Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0880/10
Data do Acordão:03/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:JUROS MORATÓRIOS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:Embora a falta de restituição do montante anulado de imposto e juros compensatórios no prazo legalmente previsto para o cumprimento espontâneo pela Administração implique a obrigação de pagamento de juros de mora sobre esse montante se tal for pedido pelo contribuinte, estes juros de mora não podem incidir sobre a quantia devida ao contribuinte a título de juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA00066839
Nº do Documento:SA2201103020880
Data de Entrada:11/11/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA.
Recorrido 1:A...
Votação:MAIORIA COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Indicações Eventuais:
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART611.
LGT98 ART35 N8 N10 ART43 N3 A B C N4 ART100 ART102 N2.
DL 73/99 DE 1999/03/16 ART3 N1.
PORT 291/2003 DE 2003/04/08.
CCIV66 ART560 N2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC10/02 DE 2002/02/17.; AC STA PROC1079/02 DE 2002/11/20.; AC STA PROC1220/06 DE 2007/03/07.; AC STA PROC839/07 DE 2008/01/31.; AC STAPLENO PROC1095/05 DE 2007/10/24.; AC STAPLENO PROC447/07 DE 2009/06/17.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VI 5ED PAG336 PAG482 NOTA9.
LIMA GUERREIRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PAG420 PAG421.
ALMEIDA COSTA DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 10ED PAG749.
CORREIA DAS NEVES MANUAL DOS JUROS ESTUDO JURÍDICO DE UTILIDADE PRÁTICA 3ED PAG23.
PIRES DE LIMA E OUTRO VI NOTA1 AO ART559.
VAZ SERRA OBRIGAÇÃO DE JUROS E MORA DO DEVEDOR IN BMJ N55 PAG111 PAG112.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu nos autos de intimação para um comportamento instaurados pela sociedade A…, S.A., no segmento decisório que condenou a Fazenda Pública a pagar a esta sociedade juros de mora sobre o montante devido a título de juros indemnizatórios.
As alegações dos recursos mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo:
a. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Exmo. Juiz do Tribunal “a quo”, na parte em que determinou a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros de mora devidos por falta de cumprimento da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios no prazo legal.
b. Salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão ora recorrida, entendemos que o Meritíssimo Juiz fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, porquanto:
c. Os juros indemnizatórios visam ressarcir o contribuinte pelo desapossamento do capital correspondente ao imposto indevidamente liquidado, pelo que são devidos desde a data do pagamento até ao termo do prazo de execução espontânea do julgado, por força do n.º 1 do art.° 43.° da LGT (sendo este o entendimento da jurisprudência).
d. Já os juros moratórios visam ressarcir o contribuinte pela demora no pagamento do seu crédito resultante do acto anulado, pelo que são devidos após o termo do prazo de cumprimento da decisão anulatória.
e. Não havendo convenção ou disposição legal expressa, não são devidos juros sobre juros, sob pena de anatocismo, o que nos termos do art. 560° do CC está vedado por lei.
f. Ao condenar a AF no pagamento de juros moratórios sobre o montante devido a título de juros indemnizatórios, o digníssimo Juiz incorreu em vício de violação de lei, pelo que deve, a Sentença, ser revogada nessa parte.
g. Em suma: os juros moratórios não podem incidir sobre os juros indemnizatórios.
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a douta Sentença ora recorrida - na parte em que condena a AF no pagamento de juros moratórios sobre o montante devido a título de juros indemnizatórios - assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva JUSTIÇA.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, aduzindo a seguinte argumentação:
«1. À semelhança dos juros indemnizatórios, os juros de mora têm a natureza de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, destinada à reparação dos prejuízos suportados pelo contribuinte com a indisponibilidade do montante correspondente à prestação tributária indevidamente paga.
Os factos geradores das obrigações são distintos: no caso dos juros indemnizatórios a ilegalidade da liquidação; no caso dos juros de mora o atraso na restituição da prestação tributária.
Daquela identidade de natureza decorre a impossibilidade de cumulação de ambos em relação ao mesmo período temporal.
Por isso os juros de mora são devidos, a requerimento do interessado, desde o termo do prazo para execução da decisão administrativa que reconhecer o direito aos juros indemnizatórios ou do termo de prazo de execução espontânea do julgado, até efectivo pagamento (art. 61° n° l CPPT; art. 102° n° 2 LGT)
2. No caso sob análise:
a) tendo o direito aos juros indemnizatórios sido reconhecido por decisão judicial são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento da prestação tributária indevida até à data da emissão da nota de crédito (art. 61° n° 3 CPPT).
b) serão devidos juros de mora apenas se os juros indemnizatórios não forem liquidados e pagos no prazo de execução espontânea do acórdão a proferir, contado a partir da data do seu trânsito em julgado e não da data em que o processo for enviado ao órgão da administração tributária competente para a execução (art. 102° nº 2 LGT; art. 146° n° 2 CPPT na interpretação do acórdão Pleno STA-SCT 2.12.2009 processo nº 570-A/08).
Sobre a articulação cronológica juros indemnizatórios - juros de mora a jurisprudência do STA tem-se pronunciado sem divergência (acórdãos 20.02.2002 processo nº 26669; 6.11.2002 processo nº 1077/02; 20.11.2002 processo nº 1079/02; 9.04.2003 processo nº 463/03; 7.05.2003 processo nº 337/03; 5.07.03 processo nº 388/03; 20.10.2004 processo n° 338/04)».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. No âmbito do presente processo de intimação para um comportamento, instaurado com vista ao integral cumprimento da decisão administrativa de deferimento parcial de reclamação graciosa que a sociedade A..., S.A., deduziu contra actos de liquidação de IVA, vem pedida a intimação da Administração Tributária à prática dos actos necessários ao cumprimento integral do dever que lhe incumbe de executar a decisão, através da devolução da restante parte dos juros compensatórios anulados e que haviam sido pagos, bem como pelo pagamento de juros indemnizatórios e de juros de mora.
A decisão recorrida concedeu total procedência à pretensão, julgando, além do mais, que a falta de pagamento dos «juros indemnizatórios a partir do termo do prazo da execução da decisão daquela impugnação administrativa (no prazo de 90 dias a que se refere o n° 1, do art.° 61° do CPPT), determina que se vençam juros moratórios sobre os montantes em dívida até ao integral cumprimento da obrigação», condenando a Fazenda Pública à «restituição dos montantes ainda em dívida relativo aos juros compensatórios anulados, assim como ao processamento dos respectivos juros indemnizatórios e nos juros de mora devidos por falta de cumprimento da obrigação de pagamento daqueles juros indemnizatórios no prazo legal».
Insurgindo-se contra o assim decidido, vem a Fazenda Pública defender que a decisão fez uma errada interpretação da lei ao condená-la ao pagamento de juros moratórios sobre o montante de juros indemnizatórios que não foi pago no prazo legal.
A questão dos autos é, pois, a de saber se os juros moratórios devidos a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado, podem ou não incidir sobre o montante de juros indemnizatórios que não foi pago nesse prazo de execução espontânea, e não a questão tratada na maior parte dos arestos citados no parecer emitido pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público, de saber se os juros indemnizatórios e moratórios podem coexistir no tempo, sobrepondo-se.
Neste Supremo Tribunal tem vindo a consolidar-se jurisprudência sucessivamente reiterada no sentido de ser negativa a resposta à questão acima delineada, conforme se pode verificar pela leitura dos acórdãos proferidos por Secção de Contencioso Tributário em 17/02/2002, no Proc. n.º 10/02; em 20/11/2002, no Proc. nº 1079/02; em 7/03/2007, no Proc. n.º 1220/06; em 2/07/2008, no Proc. n.º 303/08; em 14/07/2008, no Proc. n.º 304/08; em 31/01/2008, no Proc. n.º 839/07. E apesar de essa orientação jurisprudencial não ser sufragada por todos os juízes da Secção, a mesma veio a merecer confirmação pelo Pleno da Secção nos acórdãos proferidos em 24/10/2007 e em 17/06/2009, nos processos n.ºs 1095/05 e 447/07, respectivamente.
Após a análise da proficiente fundamentação dos acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção e tendo sobremaneira em atenção o estatuído no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, somos levados a acompanhar a orientação jurisprudencial ali sufragada em prol do superior interesse em alcançar uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Daí que e com a devida vénia, passemos a transcrever aquele primeiro aresto, proferido pelo Pleno em 24/10/2007.
«A questão dos autos é, pois, a de saber se os juros moratórios a favor do contribuinte incidem, ou não, sobre os juros indemnizatórios.
Dispõe o artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária que no “caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.
Trata-se de uma inovação - antes dela não se encontravam previstos juros moratórios a favor do contribuinte - que surgiu desamparada no ordenamento fiscal: por uma banda, a Lei Geral Tributária não fixou expressamente a taxa destes juros moratórios a favor do sujeito passivo; por outra, numa perspectiva meramente dogmática, o legislador continuou a classificar como indemnizatórios juros que, em rigor, criada a espécie dos juros moratórios a favor do sujeito passivo, como tal seriam de classificar - cfr. as alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 43.º deste diploma legal onde o legislador determina expressamente serem fonte de juros indemnizatórios situações em que a Administração Tributária se constitui em mora.
Por outro lado, a previsão do dito artigo 102.º, n.º 2, (“casos de a sentença implicar a restituição do tributo já pago”), “aparentemente, estaria também abrangida no artigo 100.º [do mesmo diploma legal] em que se refere que há lugar a juros indemnizatórios a partir do termo do prazo de execução da decisão nos casos de procedência de impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo”.
Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, Áreas Editora, 5.ª Edição, 2006, p. 482, nota 9.
É que, no ponto, o artigo 102.º, n.º 2, utiliza o conceito “sentença” e o 100.º “impugnação judicial”, dois conceitos que significam a mesma realidade processual.
Assim, literalmente interpretados, aqueles dois incisos normativos apontariam para a obrigação da Administração Tributária pagar ao sujeito passivo, a partir do termo do prazo da execução da decisão e relativamente ao mesmo período temporal, juros indemnizatórios e juros moratórios relativos à mesma dívida tributária, nos casos em que uma decisão anule, ainda que parcialmente, um acto de liquidação.
Contudo, tal conclusão carece de respaldo, desde logo se se atentar à ratio destes juros.
Com efeito, os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”.
Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária.
Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes - num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade”.
Cfr. o acórdão do STA de 7 de Março de 2007, processo n.º 01220/06.
Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função.
Ora, uma vez que as duas espécies de juros se fundam numa obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.
Cfr. o acórdão citado e Jorge de Sousa, ob. cit., p. 336.
Daí que se deva entender o dito artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária como uma “norma especial sobre a execução de sentenças”, ou seja, um “artigo que completa o disposto no artigo 100.º”, devendo aquela prevalecer sobre esta “quando a decisão a executar é uma decisão judicial”.
Cfr. Jorge de Sousa, ob. cit., e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, p. 420, nota 4.
Consequentemente, nos casos em que sejam simultaneamente aplicáveis aqueles dois artigos, há que interpretar correctivamente o artigo 100.º em virtude da liquidação ilegal, são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do artigo 102.º, n.º 2.
Cfr. Lima Guerreiro, ob. cit., pp. 420-421.
Por outro lado, são de diferente natureza as dívidas que geram juros indemnizatórios e as dívidas que são fonte de juros compensatórios: no primeiro caso, pretende-se compensar o contribuinte por um desapossamento ilegal - artigo 43.º da Lei Geral Tributária -, sendo indiferente que o devedor seja o Estado ou um particular; e, no segundo, visa-se reparar o dano sofrido pela Administração Tributária que, por facto imputável ao sujeito passivo, se viu privada, nomeadamente através do atraso da liquidação, de dispor de uma receita que lhe era devida - cfr. artigo 35.º do mesmo diploma. Daí que, quando se torna possível a realização da liquidação, os juros compensatórios sejam conjuntamente liquidados com a dívida de imposto, na qual se integram - n.º 8 deste último normativo.
Assim, os juros de mora - a favor da Fazenda Pública -, sendo devidos, vão incidir também, nesta medida, sobre os juros compensatórios, à taxa de 1% ao mês ou fracção - cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (determina a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas).
Ou seja: se o sujeito passivo não cumprir a obrigação tributária no prazo de pagamento voluntário, passam a ser devidos juros de mora a favor da Fazenda Pública que são calculados sobre a dívida de imposto na qual, nos termos do artigo 35.º, n.º 8, da Lei Geral Tributária, se integram os juros compensatórios (que eventualmente sejam devidos).
Naturalmente, não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele n.º 8 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto.
Do mesmo modo, devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte.
E também não é possível, nos preditos termos, que os juros de mora - a favor do contribuinte - incidam sobre os juros indemnizatórios, em face da sua idêntica função.
Aliás, tal função reparadora, ainda que atinente a factos geradores distintos, como se viu, é concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa.
Com efeito, a Lei Geral Tributária não determina qual é a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo e o sistema fiscal prevê apenas duas taxas de juro: a taxa de juros legal de 4% ao ano, prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; e a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas que é de 1% ao mês ou fracção, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.
Esta taxa mais elevada que a devida nas restantes espécies de juros justifica-se pelo facto de estar em causa a violação da obrigação principal do “dever fundamental” de pagar impostos. (...)
Ora, bem se vê que esta taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado, dada a sua natureza especial, só se aplica aos juros moratórios a favor da Fazenda Pública, que não do contribuinte, em virtude da predita violação da obrigação principal do dever fundamental de pagar impostos.
Pelo que a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo só pode ser a taxa de juros legal de 4% ao ano, uma vez que não há outra prevista no ordenamento. (...) Taxa de 4% que, dada a natureza das dívidas envolvidas, nos preditos termos, é também aplicável aos juros compensatórios (como determina expressamente o artigo 35.º, n.º 10, da Lei Geral Tributária) e aos juros indemnizatórios (por força da remissão expressa do artigo 43.º, n.º 4, do mesmo diploma legal).
Por fim, o artigo 560.º do Código Civil proíbe, por regra, o anatocismo.
Há, todavia, três situações em que o anatocismo é permitido, sendo que, em princípio, “só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano” - n.º 2 do dito artigo 560.º.
Assim, “para que os juros vencidos produzam juros [I] é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, [II] a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização” - n.º 1.
Contudo, [III] estas restrições “não são aplicáveis (…) se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio” - n.º 3.
Ora, no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias.
Assim, está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros.
E não se diga que os juros indemnizatórios não são verdadeiros juros.
À míngua de uma definição legal, a doutrina desenvolveu o conceito de juro enquadrando-o na figura dos frutos civis, uma vez que são produzidos periodicamente por uma coisa (a obrigação de capital), sem prejuízo da sua substância, em consequência de uma relação jurídica.
Cfr. o artigo 212.º do Código Civil, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 10.ª edição, 2006, p. 749, Correia das Neves, Manual dos Juros - Estudo Jurídico de Utilidade Prática, Almedina, 3.ª Edição, 1989, p. 23, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1968, nota 1 ao artigo 559.º.
Concretizando a noção, Correia das Neves, ibidem, define juro “como um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo decurso do tempo, e que varia em função do valor do capital, da taxa (…) de remuneração e do tempo de privação”, considerando que a obrigação de juros também se encontra prevista na lei para casos em que “não há prévia cedência de um capital, mas simples não cumprimento oportuno de uma obrigação imposta legalmente, embora esta seja ainda uma obrigação de capital pecuniário” (pp. 18-19).
E, ainda nestes últimos casos, se trata, bem vistas as coisas, de uma remuneração de capital, uma vez que é o seu desapossamento que está em causa.
Ora, os juros indemnizatórios gozam destas características e não é pelo facto de terem uma função reparadora que a sua natureza se altera, até porque “rigorosamente, todo o juro é compensatório (do uso legítimo do dinheiro, do atraso da prestação ou de outro facto)” - cfr. Vaz Serra, “Obrigação de Juros e Mora do Devedor”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 55, pp. 111-112.
Não pode, pois, aceitar-se que os juros tenham outra natureza por terem uma função compensatória ou indemnizatória, uma vez que todas as espécies de juros partilham essa função e, se assim se entendesse, o regime do anatocismo seria absolutamente desprezível, já que não teria a que se aplicar (não haveria, então, “juros” sobre juros).
Finalmente, não se objecte, à tese exposta, com uma eventual inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, já que é diversa, como acima se acentuou, a natureza da dívida ao Estado para pagamento de impostos - cfr. Casalta Nabais, ob. cit.- e a da dívida daquele ao contribuinte, situável no plano de qualquer outro débito a este.
Em suma: os juros moratórios não podem incidir sobre os juros indemnizatórios.»
Em conclusão, embora a falta de restituição do montante anulado de imposto e juros compensatórios no prazo legalmente previsto para o cumprimento espontâneo pela Fazenda Pública implique a obrigação de pagamento de juros de mora sobre esse montante se tal for pedido pelo contribuinte, estes não podem incidir sobre a quantia devida ao contribuinte a título de juros indemnizatórios, ainda que esta quantia não lhe tenha sido paga no prazo legal.
Termos em que procedem todas as conclusões do recurso.
4. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública a pagar à Requerente juros de mora sobre o montante devido a título de juros indemnizatórios, por tais juros não serem devidos.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Março de 2011. – Dulce Neto (relatora) – Valente TorrãoAntónio Calhau (vencido, nos termos da declaração junta ao Proc: 1095/05).