Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:051/19.1BCLSB
Data do Acordão:01/16/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:LEI
CONTROLO ANTIDOPAGEM
Sumário:Lei Antidopagem.
Natureza do prazo de 120 dias previsto no nº 5 do artº 59º da Lei nº 38/2012 de 28 de Agosto [ordenador ou peremptório].
Nº Convencional:JSTA000P25404
Nº do Documento:SA120200116051/19
Data de Entrada:12/04/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou com uma pena de suspensão da actividade desportiva pelo período de 2 anos.
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Indicou como contra-interessada ADOP - Autoridade Antidopagem de Portugal.
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Por acórdão do TAD proferido em 11 de Março de 2019, foi decidido, por maioria, com um voto de vencido, julgar o recurso procedente e, em consequência, declarar nula a sanção aplicada ao demandante A………….
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A contra-interessada apelou para o TCA Sul e este, por Acórdão proferido em 04 de Julho de 2019, revogou a decisão do TAD, julgou improcedente o recurso da decisão do Conselho de Disciplina da FPF e, conhecendo em substituição, manteve a aplicação ao demandante da pena de suspensão da actividade desportiva pelo período de 2 anos.
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O autor, A………., inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
«1.º No caso sub judice estão preenchidos os pressupostos previstos no nº 1 do artigo 150º do CPTA, pelo que deve ser admitido o presente recurso.
2.º A questão da aplicação ao recorrente da pena de suspensão da actividade desportiva por um período de dois anos assume extraordinária relevância social, porquanto se trata da impossibilidade do exercício da única actividade profissional do recorrente, que poderá colocar em causa a sua subsistência e de todo o seu agregado familiar.
3.º Adita-se que, a apreciação deste caso terá grande repercussão junto da opinião pública, na medida em que o recorrente, à data dos factos, exercia a sua actividade profissional ao serviço de um dos principais clubes portugueses, a saber, o ………..
4.º Acresce ainda que, a luta contra a dopagem no desporto é uma das principais motivações das entidades que regulam o desporto em Portugal e a questão de apurar qual a natureza do prazo previsto no n º 5 do artigo 59º da Lei nº 38/2012 assume enorme relevância jurídica, porquanto permitirá, em casos futuros semelhantes ao presente, que certamente existirão, conhecer qual a consequência a extrair da violação do referido prazo.
5.º O Tribunal a quo considerou que o prazo previsto no nº 5 do artigo 59 da LAD tem natureza meramente ordenadora, e em consequência, revogou a decisão do TAD, que havia declarado nula a sanção aplicada ao recorrente.
6.º Ao decidir como decidiu, o acórdão em crise violou a lei substantiva, designadamente, as normas constantes dos artigos 59º, 1, 5 e 7 da Lei 38/2012, nem como o art. 161º, nº 2 al. b) do CPA.
7.º O prazo fixado no nº 5 do artigo 59.º da LAD tem natureza peremptória, encontrando-se prevista a consequência para o incumprimento desse prazo nos nºs 6 e 7 do mesmo artigo 59º.
8.º Ao invés do que sucede no caso apreciado no acórdão de 05/11/2003, citado no aresto em crise, no caso vertente, a violação do prazo previsto no nº 5 do artigo 59º da LAD não importa a perda definitiva da possibilidade de exercício do poder disciplinar.
9.º A consequência da violação do referido prazo é apenas a cessação da delegação de competências, prevista no nº 1 do mesmo artigo 59º da LAD, passando a ser a ADoP a única entidade competente para instruir e decidir o processo disciplinar, conforme nº 7 do artigo 59º da LAD.
10.º Conforme concluíram os árbitros do TAD, aquando da prolação da decisão que aplicou ao recorrente uma sanção disciplinar, o CDFPF já não tinha competência para o fazer, o que configura uma situação de incompetência absoluta, que acarreta a nulidade do acto praticado, cfr. art. 161º, nº 2 al. b) do CPA.
11.º A Lei nº 38/2012 alterou profundamente o regime relativo à aplicação de sanções disciplinares em matéria de dopagem, até então previsto no artigo 57º da Lei 27/2009.
12.º Por conseguinte, o juízo expendido no acórdão do TCAS citado no aresto em crise, segundo o qual "o prazo legal e regulamentar de 60 dias previsto no artigo 57º, nº 3 da Lei nº 27/2009, é um prazo meramente ordenador e disciplinador do andamento do processo, cujo incumprimento não acarreta consequência jurídica alguma..." não é aplicável ao regime estatuído no artigo 59.º da Lei 38/2012.
13.º Ao longo do decurso do processo disciplinar, o CDFPF não proferiu qualquer despacho de suspensão pelo que é incontroverso que a decisão disciplinar foi proferida após o decurso do prazo de 120 a contar do conhecimento da violação da norma antidopagem, ou seja, em violação do prazo peremptório previsto no nº 5 do artigo 59º da LAD.
14.º A FPF não estava impedida de proferir a decisão final sem que fosse emitido o parecer pelo CNAD, face ao disposto no nº 6 do art. 92º do CPA».
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A contra-interessada, ADOP - Autoridade Antidopagem de Portugal, contra-alegou, concluindo:
«a) O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA foi previsto como “válvula de segurança do sistema”, para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade de reponderar as decisões dos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição – o que não é manifestamente o caso dos autos;
b) O Recorrente já cumpriu mais de 7 meses de suspensão da pena de suspensão da actividade desportiva que lhe foi aplicada, faltando actualmente pouco mais de 16 meses para completar essa pena;
c) Mesmo atendendo à idade que o jogador tem (30 anos), não se pode concluir que 16 meses mais de suspensão da actividade desportiva constitua uma situação tão grave e tão morosa que impossibilite o jogador de vir a retomar a prática da actividade;
d) Também não se vislumbra que a decisão do presente caso tenha hoje qualquer repercussão pública digna de relevo, sendo certo que tanto a decisão do TAD – que anulou a sanção – como o acórdão do TCAS – que agora revogou essa decisão – não tiveram qualquer eco na comunicação social;
e) É a primeira em 7 anos de vigência da norma que a questão em apreço – natureza do prazo previsto no nº 5 do artigo 59º da Lei 38/2012 e consequências implicadas no seu incumprimento – é tratada nos tribunais, não sendo, pois, estatisticamente provável que muitos mais casos idênticos a este venham a ocorrer no futuro;
f) Não se pode concluir que se esteja perante uma questão jurídica fundamental cujo potencial de aplicação futura reclame e exija uma intervenção clarificadora por parte do STA, sob pena da generalização e banalização do recurso de revista que o Legislador quis, manifestamente, reservar para os casos mais importantes e verdadeiramente excepcionais;
g) Em momento algum o Legislador associa a ultrapassagem do prazo de 120 dias previsto no nº 5 do artigo 59º da Lei 38/2012 à cessação da delegação de competências fixada no nº 1 desse mesmo artigo 59.º;
h) Se tivesse sido intenção do Legislador que a essa ultrapassagem do prazo de 120 dias correspondesse uma situação de cessação de delegação de competências tê-lo-ia expressamente afirmado em consonância com o conceito utilizado no nº 4 do artigo 59º e não recorrendo ao conceito de “incumprimento” de prazo para que daí se retirasse, implicitamente, uma consequência tão drástica quanto a cessação de uma delegação de competências;
i) Tendo o Legislador de um lado – no nº 4 do artigo 59º - utilizado expressamente o conceito de cessação de delegação de competências, e do outro – nos nºs 6 e 7 do artigo 59º - utilizado o conceito de incumprimento de prazo, deve o intérprete presumir que não se tratou de qualquer lapso do Legislador mas antes de uma vontade expressa de consagrar soluções distintas;
j) Aquilo que é correcto concluir é que a fixação de um determinado prazo para as federações aplicarem uma eventual sanção disciplinar – in casu, 120 dias – releva uma notória preocupação legislativa com a necessidade de os processos disciplinares relativos a casos de dopagem desportiva terem um desfecho célere, desde logo por razões de interesse público respeitantes à defesa intransigente da verdade desportiva e da sã competição;
k) Quer o prazo de 120 dias, previsto no nº 5 do artigo 59º, quer o prazo de 60 dias, previsto no nº 7 do artigo 59º, devem ser considerados como meramente ordenadores, não implicado o seu incumprimento a impossibilidade de poder ser proferida uma decisão para além desses prazos;
l) Acresce que, no caso concreto, se verificava uma situação objectiva que impedia a FPF de poder dar cumprimento ao prazo de 120 dias e que se prendia com a necessidade de obter o parecer prévio da CNAD, conforme é exigido pela alínea a) do nº 1 do artigo 27º da Lei 38/2012, parecer esse que a própria norma qualifica de “vinculativo”;
m) O tempo que o CNAD despendeu para emitir esse parecer – que decorreu de 2 de Abril a 16 de Agosto de 2018 – não pode legalmente ser considerado dentro do prazo de 120 dias que a FPF dispunha para instruir e decidir o processo;
n) Ao contrário do que é erroneamente sustentado pelo Recorrente, o disposto no nº 4 do artigo 35º da Portaria nº 11/2013, de 11 de Janeiro, não pode ter aqui aplicação, dado que tal solução contraria a norma do nº 6 do artigo 92º do Código do Procedimento Administrativo;
o) Qualquer interpretação que proceda à aplicação da norma nº 4 do artigo 35º da Portaria nº 11/2013, de 11 de Janeiro, em detrimento da norma do nº 6 do artigo 92º do Código do Procedimento Administrativo, implicará que aquela seja considerada inconstitucional, dado que, de acordo com o artigo 112º da Constituição, não pode uma norma de natureza meramente regulamentar substituir-se a uma norma de natureza legal.»
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O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 12 de Novembro de 2019.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 146º, nº 1 e 147º do CPTA pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
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Sem vistos, por não serem devidos.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«1) A demandada teve conhecimento da violação da norma antidopagem pelo menos em 06/02/2018, data em que a ADoP lhe comunicou que a análise da amostra B confirmou o resultado da amostra A;
2) O pedido de parecer foi remetido pela FPF para o CNAD em 2 de abril de 2018;
3) O CNAD emitiu parecer em 16 de agosto de 2018;
4) A decisão do Conselho de Disciplina, Secção Não Profissional, da FPF foi proferida no dia seguinte a 17 de agosto de 2018;
5) Na presente época desportiva 2017/2018, o jogador arguido, A……….., licença FPF …., encontra-se inscrito na "……….. - Futebol, SAD", na categoria sénior, futebol de 11, masculino, classe profissional;
6) O jogador arguido, tendo nascido em 12/01/1988, tem nesta data 30 anos de idade;
7) No dia 25 de abril de 2017, realizou-se ação de controlo antidopagem fora de competição, com o código "…….", em …….., no centro de treinos da "……….. - Futebol, SAD", tendo como responsável pela mesma a Exmª Srª. Drª B……….., em representação da Autoridade Antidopagem de Portugal (doravante apenas "ADOP");
8) O jogador arguido foi um dos jogadores sorteados para a realização do controlo antidopagem, foi notificado para o efeito às 08:45 horas, chegou ao local do controlo às 09:15 horas, foi-lhe recolhido sangue às 09:31horas e urina às 14:38 horas, tendo desta recolha de urina resultado a amostra com o frasco n° A 4118812;
9) No dia 28 de dezembro de 2017, pelas 11:45, o frasco nº A 4118812 foi recebido pelo laboratório de análises acreditado pela Agência Mundial Antidopagem, DoColab- Universiteit Gent, em Gent, Bélgica;
10) Efetuada a análise do frasco n° A 4118812, o DoColab - Universiteit Gent, em 22 de janeiro de 2018, elaborou o Certificado de Análise n° 35318ro, no qual consta ter sido detetada no mesmo a presença da substância FUROSEMIDA;
11) Após receber o Certificado de Análise n° 35318ro, a ADoP tomou conhecimento de que a amostra com o frasco n° A 4118812, relativa à ação de controlo antidopagem com o código "……..", revelou a presença da supramencionada substância e, através do ofício com a referência 13/ADOP/2018, datado de 22 de janeiro de 2018, notificou a FPF do resultado daquela análise de controlo antidopagem;
12) No dia seguinte, 23 de janeiro de 2018, pelas 17,06 horas, a FPF, através de mensagem de correio eletrónico, notificou o jogador arguido do resultado positivo da análise e informou-o acerca da possibilidade de, nas vinte e quatro horas seguintes, manifestar interesse no exercício dos direitos que lhe são conferidos pelo n° 2 do artigo 35° da Lei n° 38/2012, de 28 de agosto (Lei Antidopagem no Desporto);
13) No dia imediato, 24 de janeiro de 2018, pelas 14,00 horas, o jogador arguido - respondendo através de mensagem de correio eletrónico à notificação mencionada no ponto anterior - exerceu o seu direito de requerer a análise da amostra "B" e, pelas 17,29 horas desse dia, remeteu à FPF declaração na qual requer a realização da análise da amostra "B", declara nada ter a opor quanto ao dia e hora propostos pelo laboratório para a realização da mesma, prescindir da sua presença, bem como de qualquer representante seu e da nomeação de um perito para acompanhar a realização da diligência;
14) Para além disso, face a pedido de esclarecimentos relativamente aos custos inerentes e à necessidade de presença de um representante do jogador na análise da amostra "B", o jogador arguido veio solicitar ainda que o prazo de resposta final no que concerne à sua intenção em requerer ou não a contraprova, fosse ampliado para 48 horas, o que foi tacitamente deferido pela FPF; decorrido este prazo, no dia 26 de janeiro de 2018, a FPF remeteu à ADoP a supramencionada declaração do jogador;
15) No dia 6 de fevereiro de 2018 foi efetuada a análise do frasco n° B 4118812, no mencionado DoColab - Universiteit Gent, em resultado da qual foi elaborado o Certificado de Análise n° 68218mdw-18-1750, no qual consta ter sido detetada no mesmo a presença da substância FUROSEMIDA;
16) Os resultados das análises às amostras "A" e "B" - frascos A 4118812 e B 4118812, efetuadas em 22 de janeiro e 6 de fevereiro de 2018, respetivamente, referentes à ação de controlo antidopagem fora de competição, com o código "……..", confirmaram a presença, em ambas, da substância proibida FUROSEMIDA;
17) A substância FUROSEMIDA consta da Lista de Substâncias e Métodos Proibidos - 2017, publicada no Comunicado Oficial da FPF n° 159, de 20 de dezembro de 2016, enquanto substância proibida, integrando o grupo S.5 (Diuréticos e agentes mascarantes, sendo substância específica, proibida em competição e fora de competição;
18) Por despacho do Exmo. Senhor Presidente do CDSNP de 7 de fevereiro de 2018, foi ordenada a suspensão preventiva do jogador arguido e a instauração do presente processo disciplinar;
19) O jogador arguido administrou ou permitiu que fosse administrada no seu organismo a substância FUROSEMIDA;
20) Ao ingerir aquela substância FUROSEMIDA - o jogador arguido não visou a melhoria do seu desempenho desportivo;
21) O jogador, à data, era um jogador profissional do ……….;
22) O ……….. tinha departamento médico permanente disponível para acompanhar os jogadores;
23) O jogador estava frequentemente, numa base diária, com o médico do ……..;
24) No cadastro disciplinar do jogador arguido não se mostrava averbada qualquer infração às normas antidopagem, nem nenhuma outra infração disciplinar na época desportiva em que a decisão foi tomada, em razão de estar suspenso preventivamente; à data da prática dos factos, 25/04/2017, época desportiva 2016/2017, havia sido sancionado com sanção de multa, nos termos do artigo 164°, n° 1, do RDLPFP (infração leve, decorrente da exibição do primeiro cartão amarelo), por factos ocorridos no jogo oficial n° 205.21.001, disputado em 30/11/2017.

Os factos supra referidos foram dados como provados tendo em consideração os documentos constantes do presente processo, nomeadamente tendo em consideração os constantes do Processo Disciplinar.
Os factos supra referidos foram dados como provados tendo ainda em consideração os depoimentos prestados quer no âmbito do processo disciplinar, que foram dados como reproduzidos no presente processo, quer na audiência que teve lugar no dia 20 de novembro de 2018.
Acresce que os próprios articulados das partes não colocam como controvertida a matéria de facto aqui dada como assente. Aliás, o próprio demandante aceita expressamente os referidos factos como verdadeiros.
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Com relevância para a decisão do presente caso não ficou provado que:
- A "furosemida" tenha entrado no organismo do atleta por via da toma do referido medicamento, Lasix;
- Que o medicamento Lasix que tenha sido dado pela sua esposa que o tinha porque tomava quando estava grávida.
Apesar das alegações do atleta e das demais testemunhas, nomeadamente da sua esposa, a verdade é que o demandante não juntou qualquer prova documental ou pericial capaz de convencer o tribunal de que a toma de um comprimido foi suficiente para o resultado da amostra ser positivo.
Acresce que a furosemida é um medicamento que por princípio não é aconselhável ser tomado durante a gravidez, conforme folheto do próprio medicamento: "A Furosemida não deve ser usada na terapêutica da hipertensão arterial gravídica, devido ao risco de isquémia fetoplacentar e consequente hipotrofia fetal. Durante a gravidez só deve ser administrado por indicação rigorosa e durante um curto espaço de tempo.
Quando for necessário administrar furosemida a uma mãe lactante deverá ter-se em conta que a furosemida passa para o leite materno e que, para além disso, reduz a sua secreção, pelo que nestes casos recomenda-se a suspensão do aleitamento."
Ora, uma vez que o demandante não fez prova que o médico da esposa tenha receitado tal medicamento é pouco provável que a mesma usasse a furosemida durante a gravidez (principalmente se e por indicação da sua mãe), pelo que o tribunal também não ficou convencido relativamente a esta matéria.
Dispõe o artigo 9º, nº 3 da Lei Antidopagem que, recaindo o ónus da prova sobre o praticante desportivo ou outra pessoa, de modo a ilidir uma presunção ou a demonstrar factos ou circunstâncias específicas, a prova é considerada bastante se permitir pôr fundadamente em causa a violação de uma norma antidopagem, exceto no caso do artigo 67º, em que o praticante desportivo está onerado com uma prova superior».
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2.2. O DIREITO.
O autor, A…………. intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), ao abrigo da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada pela Lei 74/2013, de 6 de Setembro, na redação da Lei 33/2014, de 16 de junho, recurso da decisão do Conselho de Disciplina, da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 17/08/2018, nos termos da qual lhe foi aplicada a pena de suspensão da atividade desportiva pelo período de 2 anos.
A decisão do TAD enumerou as questões a decidir da seguinte forma:
- A demandada FPF à data da prolação da decisão por parte do Conselho de Disciplina era competente para aplicar uma sanção disciplinar ao demandante?
- Não deverá ser aplicada qualquer sanção ao demandante?
- Qual o período de suspensão da atividade desportiva que deve ser aplicado ao demandante?
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E, esta mesma decisão do TAD, com um voto de vencido, julgou o recurso procedente, e, em consequência, declarou nula a sanção aplicada ao demandante, com fundamento na incompetência da Federação Portuguesa de Futebol para aplicar a sanção disciplinar, decorrente do facto da mesma ter sido aplicada para além do prazo de 120 dias previsto no nº 5 do artº 59º da Lei nº 38/2012 de 28 de Agosto [Lei Antidopagem no Desporto] com os seguintes fundamentos:
- a instrução do processo disciplinar e a aplicação da sanção disciplinar competia à contrainteressada ADQP e encontrava-se delegada na FPF, que tinha o prazo de 120 dias, a contar do dia 06/02/2018, para aplicar a sanção;
- ultrapassado tal prazo, a FPP tinha que remeter o processo à ADOP no prazo máximo de 5 dias, que teria então 60 dias para proceder à sua instrução e decisão;
- o prazo de 120 dias não se suspendeu por a FPF se encontrar a aguardar a emissão do parecer prévio e vinculativo da ADOP, pois não foi emitido despacho de suspensão, com a explicação dos respetivos fundamentos;
- a FPF podia (e devia), decorrido o prazo de 10 dias para a ADOP se pronunciar, proferir a decisão de aplicação da sanção disciplinar, mas não o fez;
- não está em causa um prazo meramente ordenador, mas sim respeitante a delegação de competências de cariz legal, restringida temporalmente por opção do legislador, pelo que se verifica o vício de incompetência absoluta do autor da aplicação da sanção, sendo nula a sanção aplicada nos presente autos e ficando prejudicada a análise do restante peticionado”.
*
Interposto, pela contra-interessada ADOP [Autoridade Antidopagem de Portugal], recurso de apelação para o TCAS, veio este a conceder provimento ao recurso, revogando a decisão do TAD e, conhecendo em substituição, julgou improcedente o recurso da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
Para tanto, consignou o seguinte:
«Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber:
a) se o recurso foi interposto tempestivamente;
b) se ocorre erro de julgamento do acórdão recorrido, ao julgar o recurso procedente com fundamento na incompetência da Federação Portuguesa de Futebol para aplicar a sanção disciplinar decorrente do facto de esta ter sido aplicada para além do prazo de 120 dias previsto no artigo 59º, nº 5, da Lei nº 38/2012, de 28 de agosto;
(…)
b)
A recorrente convoca contra o decidido, em síntese, o seguinte argumentário:
- a lei não associa a ultrapassagem do referido prazo de 120 dias à cessação da delegação de competências;
- está em causa prazo ordenador, e a FPF esteve impedida de lhe dar cumprimento atenta a necessidade de obter o parecer prévio vinculativo da CNAD;
- o artigo 35º, nº 4, da Portaria nº 11/2013, de 11 de janeiro, não tem aqui aplicação, pois contraria o artigo 92º, nº 6, do CPA.
A Lei nº 38/2012, de 28 de agosto, aprovou a lei antidopagem no desporto, adotando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem.
O respetivo artigo 59º, já com as alterações provenientes da Lei nº 33/2014, de 16 de junho, e da Lei nº 93/2015, de 13 de agosto, e com a epígrafe ‘aplicação de sanções disciplinares’, prevê o seguinte:
“1 - A instrução dos processos disciplinares e a aplicação das sanções disciplinares previstas na presente lei competem à ADoP e encontram-se delegadas nas federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva.
2 - (Revogado.)
3 - A delegação de competências prevista no nº 1 não tem lugar quando, após a existência de indícios de uma infração a normas antidopagem e antes da abertura do procedimento disciplinar, o praticante desportivo ou qualquer membro do pessoal de apoio, anule a inscrição junto da respetiva federação desportiva titular do estatuto de utilidade pública desportiva, competindo, nesse caso, à ADoP a instrução do processo disciplinar e a aplicação da sanção disciplinar prevista na lei.
4 - Nos casos em que o praticante desportivo ou qualquer membro do pessoal de apoio proceda, após a abertura de procedimento disciplinar, à anulação da inscrição junto da respetiva federação desportiva titular do estatuto de utilidade pública desportiva, cessa a delegação de competências prevista no nº 1, competindo à ADoP a instrução do processo disciplinar e a aplicação da sanção disciplinar prevista na lei.
5 - Entre a comunicação da violação de uma norma antidopagem e a aplicação da correspondente sanção disciplinar não pode mediar um prazo superior a 120 dias.
6 - Em caso de incumprimento do prazo referido no número anterior por parte da federação desportiva perante quem ocorreu a ilicitude pode ser a esta aplicado o regime da suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva conforme previsto no regime jurídico das federações desportivas e das condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.
7 - Em caso de incumprimento do prazo referido no nº 5, a federação desportiva em questão remete, no prazo máximo de 5 dias, o processo disciplinar à ADoP que, no prazo máximo de 60 dias, procede à sua instrução e decisão.”
A questão essencial a que aqui cumpre dar resposta é a de saber qual a natureza do prazo previsto naquele nº 5, que estabelece o prazo máximo de 120 dias para aplicação de sanção disciplinar, contado a partir da comunicação da violação de norma antidopagem.
Alargando o âmbito da presente questão aos prazos estabelecidos na lei para conclusão de processos de natureza disciplinar, que é aqui o que evidentemente está em questão, existe desde há muito profusa e estabilizada jurisprudência do nosso STA, como já se dava nota em aresto de 05/11/2003 (proc. nº 1053/03, disponível em http://www.dgsi.pt):
“[S]e a violação de qualquer dos vários prazos desse tipo previstos no Estatuto Disciplinar (arts. 45º, nº 1, 65º, nºs 1 e 3, e 66º, nº 2) pudesse reflectir-se no acto final do procedimento, provocando a sua anulação, ela seria definitiva, pois seria impossível renovar o procedimento disciplinar com observância desse prazo. Assim, a atribuir-se carácter peremptório a todos estes prazos, eles reconduzir-se-iam, em última análise, a verdadeiros prazos de prescrição, por a violação de qualquer deles importar para o titular do poder disciplinar a perda definitiva da possibilidade de o exercer. Ora, é manifesto que uma consequência deste tipo não foi pretendida legislativamente, não só pela evidente desproporção que teria a sua aplicação nos casos de infracções de grande gravidade, como pelo facto de ela não ser indicada no art. 4.º do mesmo Estatuto Disciplinar em que se prevê, pormenorizadamente, o regime da prescrição do procedimento disciplinar.
Assim, é de qualificar aqueles prazos como meramente ordenadores ou disciplinadores, não derivando da sua violação a extinção do direito de praticar o acto, como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da generalidade dos prazos deste tipo - neste sentido, podem ver-se pelos seguintes acórdãos:[…].
Desde então, não ocorreu qualquer inflexão nesta orientação jurisprudencial, antes tem vindo a mesma a ser reafirmada, como se pode ver nos acórdãos de 14/06/2005, proc. nº 0108/05, e de 01/02/2007, proc. nº 0663/06, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
E sobre a norma que antecedeu a presente, artigo 57.º, nº 3, da Lei nº 27/2009, de 19 de junho (estabeleceu o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto e veio entretanto a ser revogada pela Lei nº 38/2012), já teve este TCAS oportunidade de se pronunciar em acórdão de 15/01/2015 (proc. nº 1507/14, disponível em http://www.dgsi.pt), com as seguintes conclusões:
“I - O prazo legal e regulamentar de 60 dias previsto no artigo art. 57°, nº 3, da Lei nº 27/2009, é um prazo meramente ordenador e disciplinador do andamento do processo, cujo incumprimento não acarreta consequência jurídica alguma, designadamente a da extinção do poder disciplinar.
II - O legislador pretendeu apenas sinalizar claramente que o processo disciplinar por violação das normas antidopagem deverá correr célere. A eventual inobservância daquele prazo não acarreta a extinção da responsabilidade disciplinar.”
Não se vislumbra qualquer razão para divergir da citada jurisprudência, há muito estabilizada, cumprindo concluir que o citado prazo de 120 dias é um prazo meramente ordenador, não resultando do artigo 59.º da Lei nº 38/2012 qualquer associação da sua ultrapassagem à cessação da delegação de competências.
Procede, pois, o recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida, que decidiu em sentido contrário.
c)
(…)
De acordo com o disposto no artigo 149.º, n.º 2, do CPTA, “[s]e o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida.”
Cumpre, pois, conhecer em substituição das pretensões apresentadas pelo autor/recorrido.
(…)
Termos em que se impõe concluir pela improcedência do recurso da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 17/08/2018, nos termos da qual foi aplicada ao demandante a pena de suspensão da atividade desportiva pelo período de 2 anos».
*
Vejamos das razões de discordância, quanto ao assim decidido, por parte do autor/ora recorrente A……….., designadamente, quanto à (in)competência da Federação Portuguesa de Futebol para aplicar a sanção disciplinar, decorrente do facto de esta ter sido aplicada para além do prazo de 120 dias previsto no nº 5 do artº 59º da Lei nº 38/2012 de 28 de Agosto.
Ou seja, analisar e decidir a natureza do prazo previsto no nº 5 do artº 59º da Lei nº 38/2012, na redacção à data em vigor, sendo que, a questão da tempestividade do recurso apresentado para o TCS não faz parte do objecto da presente revista, uma vez que o recorrente se conformou com o ali decidido quanto a esta questão.
Vejamos:
Como já se mostra referido nos autos, a Lei nº 38/2012, de 28 de Agosto, aprovou a lei antidopagem no desporto, adoptando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem.
O artº 59º, já com as alterações provenientes das Leis nºs 33/2014, de 16 de Junho, e 93/2015, de 13 de Agosto, sob a epígrafe ‘aplicação de sanções disciplinares’, dispõe o seguinte:
«1 - A instrução dos processos disciplinares e a aplicação das sanções disciplinares previstas na presente lei competem à ADoP e encontram-se delegadas nas federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva.
2 - (Revogado.)
3 - A delegação de competências prevista no nº 1 não tem lugar quando, após a existência de indícios de uma infracção a normas antidopagem e antes da abertura do procedimento disciplinar, o praticante desportivo ou qualquer membro do pessoal de apoio, anule a inscrição junto da respectiva federação desportiva titular do estatuto de utilidade pública desportiva, competindo, nesse caso, à ADoP a instrução do processo disciplinar e a aplicação da sanção disciplinar prevista na lei.
4 - Nos casos em que o praticante desportivo ou qualquer membro do pessoal de apoio proceda, após a abertura de procedimento disciplinar, à anulação da inscrição junto da respectiva federação desportiva titular do estatuto de utilidade pública desportiva, cessa a delegação de competências prevista no nº 1, competindo à ADoP a instrução do processo disciplinar e a aplicação da sanção disciplinar prevista na lei.
5 - Entre a comunicação da violação de uma norma antidopagem e a aplicação da correspondente sanção disciplinar não pode mediar um prazo superior a 120 dias.
6 - Em caso de incumprimento do prazo referido no número anterior por parte da federação desportiva perante quem ocorreu a ilicitude pode ser a esta aplicado o regime da suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva conforme previsto no regime jurídico das federações desportivas e das condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.
7 - Em caso de incumprimento do prazo referido no nº 5, a federação desportiva em questão remete, no prazo máximo de 5 dias, o processo disciplinar à ADoP que, no prazo máximo de 60 dias, procede à sua instrução e decisão.» - sub. nosso.
Atenta esta redacção da lei aplicável aos autos, importa apurar se o prazo previsto no nº 5 do artº 59º, supra transcrito, que estabelece o prazo máximo de 120 dias para aplicação de sanção disciplinar é um prazo meramente ordenador ou, se ao invés, se traduz num prazo peremptório.
Pretende o demandante/recorrente que se retire da referida norma, a conclusão de que a competência para a FPF aplicar as sanções disciplinares que se lhe encontram legalmente delegadas nos termos do nº 1 do artº 59º da Lei nº 38/2012, apenas poderá ser exercida nesse exacto intervalo de tempo de 120 dias, sob pena de, tal delegação de competências cessar ope legis.
E cremos que com razão, uma vez que a redacção da lei aplicável, é clara no sentido do prazo previsto no nº 5 do artº 59º da citada lei, não poder assumir a natureza meramente ordenadora, mas antes cominatória.
É clara porque, efectivamente, o legislador entendeu que ultrapassado o prazo concedido de 120 dias para a instrução do processo, havia duas conclusões a extrair: por um lado, o incumprimento deste prazo pode gerar a aplicação do regime da suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva à Federação em causa, conforme previsto no regime jurídico das federações desportivas e das condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva [cfr. nº 4 do artº 59º].
E, por outro lado, cumulativamente, noutra vertente jurídica, o legislador foi claro ao referir que, no caso de incumprimento do prazo de 120 dias estipulado no artº 59º, o que havia a fazer era a remessa do processo disciplinar por parte da Federação Desportiva à ADoP no prazo de 5 dias, ficando esta responsável pela sua instrução e ou aplicação da sanção disciplinar.
Ora, esta redacção é tão clara e objectiva que não suscita quaisquer dúvidas, sendo a única que se coaduna com a letra da lei e, por isso, a única a que o intérprete se deve ater.
Acresce que, a jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal Administrativo [cfr. os Acórdãos referidos no Acórdão recorrido] segundo a qual, os prazos estabelecidos no Estatuto Disciplinar, para a prática de actos processuais, aí se englobando o prazo para a conclusão de processos disciplinares, assumirem a natureza de prazos procedimentais meramente disciplinadores ou ordenadores, não tem aqui aplicação, uma vez que a letra das normas aplicáveis é clara e vinculativa, não permitindo outra interpretação.
Classificar a violação dos prazos previstos nos nºs 5 e 7 do artº 59º como mera irregularidade, sem quaisquer consequências, não encontra assento legal.
Na verdade, a violação do prazo de 120 dias por parte da Federação Desportiva, não gera a perda definitiva da possibilidade de exercício do poder disciplinar; a consequência da violação deste prazo traduz-se apenas e só na cessação da delegação de competências, legalmente prevista no nº 1 do referido artº 59º.
Ou seja, o exercício do poder disciplinar em matéria de dopagem é exercido pelos órgãos disciplinares das federações desportivas, por delegação de competências, que originariamente, são atribuídas à ADoP.
Só que, o legislador limitou no tempo a duração desta delegação de competências, impondo-lhes agora um prazo de 120 dias para a conclusão de uma decisão [no caso de ilícitos disciplinares relacionados com a dopagem].
Este prazo de 120 dias é necessariamente peremptório, pelo que, a violação do mesmo gera a extinção do direito do CDFPF de praticar o acto, máxime de aplicar a sansão disciplinar.
Naturalmente que o legislado, não quis com esta redacção que se esgotasse, sem mais, o poder punitivo, mas tão só que este poder punitivo atribuído em sede de delegação de competências ao CDFPF se esgotasse e se extinguisse neste órgão; e de tal forma, assim é que findo este prazo, estabeleceu no nº 7 do artº 59º que a partir do términus dos 120 dias a competência para instruir e aplicar a respectiva sansão em matéria de dopagem passasse a pertencer à ADoP.
Somos, pois, a concluir que a FPF aquando da prolação da decisão que aplicou ao recorrente a sanção disciplinar em causa, já não tinha competência para o fazer, configurando-se o vício de incompetência absoluta [por falta de atribuições] do órgão, que aplicou a sanção, o que acarreta a nulidade do acto praticado – cfr. artº 133º, nº 2, al. b) do CPA.
Com efeito, esta incompetência absoluta do autor do acto resulta da avocação automática e restituição à ADoP do exercício da sua competência para proferir a decisão punitiva.
Configurar a natureza deste prazo como meramente ordenadora, conjuntamente com o prazo previsto no nº 7 do citado artigo, ao invés de assegurar o desiderato da instrução célere em processos de alegada infracção de normas de antidopagem, poderia conduzir a uma conclusão claramente oposta e validar a interpretação de que o órgão da FPF poderia eternizar a decisão a proferir, sem que nenhuma consequência se extraísse deste incumprimento que o legislador quis verdadeiramente sancionar, precisamente porque ao fixar prazos finais de conclusão do processo disciplinar visou a celeridade e estabilidade do processo e respectiva decisão [o que se justifica, até porque o praticante desportivo fica suspenso preventivamente logo com a primeira análise ou depois da análise na amostra B, quando requerida, até ser proferida a decisão final [artº 37º da LAD].
A não se entender desta forma, ficariam em perigo os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos que integram e concretizam o princípio do Estado de Direito Democrático [artº 2º da CRP].
Resulta do exposto que o Acórdão recorrido ao qualificar o prazo previsto no nº 5 do artº 59º da Lei 38/2012 como meramente ordenador, incorreu em erro de julgamento, como apontado pelo recorrente, impondo-se a revogação do mesmo, com todas as consequências jurídicas daí inerentes.
Por outro lado, não sendo os prazos previstos nos nºs 5 e 7 do artº 59º prorrogáveis, também não são susceptíveis de suspensão ou interrupção, designadamente quando a lei as não prevê.
Daí que, o tempo que CNAD despendeu para emitir o parecer prévio exigido pela alínea a), do nº 1 do artº 27º da Lei 38/2012 - parecer este que a própria norma qualifica como vinculativo - não possa legalmente ser considerado dentro do prazo de 120 dias que a FPF dispunha para instruir e decidir o processo.
Não colhe, pois, o argumento da suspensão desse prazo por força do artigo 38º do CPA [questões prejudiciais] enquanto argumento que pretende justificar a extensão do prazo e a manutenção do processo na entidade delegada em razão da emissão daquele parecer, previsto no artº 27º, nº 1, al. a) da LAD: a admitir-se a possibilidade da interpretação prevista no nº 6 do artº 92º do CPA, ela não foi promovida pelo CDFPF, que igualmente não fez uso do mecanismo previsto no nº 3 do artº 35º da Portaria nº 11/2013 de 11/01, quando o podia e devia ter feito, o qual estabelece as normas de execução regulamentar da LAD, em cumprimento do disposto no artº 81º e ao abrigo do qual o CDFPF podia emitir a decisão final sem a pronúncia vinculativa do órgão consultivo.
Com efeito, o artº 38º do CPA faz depender a suspensão do procedimento administrativo, em caso de existência de questão prejudicial, de despacho, com explicitação dos fundamentos da suspensão, o que no caso a FPF não fez, pelo que nem sequer se pode falar em suspensão
E nem se diga que a FPF, tenha optado por não proferir o despacho de suspensão do procedimento, estava impedida de emitir a decisão final, por não ter sido emitido o parecer vinculativo, uma vez que, a mesma podia, findo o prazo dos 10 dias úteis concedidos ao CNAD, ter proferido decisão; ou seja, a FPF não estava impedida de proferir decisão final sem que fosse emitido o parecer vinculativo pelo CNAD.
E isto porque o nº 5 do artº 92º do CPA prevê o seguinte: «Quando um parecer obrigatório não for emitido dentro dos prazos previstos no número anterior, pode o procedimento prosseguir e vir a ser decidido sem o parecer, salvo disposição legal expressa em contrário».
E no número seguinte, prevê-se ainda: «No caso de o parecer obrigatório ser vinculativo, a decisão final só pode ser proferida sem a prévia emissão daquele desde que o responsável pela direcção do procedimento tenha interpelado, no prazo de 10 dias, o órgão competente para o emitir, sem que este o tenha feito no prazo de 20 dias a contar dessa interpelação».
Ora, resultando dos autos que a FPF solicitou a emissão do parecer ao CNAD, órgão da ADoP, no dia 02.04.2018, nos termos do nº 5 da Portaria nº 11/2013, o CNAD tinha 10 dias úteis para emitir o parecer prévio. O referido prazo de 10 dias úteis terminava no dia 16.04.2018; findo este prazo, sem que o parecer tivesse sido emitido, poderia a FPF, logo no dia 17.04.2018, ter interpelado o CNAD para que este emitisse o parecer.
Caso a FPF tivesse feito esta interpelação, teria então o CNAD os 20 dias para o emitir por força do disposto no nº 6 do artº 92º do CPA; ou seja, o CNAD teria até dia 07.05.2018 para proferir o parecer prévio.
Findo este prazo sem que o parecer tivesse sido emitido, a FPF poderia ter proferido a decisão final do procedimento disciplinar, sem a prévia emissão do parecer do CNAD, o que não fez dentro do prazo que lhe estava concedido de 120 dias.
Atento o exposto, impõe-se a revogação do acórdão recorrido.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e consequentemente revogar o acórdão recorrido.
Custas a cargo da recorrida ADoP.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2020. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Francisco Fonseca da Paz.