Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01036/09
Data do Acordão:03/17/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PLANO MATEUS
Sumário:I – As normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas “garantias dos contribuintes”, pelo que se incluem na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
II – Assim, a norma do artigo 5º nº 5 do DL nº 124/96, de 10 de Agosto, ao criar nova causa de suspensão da execução fiscal e, consequentemente, do prazo de prescrição respectivo, é organicamente inconstitucional, uma vez que este diploma legal foi emitido pelo Governo sem prévia e indispensável autorização legislativa – cfr. artigos 106º nº 2, 168º nº 1 al. i) e 201º nº 1 al. b) e 3º da CRP na redacção de 1992-.
Nº Convencional:JSTA00066351
Nº do Documento:SA22010031701036
Data de Entrada:10/22/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART12 ART297 N1 ART326 ART327.
LGT98 ART48 ART49 N3 N4 NA REDACÇÃO DA L 53-A/2006 DE 2006/12/29.
DL 124/96 DE 1996/08/10 ART5 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC528/09 DE 2009/10/14.; AC STA PROC629/09 DE 2009/11/18.; AC STA PROC951/09 DE 2009/12/02.
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 1036/09-30 -7-
Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que lhe julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 0353199401031953 e apensos, instaurada pela Fazenda Pública para cobrança de dívidas de IVA de 1993 e 1994 e IRS de 1994, de que era devedora originária “B…”, dela interpôs recurso para esta secção do Supremo Tribunal Administrativo, A…, nos autos convenientemente identificado.
Apresentou tempestivamente as respectivas alegações de recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1° - O Tribunal recorrido fez errada interpretação e inadequada aplicação do direito, salvo o devido respeito por opinião contrária.
2°- O oponente não pode ser considerado responsável subsidiário por dívidas fiscais da executada principal — sociedade comercial por quotas denominada B… — relativamente a IVA dos anos de 1993 e 1994 e IRS do ano de 1994 no valor de € 17.389,19 euros,
3°- …pois, a mesma encontra-se prescrita.
4°- Está em causa uma dívida fiscal relativa ao ano de 1993 e 1994 quanto a IVA e IRS do ano de 1994, sendo aplicável o regime do Código do Processo Tributário (CPT).
5°- O artigo 34° do citado código dispõe que a obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos.
6°- O número 2 do referido artigo preceitua que o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário.
7°- Determina o número 3 do artigo 34° do CPT que (...) a execução interrompe a prescrição, cessando, porém esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
8°- Conforme ficou provado na Douta decisão recorrida foi instaurado o processo de execução fiscal no dia 21.04.1994, relativo às dividas fiscais in casu.
9°- E tal processo após um ano ficou parado por facto não imputável ao aqui recorrente, logo, soma-se o tempo que decorreu até à sua autuação e o posterior.
10°- O recorrente foi citado para o presente processo executivo em 14.04.2008, por isso, já há muito decorreu o prazo de prescrição de 10 anos, encontrando-se a dívida prescrita.
Por outro lado,
11°- A executada principal aderiu ao decreto-lei 124/96 de 10/08 em 10.01.1997 e deixou de pagar as prestações em Fevereiro de 1998.
12°- Os Serviços de Finanças somente deram o despacho de exclusão do referido Decreto em 18.07.2001.
13°- O recorrente não pode padecer de tantos anos de suspensão do decurso do prazo de prescrição por inércia dos Serviços de Finanças.
14°- Apenas poderá se contar os meses de Janeiro de 1997 até Fevereiro de 1998, último mês em que se pagou qualquer prestação, a não ser assim, está a pôr-se em causa os direitos do aqui recorrente.
15°- A manter-se a suspensão da prescrição, prevista no n.° 5 do artigo 5.° do DL 124/96, de 10/8, desde o despacho de adesão ao regime previsto naquele DL até à data de exclusão desse regime é inconstitucional.
16°- Por outro lado, a oposição à execução não consta do elenco dos factos interruptivos do artigo 49° n° 3 da LGT.
17°- Apenas a partir da redacção dada ao artigo 49 n.º 4 da LGT pela Lei 53A/2006 de 29 de Dezembro é que a oposição passou a constar entre as causas de suspensão da prescrição.
18°- Portanto, a instauração da execução não suspendeu o prazo da prescrição da obrigação tributária, uma vez que à data tal não estava previsto.
19°- Por isso, mesmo considerando que existiu suspensão do decurso do prazo da prescrição, e começar-se a contar o decurso do prazo de prescrição a partir da data da instauração da execução fiscal, ou seja, o ano de 1995, descontando todos os períodos de suspensão,
20°- A dívida dos presentes autos prescreveu no ano de 2008.
21°- Mesmo que se aplique a nova LGT que entrou em vigor em 01.01.1999, passando o prazo de prescrição a ser de 5 anos, e mesmo contando que o processo teve suspenso até 18.07.2001 devido ao facto da devedora originária ter aderido ao chamado “Plano Mateus”, a dívida in caso está prescrita, desde 18.07.2006 (5 anos a partir de 18.07.2001), pois a execução apenas consta como causa de suspensão do prazo de prescrição desde 2007.
22°- Foram violadas as normas legais dos artigos 34° do CPT, 204° n° 1 d) do CPPT e 5° n° 5 do DL 124/96 de 10/08 e 49° n°3 da LGT.
Não foram apresentadas contra-alegações
Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer sustentado a improcedência do presente recurso jurisdicional por considerar “que o curso do prazo de prescrição estava suspenso por força do n.º 5 do artigo 5.º do DL 124/96, de 10 de Agosto e considerando a data do despacho de exclusão do regime previsto naquele Decreto-lei – 18.06.2001 – é manifesto que não ocorreu ainda a prescrição.
Adita ainda em abono da opinião que sufraga ser a posição defendida pelo Tribunal a quo vem de encontro à jurisprudência recente e dominante deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que face aos termos do n.º 5 do artigo 5.º do DL 124/96, de 10 de Agosto, o prazo de prescrição das dividas se suspende durante o período de pagamento das prestações autorizadas, entendendo-se como período de pagamento aquele que foi concedido ao contribuinte para pagar e não apenas aquele em que ele efectivamente pagou.
E que só a exclusão do regime previsto naquele Decreto-Lei determina a cessação do efeito suspensivo do prazo de prescrição – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25.06.2008, recurso 446/08 e de 14.07.2008, recurso 431/08.
Tudo para concluir, em síntese e fundamentalmente, pela confirmação do impugnado julgado.
Colhidos os vistos legais e porque nada obsta cumpre apreciar e decidir.
O Tribunal recorrido deu como assente, fixando, a seguinte matéria de facto:
1. Foi instaurada execução fiscal n°0353199401031953 e apensos contra B..., por dívidas proveniente de IVA e IRS, dos anos de 1993, no valor total de 17389.19€;
2. Em 11.11.1994, foi instaurado o processo de execução fiscal n° 0353199401031953, relativo a IVA, do ano de 1993;
3. Em 27.03.1995, foi instaurado o processo de execução fiscal n° 0353199501006304, relativo a IVA, do ano de 1994;
4. Em 18.08.1995, foi instaurado o processo de execução fiscal n° 0353199501025791, relativo a IVA, do ano de 1994:
5. Em 20.12.1995, foi instaurado o processo de execução fiscal n° 03531995801031376, relativo a IVA, do ano de 1994:
6. Em 13.01.1999, foi instaurado o processo de execução fiscal n° 0353199901015044, relativo a IRS, do ano de 1994:
7. Em 15.11.1995, foi emitido mandado de penhora (fls. 12 do PEF);
8. Em 10.01.1997 a devedora originária aderiu ao plano de pagamento em prestações, ao abrigo do Dec-Lei n° 124/96, de 10.08 tendo sido excluída em 18.07.2001, por incumprimento prolongado; (fls. 20 do PEF):
9. Em 27.12.2001 no processo de execução foram citados os credores (fls. 28 do PEF);
10. Em 22.10.2002 foi efectuado o anúncio para venda dos bens penhorados;
11. Em 15.11.2002, foi emitido o mandado de penhora (fls. 66 do PEF);
12. Em 04.01.2008 foi elaborada a informação de que a devedora originária não possuía bens suficientes para garantir a dívida (fls. 69 do PEF);
13. Em 15.01.2008 foi proferido o projecto de reversão (fls. 90 e 91 do PEF);
14. Desde a data da emissão de mandado de penhora em 15.11.2002 até a 04.01.2008, inicio das diligências, com vista a reversão os autos encontraram parados por facto não imputável ao Oponente;
15.0 Oponente foi citado em 19.04.2008.
E, com base na apontada factualidade, houve por bem julgar improcedente a oposição à execução fiscal que apreciava no convocado pressuposto de que, ao contrário do alegado pelo Oponente, se não verificava ocorrer a invocada prescrição das correspondentes dívidas tributárias de IVA de 1993 e 1994 e de IRS de 1994,
Considerando, para assim decidir, em síntese e fundamentalmente, que
tendo a executada originária, (sido) foi autorizada, em 10.01.1997, ao pagamento em prestações, nos termos do Dec. Lei n.º 124/96 de 10.08, tendo a mesma sido excluída, em 18.07.2001, por falta de pagamento.
Nos termos do n.º 5 do art. 5 do citado diploma a prescrição suspendeu-se, pelo que no caso em apreço, a execução, a execução encontrou-se suspensa durante 4 anos 6 meses e 8 dias.
E dando seguidamente nota de que na data de entrada em vigor da LGT, em 01.01.1999, ainda não tinha ocorrido a prescrição e nem se tinha verificado a paragem do processo por período superior a um ano,
Deu aqui por aplicável a nova lei, com início de contagem do respectivo prazo diferido para 01.01.1999, data do inicio da vigência da LGT,
Contagem do prazo que, com a apurada adesão e posterior exclusão do plano de pagamento a prestações, só volta a poder contar-se a partir da cessação desta causa de suspensão, ou seja em 19.07.2001.
E ainda que, mais tarde, com a citação do Oponente a 19.04.2008, voltou a interromper-se a prescrição e inutilizando todo o tempo decorrido ( art. 326º do CC ) e que … as dívidas provenientes de IVA, dos anos de 1993 e 1994 e IRS de 1994, não se encontram prescritas.
É contra o assim decidido que, nos termos das alegações e conclusões do presente recurso jurisdicional, se insurge a Oponente persistindo em sustentar a verificação da invocada prescrição daquelas dívidas.
Vejamos, pois:
Está em causa, nos autos, IVA de 1993 e 1994, e IRS de 1994, para cuja cobrança foram instauradas execuções fiscais em 1994 e 1995, e 1999 (IRS), que estiveram paradas desde 15/11/2002 até 04/01/2008.
Aquela instauração, quanto ao IVA interrompeu a prescrição pelo que, à data da entrada em vigor da LGT, 1 de Janeiro de 1999, não tinha ainda decorrido qualquer prazo relevante para o efeito.
Aplica-se assim o prazo de oito anos do art. 48 da LGT, face ao de dez anos do art. 34 do CPC, nos termos do art. 297, n.° 1 do Código Civil.
Aquela paragem processual não teve, no ponto, nenhuns efeitos, uma vez que a lei nova lhe não dá qualquer relevância, sendo esta a competente para regular a situação jurídica em curso, ut art. 12 do Código Civil.
Como a não tem a instauração da execução em 1999, quanto ao IRS, pelo que, em relação a este, o prazo correu ininterruptamente desde 1 de Janeiro de 1995, nos termos do predito art. 34.
Assim, aqui, em 1 de Janeiro de 1999, data da entrada em vigor da LGT, é aplicável o prazo de dez anos pois, então, faltava menos tempo pela lei antiga do que pela lei nova, para o prazo se completar — dito art. 297, n.° 1 do Código Civil.
E, à míngua de qualquer acto interruptivo relevante, a dívida de IRS de 1994 encontrar-se-ia prescrita em 1 de Janeiro de 2004.
Todavia, em 10/01/1997, a devedora originária aderiu ao chamado Plano Mateus, de pagamento em prestações, tendo sido excluída em 18/07/2001, por incumprimento prolongado.
O respectivo Decreto-Lei n.° 124/96, de 10 de Agosto prevê a suspensão do prazo de suspensão — art. 5, n.° 5.
Todavia, é jurisprudência uniforme desde tribunal a inconstitucionalidade orgânica deste normativo, por fundamentos que aqui se dão por reproduzidos — cfr., por todos, os Acórdãos de 14/10/2009, rec. 528/09, 18/11/2009, rec. 629/09 e 02/12/2009, rec. 951/09.
Mas, tendo-se criado uma situação de pagamento em prestações, o prazo de prescrição suspendeu-se a partir da entrada em vigor da LGT, pois que aqui se prevê, com carácter geral, que o prazo de prescrição se suspende por motivo de paragem do processo de execução fiscal, em virtude de prestações legalmente autorizadas — art. 49, n.° 3 da LGT tanto na redacção inicial como na da lei 100/99 de 26 de Junho.
Na hipótese dos autos, o pagamento em prestações esteve autorizado até 18/07/2001, e é à duração da autorização do mesmo que aquele artigo 49, n.° 3 atribui efeito suspensivo.
Por outro lado, o opoente foi citado em 19/04/2008, o que tem, sobre o prazo de prescrição, tanto efeito interruptivo como suspensivo — art. 49, n.° 1 da LGT na redacção da lei 100/99 de 26 de Julho e art. 327 do Código Civil.
Verifica-se, assim, que o IVA não está prescrito, sendo que o respectivo prazo nem sequer se encontra a decorrer, aliás também em virtude da oposição à execução, deduzida no mesmo ano, com igual virtualidade suspensiva, atento o disposto no art. 49, n.° 4 da LGT, na redacção da lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro.
Quanto ao IRS, há que contar o prazo decorrido desde 1 de Janeiro de 1995 até 1 de Janeiro de 1999 - quatro anos -, e a partir daquele despacho de 18/07/2007, ou seja, o prazo completou-se em 18/07/2007. E como a citação só ocorreu, como se referiu, em 19/04/2008, esta dívida está efectivamente prescrita.
Termos em que se acorda conceder, com a presente fundamentação, parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença - que, no mais, se mantém - com relação à dívida de IRS que está prescrita, quanto a ela se julgando procedente a oposição e extinta a execução.
Custas pelo recorrente, na proporção do vencido com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 17 de Março de 2010. - Brandão de Pinho (relator por vencimento) - Pimenta do Vale – Alfredo Madureira (vencido, conforme declaração junta).
Vencido.
Daria antes integral provimento ao recurso jurisdicional, declararia a prescrição de todas as dívidas e em consequência revogaria a sindicada sentença com a seguinte fundamentação que, aliás levei ao projecto que elaborei e que não logrou vencimento:
O pagamento a prestações invocado como causa suspensiva do decurso de prazo prescricional porque conferido ao abrigo de norma ferida de inconstitucionalidade orgânica não pode ser considerado, mesmo ainda que só no período de tempo subsequente à entrada da em vigor da LGT que também consagra tal pagamento a prestação como causa suspensiva do decurso do prazo prescricional respectivo, desde logo porque a inconstitucionalidade da norma ao abrigo da qual aquele pagamento foi autorizado inviabiliza e impede se possa adiante considerar aquela autorização como …legalmente autorizado… - cfr artigo 59º n.º 3 da LGT.
Isso mesmo, cremos, se terá doutrinado em jurisprudência desta secção que, para o efeito, convocáramos e que aqui, à guiza de informação, se deixa indicada, a saber: acórdãos de 18.11.2009, processo n.º 629/09 e de 02.12.2009, processo n.º 962/09.
Naquele e além do mais escreveu-se:
… não tendo o Governo legislado ao abrigo de autorização legislativa e sendo inovadora a causa de suspensão prevista no n.º 5 do art.º 5º do DL 124/96, tem de concluir-se pela inconstitucionalidade orgânica desta norma. E sendo ela inconstitucional, o Tribunal não a pode aplicar, o que leva, inevitavelmente à desconsideração da causa suspensiva do prazo de prescrição nela prevista. ( nosso o bold apenas );
E neste último afirmou-se esclarecedoramente
... sendo inconstitucional tal norma, é como se a mesma não existisse.
(Alfredo Madureira)