Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:056/18
Data do Acordão:05/09/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:Não se encontrando alegados, nem demonstrados os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista, previsto no artigo 150.º do CPTA, não deve o mesmo recurso ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P23265
Nº do Documento:SA220180509056
Data de Entrada:01/19/2018
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o n.º 6 do artigo 150.º do CPTA:
*
1.1. A……….. impugnou judicialmente, no Tribunal Tributário de Lisboa, as liquidações adicionais de IVA, os juros compensatórios e de mora, dos exercícios de 2002, 2003 e 2004, resultantes da aplicação do recurso a métodos indiretos, peticionando a sua anulação.
*
1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 11/06/2013 (fls.738/760), julgou a impugnação procedente e anulou as liquidações impugnadas.
*
1.3. A Fazenda Pública recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 05/11/2015 (fls. 847/869), concedeu provimento ao recurso jurisdicional e revogou a decisão recorrida.
*
1.4. A recorrente, pelo requerimento de fls. 903/923, arguiu a nulidade do acórdão de 05/11/2015, por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida.
Por acórdão 29/06/2017 (fls.995/1004) foi decidido «desatender, por infundada, a presente arguição manter inalterado o referido aresto.».
*
1.5. É deste acórdão de 05/11/2015 que a recorrente vem, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista, justificando este pedido no seguinte quadro conclusivo:
«a. Nos termos do artigo 150.º, n.º 1 do CPTA, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, Revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando verificados os seguintes requisitos: i) estar em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou ii) ser a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
b. De acordo com a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo quanto a cada um dos anteditos requisitos legais, verifica-se que, revestindo a questão em apreço nos autos uma relevância manifestamente prática, em atenção à suscetibilidade da questão controvertida se expandir para além dos limites da situação singular, independentemente da sua relevância teórica, resultando da mesma a possibilidade de repetição da questão noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito pela instância de cúpula do sistema judicial tributário, em virtude de ter sido dada ao caso uma solução errada e juridicamente insustentável, estão reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente Recurso de Revista;
c. No caso vertente, atendendo à dúvida quanto à natureza das notificações de liquidações de imposto e, bem assim, à validade e eficácia da sua notificação (unicamente) aos Mandatários e, ainda, atendendo ao facto de o Supremo Tribunal Administrativo ainda não se ter pronunciado sobre o tema – o qual, aliás, apresenta contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio e, como tal, se afigura de um interesse comunitário significativo na resolução da questão –, conclui-se que está preenchido o segundo requisito a que alude o artigo 150.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPTA (necessidade de garantir a “melhor aplicação do direito”) para efeito de admissão do Recurso de Revista;
d. Por seu turno, tendo ficado amplamente provado em sede de 1.ª instância (o que não só não foi posto em causa pelo Tribunal a quo, como foi confirmado pelo mesmo) que existiam diversas guias de consignação, na base das quais foram calculados os alegados proveitos omitidos por parte da Administração Tributária (em sede de aplicação de métodos indiretos), que não poderão ser consideradas como vendas e, ainda, que teria sido impossível produzir as quantidades presumidas pela Administração Tributária como tratando-se de rendimentos, verifica-se um excesso na quantificação dos rendimentos presumidos, o que deveria ter sido (e não foi) considerado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, para todos os efeitos, num manifesto erro de julgamento, assente, aliás, nas nulidades invocadas junto do mesmo (omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida), verificando-se, uma vez mais, estar preenchido o segundo requisito a que alude o artigo 150.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPTA (necessidade de garantir a “melhor aplicação do direito”) para efeito de admissão do Recurso de Revista;
e. Atendendo ao caráter pessoal da liquidação de impostos e, bem assim, à responsabilidade (única) do sujeito passivo pelo seu pagamento, a Recorrida entende que a notificação das liquidações de imposto reveste, necessariamente, caráter de ato pessoal e, nessa medida, não pode deixar de ser notificado, no prazo de caducidade, ao próprio sujeito passivo do imposto, independentemente de uma eventual (prévia ou comitente) notificação a um eventual mandatário do referido sujeito passivo (artigo 28.º, n.º 1 do Código do IVA);
f. Da análise da procuração emitida pela Recorrida à sua Mandatária verifica-se que a representação da Recorrida no Pedido de Revisão que culminou na emanação das liquidações de IVA aqui em análise decorre, não dos poderes gerais da procuração emitida pela Recorrida à sua Mandatária – os quais apenas respeitam a poderes de representação judicial –, mas sim dos poderes de representação especial expressamente constantes da referida procuração;
g. Assim, não cabendo a notificação da liquidação de impostos nos poderes gerais da procuração e, bem assim, não constando a mesma expressamente mencionada nos poderes especiais, constata-se que a Mandatária da Recorrida não tinha poderes para receção das referidas liquidações;
h. Mesmo admitindo que a Administração Tributária tem razão quando questiona a veracidade dos elementos constantes da sua contabilidade e documentação de suporte (ou a falta da mesma) - razão pela qual se admite a aplicação dos métodos indiretos -, não poderá deixar de se concluir que a Recorrente fez prova do excesso da quantificação dos proveitos presumidos e, ainda, que existe fundada dúvida a este respeito, dúvida que é admitida, quer pela Senhora Inspetora Tributária que, aquando inquirida sobre o número de trabalhadoras da Recorrente, afirma que “não se recorda, não tem a certeza”;
i. A dar-se como boa a tese da Fazenda Pública, significa que sempre que ponha em causa um facto tributário e o mesmo seja provado não ter ocorrido (como sucede no caso em apreço), poderia abrir uma infinidade de “hipóteses” para justificar a presunção de vendas que aventou inicialmente, quando, no caso sub judice ficou provado que não ocorreu qualquer facto tributário (em que as vendas à consignação respeitam, em parte, a guias de transporte);
j. Mesmo nas situações em que, em face da contabilidade dos sujeitos passivos, é admissível a aplicação dos métodos indiretos, a realidade é que a Administração Tributária tem a obrigação de, em face de elementos que permitem comprovar que determinadas situações não correspondem a rendimentos efetivos (como se verifica nas situações das guias de consignação emitidas em nome de B………….. e C………), de considerar os mesmos para efeitos do apuramento do real e efetivo lucro tributável, sob pena de violação do disposto nos artigos 85.º, n.º 2 da LGT e 104.º, n.º 2 da CRP;
k. Ainda que a Recorrente não lograsse fazer prova quanto à eventual inadequação dos custos (como determinou o Tribunal Central Administrativo Sul) a verdade é que perante a prova de que os proveitos estavam erroneamente quantificados – prova que resulta desde logo da prova testemunhal (B………… e D………..), na qual se referia que uma parte das guias à consignação eram, de facto, meras guias de transporte –, não resta outra alternativa que a de invalidar as liquidações tomadas com base em tais errados (e ilegais) pressupostos;
l. À luz do disposto no artigo 74.º, n.º 3 da LGT e na linha do que dispõe o artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil, à Recorrente apenas cabe provar que existiu um excesso de quantificação dos (alegados) proveitos, não lhe cabendo qualquer outro apuramento de montantes, cujo apuramento cabe, naturalmente, à Administração Tributária;
m. Sendo o número de funcionários e a aquisição de matérias-primas fatores essenciais para determinar e quantificar a matéria tributável da Recorrente – uma vez que as suas variações permitiam verificar acréscimos de produção e vendas (a Recorrente comprava toda a matéria-prima e fabricava na sua empresa a quase totalidade da mercadoria à consignação, conforme ficou assente no ponto P) da sentença) – conclui-se que, perante as sobreditas “dúvidas” e “incertezas”, deveria o Tribunal recorrido ter valorado as mesmas a favor da Recorrente, nos termos do artigo 100.º do CPPT, normativo aliás aplicável à própria Administração Tributária, em sede procedimental;
n. Constatando-se ter sido efetuada a prova, pela Recorrente, do excesso de quantificação dos proveitos presumidos e, ainda, verificando-se uma eventual impossibilidade de apuramento, pelo Tribunal, do quantum do excesso da quantificação daqueles rendimentos, sempre deveria tal impossibilidade ser valorada a favor da ora Recorrente, nos termos do artigo 100.º do CPPT, que consagra o princípio in dubio contra fiscum, razão pela qual o Tribunal a quo deveria, após conhecimento da questão da ilegalidade da quantificação (expressamente invocada pela Recorrente em sede da Impugnação Judicial e do Recurso), aplicado o disposto no artigo 100.º do CPPT e, em consequência, manter a sentença de 1.ª Instância (embora com fundamentação distinta), mantendo a anulação das liquidações contestadas.
o. A decisão recorrida enferma pois de erro de julgamento, por violação, entre outros, dos artigos 74.º 81.º a 85.º e 90.º da LGT, do artigo 100.º do CPPT e do artigo 104.º da CRP, para além do disposto no Código do IRC e do Código do IVA, pelo que deverá ser anulada por Vossas Excelências.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso de Revista ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulado o Acórdão recorrido, por ilegal, e substituído por outro que dê provimento à Impugnação Judicial deduzida pela ora Recorrente, tudo com as legais consequências.».
*
1.6. Não foram apresentadas contra-alegações.
*
1.7. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«A recorrente, A…………., LDA, veio interpor recurso ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão do TCAS, de 05/11/2015, proferido a fls. 704/729, que julgou procedente recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo TT de Lisboa, julgando improcedente impugnação judicial deduzida contra as LA de IVA de 2002, 2003 e 2004, no entendimento de que não ocorre a caducidade do direito de liquidação do IVA de 2002, uma vez que a recorrente foi notificada, em prazo, na pessoa do mandatário constituído a quem conferiu poderes especiais para o efeito e que da prova produzida não resulta que a recorrente demonstre ter ocorrido de quantificação da matéria tributável, que havia sido determinada com recurso a métodos indiretos.
A recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos de fls. 946/950.
A recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.
Vejamos, pois, se o recurso deve ser admitido.
Nos termos do estatuído no artigo 150.°/1 do CPTA o recurso excecional de revista ali regulado só é admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
E jurisprudência reiterada (Acórdãos do STA, de 14 de Setembro de 2011, 16 de Novembro de 2011 e 12 de Janeiro de 2012, proferidos nos recursos números 0387/11, 0740/11 e 0899/11., disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt. ) da SCT deste STA que:
1. O recurso de revista excecional regulado no artigo 150.º do CPTA, pelo seu carácter excecional, estrutura e requisitos, não pode entender-se como de índole generalizada mas antes limitada, de modo a que funcione como uma válvula de escape do sistema, só sendo admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou que, por mor dessa questão, a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Assim sendo, este tipo de recurso só se justifica se estamos perante questão que é, manifestamente, suscetível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, se se verifica a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
Não é de admitir o recurso de revista excecional quando se está perante uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tomando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida” (Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012-P. 084/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt. ) .
“...o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas.
Por outro lado, a clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratada a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Em suma, a intervenção do STA no âmbito de um recurso excecional de revista só pode considerar-se justificada em materiais de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso.” (Do acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2013-P. 0185/13, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt. )
A recorrente pretende que o tribunal ad quem reaprecie a questão de saber se, havendo mandatário constituído com poderes especiais para o efeito a notificação relevante da LA de IVA deve ser feita na pessoa do mandatário constituído ou na do sujeito passivo e se da prova produzida nos autos resulta demonstrado que se verifica excesso de quantificação da matéria tributável, que havia sido determinada com recurso a métodos indiretos e se dúvidas houvesse, deveria ser aplicado o normativo do artigo 100.º do CPPT, ou seja, in dúbio contra fiscum.
Sustenta a recorrente que o recurso deve ser admitido, uma vez que a sua admissão se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Quanto à questão da notificação da liquidação do IVA na pessoa do mandatário constituído afigura-se certo que não se verificam os pressupostos de admissão do recurso.
De facto, a recorrente não alega a existência de divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais sobre a matéria e é certo que, em nosso entendimento, a decisão recorrida não tratou a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.
Na verdade, considerou o tribunal recorrido que, em função do probatório (alínea R), o mandatário da recorrente tinha poderes especiais para representar a mandante em quaisquer processos, petições, reclamações e pedidos de revisão a apresentar perante quaisquer autoridades administrativas e fiscais e ainda em execuções fiscais a correr termos em serviços de finanças contra aquela, pelo que tinha poderes de representação para rececionar as notas de liquidação dos tributos.
Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a decisão recorrida é, absolutamente, plausível, seguindo aliás, pelo que sabemos, doutrina e jurisprudência sobre matéria de notificações de atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, nos termos dos artigos 268.º/3 da CRP e 36.º e 40.º do CPPT, como é o caso dos autos (cf. CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, 1 volume, página 394, Jorge Lopes de Sousa, acórdão do TCAS, de 10/04/2014-P.07443/14 e do STA, de 04/05/2011-P.0927/10, disponíveis em www.dgsi.pt).
No que concerne à questão do alegado excesso de quantificação da matéria tributável, das alegações/conclusões da recorrente resulta, com meridiana clareza, que esta pretende, que o STA reaprecie matéria de facto, quando é certo que este tribunal não pode sindicar a factualidade apurada ou as ilações de facto tiradas pelo tribunal recorrido, atento o disposto no artigo 150.º/3/4 do CPTA, tendo, apenas, competência para a reapreciação da decisão de direito, em função de toda a factualidade apurada pelas instâncias.
Na verdade, a recorrente coloca para resolução neste recurso, a questão de saber se da factualidade evidenciada no probatório resulta demonstrado excesso de quantificação da matéria tributável.
Ora, dos factos apurados, o tribunal recorrido tirou a ilação de facto que a recorrente não cumpriu o ónus da prova do excesso da quantificação da matéria tributável.
Também, saber se perante a prova produzida há dúvidas sobra a existência do facto tributário, nos termos do artigo 100.º do CPPT, como sustenta a recorrente, é, também, matéria de facto, que deve considerar-se fora dos poderes de cognição dos tribunais com meros poderes de revista como é o caso do STA (Obra atrás citada, II volume, página 133).
Por fim diga-se que nunca estaria em causa questão em que se verifica capacidade de expansão da controvérsia, uma vez que a apreciação do excesso de quantificação da matéria tributável está intimamente conexionada com a concreta factualidade apurada nos autos, insuscetível de se repetir, de modo idêntico, num número indeterminado de casos.
Não se verificam, pois, em nosso entendimento, os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA e atrás devidamente enunciados.
Termos em que não deve ser admitido o recurso.».
*
1.8. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
*
2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) A impugnante está colectada no regime geral de IRC pela actividade de confecção de outro vestuário, CAE 18221 e está enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade trimestral (cfr. fls. 100 e 101 dos autos).
B) Nos anos de 2005 e 2006, foi sujeita a uma acção de inspecção de âmbito geral, abrangendo o IRC e o IVA e referenciada aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, e culminou com o relatório, de 06/10/2006, que consta de fls. 60 e aqui se dá por integralmente reproduzido face à sua extensão (cfr. fls. 93 a 164).
C) O procedimento inspectivo relativo ao ano de 2002 iniciou-se em 14-11-2005 e foi prorrogado por dois períodos de três meses, em 26-04-2006 e 26-07-2006 (cfr. fls. 776 e 777 do PAT).
D) Consta do relatório referido na alínea B), designadamente, o seguinte:
«Conclusões gerais
1 - A firma A……….., Lda., não reflecte na sua contabilidade todas as operações efectuadas no âmbito da sua actividade, uma vez que as vendas à consignação não se encontram reflectidas contabilisticamente;
2 - A firma não faz qualquer referência nas facturas emitidas, ao documento emitido aquando do envio das mercadorias à consignação, infringindo o disposto no nº 2 do artigo 37º do CIVA;
(…)
4 - O sujeito passivo não efectua o lançamento contabilístico no final do ano de apuramento do custo dos produtos vendidos à consignação;
5 - A Administração fiscal não teve acesso às guias de controlo e notas de encomenda emitidas nos anos de 2002, 2003 e 2004, por o sujeito passivo as ter destruído. O mesmo acontecendo com as “Relação para facturar” que o sujeito passivo respondeu serem rascunhos e também terem sido destruídos, no entanto, num cliente recolhemos um documento denominado ‘Relação para facturar” donde se depreende que pelo menos alguns seriam entregues aos clientes;
6 - O sujeito passivo não apresentou as guias de transporte respondendo que a dada altura foram substituídas por guias de consignação ou facturas, no entanto, foram detectadas guias de transporte num dos clientes contactados pela Administração fiscal (...);
7 - O sujeito passivo não possui mapas auxiliares de controle das entradas e saídas dos artigos do armazém A………., Lda.;
8 - O sujeito passivo não possui documentos comprovativos da produção efectuada;
9 - O sujeito passivo não possui documentos comprovativos da entrada em armazém dos artigos constantes das guias de devolução;
10- O sujeito passivo não possui mapas auxiliares onde seja feito o controlo, por cliente, dos artigos enviados à consignação, das devoluções efectuadas (caso existam) e da respectiva facturação, não nos permitindo efectuar qualquer controlo, nomeadamente, verificar da necessidade de dar cumprimento à alínea d) do nº 3 do artigo 3º do CIVA;
11- A firma entregou mercadoria nos clientes sem qualquer documento de suporte (...);
12 - Existem guias de consignação e de devolução em nome de clientes que nunca efectuaram compras à consignação à firma (...);
13 - Existem guias de consignação em nome de clientes que declararam ter devolvido toda a mercadoria recebida à consignação, não existindo a respectiva devolução;
14 - As guias de devolução são documentos emitidos pela firma A………., Lda. em nome de clientes mas não lhe são entregues (…);
15 - (...) emissão de guias de consignação e de devolução em nome de pessoas que não exercem qualquer actividade comercial, sendo de referir, nomeadamente, as guias emitidas em nome de B…….. e C………, vendedora e sócia-gerente da A……….., respectivamente (...)»
E, mais adiante,
«A - Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas
Por todas as irregularidades que foram referidas no ponto anterior; vamos determinar o lucro tributável do sujeito passivo por avaliação indirecta, de acordo com critérios e cálculos que vamos apresentar:
Considerando que as facturas emitidas na sequência de vendas de mercadorias enviadas à consignação, nos termos do nº 2 do artigo 37º do CIVA deverão fazer sempre referência à documentação emitida aquando do envio da mercadoria à consignação, uma vez que as facturas contabilizadas pelo sujeito passivo nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 não fazem qualquer referência, presume-se que as mesmas resultaram de vendas fixas e não de vendas à consignação.
Assim, consideramos que as guias de consignação emitidas nos anos de 2002 a 2004, com excepção das emitidas em nome das lojas propriedade da A……….., Lda., foram vendas para as quais o sujeito passivo não emitiu qualquer factura, traduzindo-se esta situação numa omissão de proveitos, infracção ao definido na alínea a), do nº 1 do artigo 20º, do CIRC.
Em relação às guias de devolução, considerando que são documentos internos, sem qualquer coerência na sua emissão e que o sujeito passivo não possui qualquer documento, mapa auxiliar; etc., que comprove a entrada em armazém dos artigos constantes das mesmas, não vão estas ser consideradas para efeitos da determinação do lucro tributável do sujeito passivo para os exercícios de 2002, 2003 e 2004»
E quanto ao IVA:
«B- Imposto sobre o valor acrescentado
8.1.Exercícios de 2002 e 2003
No tocante ao IVA considera-se como imposto que deveria ter sido liquidado e entregue nos cofres do Estado nos anos de 2002 e 2003 o resultante do total das guias de consignação emitidas pela firma A………, Lda. nestes exercícios em nome dos clientes e que foram consideradas por nós como vendas não contabilizadas. Assim temos:
Imposto em falta:
Exercício de 2002 - 48.530,50 Euros
Exercício de 2003 - 49.721,91 Euros
Considerando que o sujeito passivo em questão está enquadrado em termos de IVA no regime normal com periodicidade trimestral, apresentamos em seguida um mapa com o apuramento do imposto em falta por períodos de imposto.
A distribuição do IVA por períodos de imposto, foi feita de acordo com a data de emissão das guias de consignação.
(...)
8.2. Exercício de 2004
No tocante ao IVA referente ao exercício de 2004, temos duas situações distintas, e que são:
• Imposto que deveria ter sido liquidado e entregue nos cofres do Estado resultante do total das guias de consignação emitidas pela firma A…….., Lda. para os seus clientes, neste exercício e que foram consideradas por nós como vendas não contabilizadas, o que dá Imposto em falta no montante de 15.629,20 Euros.
À semelhança do ano de 2002 e 2003 a distribuição do IVA por períodos de imposto, foi feita de acordo com a data de emissão das guias de consignação.
- Imposto que deveria ter sido liquidado e entregue nos cofres do Estado resultante das vendas omitidas pelas lojas no montante de 219.706,00 € o que dá IVA em falta no montante de 41.744,14.
A importância de 219.706,00€ resulta do total das vendas das lojas determinado por métodos indirectos (353.211,94) deduzido das vendas declaradas pelo sujeito passivo, referentes às lojas, no montante de 133.505,94€
Considerando que os artigos vendidos nas lojas da A………., no ano de 2004, como já foi referido, são quase na sua totalidade da sua produção, ou seja os constantes das guias de consignação, para efeitos de distribuição por períodos de imposto do IVA em falta, vamos aplicar a percentagem obtida a partir do total do IVA constante das guias de consignação emitidas em nome das lojas A………., ou seja:
O IVA referente às guias de consignação, emitidas em nome das lojas A…………, no ano de 2004 totaliza o montante de 41.548,04€ (Fls. 2055 a 2069), (...)».
E) Com base nas conclusões da acção de inspecção e com recurso a métodos indirectos, foram feitas correcções à matéria tributável do IRC da impugnante nos montantes de €281.927,58, €238.611,64 e €307.957,96 para os exercícios de 2002, 2003 e 2004, respectivamente e IVA nos montantes de €48.530,50, €49.721,91 e € 57.373,34 para os anos de 2002, 2003 e 2004, respectivamente (cfr. fls. 161 e 162 dos autos).
F) Em 10-11-2006, a impugnante requereu a abertura do procedimento de revisão da matéria colectável (cfr. fls. 195 a 237), tendo o Director de Finanças, na falta de acordo, decidido manter os valores resultantes da acção de inspecção conforme despacho de 06/12/2006, a fls. 381 a 391, que aqui damos por integralmente reproduzido face à sua extensão.
E) Consta do referido despacho, designadamente, o seguinte:
«Em face da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (...) dos exercícios de 2002, 2003 e 2004, foi considerado encontrarem-se reunidos os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta para a determinação do lucro tributável (...) daqueles exercícios, para efeitos de IRC (...) conforme previsto nos art.ºs 87º, alínea b) e 88° da LGT art.ºs 52 e 54º do CIRC.
Estas situações não foram validamente postas em causa, quer no pedido de revisão, quer no debate entre os peritos pois nem o contribuinte nem o perito por si nomeado, vieram destruir os argumentos, mantendo-se os mesmos sem contestação.
Não ficou provado que as mercadorias vendidas à consignação não foram realmente vendidas, nem ficou demonstrado que estavam em armazém ou que a ele regressaram.
Os métodos indirectos estão, assim, plenamente justificados.
Quanto à quantificação
(...)
Os Serviços de Inspecção Tributária procederam à determinação da matéria tributável, tendo por base:
- As vendas de mercadorias enviadas à consignação (com excepção das emitidas em nome das lojas da A………..), consideradas como vendas fixas;
- Quanto ao exercício de 2004, foi também utilizado o valor médio de MBVM, constante dos rácios por unidade orgânica, para o CAE 52410 - Comércio a Retalho de Têxteis (36,92%).
(…) No que respeita à quantificação, não foram apresentados pelo sujeito passivo, ou pelo seu perito, elementos concretos que permitam pôr em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária, confirmados pelo Perito da Fazenda Pública, e que permitam fazer prova do excesso na quantificação».
G) Em sequência, foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios para os anos de 2002, 2003 e 2004, com os nºs 06401499, 0640150, 06401501, 06401502, 06401503, 06401504, 06401505, 06401506, 06401507, 06401508, 06401510, 06401511, 06401514, 06401515, 06401516, 06401517, 06401521, 06401522, 06401524, 06401525, 06401528, 06401529, 06401530 e 06401531, no valor total de €175.957,67, com data limite de pagamento em 28-02-2007 (cfr. fls. 61 a 85).
H) Em 29-12-2006 a Administração Tributária procedeu a uma notificação dirigida à impugnante, na pessoa de uma funcionária da sua mandatária, a qual continha o nº das liquidações de IVA, os períodos a que respeitam, respectivos montantes e o prazo de cobrança (cfr. fls. 392 dos autos).
I) As liquidações identificadas na alínea G) foram notificadas à impugnante em 05-01-2007, 08-01-2007 e 09-01-2007 (cfr. fls. 61 a 84 e fls. 394 a 417 dos autos).
J) A impugnação deu entrada no tribunal em 20/04/2007, conforme carimbo aposto na petição inicial, a fls. 1.
L) Nos anos de 2002, 2003 e 2004, a impugnante tinha ao seu serviço no sector das confecções cinco ou seis trabalhadoras permanentes, número que se mantinha de anos anteriores (depoimentos das testemunhas B……… e E……….).
M) Esse número era complementado com trabalhadores temporários, contratados por curtos períodos de um, três ou seis meses, quando se registavam picos de encomendas por parte de grandes clientes como o “……… (depoimentos de E………. e D……….).
N) Nos exercícios inspeccionados, nunca a empresa teve ao seu serviço, simultaneamente, vinte e nove trabalhadores ou, sequer, um número aproximado desse (depoimentos cit).
O) Nos exercícios inspeccionados, a impugnante não alterou o nível das encomendas que vinha efectuando nos anos anteriores ao seu principal fornecedor (depoimento da testemunha ……..).
P) A impugnante comprava toda a matéria-prima e fabricava na sua empresa a quase totalidade da mercadoria à consignação (depoimento de D………).
Q) As guias de consignação emitidas em nome de B……… e C……… não representavam venda, às mesmas, de mercadoria em consignação, funcionando antes como guias de transporte destinadas a justificar, perante as autoridades, a circulação da mercadoria de que se faziam acompanhar durante a actividade de prospecção de mercado que levavam a efeito como vendedoras da impugnante (depoimento da própria B……. e da testemunha D……..).
*
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:
Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, designadamente, não se provou que a venda de mercadoria a clientes à consignação estivesse reflectida na contabilidade, nem se provou a materialidade das devoluções representadas nas guias de devolução.
Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se o seguinte:
Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos, com destaque para a assinalada.
B……… refere no seu depoimento, prestado com assertividade, que nunca foi cliente da impugnante e dela nada recebeu para além do seu salário como vendedora. Que, nesta qualidade, fazia prospecção de mercado. Que levava uma guia em seu nome porque na actividade de prospecção ainda não sabia os clientes que ia angariar e que essa guia funcionava como uma espécie de guia de transporte para justificar, perante as autoridades policiais, o material que transportava. Que, se angariava um cliente, apontava o que o mesmo queria e era emitida nova guia de consignação em nome do cliente ou factura, de conformidade com a encomenda, dando-se baixa da guia emitida em seu nome através de uma guia de devolução. Que igual actividade prospectiva era desenvolvida também pela C……... Que a mercadoria que levava à consignação e não vendida, retomava à fábrica. Que quando transportava mercadoria que já estava encomendada, então já se fazia acompanhar da guia de consignação em nome do cliente ou factura.
Por outro lado, de destacar o depoimento de D………., TOC externo da impugnante, quando refere que os custos documentados não conseguem justificar o volume de vendas à consignação que foi presumido à impugnante, destacando que ela comprava toda a matéria-prima e fabricava a mercadoria na empresa, pouca sendo adquirida a terceiros, sendo que as contratações temporárias para o sector das confecções eram para acorrer a encomendas mais volumosas, mas era pessoal que “entrava e saía” com grande rotatividade.
Não podemos deixar de estranhar o depoimento da Sra. Inspectora ………., que procedeu à acção inspectiva, quando refere, a instâncias do Exmo. Sr. RFP, que “não se recorda, não tem a certeza” do número de funcionários da impugnante apurado pela inspecção quando no restante depoimento demonstra ter bem presente toda a actividade desenvolvida no âmbito dessa acção externa.
*
Este Tribunal julga provada, documentalmente, a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do art.º 662, n.º 1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do art.º 281, do C.P.P.Tributário):
R) A impugnante, ora recorrida, A………., Lda., em 8 de Novembro de 2006, constituiu sua bastante procuradora a Senhora Dra. …………. “a quem confere os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, incluindo os de substabelecer total ou parcialmente e por mais de uma vez, bem como poderes especiais para representar a mandante em quaisquer processos judiciais perante os tribunais administrativos e fiscais e em quaisquer processos, petições, reclamações e pedidos de revisão a apresentar perante quaisquer autoridades administrativas e fiscais e ainda em execuções fiscais a correr termos em Serviços de Finanças contra a mesma, incluindo os poderes para consultar todos os processos existentes contra a mandante, de natureza fiscal”, cfr. procuração constante de fls. 3037 do PA 7º vol. apenso aos presentes autos)».
*
3.1. A impugnante recorre, agora, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, do acórdão do TCAS, de 05/11/2015, proferido de fls. 704 a 729, que concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença que, no TT de Lisboa, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA de 2002, 2003 e 2004.
Entendeu o referido acórdão que não ocorre a caducidade do direito à liquidação do IVA de 2002 pois que a recorrente foi notificada, em prazo, na pessoa do mandatário constituído a quem conferiu poderes especiais para o efeito.
Entendeu, ainda, que da prova produzida não resulta que a recorrente demonstre ter ocorrido erro de quantificação da matéria tributável, que havia sido determinada com recurso a métodos indiretos.
*
3.2. Com efeito escreveu-se no acórdão recorrido (fls. 863 e 864) que:
“Conforme alínea R) do probatório, a impugnante, ora recorrida, A………., Lda., em 8 de Novembro de 2006 constituiu sua bastante procuradora a Senhora Dra. ……………. “a quem confere os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos incluindo os de substabelecer total ou parcialmente e por mais de uma vez, bem como poderes especiais para representar a mandante em quaisquer processos judiciais perante os tribunais administrativos e fiscais e em quaisquer processos, petições, reclamações e pedidos de revisão a apresentar perante quaisquer autoridades administrativas e fiscais e ainda em execuções fiscais a correr termos em Serviços de Finanças contra a mesma, incluindo os poderes para consultar todos os processos existentes contra a mandante, de natureza fiscal”, cfr. procuração constante de fls.3037 do PA – 7º vol., apenso aos presentes autos).
Face ao referido documento, constata-se que a procuração da mandatária é bem mais abrangente conferindo poderes forenses gerais, bem como poderes especiais para representar a mandante, não se restringindo à representação para o pedido de revisão da matéria colectável, pelo que nos termos do artº 36 do Código do Processo Civil (actual artigo 44º) que remete para a extensão de mandato, atribuindo poderes para o mandatário representar a parte, em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, constata-se que existiriam plenos poderes de representação para recepcionar as liquidações adicionais de IVA.
Pelo que forçoso será concluir que as liquidações, referentes ao IVA de 2002, foram notificadas dentro do prazo de caducidade em 26/12/2006, à impugnante e na pessoa da mandatária.
Pelo que procede este fundamento de recurso.”.
*
3.3. No que respeita à questão do erro de quantificação da matéria tributável escreveu-se no acórdão recorrido:
“A nosso ver o que ficou expresso (supra transcrito) pela ATA é suficiente para a compreensão da motivação substancial da correcção quanto à questão em análise.
De facto, perante a falta de correspondência entre as facturas emitidas e as guias referentes a mercadorias entregues à consignação, conjugada com a falta de documentos (nomeadamente guias de controle), competia à Recorrida provar que a mercadoria identificada nas guias à consignação não corresponde a vendas.
Este nosso entendimento de que estamos perante omissão é corroborado, como bem, refere a Recorrente, pela circunstância de: «O que neste caso concreto se verifica é a existência de omissão de proveitos através de guias à consignação que, nos exercícios em causa, não deram origem à correspondente emissão de facturas, infringindo o disposto no nº 2 do art. 37º do CIVA».
E essa demonstração não foi feita. Nem perante a ATA, nem perante o tribunal de 1.ª instância (repare-se, a sentença sob recurso deu como não provado - «que a venda de mercadoria a clientes à consignação estivesse reflectida na contabilidade, nem se provou a materialidade das devoluções representadas nas guias de devolução.»)
Sendo, de resto, evidente que a Recorrida cedo se demitiu de qualquer cooperação, com vista ao apuramento da verdade material. Com efeito, no âmbito do procedimento de inspecção, foi solicitado à Recorrida a apresentação dos documentos comprovativos da entrada em armazém dos artigos constantes nas guias de devolução emitidas nos anos de 2002, 2003 e 2004, documentos que não entregou.
Do que decorre que, contrariamente ao que se decidiu na Sentença sob exame, a Recorrida não logrou provar a existência de qualquer erro na quantificação da matéria tributável.”.
*
3.4. O presente recurso foi interposto, para o STA, do acórdão de 05/11/2015 (fls. 847/869) como revista.
A recorrente, pelo requerimento (fls. 903/923), arguiu a nulidade do mesmo acórdão, por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida.
Por acórdão 29/06/2017 (fls.9967/1004) foi decidido desatender, por infundada, a presente arguição e manter inalterado o referido aresto.
Torna-se, por isso, necessário proceder à apreciação preliminar sumária da verificação dos pressupostos da sua admissibilidade, nos termos do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Estabelece este artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista” o seguinte:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.
Resulta do n.º 1 do artigo transcrito a excecionalidade do recurso de revista, estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
Deve este recurso de revista excecional funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como mais uma instância generalizada de recurso.
Como se escreveu no acórdão deste STA, de 02 de abril de 2014, rec. N.º 01853/13, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso:
«(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Tem igualmente afirmado o STA, sobre esta questão, que os requisitos de admissão do recurso de revista para “uma melhor aplicação do direito” implicam «a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito» a qual resultará «da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se ver a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.» (STA 17/02/2016, proc. 0945/15).
No mesmo sentido podem consultar-se, entre muitos outros os acórdãos do STA de 30/05/2012, processos n.º 304/12 e 415/12, e a jurisprudência nestes referida.
A mesma jurisprudência do STA tem igualmente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito e que se trata não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser acionada naqueles precisos termos.
Tem, ainda, entendido a referida jurisprudência que o recorrente deve demonstrar essa excecionalidade e que deve demostrar que a questão que coloca ao STA assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
Daí que não seja de admitir o recurso de revista excecional quando se trate de uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tornando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida (Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012-P. 084/12).
A relevância jurídica fundamental verificar-se-á quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tenha suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
A relevância social fundamental ocorrerá quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando esteja em apreciação questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso individual e concreto das partes envolvidas.
Ocorrerá, ainda, a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito quando se preveja a possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e correspondente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma contraditória, quando se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se gere incerteza e instabilidade a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa para dissipar dúvidas tornando-se necessário e útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Daí que se possa afirmar que a intervenção do STA no recurso excecional de revista só se justifica em materiais de relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso (acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2013-P. 0185/13).
*
3.5. As questões a apreciar consistem em saber se, havendo mandatário constituído com poderes especiais para o efeito, pode a notificação da liquidação adicional de IVA ser feita na pessoa do mandatário constituído ou na do sujeito passivo e se da prova dos autos resulta demonstrado que se verifica excesso de quantificação da matéria tributável, que foi determinada com recurso a métodos indiretos.
Quanto à questão da notificação da liquidação do IVA na pessoa do mandatário acompanha-se o MP quando afirma que a recorrente não alega a existência de divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais sobre a matéria e a decisão recorrida não tratou a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável pois que considerou o tribunal recorrido que, em função do probatório (alínea R), o mandatário da recorrente tinha poderes especiais para representar a mandante em quaisquer processos, petições, reclamações e pedidos de revisão a apresentar perante quaisquer autoridades administrativas e fiscais e ainda em execuções fiscais a correr termos em serviços de finanças contra aquela, pelo que tinha poderes de representação para rececionar as notas de liquidação dos tributos.
Acresce que a decisão recorrida acompanha a doutrina e jurisprudência sobre matéria de notificações de atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, nos termos dos artigos 268.º 3 da CRP e 36.º e 40.º do CPPT, como é o caso dos autos e citada pelo MP (cf. CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, 1 volume, página 394, Jorge Lopes de Sousa, acórdão do TCAS, de 10/04/2014-P.07443/14 e do STA, de 04/05/2011-P.0927/10).
Escreveu-se no sumário deste o seguinte:
“I - Tendo sido constituído mandatário judicial no procedimento tributário de reclamação é obrigatória a notificação deste do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa, não sendo esta notificação substituível pela notificação do reclamante (artigo 40.º do CPPT).
II - Sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (artigo 266.º n.º 3 da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados (artigo 40.º do CPPT) como condição de eficácia do acto notificando (artigo 36.º n.º 1 do CPPT), ter-se-á de concluir que a notificação feita na pessoa do reclamante é ineficaz, designadamente para o efeito da determinação do termo inicial do cômputo do prazo de impugnação do indeferimento expresso da reclamação, não sendo, por isso, intempestiva, a impugnação deduzida.”.
*
3.6. A segunda questão relativa ao excesso de quantificação da matéria tributável, suscitada pela recorrente, igualmente não merece acolhimento.
Com efeito pretende a recorrente que o STA reaprecie a matéria de facto.
Entende-se que este STA não pode apreciar a factualidade fixada nem as ilações de facto tiradas pelo tribunal recorrido por força do referido artigo 150.º nº 3 e 4 do CPTA, pois que apenas tem competência para apreciar o direito perante os factos apurados pela 1ª instância ou pelo TCA.
Como refere o MP a recorrente coloca para resolução neste recurso, a questão de saber se da factualidade evidenciada no probatório resulta demonstrado excesso de quantificação da matéria tributável pois que, dos factos apurados, o tribunal recorrido tirou a ilação de facto que a recorrente não cumpriu o ónus da prova do excesso da quantificação da matéria tributável.
Ainda conforme refere o MP também, saber se perante a prova produzida há dúvidas sobra a existência do facto tributário, nos termos do artigo 100.º do CPPT, como sustenta a recorrente, é, também, matéria de facto, que deve considerar-se fora dos poderes de cognição dos tribunais com meros poderes de revista, como é o caso do STA.
Do exposto resulta que não se verificam os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA pelo que não deve ser admitido o presente recurso.
Entende-se, por isso, que não se encontram alegados, nem demonstrados os pressupostos de que depende a admissão do recurso excecional de revista pelo que o mesmo não é de admitir.
*
Não se encontrando alegados, nem demonstrados os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista, previsto no artigo 150.º do CPTA, não deve o mesmo recurso ser admitido.
*
4. Termos em que se acorda em não admitir o presente recurso por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excecional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de maio de 2018. – António Pimpão (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.