Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0743/17.0BALSB
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:LEI DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
RECURSO JURISDICIONAL
PRAZO DE RECURSO
Sumário:I - Nos processos submetidos ao regime da LPTA, os recursos jurisdicionais devem ser interpostos no prazo de dez dias, contados da notificação da decisão, ao que eventualmente se segue o despacho de admissão do recurso e a apresentação das alegações.
II - O disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, sobre a aplicação no tempo do regime de recursos introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, não alterou o regime dos recursos regidos pela LPTA, aos quais se continuaram a aplicar, em tudo aquilo que nela não está expressamente previsto, as disposições do CPC95.
Nº Convencional:JSTA000P25938
Nº do Documento:SA1202005210742/17
Data de Entrada:06/21/2017
Recorrente:JUNTA DE FREGUESIA DE BARCELINHOS
Recorrido 1:A......... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. A JUNTA DE FREGUESIA DE BARCELINHOS - identificada nos autos – recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 8 de abril de 2016, que julgou parcialmente procedente a ACÇÃO ORDINÁRIA instaurada por A…………., entretanto falecido e sucedido por B………….., condenando a Ré a reconhecer que o jazigo do A. ocupa uma parcela de terreno do Cemitério de Barcelinhos que lhe foi concessionada para o efeito, e a proceder à reforma do respetivo alvará de concessão.

2. Inconformada com esta decisão, que lhe foi notificada por carta datada de 12 de abril de 2016 – cfr. fls. 1163 –, a Ré interpôs recurso jurisdicional mediante requerimento de interposição de recurso e alegações, apresentados em 16 de maio de 2016 – cfr. fls. 1168 ss.

3. O recurso foi admitido por despacho do juiz a quo, de 20 de Setembro de 2016 – cfr. fls. 1203 e 1204.

4. O A. e ora recorrido não contra-alegou.

5. Por despacho do relator de 28 de Abril de 2017 – cfr. fls. 1225 e 1226, o TCAN declarou-se incompetente para conhecer do recurso, em razão da hierarquia, dado tratar-se de um processo instaurado antes da entrada em vigor do CPTA e do ETAF2002, remetendo os autos a este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO.

6. Por despacho do relator no STA, de 4.2.2020 – cfr. fls. 1252, o Ministério Público e as partes foram ouvidos sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso, por extemporaneidade, dado que ao mesmo é aplicável o regime de recursos jurisdicionais da LPTA, cujo artigo 102.º da LPTA remete para o artigo 685.º do CPC, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, que estabelece um prazo de interposição do recurso de 10 dias.

7. Apenas a recorrente se pronunciou, opondo-se ao não conhecimento do recurso, por entender que a remissão do artigo 102.º da LPTA é feita para o artigo 685.º do CPC, mas na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, que estabelece um prazo de interposição do recurso de 30 dias.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Matéria de facto


9. A factualidade relevante para a presente decisão é a constante do Relatório.


III. Matéria de Direito

10. A presente ação foi proposta antes da entrada em vigor do CPTA, pelo que a mesma se rege pelas disposições da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de julho, ex-vi do disposto no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou aquele código.
Assim, e previamente à apreciação do mérito do recurso ora interposto, coloca-se a questão da sua tempestividade, que é de conhecimento oficioso – cfr. artigo 641.º/2 do CPC –, pois o mesmo foi interposto para além do prazo de dez dias que lhe era aplicável por força do citado diploma legal.
Com efeito, nos termos do artigo 102.º da LPTA «os recursos ordinários de decisões jurisdicionais regem-se pela lei de processo civil», sendo-lhes por isso aplicáveis o regime previsto no n.º 1 do artigo 685.º, e n.º 2 do artigo 698.º, do Código de Processo Civil, na versão anterior à entrada em vigor do DL 303/2007 (CPC95). Nos termos conjugados destas duas disposições, os recursos jurisdicionais interpunham-se em dois tempos: num primeiro momento manifestava-se a intenção de recorrer mediante a apresentação de um requerimento de interposição de recurso, dentro do prazo fixado para o efeito, e só com a notificação do seu despacho de admissão é que começava a correr o prazo para a apresentação das respetivas alegações.
Segundo o disposto no citado n.º 1 do artigo 685.º do CPC95, «o prazo para a interposição dos recursos é de dez dias, contados da notificação da decisão», pelo que, tendo a ora recorrente sido notificada da sentença recorrida a 12 de abril de 2016 – cfr. fls. 1163 – deveria ter manifestado a sua intenção de recorrer da sentença nos dez dias subsequentes à referida notificação, decorrida a dilação postal, i.e., até ao dia 26 de abril de 2016, ou nos três dias úteis imediatamente seguintes, i.e. até ao dia 29 de abril de 2016 – cfr. art. 139º, n.º 5 do CPC95.
Tendo o recurso sido interposto apenas a 16 de maio de 2016, tem de se concluir que o mesmo é extemporâneo, dado que o decurso de um prazo perentório para a prática de um ato extingue o direito de o praticar – artigo 193.º/3 do CPC.

11. Esta questão não é nova e o entendimento agora expresso é unanime na jurisprudência deste Tribunal, como decorre, entre outros, dos Acórdãos de 22 de fevereiro de 2011, proferido no Processo n.º 01019/10, de 27 de novembro de 2016, proferido no Processo n.º 0871/16, de 7 de dezembro de 2016, proferido no Processo n.º 0816/16, e de 17 de maio de 2018, proferido no Processo n.º 0262/18.
A recorrente alega, contudo, que a remissão operada pelo artigo 102º da LPTA não é material, pelo que «é para o art. 685 do CPC na versão do Decreto-Lei 303/2007», sendo, em consequência, de 30 dias o prazo para a interposição de recurso. Isto porque o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Novo Código de Processo Civil (NCPC), determina que «os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrentes do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil».
Mesmo admitindo que aquela remissão não é material, e não pondo em causa a leitura que faz da sucessão de leis processuais civis no tempo, a recorrente não tem razão.
Por um lado, porque o CPC só é aplicável subsidiariamente, na medida em que a LPTA não estabeleça o regime do recurso e, por outro, porque aquela remissão é feita com a ressalva das «necessárias adaptações» - cfr. art. 102.º da LPTA.
Ora, ao dispor no seu artigo 106º sobre o prazo para apresentação de alegações, contado, para o recorrente, «da notificação do despacho de admissão do recurso e, para o recorrido, do termo do prazo do recorrente», é manifesto que o novo regime de recursos estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 não é compatível com o regime estabelecido na LPTA, que continua a pressupor o modelo assente no dualismo recursório, em que o recorrente manifesta a sua intenção de recorrer dentro do prazo de interposição do recurso, e apenas alega após a sua admissão.
Foi isso mesmo que se afirmou no Acórdão de 27 de outubro de 2016, atrás citado:

«Como se depreende do art. 106º da LPTA, o aqui recorrente tinha de manifestar a sua vontade de recorrer da sentença nos dez dias subsequentes à notificação dela – ou nos três dias úteis imediatamente seguintes (art. 139º, n.º 5, do CPC). Ao que se seguiria o «despacho de admissão do recurso», referido nesse art. 106º, e a subsequente entrada na fase das alegações, sensu proprio.
E convém assinalar a absoluta impossibilidade desse prazo de dez dias ser acrescido do igual tempo a que hoje se refere o art. 638º, n.º 7, do CPC (já previsto no art. 685º, n.º 7, do CPC anterior). É que aquele primeiro prazo destina-se à simples manifestação da vontade de recorrer; e o último prazo, de igual magnitude, é explicável por uma outra coisa – pelo modo como se irá exercer a actividade recursiva.»

De onde se conclui que, não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013 sobre a aplicação no tempo do regime de recursos introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, aos recursos regidos pela LPTA continuaram a aplicar-se, em tudo aquilo que nela não está expressamente previsto, as disposições do CPC95.

12. Também não assume qualquer relevância o facto de o recurso ter sido tabularmente admitido pelo tribunal a quo, pois tal admissão é sempre provisória e não vincula o tribunal ad quem, que tem a faculdade de rever essa decisão, por lhe caber aferir dos pressupostos legais da regularidade e legalidade da instância de recurso jurisdicional oficiosamente, podendo implicar o não conhecimento do objeto do recurso.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em não conhecer do objeto do recurso.

Custas pela recorrente. Notifique-se

Lisboa, 21 de maio de 2020. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – Maria do Céu Neves – Carlos Carvalho.