram na mesma fase e, por economia processual, fez-se a apensação ao pef 182 1200101001288, que assim fica a constar como principal.
Por despacho de 13 de Outubro de 2009, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, foi feita a notificação dos responsáveis subsidiários A…………, nif ………, C…………, nif ……… e D…………, nif ………, para exercerem o direito de audição no prazo de 15 dias. Findo o referido prazo, nada disseram.
Assim, na ausência de quaisquer alegações, será de reverter a execução fiscal contra os responsáveis antes identificados.” - cfr. fls. 49;
F. A 02 de Dezembro de 2009 foi lavrado despacho de reversão contra o oponente, no qual consta “tendo em conta a informação que antecede, proceda-se à citação dos responsáveis subsidiários nela identificado, nos termos do artigo 160° do CPPT - Código de Procedimento e de Processo Tributário, que deve conter a verificação dos pressupostos referidos no n° 2 do art° 153° do CPPT, para pagar no prazo de 30 dias, a dívida exequenda que contra eles reverteu, ou dentro do mesmo prazo requerem o pagamento em regime prestacional nos termos do art° 196° do mesmo diploma, a dação em pagamento referida no artigo 201° ou deduzirem oposição judicial com os fundamentos do art° 204°, ambos do CPPT.”-cfr. fls. 49.

Sobre as exigências de fundamentação dos actos administrativos-tributários tem entendido este Supremo Tribunal que: “É inquestionável que a administração tributária tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos contribuintes, em conformidade com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT.
Tal como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que através dos seus termos se apreendam os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a determinada deliberação decisória. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa.
Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o órgão decisor, esclarecendo o respectivo destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto.
Contudo, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. Com efeito, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.”, cfr. acórdão datado de 10/09/2014, recurso n.º 01226/13.
Como ressuma do probatório, e bem assim dos documentos a que ali se faz referência, não há qualquer dúvida que além de terem sido realizadas diligências no sentido de indagar da existência de bens da devedora originária -não se tendo encontrado nenhuns-, estava documentalmente provada nos autos a sua falência.
Ou seja, antes da prolação do despacho que ordenou a audição prévia do oponente, preparatória do despacho de reversão, já se encontrava provada nos autos (ainda que indiciariamente) a insuficiência económica da devedora originária nos termos do disposto no artigo 23º, n.º 2 da LGT.
Porém, não se vê que deva constar da fundamentação do acto que ordena a reversão, cfr. artigo 23º, n.º 1 da LGT, a referência às diligências adoptadas no sentido de averiguar da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, nos termos do disposto naquele n.º 2, posto que, nos termos do disposto no artigo 23º, n.º 4 e 77º, n.º 1 da LGT, a fundamentação das decisões adoptadas pela AT deverá ser considerada suficiente quando seja feita uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que as motivaram, ou seja, a decisão em si mesma não precisa de abranger a enunciação das diligências efectuadas no sentido de apurar os circunstancialismos fácticos legalmente previstos que permitem e justificam a tomada da decisão, cfr. entre outros, acórdão datado de 06/02/2013, recurso n.º 01087/12.
E, assim sendo, temos de concluir que está errada a apreciação feita pelo Tribunal a quo quando na sentença afirma que o despacho em crise não se encontra devidamente fundamentado porque aí não consta qualquer referência a diligências efectuadas para apurar que a devedora originária não é possuidora de bens passíveis de satisfazer o pagamento da dívida exequenda.
Também nesta mesma sentença se conclui por tal ilegalidade do despacho de reversão -falta de fundamentação-, porque nesse mesmo despacho não é feita referência ao facto de a devedora originária não ser possuidora de bens passíveis de satisfazer o pagamento da dívida exequenda.
Dispõe, especificamente o artigo 23º, n.º 4 da LGT, quanto à fundamentação do despacho de reversão que, a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Já vimos que foi levada ao probatório da sentença recorrida o teor do despacho que ordenou a reversão e que tem o seguinte conteúdo, “tendo em conta a informação que antecede, proceda-se à citação dos responsáveis subsidiários nela identificado, nos termos do artigo 160° do CPPT - Código de Procedimento e de Processo Tributário, que deve conter a verificação dos pressupostos referidos no n° 2 do art° 153° do CPPT, para pagar no prazo de 30 dias, a dívida exequenda que contra eles reverteu, ou dentro do mesmo prazo requerem o pagamento em regime prestacional nos termos do art° 196° do mesmo diploma, a dação em pagamento referida no artigo 201° ou deduzirem oposição judicial com os fundamentos do art° 204°, ambos do CPPT.”.
Este acto apoia-se (remete para) na informação que o antecede da qual resulta o seguinte: “tendo em conta que os processos n° 1821200101001288, 181200801055399 e 1821200801123068 se encontram na mesma fase e, por economia processual, fez-se a apensação ao pef 182 1200101001288, que assim fica a constar como principal.
Por despacho de 13 de Outubro de 2009, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, foi feita a notificação dos responsáveis subsidiários A…………, nif ………, C…………, nif ……… e D…………, nif ………, para exercerem o direito de audição no prazo de 15 dias.
Findo o referido prazo, nada disseram.
Assim, na ausência de quaisquer alegações, será de reverter a execução fiscal contra os responsáveis antes identificados.”.
Também esta informação faz apelo à audição prévia preparatória que foi devidamente notificada ao recorrido e realça que o mesmo nada disse quanto à mesma.
Sendo que nessa audição prévia, tal como consta de fls. 141, foi dado a conhecer ao mesmo recorrido as razões de facto e de direito pelas quais se impunha a reversão da execução fiscal contra si, onde se incluiu a referência à falta ou insuficiência de bens da devedora originária à qual, aliás, o recorrido faz referência na petição inicial, revelando ser conhecedor de tal facto, cfr. artigos 5º e 12º, e não tendo nesse seu articulado invocado o vício agora em apreciação.
Ou seja, o despacho que ordena a reversão é o culminar de um procedimento no qual o recorrido teve oportunidade de participar activamente, nada tendo dito.
Estando legalmente autorizada a fundamentação por remissão, cfr. artigo 77º, n.º 1 da LGT, e podendo essa fundamentação ser efectuada de forma sumária, cfr. n.º 2 do mesmo preceito legal, ainda que deva obedecer ao disposto no artigo 23º, n.º 4, já citado, não há dúvida que no caso concreto o recorrido ficou a saber com exactidão quais as razões de facto e de direito que justificaram a reversão da execução contra si.
Conforme se decidiu no acórdão datado de 10/09/2014, acima citado, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o órgão decisor, esclarecendo o respectivo destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto.
Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto.
E tendo nós que concluir, face à concreta e específica tramitação do procedimento que conduziu à prolação do despacho impugnado, que o recorrido ficou em condições de conhecer com segurança as razões pelas quais a execução seria revertida contra si, não podemos afirmar, tal como se faz na sentença recorrida, que tal despacho não se encontre formalmente fundamentado.
Conclui-se, assim, que deve proceder o recurso que nos foi dirigido, impondo-se a revogação da sentença recorrida.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
- conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
- ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí prossigam a sua tramitação normal, se nada mais obstar.
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 14 de Maio de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.