Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0866/16
Data do Acordão:07/12/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PODERES DA ADMINISTRAÇÃO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:A definição dos poderes gerais de auto-tutela dos entes públicos administrativos e a articulação dos respectivos procedimentos com procedimentos sancionatórios, designadamente a adopção de medidas de reposição da legalidade que sejam identificáveis com sanções acessórias relativamente a condutas que possam constituir contra-ordenação é uma questão de importância jurídica fundamental na caracterização de uma Administração de “tipo executivo”.
Nº Convencional:JSTA000P20808
Nº do Documento:SA1201607120866
Data de Entrada:07/05/2016
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ESTREMOZ
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. A………………… SA pede revista do acórdão do TCA Sul de 7/4/2016 (P. 11971/15) que negou provimento a recurso de sentença do TAF de Beja que julgou improcedente acção administrativa especial visando o despacho proferido pelo Vereador da Administração Urbanística da Câmara Municipal de Estremoz que intimou a ora recorrida a retirar, sob pena de crime de desobediência, a infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações instalada sem autorização municipal na cobertura de um imóvel classificado de interesse público.

Em síntese, a recorrente justifica a admissibilidade da revista com a relevância jurídica fundamental da questão de saber se à Administração Municipal assiste o poder de intimar à remoção de tal tipo de instalações sem habilitação legal específica.

2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3. O acórdão, confirmando o sentido da decisão de 1ª instância embora com alguma divergência de fundamentação, considerou o seguinte:
“Lidas as normas cuja violação foi invocada pela recorrente necessário é reconhecer que em nenhuma se prevê expressamente a possibilidade de ser ordenada a retirada das estações de radiocomunicações, apenas prevendo a alínea a) do nº 1 do artigo 14º [do D.L. nº 11/2003, de 18 de Janeiro] ser punível como contra-ordenação a instalação e funcionamento das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios sem autorização municipal; contudo da omissão expressa de tal possibilidade não se pode concluir pela impossibilidade da prática de acto de conteúdo semelhante ao visado nos autos.
Na verdade, se compete às câmaras municipais a fiscalização do cumprimento do disposto no capítulo II do diploma supra parcialmente transcrito, relativamente à instalação das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios, dificilmente se compreenderia que se permitisse que uma infra-estrutura de suporte de estação continuasse instalada em determinado local quando a mesma, como sucede no caso em apreço, se encontra instalada em imóvel de interesse público e o IPPAR, sobre a mesma, emitiu parecer negativo.
Com efeito, sufragar-se o entendimento sustentado pela recorrente implicaria aceitar que uma estação de radiocomunicações, instalada sem prévia autorização municipal em imóvel de interesse público, continuasse a funcionar apenas porque o D.L. nº 11/2003 somente prevê que a instalação sem prévia autorização municipal constitui contra-ordenação, entendimento que este Tribunal não acolhe, devendo, ao invés, interpretar-se os poderes de fiscalização previstos no artigo 13º como contendo, também, a competência para tomar as medidas de reposição da legalidade urbanística, dado que, entender-se o contrário, implicaria reconhecer que tal competência se encontraria truncada e as estações de radiocomunicações poderiam ser livremente instaladas, mesmo sem serem prévia ou posteriormente, nos termos do artigo 15º, submetidas a licenciamento municipal, se as entidades responsáveis pela respectiva instalação estivesse dispostas a sujeitar-se, somente, a um processo contra-ordenacional, entendimento que não se sufraga.
O poder de fiscalização tem de conter, sob pena de ser praticamente inócuo, a competência para praticar actos que reponham a legalidade, como seja, a retirada das infra-estruturas em apreço, pelo que o acto em crise que ordenou a retirada da que se encontra instalada na Igreja de Santa Maria, em Estremoz, praticado ao abrigo do D.L. nº 11/2003, não violou a lei, improcedendo assim este segmento de ataque à decisão recorrida”.

Está presente nesta discussão uma questão central da definição dos poderes gerais de auto-tutela dos entes públicos administrativos e a articulação dos respectivos procedimentos com procedimentos sancionatórios, designadamente a adopção de medidas de reposição da legalidade que sejam identificáveis com sanções acessórias relativamente a condutas que possam constituir contra-ordenação. Trata-se de uma questão de importância jurídica fundamental na caracterização de uma Administração de “tipo executivo”, pelo que se justifica a admissão do recurso excepcional.

4. Decisão

Pelo exposto, decide-se admitir o recurso.

Lisboa, 12 de Julho de 2016. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.