Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0441/11
Data do Acordão:02/29/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
PRESUNÇÃO LEGAL
ELISÃO DE PRESUNÇÃO
IRS
TRANSPARÊNCIA FISCAL
Sumário:I - Relativamente a actos proferidos em processo de revisão oficiosa ou de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa, a impugnação judicial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.
II - A nulidade substanciada no erro na forma de processo é de conhecimento oficioso no processo judicial tributário, pois que é obrigatória a convolação do processo para a forma adequada (excepto se não for possível utilizar a petição para a forma de processo adequada).
III - A aplicação de presunções contidas em normas de incidência objectiva são ilidíveis pelos interessados.
IV - Se o STA não dispõe de base factual para decidir o recurso jurisdicional interposto, deve ordenar-se a ampliação e especificação da matéria de facto pertinente ao julgamento da causa.
Nº Convencional:JSTA00067446
Nº do Documento:SA2201202290441
Data de Entrada:05/03/2011
Recorrente:SUB DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR PROC FISC GRAC - REC HIERÁRQUICO
DIR FISC - IRS
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CIRC88 ART5
CIRS88 ART1 ART19 ART22 ART66 ART78
CSC86 ART22
CCIV66 ART280 ART286 ART289 ART295 ART994 ART293
CPTRIB91 ART32 N2 ART33 N2 ART40 ART120
CPPTRIB99 ART13 ART97 ART98 ART36 N2 ART37 N4 ART64
LGT98 ART97 N3 ART98 N4 ART73
CPC96 ART199 ART722 N3 ART729 N2
CPA91 ART133 ART135
DL 513-Q/79 DE 1979/12/26 ART25
DL 229/2004 DE 2004/12/10 ART32
CONST76 ART103 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC26353 DE 2001/10/03; AC STA PROC142/09 DE 2009/06/30
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VII PAG54 PAG93-94
RUI MORAIS SOBRE O IRS 2ED PAG210 PAG214-215
MAGALHÃES CORREIA A TRANSPARÊNCIA FISCAL NAS SOCIEDADES DE PROFISSIONAIS IN FISCO N7 PAG3-8
BRÁS CARLOS SOCIEDADES DE PROFISSIONAIS NOTAS SOBRE A CIRCULAR N 8/90 DA DGCI IN FISCO N19 PAG10
SOARES MARTINEZ DIREITO FISCAL 7ED PAG126
SÁ GOMES MANUAL DE DIREITO FISCAL VII PAG56
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. O Subdirector-Geral dos Impostos recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou procedente o recurso contencioso (acção administrativa especial) interposto por A…… contra o despacho, de 18/12/2000, de indeferimento do recurso hierárquico que este interpusera do indeferimento de reclamação graciosa relativa à fixação do rendimento colectável de IRS do ano de 1991.
1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1 - Muito embora a entidade recorrida na altura da contestação não tenha levantado a questão da inadequação do meio processual utilizado pelo recorrente, ora recorrido, relativamente à apresentação dos presentes autos para impugnar um acto de liquidação do imposto, uma vez que tal excepção é do conhecimento oficioso e a douta sentença recorrida não se pronunciou sobre tal matéria vem a entidade recorrida, ora recorrente, alegar a inadequação do meio processual.
2 - Na verdade, muito embora o recorrente, ora recorrido, reclame contra a imputação de lucros que a Administração Fiscal lhe fez, enquanto sócio da sociedade de advogados, B……, sujeita ao regime da transparência fiscal o que vem pedir no final da sua reclamação graciosa, sobre qual recaiu o despacho de indeferimento do Senhor Director de Finanças Adjunto de Lisboa, 22.09.1999, é o seguinte:
“Pelo exposto o requerente solicita a V. Exa. que seja anulada a liquidação que lhe foi notificada.”
3 - Por assim ser, estando em causa a liquidação do imposto e à semelhança do que acontece com a sua sucedânea acção administrativa especial o recurso contencioso de anulação não tem por objecto o acto tributário ou a liquidação do imposto, mas, o acto administrativo proferido em questões fiscais, por vícios próprios imputáveis ao mesmo e que geram a sua anulabilidade.
4 – A B……., é uma sociedade de advogados sujeita ao regime da transparência fiscal, sendo o capital social daquela sociedade distribuído em partes iguais pelos cinco sócios, cabendo ao ora recorrido A…… uma participação de 20%.
5 - A sociedade, em causa, relativamente ao exercício de 1991, declarou uma matéria colectável de 10.116.846$00, sendo que nenhuma parcela desta matéria colectável foi atribuída ao ora recorrido e como tal não foi considerada como rendimento no âmbito da liquidação do IRS, para efeitos de liquidação do seu IRS do ano de 1991.
6 - Acresce que, a administração fiscal entende que o recorrido tinha de declarar e incluir entre o seu rendimento do ano de 1991, parcela que lhe era devida por imputação do lucro tributável da sociedade B…… de que é sócio.
7 - Não foi esse o entendimento do recorrido que sustenta não ter auferido qualquer parcela do lucro daquela sociedade, relativamente ao ano de 1991, pela razão simples de por deliberação da Assembleia Geral, da referida sociedade, de 20.03.1992, aprovada por unanimidade, ter sido excluído de qualquer participação nos respectivos lucros.
8 - A deliberação não releva para efeitos fiscais e, designadamente, para a correcta liquidação do IRS devido pelo recorrido, relativamente ao ano de 1991.
9 - No entanto, a douta sentença recorrida vai no sentido de que a Administração Fiscal não pode concluir por si só da irrelevância ou nulidade da deliberação da Assembleia Geral que excluía o recorrido da participação dos lucros da Sociedade B…… de que é sócio, só podendo, assim, considerar os valores que caberiam ao recorrido por força do lucro tributável daquela sociedade, no ano de 1991, depois de anulada judicialmente a citada deliberação da Assembleia Geral da sociedade, de 20.03.1992.
10 - A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito fez uma errada interpretação e aplicação da lei no caso dos presentes autos.
11 - Na verdade, quer do artigo 5° (actual artigo 6°), do Código do IRC, quer do artigo sétimo do Pacto Social, em causa, resulta explicitamente que será sempre imputado a todo e qualquer sócio, parcela maior ou menor da matéria colectável da sociedade, apenas não sendo imperativo que essa imputação seja proporcional à sua participação social (capital de que seja titular).
12 - Quer o artigo 5° (actual artigo 6°), do Código do IRC, quer o artigo sétimo do Pacto Social impedem que se exclua integralmente qualquer sócio da distribuição da matéria colectável da sociedade.
13 - Ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, não é pensável que a deliberação de uma Assembleia-Geral, órgão interno de uma sociedade de direito privado, possa ser oponível à Administração Fiscal como se tratasse de acto de entidade pública em posição hierarquicamente superior à da entidade demandada, ora recorrente.
14 - A deliberação da Assembleia-Geral da sociedade, em questão, é um acto de eficácia interna da referida sociedade e a douta sentença recorrida ignorou essa circunstância, como ignorou que a administração fiscal porventura, nem legitimidade terá para impugnar a deliberação da Assembleia-Geral, em causa.
15 - Tal exigência redundaria, aliás, na atribuição de uma presunção de legalidade a meros actos de direito privado, quando tal prerrogativa, como se depreende é exclusiva de determinados actos de direito público.
16 - A douta sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação aos factos de, entre outras disposições legais, nomeadamente, o artigo 97° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o artigo 5° (actual artigo 6°), do Código do IRC e o artigo 22° do Código das Sociedades Comerciais.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida.
1.3. Contra alegando, o recorrido formulou as seguintes conclusões:
1. O ora Recorrente alega a inadequação do meio processual utilizado pelo ora Recorrido – de recurso contencioso ao invés de impugnação judicial –, “muito embora a entidade recorrida na altura da contestação não tenha levantado a questão”, pois, segundo o mesmo, “tal excepção é do conhecimento oficioso e a douta sentença recorrida não se pronunciou sobre tal matéria” (conclusão 1 das alegações do ora Recorrente).
2. A forma de processo utilizada correspondeu à forma indicada na própria notificação da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico (cfr. Ofício nº 01381, de 16.01.2001, junto como documento nº 1 do recurso contencioso de anulação, fls. 25 dos autos), pelo que o aqui Recorrido interpôs recurso contencioso nos termos do então já aplicável artigo 76°, nº 2, do CPPT, segundo o qual: “A decisão sobre o recurso hierárquico é passível de recurso contencioso salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto” (destaque acrescentado).
3. O aqui Recorrido não pode ser prejudicado por um erro da inteira responsabilidade da própria AT, cujas notificações, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPPT, “conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado (...)” (destaque acrescentado), sob pena de uma total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da Administração.
4. É não só o que decorre do artigo 37º, nº 4 do CPPT, como também esse Supremo Tribunal Administrativo já decidiu que “[a] errada indicação pela administração dos meios de defesa a utilizar pelo administrado (...) não pode prejudicar o uso do meio adequado pelo contribuinte” (Ac. do STA, de 17-05-2000, processo 024382, Relator Benjamim Rodrigues, in www.dgsi.pt) e que, no caso de erro na notificação, nada obsta à aplicação subsidiária do artigo 161° do Código de Processo Civil (CPC), o qual dispõe que “[o]s erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em, qualquer caso, prejudicar as partes” (Ac. do STA, de 09-09-2009, processo 0461/09, Relator Miranda de Pacheco, in www.dgsi.pt).
5. Em qualquer caso, a invocação da inadequação do meio processual, só agora feita pelo ora Recorrente, é extemporânea e não poderá ser tida em conta por este Tribunal.
6. O invocado erro na forma de processo – a que se refere o artigo 199° do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 2° do CPPT – não pode simplesmente ser avaliado como uma excepção de conhecimento oficioso, invocável a qualquer altura e passível de ser sempre apreciada em sede de recurso, pois como já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, “os recursos destinam-se a reapreciar questões decididas no tribunal inferior, nunca a criar questões novas”, pelo que “se o erro na forma de processo apenas foi suscitado nas alegações de recurso (...) [o Tribunal de recurso] não podia dele conhecer” (neste sentido, Ac. do STJ, de 26-03-1996, processo 087584, Relator Pais de Sousa, in www.dgsi.pt).
7. O erro na forma de processo deve ser avaliado como potencial causa de nulidade e importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida pela lei (artigo 199°, nº 1 do CPC).
8. Nos termos do artigo 202° do CPC, da indicada nulidade pode o Tribunal conhecer oficiosamente a menos que a mesma deva considerar-se sanada.
9. Pode qualquer das partes argui-la, mas apenas e só até à contestação ou nesse articulado (artigo 204° do CPC), e, quando seja o Tribunal a conhecê-la oficiosamente, tal só pode ser feito no despacho saneador ou até ao momento da prolação da sentença, quando, como no caso presente, não tiver havido despacho saneador (artigo 206°, nº 2, do CPC).
10. Ultrapassados os indicados momentos ou fases processuais, se não tiver sido invocada ou oficiosamente conhecida ou declarada, a nulidade considera-se sanada (neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 19-10-2010, processo 6792/09.4TBVNG.P1, Relator M. Pinto dos Santos, in www.dgsi.pt).
11. O ora Recorrente, aceitando que estava a responder a um recurso contencioso limitou-se a responder à questão de fundo, aduzindo as razões que, no seu entender, deveriam levar à improcedência do “presente recurso” (fls. 55), sendo que o tribunal “a quo” também em parte alguma declarou a existência do invocado vício, pelo que a nulidade já não pode ser arguida, nem oficiosamente conhecida, porque, entretanto, foi proferida a “sentença final”, nos termos e para os efeitos do artigo 206°, nº 1 do CPC (também neste sentido, o Ac. deste Supremo Tribunal Administrativo, de 12-07-1989, processo 005780, Relator Laurentino Araújo, bem como o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2004, processo 04B101, relator Ferreira de Almeida, ambos in www.dgsi.pt).
12. Ainda que venha a ser considerado, por este Tribunal, não se encontrar sanada a apontada nulidade e se decida conhecer, nesta sede, do invocado erro na forma de processo – no que não se concede – sempre a consequência será a convolação, possível e necessária, do recurso contencioso em impugnação judicial, pois que tal é imposto pelos princípios da tutela jurídica efectiva e da obtenção de justiça material.
13. A convolação resulta obrigatória do disposto no artigo 97°, nº 3 da Lei Geral Tributária e, bem assim, nos artigos 98° nº 4 do CPPT e 199° do CPC, não oferecendo a mesma quaisquer dúvidas, nomeadamente em face da jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores (neste sentido, e por todos, o Ac. deste Supremo Tribunal Administrativo de 27-04-2005, processo 0800/04, Relator Jorge de Sousa).
14. Nada impede esta convolação, tanto mais que a petição inicialmente apresentada, mesmo apreciada sob a perspectiva da nova forma processual, reúne os requisitos de uma petição de impugnação judicial e foi oferecida tempestivamente (a petição de recurso de anulação foi apresentada no prazo de dois meses indicado pela AT, sendo o prazo para deduzir impugnação judicial de 90 dias contados da notificação do indeferimento do recurso hierárquico, nos termos do artigo 102º do CPPT).
15. Impondo a lei que sejam mantidos todos os actos que possam ser aproveitados (artigo 199º do CPC) e não tendo a utilização do meio processual em causa implicado uma qualquer diminuição dos poderes processuais das partes, impõe-se a manutenção de todos os actos praticados até este momento, incluindo as alegações e contra-alegações de recurso, pelo que deve, este Supremo Tribunal Administrativo, apreciar o mérito do presente recurso jurisdicional, pois que a tal apreciação nenhuma razão formal se opõe.
16. Aguardando o aqui Recorrido, há mais de dez anos, pelo julgamento do mérito da pretensão que, legitimamente, pretende ver reconhecida, interpretação diversa da exposta – quanto às acima indicadas normas, no sentido de que as mesmas lhe conferem a possibilidade legal de ver, sem mais delongas, julgada definitivamente a presente causa –, sempre implicaria a violação de princípios constitucionais, nomeadamente, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da função jurisdicional, consagrados nos artigos 20°, 202°, nºs. 1 e 2 e 203° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
17. Como bem julgou o Tribunal “a quo”, a AT não pode, por si própria, apreciar e decidir da suposta nulidade de um acto jurídico, como seja a deliberação social de 20 de Março de 1992 da sociedade de transparência fiscal “B……”, sociedade da qual o ora Recorrido era sócio, em 1991, com uma participação social correspondente a 20% do capital social.
18. Na referida Assembleia Geral, foi deliberada e aprovada a distribuição do lucro tributável relativo ao exercício de 1991, no valor de 10.116.846$00, independentemente do valor da quota de cada um dos sócios e de acordo com o disposto no artigo 7° do pacto social.
19. Resulta claro do artigo 5°, nº 3 (actual 6º, nº 3) do CIRC que a imputação dos lucros da sociedade no rendimento tributável em IRS de cada um dos sócios, apenas deve ser feita em partes iguais no caso de faltarem elementos que permitam concluir de outra forma, ou seja, quando outra coisa não resulte do acto constitutivo ou quando o mesmo nada disponha quanto a esta matéria.
20. Do nº 1 do artigo 7° do acto constitutivo da Sociedade de Advogados aqui em causa consta expressamente que “Os lucros a distribuir são repartidos pela forma que for determinada anualmente na assembleia geral ordinária”, sendo, pois, evidente que existem elementos fixados no pacto social, nos termos e para os efeitos do então artigo 5°, nº 3, do CIRC.
21. Não se retira, nem tinha de se retirar, do pacto social qualquer garantia de participação anual dos sócios nos lucros da sociedade, muito menos se podendo considerar que tal participação teria sempre de existir pelo facto de no mesmo pacto a mesma não se encontrar excluída.
22. Todos os sócios deliberaram, por unanimidade, não ser distribuído qualquer lucro ao ora Recorrido, facto que torna por demais evidente que a deliberação não foi tomada em violação de qualquer direito societário: os próprios “visados”, isto é, os sócios a quem não foram distribuídos quaisquer lucros votaram, eles próprios, no sentido da não distribuição.
23. Trata-se aqui de uma sociedade de profissionais que, não obstante ter por fim a repartição de resultados, tem como objectivo o exercício em comum da profissão de advogado (cfr. artigo 1º do D.L. nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, em vigor à data dos factos e, bem assim, o actual artigo 1º do D.L. nº 229/2004, de 10 de Dezembro).
24. Atenta a natureza específica das sociedades de advogados – traduzida, aliás, em disposições como a do actual artigo 12º, nº 1 (antigo artigo 8°, nº 1), que impõe a necessidade de todos e cada um dos sócios participarem com a sua indústria –, necessariamente releva, para a repartição dos lucros, a medida da contribuição de cada sócio para a respectiva formação.
25. Ao ora Recorrido não foram distribuídos lucros, pelo que a imputação feita constitui uma ficção, que, para além de tudo o mais, viola claramente um dos pressupostos da incidência do imposto que é o da existência de rendimentos (cfr. artigo 1º do CIRS).
26. Estamos perante uma sociedade civil profissional, pelo que não é aplicável ao caso sub judice o disposto no artigo 22° do CSC, incorrectamente invocado para fundamentar a – injustificável e, de qualquer forma, sempre errada – decisão administrativa proferida.
27. Nem mesmo em face do disposto no artigo 994º do CC, disposição praticamente idêntica ao citado artigo 22º do CSC, essa sim aplicável às sociedades civis, tem razão o ora Recorrente.
28. O que se proíbe no artigo 994° do CC, como aliás no artigo 22° do CSC é o chamado pacto leonino ou seja, a cláusula inserta no próprio pacto social, que determine a exclusão de determinado sócio da comunhão nos lucros ou o isente de participar nas perdas, não existindo cláusula no pacto constitutivo que exclua qualquer dos sócios da comunhão nos lucros ou, sequer, que limite o respectivo direito aos lucros de forma desrazoável ou desproporcionada.
29. Na Cláusula 7ª do Pacto Social estabelece-se, somente, de acordo com o estabelecido no Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, que a distribuição dos lucros se fará de acordo com o que for deliberado em Assembleia Geral dos Sócios, nada havendo de abusivo ou ilegal em tal estipulação, não constituindo a mesma pacto leonino.
30. Do pacto social ressalta que: (i) os lucros a distribuir são repartidos pela forma que for determinada anualmente na assembleia geral ordinária (cfr. Cláusula 7ª, nº 1); (ii) as deliberações da Assembleia devem ser tomadas por unanimidade de todos os sócios (cfr. Cláusula 6ª, nº 5); (iii) na falta daquela determinação, os lucros são repartidos proporcionalmente ao valor das quotas e das partes de indústria (cfr. Cláusula 7ª, nº 2), pelo que a Cláusula 7ª do pacto social não é susceptível de impedir o acesso de qualquer dos sócios aos lucros, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 994º do CC pois basta o voto desfavorável de qualquer dos sócios para que as deliberações não possam ser tomadas.
31. A Cláusula 7ª do pacto social é, pois perfeitamente válida e eficaz, não só atento o disposto no Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, que dispõe especificamente sobre a matéria (cfr. o artigo 25°, do D.L. nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, entretanto substituído pelo artigo 32° do D.L. n.º 229/2004, de 10 de Dezembro), como também atentas as disposições do Código Civil sobre sociedades civis (vejam-se os artigos 991° e 992°) e o próprio artigo 5°, nº 3 (actual 6°, nº 3) do CIRC.
32. Nos termos do anterior artigo 2°, nº 1 (bem como do actual artigo 8°, nº 1) do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, o projecto de pacto social foi submetido à aprovação da Ordem dos Advogados, pelo que se dúvidas houvesse, certamente teriam sido suscitadas.
33. Por outro lado, não existe, sequer, obrigatoriedade legal de distribuição periódica de lucros. E isto quer se trate de sociedades civis, quer se trate de sociedades comerciais [vejam-se os artigos 991° e 992° do CC, 25°, nº 2 do D.L. 513-Q/79, de 26 de Dezembro (bem como 32°, nº 1, do D.L. 229/2004, de 10 de Dezembro), 33°, 217° e 294° do CSC].
34. O entendimento atrás exposto, coaduna-se inteiramente com a Informação nº 153/94, de 04/08/1994, proferida pela Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, publicada em “O Informador Fiscal”, 1ª Série, 1994, junto aos autos a fls. 46, que, relativamente a um caso em tudo idêntico ao que motivou o presente processo, considerou que a imputação da matéria colectável aos sócios de uma sociedade de transparência fiscal pode ser efectuada de acordo com o estabelecido no pacto social, ex vi do disposto no então artigo 5°, nº 3, do Código do IRC.
35. E se, não obstante esta conclusão, no ponto 5 da dita Informação nº 153/94, de 04/08/1994, da D.G.C.I, é efectuado o reparo que desta forma se deixa ao critério da entidade a “escolha” dos critérios (que podem variar de ano para ano) que considerar mais vantajosos do ponto de vista fiscal, atenta a progressividade das taxas de tributação em IRS para imputação da matéria colectável aos sócios – reparo também vertido na Sentença Recorrida –,
36. o certo é que da simples análise dos autos resulta que a imputação, decidida em Assembleia Geral, não só não procurou, de modo algum, prejudicar o Estado, como efectivamente nenhum prejuízo lhe causou, pois o total de IRS arrecadado ascendeu à quantia de Esc. 3.090.131$00, sendo que se a Assembleia Geral tivesse adoptado o critério ficcionado da Administração Fiscal, imputando igualmente a cada sócio um quinto da matéria tributável, o valor arrecadado teria sido de apenas Esc. 2.290.895$00.
37. Por último, sempre seria de questionar como é que se poderia justificar a imputação adicional de um rendimento que, por respeitar a uma única matéria colectável, já foi, anteriormente, objecto de tributação ao nível do IRS dos sócios.
38. É que mesmo a admitir-se, no que não se concede, que o critério de imputação dos rendimentos utilizado pelos sócios não era o correcto, sempre haveria de se questionar, previamente a esta “imputação oficiosa” de rendimentos ao ora Recorrido, o próprio anexo 22 B, já que do que aqui se trata, em primeira linha, é da matéria colectável respeitante a pessoa colectiva.
39. Nenhuma razão assiste, pois, ao ora Recorrente quando alega que a Assembleia Geral não poderia deliberar nos termos em que o fez, sendo que o mesmo, ao decidir como decidiu, violou frontalmente o disposto no artigo 25°, do D.L. nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro (actualmente substituído pelo artigo 32°, nº 1, do D.L. 229/2004, de 10 de Dezembro), nos artigos 5°, nº 3 (actual artigo 6°, nº 3) do CIRC, 1º e 19° do CIRS e fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 22° do CSC.
40. Por outro lado, e como bem decidiu o Tribunal “a quo” não pode a AT arrogar-se possuir competências jurisdicionais e, dessa forma, substituir-se aos Tribunais, declarando nulos ou ineficazes actos jurídicos validamente adoptados e geradores de efeitos na ordem jurídica.
41. Interpretação diversa da exposta quanto às acima indicadas normas (no sentido de que as mesmas não permitem à AT actuar nos termos em que actuou), sempre implicaria a violação de princípios constitucionais, nomeadamente, da iniciativa económica privada, da ausência de obrigação de pagamento de impostos ilegais ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei, da função jurisdicional, do respeito pelos direitos e garantias dos administrados e do próprio Estado de Direito Democrático, consagrados nos artigos 61°, nº 1, 103° e 104°, 202°, nºs. 1 e 2 e 203°, 266° e 268°, nº 4, e 2° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
Termina pedindo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.
1.4. O MP emite parecer no sentido da revogação da sentença recorrida e na determinação da convolação do processo para a forma de impugnação judicial, nos termos seguintes:
«I. Nada a opor à convolação do processo para a forma de impugnação judicial, a qual deve ser mandada seguir com a contestação da representante da F.P., pois, para além do mais, afigura-se necessário que seja junto o processo administrativo – art. 98º, nº 4 e 110º, nº 4 do CPPT.
Nesse sentido se pronunciou o ac. do S.T.A. de 7-12-2010 proferido no proc. 0748/10, acessível em www.dgsi.pt.
Com efeito, quanto à questão referente ao regime de transparência fiscal, há ainda que levar em conta o que constar quanto à actividade efectivamente exercida, segundo o que resulta ainda do princípio da prevalência da substância sobre a forma prevista no art. 11º nº 2 da L.G.T.
II. A interpretação propugnada quanto ao art. 5º (ora 6º) nº 3 do C. do I.R.S. parece não ser aquela que corresponde à intenção do legislador, sendo admissível a remessa para outras formas de determinação como a efectuada.
Contudo, a deliberação da assembleia geral da sociedade de advogados tem de estar de acordo com a realidade, o que implica a consideração de outros “elementos” – tal o que parece resultar da referência efectuada, a propósito, no ponto 3 do preâmbulo do C. do I.R.C., em que se refere: “O mesmo caracteriza-se pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição”.
III. Nestes termos, e decidindo-se em conformidade com o ponto I, é de determinar a revogação da sentença recorrida e de determinar a referida convolação.»
1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. A “B…….” é uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal;
2. O seu capital social está igualmente repartido por cinco sócios, nos quais se inclui o Recorrente (fls. 26);
3. Do pacto social consta, nomeadamente e ainda, o seguinte:
«ARTIGO 7°
1 - Os lucros a distribuir são repartidos pela forma que for determinada anualmente na assembleia geral ordinária.
2 - Na falta dessa determinação, os resultados sociais são repartidos do seguinte modo: 50% proporcionalmente ao valor das quotas; 50% proporcionalmente às partes de indústria.
3 - A assembleia geral poderá atribuir aos sócios remunerações em contrapartida dos serviços por estes prestados à sociedade».
4. As participações de indústria estão repartidas em proporção igual às participações de capital (fls. 28);
5. No exercício de 1991, declarou um lucro tributável de 10.116.846$00 (declaração mod. 22/IRC, a fls. 6 do apenso de reclamação);
6. Por deliberação formalizada em acta de 20/03/1992, foi determinado o seguinte:
«...aprovado por unanimidade que o lucro tributável no valor de dez milhões, cento e dezasseis mil, oitocentos e quarenta e seis escudos fosse distribuído da seguinte forma:
Novecentos e trinta e seis mil setecentos e cinco escudos, ao Doutor C……; Sete milhões novecentos e seis mil cento e trinta escudos ao Doutor D…… e um milhão duzentos e setenta e quatro mil e onze escudos ao Doutor E…….»;
7. A AF corrigiu o rendimento declarado do Recorrente fazendo-lhe acrescer o valor de 2.023.369$00 em resultado da imputação do lucro em medida proporcional à percentagem de capital por ele detida naquela sociedade (fls. 58 do apenso de reclamação graciosa);
8. Foi deduzida reclamação graciosa do consequente acto de liquidação;
9. A qual foi indeferida por despacho, de 22/09/1999, do Sr. Director de Finanças Adjunto da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, exarado sobre informação dos serviços a fls. 42 do atinente apenso;
10. Do indeferimento da reclamação graciosa, foi interposto recurso hierárquico, o qual foi indeferido por despacho, de 18/12/2000, do Sr. Subdirector-Geral dos Impostos exarado sobre informação dos serviços datada de 12/12/2000, a fls. s/n do apenso e para cuja fundamentação remete, de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«11. Todo o problema gira à volta da correcta interpretação do art°5°/3 do CIRC, designadamente, da expressão “a imputação é feita nos termos que resultarem do acto constitutivo”;
12. Alegando o recorrente, e com razão formal, que, no acto constitutivo da sociedade, está determinado que compete à AG anual da sociedade determinar a distribuição dos respectivos lucros,
13. Mais acrescentando que assim foi determinado porque por vezes, como foi o seu caso, ao que diz, há sócios que em nada contribuíram para a formação desses lucros;
14. Tudo isto é formalmente verdade, mas, ao mesmo tempo, nada disto tem relevância civil nem fiscal, por duas razões:
14.1 - O art. 22°/1 do citado C. S. Comerciais permite que os sócios participem nos proveitos e comparticipem nos custos em fracções diferentes das correspondentes às suas partes sociais; mas, seguidamente, o n° 3 proíbe que um sócio seja excluído dos lucros, o que significa que pode, nos termos do nº 1, participar em parte inferior à sua quota, mas ser completamente excluído é legalmente proibido;
14.2 - e isto tem lógica porque, mesmo nos casos em que um sócio não trabalhou para a sociedade (como agora, aliás, é alegado), a sua participação social contribuiu na mesma para o desenvolvimento das actividades da sociedade, ou seja, indirectamente, ele contribuiu para a formação dos lucros, por isso não pode ser excluído;
15. Ora, uma vez que esta cláusula é ilegal, para se apurar o rendimento que (lhe) é tributável resta a parte seguinte (e final) do citado art. 5°/3 do CIRC: “na falta de elementos, em partes iguais” (acresce que, ao que parece, isto nem o prejudica porque são cinco sócios e ele detém 20% do capital);
16. Donde resulta, enfim, que a imputação dos rendimentos tributáveis está correcta, a reclamação foi avisadamente indeferida e o presente recurso não merece provimento, sendo de manter o despacho recorrido, com todas as consequências legais».
11. O Recorrente foi notificado da decisão de recurso hierárquico em 19/01/2001;
12. O presente recurso contencioso foi apresentado em 16/03/2001, conforme carimbo aposto a fls. 2.
3.1. Com base nesta factualidade a sentença recorrida veio a julgar procedente o recurso, fundamentando-se, em síntese, no seguinte:
Nos termos dos n°s. 1 e 3 do art. 5º do CIRC, a imputação de rendimentos aos sócios ali referida, para efeitos de integração no rendimento colectável (de IRS ou IRC) destes, é feita nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
No caso, nada resulta directamente do pacto social quanto à distribuição dos lucros pelos sócios, apenas se prevendo que a repartição dos mesmos se faça “pela forma que for determinada anualmente na assembleia geral ordinária”. Deixa-se, assim, ao arbítrio da entidade a “escolha” dos critérios (os quais podem variar de ano para ano) que considerar mais vantajosos do ponto de vista fiscal, atenta a progressividade das taxas de tributação em IRS, para imputação da matéria colectável aos sócios.
Porém, não é a legalidade do critério previsto no pacto social (o qual se pode converter num instrumento de evasão fiscal), que a AT questiona, pois o que esta põe em causa é a eficácia da deliberação da assembleia geral que, em concreto, determinou a exclusão de um sócio (o aqui Recorrente), da distribuição dos resultados do exercício de 1991, no entendimento de que se trata de uma deliberação nula, nos termos do art. 22°, n° 3, do C.Sociedades Comerciais (segundo o qual, é nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto aos sócios de indústria). E no pressuposto da ineficácia da deliberação social, reconduziu a situação à de “falta de elementos” e, consequentemente, fez aplicação do critério supletivo de imputação dos resultados do exercício aos sócios.
Todavia, não pode a AT apreciar e decidir, em processo gracioso, da nulidade de um acto jurídico ainda que com efeitos meramente fiscais, sendo que as questões relativas à nulidade ou ineficácia de actos jurídicos constituem o conteúdo próprio de actos jurisdicionais e, nessa medida, são questões prejudiciais em processo tributário gracioso.
E a consequência a extrair é a de que a correcção praticada apenas se poderia fazer, com fundamento na nulidade ou ineficácia da deliberação social (acto jurídico), se julgada pelos tribunais competentes – artigos 280º, 286°, 289° e 295°, do CCivil e 33º, n° 2, do CPT – pelo que a decisão recorrida, que manteve a correcção praticada, enferma do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulabilidade – arts. 133° e 135° do CPA.
3.2. Discorda a entidade recorrente (Sub-Director Geral dos Impostos), invocando (apenas agora) a nulidade decorrente do erro na forma de processo (cfr. Conclusões 1ª a 3ª) e sustentando, quanto ao mérito, que, quer do art. 5° (actual art. 6°), do CIRC, quer do art. 7º do Pacto Social, em causa, resulta explicitamente que será sempre imputado a todo e qualquer sócio, parcela maior ou menor da matéria colectável da sociedade, apenas não sendo imperativo que essa imputação seja proporcional à sua participação social (capital de que seja titular), ou seja, estes normativos impedem que se exclua integralmente qualquer sócio da distribuição da matéria colectável da sociedade.
Por outro lado, a deliberação de uma Assembleia-Geral de uma sociedade de direito privado não pode ser oponível à AT. Essa deliberação reconduz-se, antes, a um acto de eficácia interna da referida sociedade, circunstância que a sentença recorrida ignorou, como ignorou que a AT, porventura, nem legitimidade terá para impugnar tal deliberação.
Daí que, no caso, tenha sido feita incorrecta interpretação e aplicação aos factos, do disposto no art. 97° do CPPT, no art. 5° (actual art. 6°), do CIRC e no art. 22° do Código das Sociedades Comerciais.
3.3. As questões a decidir são, portanto, as de saber se ocorrem a invocada nulidade por erro na forma de processo e o alegado erro de julgamento, por violação das citadas disposições legais.
Vejamos.
4. Quanto à nulidade por erro na forma de processo.
Embora reconhecendo que não suscitou na contestação esta questão, a recorrente entende que pode ainda suscitá-la em sede de recurso, dado tratar-se de uma excepção que é de conhecimento oficioso.
Por seu lado, o recorrido contrapõe (Conclusões 1ª a 16ª das contra-alegações) que a forma de processo utilizada correspondeu à forma indicada na própria notificação da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e não pode ele prejudicado por um erro da responsabilidade da própria AT, face até ao disposto nos arts. 36º, nº 2 e 37º, nº 4 do CPPT, sendo que, além disso, tal invocação da inadequação do meio processual, só agora feita pelo recorrente, é extemporânea e não poderá ser tida em conta por este Tribunal.
De todo o modo, caso se decida conhecer, nesta sede, do invocado erro na forma de processo, sempre a consequência será a convolação, possível e necessária, do recurso contencioso em impugnação judicial, pois que tal é imposto pelos princípios da tutela jurídica efectiva e da obtenção de justiça material e pelo disposto nos arts. 97°, nº 3 da LGT, 98º, nº 4 do CPPT e 199° do CPC, tanto mais que nada impede essa convolação, dado que a petição inicialmente apresentada, mesmo apreciada sob a perspectiva da nova forma processual, reúne os requisitos de uma petição de impugnação judicial e foi oferecida tempestivamente.
4.1. Apreciando, dir-se-á que procede a arguição da apontada nulidade (erro na forma de processo).
Com efeito, a presente acção administrativa especial é deduzida contra despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, de indeferimento do recurso hierárquico interposto do despacho do director da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferira reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS de 1991.
Ora, como salienta Jorge de Sousa, comentando o art. 97º do CPPT, no «que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa ou de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa, a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n° 2 deste art. 97°, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação. Embora não seja usual a determinação do meio judicial adequado através do conteúdo do acto e não da sua natureza ou do procedimento administrativo ou tributário em que ele foi proferido, é claro que a alínea d) do n° 1 e o n° 2 deste art. 97° fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor.» (CPPT, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª ed., 2011, anotação 18 a) ao art. 97º, p. 54).
Mas, no caso, como alega a entidade recorrente, o recorrido reclama contra a imputação de rendimentos (lucros) que a AT lhe fez, enquanto sócio da questionada sociedade de advogados, sujeita ao regime da transparência fiscal, e vem pedir no final da reclamação graciosa, sobre qual recaiu o despacho de indeferimento do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, é que «seja anulada a liquidação que lhe foi notificada», alegando, como dela se vê, ilegalidade da liquidação, por a imputação de lucros ter violado o disposto no art. 5º do CIRC, sendo que, quer o respectivo despacho de indeferimento (fls. 42 da reclamação apensa), quer o despacho que veio a indeferir o recurso hierárquico daquele interposto (fls. 71 da reclamação apensa), também se pronunciam, efectivamente, sobre a legalidade da liquidação, pois que são exarados em concordância com as informações ali constantes, no sentido de que atendendo ao disposto nos nºs. 1 e 3 do art. 5º do CIRC e no art. 19º do CIRS, a imputação da matéria colectável de IRC do ano de 1991 foi correctamente efectuada.
Assim, é de concluir que no presente caso o meio processual adequado sempre será a impugnação judicial e não a acção administrativa especial e que, tendo sido este último o meio processual utilizado pelo recorrido, ocorre a nulidade prevista no nº 4 do art. 98º do CPPT, por erro na forma de processo.
4.2. Importa, por isso, apreciar se pode ordenar-se a convolação para o meio processual adequado: a impugnação judicial.
E, adianta-se desde já, a resposta é afirmativa.
Na verdade, pese embora o alegado pelo recorrido (no sentido da extemporaneidade da arguição da respectiva nulidade) essa nulidade pode e deve ser agora conhecida, pois que se trata de nulidade que é, em sede de contencioso tributário, de conhecimento oficioso: é que, em face dos termos imperativos utilizados no nº 4 do art. 98º do CPPT («em caso de erro na forma do processo, este será convolado...») e no n° 3 do art. 97° da LGT («ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei»), «é de concluir, por um lado, que é obrigatória a convolação do processo para a forma adequada (excepto se não for possível utilizar a petição para a forma de processo adequada) e, por outro, que no processo judicial tributário, a nulidade consubstanciada no erro na forma de processo é de conhecimento oficioso.» (Jorge de Sousa, ob. cit., anotação 10 f) ao art. 98º, pp. 93 e 94).
Aliás, o STA tem vindo a entender que a convolação deverá ser admitida sempre que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade do meio para que se convola, para além da idoneidade da petição para o efeito (cfr., entre outros, o acórdão de 30/6/09, no rec. nº 142/09).
4.3. Pelo exposto e sendo, no caso presente, incontroversas a tempestividade e idoneidade da petição para o meio que se entende como próprio, convola-se a presente acção administrativa especial deduzida para impugnação judicial, com a preservação de todos os seus trâmites processuais até ao momento.
5. Quanto à questão atinente ao invocado erro de julgamento por a sentença ter feito incorrecta interpretação e aplicação aos factos, do disposto no art. 97° do CPPT, no art. 5° (actual art. 6°), do CIRC e no art. 22° do C.S.Comerciais.
Alega a entidade recorrida que o recorrido tinha de declarar e incluir entre o seu rendimento do ano de 1991 a parcela que lhe era devida por imputação do lucro tributável da sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal de que aquele é sócio e que a deliberação da assembleia geral de 20/3/1992 não releva para efeitos fiscais, designadamente, para a correcta liquidação do IRS devido pelo recorrido, relativamente ao ano de 1991.
Mais alega que a sentença, ao considerar que as correcções feitas ao lucro tributável do recorrido só poderiam efectuar-se depois de anulada judicialmente a citada deliberação da AG da sociedade, faz errada aplicação e interpretação do art. 5º (actual art. 6º) do CIRC, bem como do art. 7º do Pacto Social da mencionada sociedade, pois que ambos impedem que se exclua integralmente qualquer sócio da distribuição da matéria colectável da sociedade e já que a citada deliberação da AG é um acto de eficácia interna da referida sociedade, não oponível à AT.
Vejamos.
5.1. O art. 5º do CIRC, sob a epígrafe «Transparência fiscal», dispunha (na redacção à data dos factos):
«1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a) …
b) Sociedades de profissionais;
c) …
2 - …
3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
4 - Para efeitos do disposto no Nº 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais a constituída para o exercício de uma actividade profissional constante da lista anexa ao código do IRS, em que todos os sócios sejam profissionais dessa actividade e desde que estes, se considerados individualmente, ficassem abrangidos pela categoria dos rendimentos do trabalho independente para efeitos do IRS;
b) …
c) …».
5.2. Por sua vez o art. 19º do CIRS, sob a epígrafe «Imputação especial», dispunha (na redacção à data):
«1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 5º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efectuada nos termos e condições dele constantes.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respectivas importâncias integrar-se-ão, como rendimento líquido, na categoria B no caso previsto na alínea b) do Nº 1 do artigo 5º do Código do IRC e nas categorias C ou D nas demais situações previstas nesse artigo, conforme os casos.»
5.3. Por seu lado, o art. 22º do Código das Sociedades Comerciais, sob a epígrafe «Participação nos lucros e perdas», dispõe:
«1 - Na falta de preceito especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores nominais das respectivas participações no capital.
2 - Se o contrato determinar somente a parte de cada sócio nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte nas perdas.
3 - É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria.
4 - É nula a cláusula pela qual a divisão de lucros ou perdas seja deixada ao critério de terceiro.»
5.4. Como se viu, a recorrente Fazenda Pública alega que a correcção efectuada e a consequente liquidação (ora questionadas) estão feitas de acordo com a lei, dado que, quer do art. 5° do CIRC (redacção à data), quer do art. 7º do Pacto Social da sociedade aqui em causa resulta explicitamente que será sempre imputado a todo e qualquer sócio, parcela maior ou menor da matéria colectável da sociedade, apenas não sendo imperativo que essa imputação seja proporcional à sua participação social (capital de que seja titular). E, como assim, uma vez que estas disposições, bem como o art. 22º do CSComerciais, impedem que se exclua integralmente qualquer sócio da distribuição da matéria colectável da sociedade, então a sentença, ao julgar que a correcção praticada apenas se poderia fazer com fundamento na nulidade ou ineficácia (se julgada pelos tribunais competentes) da deliberação social tomada pela AG da sociedade, em 20/3/1992 (que exclui o recorrido de qualquer participação nos respectivos lucros), enferma do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulabilidade – arts. 133° e 135° do CPA.
O recorrido entende, por sua parte (cfr. Conclusões 17ª a 41ª das contra-alegações), que a AT não pode, por si própria, apreciar e decidir da suposta nulidade da deliberação social de 20/3/1992 da sociedade ou do art. 7º do contrato social desta, sendo que a imputação feita constitui uma ficção, que, para além do mais, viola um dos pressupostos da incidência do imposto que é o da existência de rendimentos (art. 1º do CIRS), acrescendo que, dado estarmos perante uma sociedade civil profissional, não é aplicável o disposto no art. 22° do CSC e também nem em face do disposto no art. 994º do CCivil (disposição idêntica ao art. 22º do CSC) que é a aplicável às sociedades civis, o recorrente tem razão, pois o que ali se proíbe é o chamado pacto leonino (ou seja, a cláusula inserta no próprio pacto social, que determine a exclusão de determinado sócio da comunhão nos lucros ou o isente de participar nas perdas), mas, no caso vertente, não existe cláusula no pacto constitutivo que exclua qualquer dos sócios da comunhão nos lucros ou, sequer, que limite o respectivo direito aos lucros de forma desrazoável ou desproporcionada, não sendo isso que sequer resulta da Cláusula 7ª do Pacto Social: na qual se estabelece, somente, de acordo com o estabelecido no Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, que a distribuição dos lucros se fará de acordo com o que for deliberado em Assembleia Geral dos Sócios.
5.5. Por razões de «neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios» o CIRC adoptou, em relação a certas sociedades, um regime de transparência fiscal, que se caracteriza pela «imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição» (cfr. segmento final do Nº 3 do Preâmbulo do CIRC, bem como, entre outros, o ac. deste STA, de 3/10/2001, rec. nº 026353, in Ap. DR, de 13/10/2003, pp. 2183 a 2188).
Ou seja, do que decorre do art. 5º do CIRC e do art. 19º do CIRS supra transcritos, neste regime de transparência fiscal a lei vê os rendimentos da sociedade sujeitas a tal regime como sendo rendimentos próprios dos seus sócios, imputando-se a cada um a parte do lucro que lhes corresponda. Considerando embora a matéria colectável gerada no âmbito da actividade da sociedade, a lei abstrai da personalidade colectiva desta e procede à imputação dessa matéria colectável à esfera patrimonial dos respectivos sócios ou membros (integrando-a, portanto, na respectiva matéria colectável destes em sede de IRS, no que aos autos interessa, por se tratar de pessoas singulares).
Reportando-se à definição legal das sociedades de profissionais constante deste art. 5º (actual art. 6º) do CIRC, salienta Rui Morais (Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, 2008, p. 210) que «Parece ainda resultar da lei que todos os sócios têm que exercer (ainda que não em exclusivo) actividade profissional na sociedade (o que afasta a existência de sócios cuja contribuição seja apenas de capital)», acrescentando, ainda, reportando-se à regra de imputação constante do nº 3 daquele art. 5º do CIRC (conjugada com o disposto no art. 19º do CIRS ― actual art. 20º) que «A obrigação de imputação existe independentemente de qualquer distribuição efectiva (429) o que, reconheça-se, pode originar dificuldades aos sujeitos passivos (sócios) que podem ter de pagar imposto por um rendimento que não receberam, p. ex. por a maioria, em assembleia geral, ter decidido não haver lugar a qualquer distribuição de lucros (ou uma distribuição em montante inferior ao necessário para o pagamento do imposto).» - Ibidem, pp. 214 e 215.
Como também parece decorrer do referido Nº 3 do preâmbulo do CIRC: «imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição».
Também Magalhães Correia (A Transparência Fiscal das Sociedades de Profissionais, in Fisco, nº 7, Abril 1989, pp. 3/8) escreve a este respeito: «A redacção deste preceito é pouco feliz, pois a referência ao acto constitutivo, que é o contrato de sociedade, não permite responder satisfatoriamente a um conjunto de situações relevantes. (…)
A compreensão do artigo 5º, nº 3, do Código do IRC passa, em nossa opinião, pela correcta percepção da incidência prática do princípio da capacidade contributiva, que é normalmente encarado, até pelo legislador constituinte, como um ponto de vista fundamental na decisão dos problemas financeiros.
Na verdade, dentre os vários argumentos favoráveis ao sistema de transparência fiscal avulta o de que ele permite, em regra, substituir o imposto proporcional sobre sociedades pelo imposto sobre pessoas singulares, melhor adaptado à capacidade contributiva dos sócios. Ora, como se sabe, esta capacidade contributiva dos sócios varia na razão directa dos lucros a que tenham direito.
Neste aspecto reside a essência do problema, como, aliás, o legislador teve exacta percepção ao afirmar, no relatório preambular ao Código do IRC, que o regime de transparência é “caracterizado pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição”.
Pena é que uma razão normativa de meridiana clareza tenha sido deficientemente expressa na lei: o artigo 5º, nº 3, do Código do IRC, ao estabelecer que a imputação é feita “nos termos que resultarem do acto constitutivo”, pretendia afinal significar que essa atribuição é feita aos sócios consoante a sua participação nos lucros, apurada através do acto constitutivo ou de outro elemento probatório.»
No caso, a AT procedeu à correcção e à consequente liquidação do IRS relativo ao impugnante, nos termos que entendeu serem os resultantes, quer do art. 5° do CIRC (redacção à data), quer do art. 7º do Pacto Social da sociedade, desconsiderando, porém, a deliberação, formalizada por acta de 20/3/1992, da assembleia geral da sociedade em causa, segundo a qual foi «aprovado por unanimidade que o lucro tributável no valor de dez milhões, cento e dezasseis mil, oitocentos e quarenta e seis escudos fosse distribuído da seguinte forma: Novecentos e trinta e seis mil setecentos e cinco escudos, ao Doutor C……; Sete milhões novecentos e seis mil cento e trinta escudos ao Doutor D…… e um milhão duzentos e setenta e quatro mil e onze escudos ao Doutor E……».
Não sofre dúvida que a imputação da matéria colectável aos sócios da sociedade sujeita ao regime de transparência, há-de ser feita de acordo com o regime decorrente do citado art. 5º (actual art. 6º) do CIRC, sendo, assim, irrelevante, nesse âmbito e para tais efeitos e na parte em que colide com tal regime, a deliberação da assembleia-geral aqui questionada.
Com efeito, daquele preceito resulta claramente que o legislador não pretendeu deixar a imputação da matéria colectável na disponibilidade dos sócios e que tal imputação só pode ocorrer de acordo com as regras estabelecidas no pacto constitutivo da sociedade, ou, na ausência delas ou de outros elementos, em partes iguais.
Ora, mesmo considerando que a «a imputação não se confunde com a distribuição de lucros» - estes podem não ser distribuídos, ou podem ser distribuídos em quantia inferior - (daí que a imputação de rendimentos deva efectuar-se no ano a que respeitam e não no ano seguinte – cfr. Brás Carlos, Sociedades de Profissionais - Notas Sobre a Circular nº 8/90 da DGCI, in Fisco nº 19, Abril 1990, p. 10), afigura-se-nos que, tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (cfr. nº 1 do art. 103º da CRP), aquela imputação de matéria colectável «nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais» se há-de reconduzir, ainda assim, a uma ficção legal, rectius, a uma presunção legal que, face ao disposto no art. 73º da LGT (que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis) deverá ter-se por ilidível, sendo que, para os efeitos previstos nesse art. 73º e no art. 64º do CPPT, deve entender-se, igualmente, como aponta Jorge de Sousa ― CPPT, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011, anotações 2 e 3 ao art. 64º, pp. 585 a 588 (( ) (Sobre esta matéria, cfr. também Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., p 126 e Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, p. 56, citados no local indicado.) ) ― que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata (as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação») e não apenas na acepção mais restrita (normas que indicam o sujeito passivo e a definição da matéria colectável, sem abranger a sua determinação).
E dado que, como igualmente refere este mesmo autor (anotação 5, pp. 589 e ss.) as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão «presume-se» ou semelhante, mas «também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva», quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores, afigura-se-nos que, no caso, sendo o rendimento colectável de IRS «o que resulta do englobamento das várias categorias auferidos em cada ano» (art. 22º do CIRS), também aqui é de concluir (como o dito autor conclui para vários casos que exemplifica em sede de IRS e de IRC) que «as normas que ficcionam valores para efeitos de determinar a medida dos rendimentos contêm presunções implícitas, já que não se pode aceitar, à face do princípio constitucional da igualdade, que se queiram tributar rendimentos inexistentes; por isso, as ficções de valores de matéria tributável foram introduzidas na lei no pressuposto de que correspondem à realidade os valores determinados por via de presunção.
Em situações deste tipo, está-se perante a aplicação de presunções contidas em normas de incidência objectiva (conceito em que se englobam as normas sobre determinação da matéria tributável de natureza substantiva, como é jurisprudência assente do TC), pelo que os interessados podem ilidi-las, ao abrigo do disposto no art. 73° da LGT, e fazer uso do procedimento de ilisão de presunções previsto neste art. 64° do CPPT; é admissível ilidir as presunções implícitas porque o que se pretende «sempre» é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por esta razão, de se querer «sempre» tributar valores reais, que o art. 73° da LGT permite «sempre» ilidir presunções.
É esta a interpretação que está em sintonia, por um lado, com o princípio enunciado no art. 11°, n° 3, da LGT de que, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias «deve atender-se à substância económica dos factos tributários» e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real dos factos tributários: como a tributação de rendimentos inexistentes conduziria a que quem os não teve fosse tributado como quem os teve e tal ofende o princípio da igualdade, é «sempre» possível demonstrar a realidade dos rendimentos, ilidindo o que se presume nas normas relevantes para a fixação de valores para o seu cálculo.
Pode tributar-se com base em ficções de rendimentos, quando a lei os presume, mas só se pode fazê-lo porque se presume que os valores dos rendimentos ficcionados são os que correspondem à realidade, admitindo-se «sempre» a prova de que há dissonância entre os rendimentos ficcionados e a realidade.» (ibidem, pp. 590/591).
5.6. Ora, retornando ao caso dos autos, vemos que a sentença recorrida julgou procedente a acção, fundamentando-se, no essencial, em que a correcção praticada pela AT enferma de erro nos respectivos pressupostos, dado que essa entidade não pode apreciar e decidir, em processo gracioso, da nulidade do acto jurídico substanciado na mencionada deliberação da AG da sociedade de profissionais aqui em causa; tal correcção apenas poderia ser efectuada com fundamento na nulidade ou ineficácia dessa deliberação social, se julgada pelos tribunais competentes – arts. 280º, 286°, 289° e 295°, do CCivil e 33º, n° 2, do CPT.
Não sufragamos, porém, esta fundamentação.
Diga-se, aliás, que embora o nº 2 deste art. 33º do CPT (na redacção à data dos factos, ou seja, antes da revogação desse artigo operada pelo art. 2º do DL nº 398/98, de 17/12, que aprovou a LGT) se refira à suspensão do prazo de caducidade até ao trânsito em julgado da decisão que julgue a acção judicial instaurada no caso de situações litigiosas, este normativo deverá articular-se com o também disposto no nº 2 do art. 32º do mesmo CPT, que então estabelecia:
«Actos nulos ou anuláveis
1 - Os actos ou negócios jurídicos nulos ou anuláveis constantes de documentos autênticos produzem os correspondentes efeitos jurídico-tributários enquanto não houver decisão judicial a declará-los nulos ou a anulá-los, salvo as excepções expressamente previstas nas leis tributárias.
2 - A decisão judicial referida no número anterior implica a não tributação dos respectivos actos ou negócios jurídicos, sem prejuízo, porém, da tributação dos actos ou negócios jurídicos que subsistam
Estes preceitos, reportam-se, pois, a actos nulos ou anuláveis, contemplando o nº 2 do art. 32º a tributação dos actos ou negócios jurídicos em que se converteram os actos ou negócios jurídicos nulos ou anulados (art. 293° do CCivil).
Não se nos afigura ser esse o caso dos autos, já que a AT não põe em causa a autenticidade da deliberação da mencionada assembleia geral da sociedade: a correcção operada pela AT é feita não porque entenda que aquela deliberação não tenha ocorrido ou se tenha deliberado, com simulação, coisa diferente do que dela consta; tal correcção é efectuada no entendimento de que, proibindo o nº 3 do art. 22º do CSComerciais que um sócio seja excluído dos lucros e dispondo-se no nº 3 do art. 5º do CIRC que a imputação da matéria colectável da sociedade é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais, irreleva, então e por consequência, civil e fiscalmente, quer o estabelecido na Cláusula 7ª do Pacto Social da sociedade (onde se prevê que compete à AG anual da sociedade determinar a distribuição dos respectivos lucros), quer o deliberado na assembleia geral de 20/3/2002, relevando, antes, para se apurar o rendimento tributável (em sede de IRS) do impugnante, o disposto na parte final do citado nº 3 do art. 5º do CIRC: «na falta de elementos, em partes iguais».
Ora, sendo certo que, no âmbito do IRS, compete à AT apurar o rendimento colectável, com base na declaração do sujeito passivo e noutros elementos de que disponha (cfr. o nº 1 do art. 66º do CIRS – na redacção à data dos factos), mas podendo corrigir a liquidação, se for caso disso, dentro dos cinco anos seguintes àquele a que o rendimento respeita (cfr. nº 2 do art. 78º e art. 81º, ambos do CIRS – redacção à data) e estabelecendo, ainda, o art. 82º do mesmo CIRS (correspondente ao actual art. 90º) que «Sempre que, relativamente às entidades que se aplique o regime definido no artigo 19º, haja lugar a correcções que determinem alteração dos montantes imputados aos respectivos sócios ou membros, os serviços referidos no artigo 77º procederão à reforma da liquidação efectuada àqueles, cobrando-se ou anulando-se em consequência as diferenças apuradas», não se vê que a AT estivesse impedida de proceder à correcção aqui questionada, com o fundamento de que não instaurou acção judicial destinada a obter a nulidade ou a ineficácia de tal deliberação.
E, contrariamente ao alegado pelo recorrido (cfr. Conclusões 17ª e segts. das contra-alegações), a AT não está, por si própria, a apreciar e decidir da suposta nulidade da citada deliberação social de 20/3/1992 da sociedade ou da Cláusula 7ª do contrato social, ou a aferir da validade desta Cláusula face ao então disposto no art. 25º do DL nº 513-Q/79, de 26/12 (Regime Jurídico das Sociedades de Advogados) ― a que actualmente corresponde o art. 32° do DL nº 229/2004, de 10/12 ― mas, apenas, a proceder a uma correcção que a lei lhe permite efectuar, face aos elementos de que disponha.
5.7. Todavia, porque, como acima se disse, a imputação de matéria colectável estabelecida nos nºs. 1 e 3 do art. 5º do CIRC (redacção à data) e no art. 19º do CIRS (redacção à data) se há-de reconduzir, ainda assim, a uma presunção legal que, face ao disposto no art. 73º da LGT deve ter-se por ilidível (embora o ónus de tal ilisão caiba ao contribuinte) importará, então, apurar se o recorrente logrou ilidi-la (saliente-se que, apesar de à data não estar ainda em vigor a LGT, nem por isso, face até ao então disposto quer no art. 120º do CPT, quer aos princípios da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva, e da repartição justa dos rendimentos e riqueza - nº 1 do art. 103º da CRP - a presunção aqui em causa deixava de poder ser ilidível).
Ora, da factualidade que vem provada (cfr. nomeadamente os nºs. 5 a 7 do Probatório) verifica-se que tendo a sociedade sujeita ao regime de transparência declarado, no exercício aqui em causa (1991) a matéria colectável de 10.116.846$00 (matéria colectável esta que não foi questionada pela AT) a invocada deliberação da assembleia geral de 20/3/1992 determinou, afinal, que a totalidade do «lucro» fosse distribuída pelos sócios C…… (936.705$00), D.….. (7.906.130$00) e E……. (1.274.011$00), quantias estas que perfazem o total de 10.116.846$00, que é, precisamente, o correspondente à matéria colectável (ou, no dizer do nº 5 do Probatório supra, ao «lucro tributável») declarada pela sociedade no exercício de 1991.
E se assim é, então, independentemente da actuação da AT (que se limitou a imputar a matéria colectável da sociedade aos respectivos sócios, de acordo com o disposto na parte final do nº 3 do art. 5º do CIRC), mas admitindo-se a possibilidade de ser ilidida a presunção inerente à questionada imputação, importava, a nosso ver, nesta sede de impugnação da liquidação (em que o impugnante invoca a ilegalidade da correcção assim operada pela AT, alegando que a totalidade dos rendimentos foi repartida pelos outros referidos sócios), apurar, ao menos, a matéria de facto atinente a tal alegação, nomeadamente apurar se aquela matéria colectável assim imputada apenas aos restantes sócios foi, ou não, objecto de tributação (por ter sido incluída, por exemplo, nas declarações de rendimentos de IRS do ano de 1991 desses sócios), factualidade esta que, no caso, se mostra com interesse para a decisão, dado que, se assim for, a correcção operada (Esc. 2.023.369$00) ao rendimento de IRS do sócio ora recorrente, poderia levar, na prática, a uma matéria colectável (em sede de IRC) de Esc. 12.116.846$00, que não foi a declarada pela sociedade, sendo que, como salienta Manuel Faustino «o cerne do regime da transparência fiscal continua a ser, no IRC, a imputação aos sócios das sociedades a ele sujeitas, «da matéria colectável, determinada nos termos deste Código» (A opacidade da transparência fiscal, in Revista da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, TOC, Ano X, Nº 111, Junho 2009, pp. 28/31).
Ou seja, quer em face da base fundamentadora do acto de liquidação impugnado, quer em face do teor da deliberação da assembleia geral da sociedade, a averiguação daquela factualidade sempre poderá condicionar o juízo valorativo da ilisão da falada presunção resultante da imputação ao recorrente, nos termos do art. 5º do CIRC, da quantia de Esc. 2.023.369$00 a título de rendimento para efeitos do art. 19º do CIRS (redacção à data). Averiguação que se impõe, até, à luz do então disposto no art. 40º do CPT (actual art. 13º do CPPT) e do princípio do inquisitório pleno (ali consagrado) no processo judicial tributário.
5.7. Em suma, considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional (pois que a decisão pressupõe uma realidade de facto que não vem pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por o STA carecer de poderes de cognição relativamente a essa matéria) torna-se essencial que o tribunal “a quo” proceda à ampliação e especificação dessa matéria de facto pertinente ao julgamento da causa.
Impõe-se, pelo exposto, revogar, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 729º e no nº 3 do art. 722º, ambos do CPC, a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se acima se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.
DECISÃO
Termos em que se acorda em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que decida após ampliação da pertinente matéria de facto para a aplicação do direito, de acordo com o regime supra fixado.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) – Ascensão Lopes – Fernanda Maçãs.