Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01802/02
Data do Acordão:05/15/2003
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:CÂNDIDO DE PINHO
Descritores:DELEGAÇÃO DE PODERES.
ÂMBITO.
Sumário:I - O advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto.
II - Se um Ministro delega no Secretário de Estado as suas competências relativamente a uma determinada Direcção-Geral, ao mesmo tempo que expressamente faz preceder o conjunto das matérias envolvidas do advérbio "designadamente", está a conferir ao elenco a ideia de exemplificação, indicação e inclusão: todas as suas competências no âmbito daquela Direcção-Geral, incluindo as exemplificadas, fazem parte do objecto da delegação.
Nº Convencional:JSTA00059356
Nº do Documento:SA12003051501802
Data de Entrada:11/18/2002
Recorrente:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:DL 498/88 DE 1988/12/30 ART9 ART16.
CPA91 ART38.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 1990/12/18 IN AD N355 PAG880.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Subsecção da 1ª Secção do STA
I- O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recorre jurisdicionalmente do acórdão do TCA que, com fundamento em incompetência, concedeu provimento ao recurso contencioso ali instaurado pelo ora recorrido, A..., contra o indeferimento de recurso hierárquico por si interposto do acto homologatório da lista de classificação final de um concurso interno de acesso à categoria de perito tributário de 2ª classe.
Nas alegações apresentadas, concluiu da seguinte maneira:
«A - Após a publicação do Dec-Lei n° 3/80, de 07/02, os Secretários de Estado deixaram de possuir competências próprias, exercendo somente os poderes que lhes sejam delegados pelo Primeiro-Ministro ou Ministro respectivo.
B - Apesar disso e de acordo com o Parecer da P.G.R., publicado no Diário da República, II Série, de 1987/12/26, "os despachos exarados pelos Secretários de Estado revestem a natureza de actos definitivos e executórios, independentemente da menção expressa de delegação de poderes.
C - Por conseguinte, a falta da respectiva menção de delegação de poderes é uma preterição duma mera formalidade não essencial que não afecta a validade do acto, quando se atinge o objectivo consentido pela lei, que é o recurso contencioso (Ac. do S.T.A., Pleno, de 1990/12/18, in "Acórdãos Doutrinais", n.º 355, pág. 880).
D - Ora e no caso dos autos, então Recorrente "alcançou objectivo consentido pela lei, não só porque recorreu hierarquicamente para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais como ainda, porque insatisfeito, apresentou o competente Recurso Contencioso.
E - Mas, na verdade, existe, publicado no Diário da República (ut, art. 1º da presente peça processual), o Despacho de delegação de competências do Ministro das Finanças no Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aqui Recorrente Jurisdicional.
F - E, esse Despacho de Delegação de poderes do Ministro das Finanças do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é feito de modo totalmente abrangente, porque:
F.l - A expressão utilizada naquele Despacho ("designadamente") sempre foi entendida, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência, como incidindo sobre um elenco meramente exemplificativo de matérias que, por isso mesmo, comporta um leque mais alargado;
F.2 - Logo, "se a norma não distingue, não compete ao intérprete distinguir"; assim, interpretar de forma diferente, embora constitua uma "novidade" no pensamento jurídico, não se enquadra nem na interpretação literal nem, muito menos, na teológica.
G - Em consequência, só existe uma única via interpretativa, literal e racional: o advérbio modal "designadamente" remete para um conjunto aberto, sem qualquer restrição.
H - Por esta forma, o Despacho aqui posto em crise compreende, para além das matérias nele elencadas ao abrigo da expressão "designadamente", quaisquer outras matérias relacionadas com a Direcção-Geral dos Impostos.
I - E isto significa que o citado Despacho abrange sem sombra de dúvidas a área dos de recursos humanos e, por maioria de razão, tudo quanto se relacione com os procedimentos burocráticos de concursos para recrutamento e selecção de pessoal, bem como a apreciação e decisão sobre os respectivos recursos hierárquicos.
J - Logo, jamais existiu o alegado vício de ilegalidade orgânica!!! ».
O recorrido, por seu turno, concluiu assim as suas alegações:
«1. Pelo alegado supra, o acto praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais padece do vício de violação de lei, por violação expressa do disposto nos artºs 9° e 16° do DL. 498/88, de 30/12, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. 215/95, de 22/8, e que a Ordem Jurídica sanciona com a nulidade ou anulabilidade de tais actos.
2. Ao violar de modo sério e grave o conteúdo essencial dos princípios fundamentais, in casu, o da Justiça, Igualdade e Proporcionalidade, o acto Administrativo impugnado, mormente pela lógica jurídica, não pode deixar de ser, pela sua própria natureza, declarado nulo.
3. Da legislação existente é fácil observar que tal acto não cabe na sua própria competência, mas ainda assim não se indica a existência de qualquer delegação de competência, mas a ser delegada não referencia qualquer delegação de competência, como era seu dever, ex vi do disposto no art.º 38° do C.P.A. Nessa medida, o acto praticado pelo S.E.A.F., está ferido de ilegalidade orgânica, porquanto o S.E.A.F., decidiu desprezar a referida norma do C.P.A., praticando um acto para o qual não tinha poderes, bem sabendo que era outro o órgão que tinha tais poderes.
4. O acto Administrativo praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais padece do vício de violação de lei, cuja sanção a Ordem jurídica determine que seja declarada a sua nulidade ou anulação.
5. A expressão "designadamente" deve ser usada sempre que apenas se enunciem alguns poucos elementos, o que como se viu, não é também aqui aplicável.
6. O Senhor Ministro das Finanças quis delegar no Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, apenas os poderes que constam no Despacho n° 5751/98, de 7/4/98, pois foi sua intenção clara inequívoca elencar um conjunto vasto de poderes que, esses sim sem qualquer margem para dúvidas, quis que fossem delegados no Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas o que no caso sub judice nos importa não foi de todo elencado, porque essa não foi a vontade do Senhor Ministro.
7. A enumeração que consta do Despacho n° 5751/98 é taxativa, porque é aposta num conjunto fechado.
8. Outro entendimento não seria compreensível, nem legalmente aceite por afectar os direitos dos Administrados, nem tal faria sentido,
9. Pois nesse caso estariam em perigo os princípios da segurança e certeza jurídica, dado que não seria possível aos administrados saber a que se referem e quais os limites concretos das competências de cada órgão ou entidade Administrante, pois a ser assim poder-se-ia sempre "meter tudo no mesmo saco" e impedir os administrados de clamar por direitos, para além de que, aceitar tal inovação iria dificultar e muito a já árdua tarefa da Justiça.
10. O Senhor Ministro procedeu a uma enumeração tão exaustiva e é a que consta do Despacho n° 5751/98, se outro pudesse ser o entendimento, o que não se aceita nem concede, poder-se-ia verificar uma situação de sobreposição de poderes entre diversos Secretários de Estado.
O digno Magistrado do M.P. opinou no sentido do provimento do recurso.
Cumpre decidir.
II- Os Factos
A decisão recorrida deu por assente a seguinte matéria de facto:
«1 - O Recorrente candidatou-se e foi admitido ao concurso interno geral de acesso à categoria de perito tributário de 2.ª classe, aberto por aviso publicado no DR, II Série, n° 53, de 6-1-96.
2 - Tendo realizado as provas referentes ao mencionado concurso, foi-lhe atribuída a classificação final de 8,35 valores, ficando assim não aprovado.
3 - O Recorrente dirigiu ao SEAF um recurso hierárquico relativamente ao despacho de 4-11-97, do Director-Geral dos Impostos, que homologou a lista de classificação final dos candidatos naquele concurso - cfr. processo instrutor.
4- O mencionado recurso hierárquico foi indeferido por despacho do SEAF de 30-10-98».
III- O Direito
Entre vários vícios invocados, o douto acórdão sob censura, conhecendo do primeiro, considerou que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por ausência de delegação de poderes, não detinha competência para apreciar o recurso hierárquico que o recorrido lhe dirigiu.
Intenta-se, pois, indagar no presente recurso o verdadeiro alcance quantitativo do elenco de matérias contidas no acto de delegação de poderes do Despacho nº 5751/98 do Sr. Ministro das Finanças inserto a fls. 71 dos autos: se taxativo, se simplesmente exemplificativo.
Em causa está o conjunto de competências cujo exercício o Senhor Ministro das Finanças concretamente delegou no recorrente relativamente à Direcção-Geral dos Impostos.
Diz-se ali: «1. Delego no Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,..., as competências que me são legalmente conferidas relativamente aos seguintes organismos e serviços:
1.1- Direcção-Geral dos Impostos, designadamente para praticar os seguintes actos:...» (destaque nosso).
A incerteza está no facto de o Sr. Ministro não ter feito uma delegação “genérica” para a prática de uma série indiscriminada de actos, nem procedido a uma expressa delegação “total”, concernente a todas as matérias relativas à DGI, mas ter preferido o uso de uma técnica formal aparentemente dúbia: ao mesmo tempo que delegou as suas competências no âmbito daquela Direcção-Geral, (parecendo querer conferir um completa abrangência ao acto de delegação), utilizou uma referência indicativa, “designando” as matérias que cabiam na delegação (com isso parecendo querer limitar o espectro da delegação).
Será, portanto, fechado ou aberto o conjunto das matérias objecto da delegação?
A resposta não é isenta de dúvidas. Se o delegante queria, realmente, a delegação total, não seria necessário exemplificar a tábua de assuntos a incluir: naturalmente, já nela estariam contidos. Mas, se, ao invés, pretendia constringir o acervo das matérias, então não precisaria de as citar mediante o uso de uma fórmula adverbial (“designadamente”): bastar-lhe-ia dizer, simplesmente, quais eram.
À falta de outros argumentos, cremos que a solução passa por dois caminhos: um, semântico, outro literal.
Designadamente é sintagma adverbial que representa o modo de designar, de indicar, denominar. Inserido numa oração, o advérbio tem um sentido especificativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto. Assim, tal como no caso concreto, é-lhe conotada uma noção de exemplificação, representando a ideia de advérbio de inclusão: todas as matérias, “incluindo” aquelas, fariam parte da delegação. Nesta interpretação, as matérias referidas não formariam um conjunto fechado em si mesmo, mas seriam antes parte de um conjunto mais vasto.
Por outro lado, a forma como o Senhor Ministro se manifestou não pode ser vista isoladamente, convindo se faça a sua inserção no contexto dinâmico de todo o despacho.
E se assim o fizermos, veremos que o autor da delegação não se expressou da mesma maneira relativamente a todos os organismos.
Assim, por exemplo, quanto à Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (ponto 1.3), Comissão de Normalização Contabilística (ponto 1.5) e UCLEFA (ponto 1.6) nada disse em especial. Relativamente a estes serviços, todas as matérias da sua competência foram delegadas sem excepção. Seria, assim, uma delegação geral.
Diferentemente o fez quanto à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, mencionando expressamente as matérias delegadas contidas no ponto 1.2 a 1.2.25, sem junção do advérbio. Quis, aí, que fosse uma delegação restrita.
Do mesmo modo procedeu quanto à Inspecção-Geral de Finanças, ao delegar apenas as matérias «no que se refere à inspecção tributária» (ponto 1.4).
Prova, em suma, que o delegante, para uns casos quis estabelecer delegações genéricas, enquanto para outros pretendeu que fossem restritas e específicas.
Deste modo, podemos concluir que o autor do despacho se expressou livremente, introduzindo ou não limitações às delegações segundo os seus critérios de vontade.
Posto isto, a delegação feita em benefício do ora recorrente foi, dados os termos utilizados, genérica no que se refere à Direcção-Geral dos Impostos. O que quer dizer que a elencagem efectuada no despacho tem um carácter meramente exemplificativo, não taxativo.
Significa que o ora recorrente detinha competência para decidir, como decidiu, o recurso hierárquico que o recorrente lhe dirigiu. Não pode, por essa razão, salvo o devido respeito, sufragar-se a decisão recorrida.
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão impugnado e ordenando a remessa dos autos ao TCA para apreciação dos restantes vícios imputados ao acto, se a tal nada obstar.
Custas pelo recorrido.
Na 1ª instância: Taxa de justiça: € 200; procuradoria: € 100.
No STA: Taxa de Justiça: € 300; procuradoria: € 150.
Lisboa, STA, 15 de Maio de 2003
Cândido Pinho – Relator – Azevedo Moreira – Pais Borges