Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0259/11
Data do Acordão:06/01/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IRS
APOIO
COOPERATIVA
COOPERANTE
EDUCAÇÃO
Sumário:I - O IRS incide, entre outros, sobre os rendimentos do trabalho dependente, considerando-se integrados nestes, além do mais, as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica.
II - O apoio à educação escolar concedido por uma cooperativa de ensino aos filhos dos seus cooperadores não tem, para estes, a natureza de rendimento tributável em sede de IRS, categoria A, porquanto o direito ao mesmo não resulta da qualidade de trabalhador dependente nem tem qualquer conexão com a prestação de trabalho.
Nº Convencional:JSTA00067008
Nº do Documento:SA2201106010259
Data de Entrada:03/17/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART2 N3 C.
DL 248-A/2002 DE 2002/11/14.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, residente em Cascais, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IRS, referentes aos anos de 1997 e 1998, e respectivos juros compensatórios, dela interpôs recurso para o TCAS, formulando as seguintes conclusões:
I. A comparticipação com a educação dos filhos não pode ter a natureza de rendimento porque o direito não resulta da qualidade de trabalhador dependente, ou a qualquer outro vínculo laboral ou a qualquer outra actividade ou relação económica, mas sim e tão só resultou da qualidade de cooperador subscritor de um título representativo do capital social da B…, cooperativa titular da C….
II. O recorrente só exerceu na B…/C… funções docentes e prestações de serviços entre Novembro de 1998 e Setembro de 1999.
III. Para que possa aplicar-se o disposto no artigo 2.º do CIRS é necessário que haja trabalho dependente, ou seja, que haja uma relação de subordinação jurídica.
IV. Não podia, assim, o tribunal a quo qualificar aquelas contribuições com a educação dos filhos como um rendimento sobre o qual incide imposto, pois tal interpretação viola o disposto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.
V. Também nunca tais regalias podem ser qualificadas na categoria E do IRS porquanto não resultam de qualquer distribuição de resultados ou aplicações financeiras.
VI. Não havendo facto tributário, não pode haver liquidação tributária, e muito menos notificação oficiosa de liquidação tributária de rendimentos sobre os quais nem sequer havia obrigação de declaração tributária relativamente aos anos de 1997 e 1998.
VII. Há assim uma errada qualificação e quantificação dos factos e uma errada e errónea aplicação do direito, pressuposta na nota de liquidação oficiosa do IRS ora impugnada.
VIII. Assim, deve ser declarada a inexistência e nulidade absoluta da nota de liquidação oficiosa do IRS de 1997 e 1998, objecto desta impugnação, que evidencia à saciedade uma conduta da administração fiscal desconforme com as Leis da República, aos princípios do Estado de Direito Democrático e Constitucional, uma vez que a notificação oficiosa do IRS de 1997 e 1998 está viciada absolutamente por inexistência de facto tributário e por errónea qualificação dos rendimentos.
IX. A não aplicação ao recorrente do regime excepcional previsto no Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14/11, configura uma manifesta violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da justiça (artigo 103.º da CRP).
X. A decisão do tribunal a quo violou o artigo 2.º do CIRS e os artigos 13.º, 18.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por decisão sumária do Exmo. Relator, o TCAS declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por ser para o efeito competente a Secção de Contencioso Tributário do STA.
Aqui remetidos os autos, o Exmo. PGA emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Mostram-se provados os seguintes factos:
A) No âmbito de acção de fiscalização, a Administração Fiscal considerou as importâncias pagas ao impugnante, a título de propinas, pela B…, como rendimentos da categoria A, referente a IRS, dos anos de 1997 e 1998, no montante total de € 6.929,08, constando no relatório:
“…Na sequência da visita de fiscalização efectuada à B…, NIPC …, constatou-se que nos anos de 1997 e 1998 foram contabilizados pagamentos em seu nome a título de «Pagamentos de Propinas» no montante de 2.166,10 euros (434.264$00) - 1997 e 4.762,98 euros (954.892$00) - 1998 …
A B… ao subsidiar os estudos dos filhos dos seus cooperadores/colaboradores/professores apenas quis compensá-los pelas despesas por eles efectuadas, e essa compensação representa um benefício ou regalia. Acrescenta-se ainda que os subsídios que não são objecto de tributação em IRS vêm consignados na lei, tais como, e a título de exemplo, o subsídio de refeição, na parte em que não exceda os limites legais, o subsídio de desemprego, subsídio de doença, apenas na parte que é atribuída à Segurança Social.
Apesar da Cooperativa B…ter aprovado (por unanimidade) um sistema de comparticipação nas despesas com a educação dos filhos de todos os seus Cooperadores, não deixa de ser um benefício ou regalia auferido em razão do vínculo laboral (alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS).
A qualidade de trabalhador sobrepõe-se à de subscritor de capital social da C…. Na verdade, qualquer verba paga a um detentor de capital social ou é rendimento da categoria A ou da categoria E. Como a cooperativa não distribui resultados, os valores pagos ao professor, que também é cooperador, assumem, por força da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, a qualidade de rendimentos da categoria A.” - cfr. fls. 16 a 21 do processo administrativo tributário apenso;
B) O Chefe de Divisão por delegação do Director de Finanças da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho, em 04/04/2002, no qual “nos termos do art.º 65.º do CIRS, altero, concordando com os fundamentos constantes do relatório da Inspecção Tributária, os valores declarados e que foram sujeitos a correcção” nos seguintes termos:
- IRS de 1997, Categoria A, “Valor declarado: 21.941,31 € - Corrigido para: 24.101,41 €” - cfr. fls. 6 do processo administrativo tributário apenso;
C) O Chefe de Divisão por delegação do Director de Finanças da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho, em 04/04/2002, no qual “nos termos do art.º 65.º do CIRS, altero, concordando com os fundamentos constantes do relatório da Inspecção Tributária, os valores declarados e que foram sujeitos a correcção” nos seguintes termos:
- IRS de 1998, Categoria A, “Valor declarado: 33.520,94 € - Corrigido para: 38.283,92 €” - cfr. fls. 10 do processo administrativo tributário apenso;
D) Na sequência da correcção referida em A) e C), o impugnante foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 5323643942, relativa ao ano de 1997, no valor total a pagar: € 1.053,08, com data limite de pagamento: 06/11/2002 - cfr. fls. 20;
E) Na sequência da correcção referida em A) e C), o impugnante foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 5323204179, relativa ao ano de 1998, no valor total a pagar: € 2.071,96, com data limite de pagamento: 02/10/2002 - cfr. fls. 22;
F) Em 27/12/2002, foram apresentados os presentes autos de impugnação - cfr. carimbo, a fls. 2;
G) O impugnante era cooperador da B… - cfr. artigo 13.º da petição inicial, a fls. 3;
H) “Na B…, os cooperadores são chamados a assumir pesadas responsabilidades pessoais e patrimoniais, sem terem qualquer compensação para além da que lhe advém da remuneração da prestação de trabalho, e mesmo nestes casos, muitas vezes com salários sensivelmente inferiores aos praticados no mercado, pelo que se delibera:
Um - Apoio à educação escolar dos filhos dos cooperadores …” cfr. Acta da Assembleia Geral da B…, realizada em 29/03/1996, a fls. 8 a 15, especialmente fls. 10 e 11;
I) O impugnante exerceu na B…/C… funções docentes e prestação de serviços entre Novembro de 1998 e Setembro de 1999 - cfr. artigo 14.º da petição inicial, a fls. 4;
J) O impugnante efectuou o pagamento, por Multibanco, das liquidações referidas em D) e E) - cfr. fls. 20 a 23;
K) O impugnante foi convidado, por carta com data de 22/11/2002, a regularizar as dívidas em atraso, ao abrigo do DL n.º 248.º-A/2002, de 14 de Novembro, “devendo para o efeito dirigir-se ao Serviço de Finanças da sua área de residência ou sede, onde lhe serão facultados os necessários esclarecimentos” - cfr. fls. 24.
III - Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IRS, referentes aos anos de 1997 e 1998, resultantes das correcções efectuadas pela AF, ao considerar como rendimentos da categoria A, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 3, alínea c) do CIRS, as importâncias que lhe foram pagas pela B…, a título de “pagamentos de propinas”,
Para tanto, considerou a Mma. Juíza a quo que tais rendimentos, independentemente da designação dada ao montante recebido, consubstanciavam uma comparticipação ou regalia associada a uma relação laboral, tanto mais que o impugnante exerceu na B… funções docentes e prestação de serviços e, como tal, sobre eles incide imposto.
Vejamos. A questão fundamental do presente recurso é a de saber, pois, se as importâncias pagas ao ora recorrente pela B…, a título de contribuições com a educação dos filhos, nos anos de 1997 e 1998, deve ou não ser considerada como rendimento de trabalho dependente, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, como entendeu a AF e confirmou o Tribunal a quo.
Como vimos, a Mma. Juíza a quo considerou que tais rendimentos, independentemente da designação dada ao montante recebido, consubstanciavam uma comparticipação ou regalia associada a uma relação laboral, tanto mais que o impugnante exerceu na B… funções docentes e prestação de serviços e, como tal, sobre eles deveria incidir imposto.
O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares incide, entre outros, sobre os rendimentos do trabalho dependente, considerando-se integrados nestes, além do mais, as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica.
As importâncias aqui em causa resultaram de deliberação de assembleia geral da B… que entendeu conceder apoio à educação escolar dos filhos dos seus cooperadores, entre os quais o impugnante, ora recorrente (v. alínea H) do probatório).
E, para este, não há dúvida que tal apoio constitui, de facto, um benefício ou regalia recebido.
A questão está em saber se tal rendimento foi ou não recebido devido à prestação de trabalho ou em conexão com ela.
Ora, a esse respeito, o que resulta do probatório é que o recorrente, não obstante ter exercido na B… funções docentes e prestação de serviços, ainda que em período temporal só parcialmente coincidente com o período a que se reporta o imposto (este respeita a 1997 e 1998 e o impugnante trabalhou na B… apenas entre Novembro de 1998 e Setembro de 1999), o certo é que o referido apoio não foi atribuído pela B… aos filhos dos seus trabalhadores mas apenas aos filhos dos seus cooperadores, que necessariamente podem não coincidir com aqueles, sendo que o impugnante era seu cooperador (v. alíneas G), H) e I) do probatório).
É certo que se admite haver cooperadores que também possam ser trabalhadores da B… e, nessa medida, receberem remuneração por essa prestação de trabalho, mas daí não se pode extrair a ilação de que o apoio aprovado conceder o foi devido à prestação de trabalho e não à qualidade de cooperador.
Além de que, tratando-se de apoio à educação escolar, nos anos lectivos a que se reporta a liquidação impugnada, não está provado que o impugnante ali fosse docente ou prestasse serviço.
Assim, não se pode concluir que tais comparticipações tenham a natureza de rendimento tributável em sede de IRS, categoria A, porquanto o direito às mesmas não resulta da qualidade de trabalhador dependente, nem têm qualquer conexão com a prestação de trabalho (aliás nem sequer está provada nos anos em causa a qualidade de trabalhador do impugnante, como vimos), mas sim e apenas com a qualidade de cooperador.
Não se equacionando, sequer, a tributação de tais rendimentos noutra categoria (como a E referida), já que não foi com esse pressuposto que a AF procedeu às correcções e consequentes liquidações adicionais.
Razão por que as liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos, se não poderão manter, impondo-se a sua anulação total com a consequente restituição das quantias pagas (imposto e juros compensatórios), acrescidas dos respectivos juros legais devidos.
E, assim sendo, prejudicado está o conhecimento do pedido de devolução dos juros compensatórios pagos, por aplicação do regime consagrado no DL 248-A/2002, de 14/11, formulado pelo impugnante subsidiariamente.
IV - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, e julgar procedente a impugnação judicial, e, consequentemente, anular as liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios, relativas aos anos de 1997 e 1998, impugnadas, restituindo-se as quantias pagas, acrescidas dos respectivos juros legais devidos.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Junho de 2011. – António Calhau (relator) – Brandão de PinhoIsabel Marques da Silva.