Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0559/11
Data do Acordão:09/14/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I – A caducidade do direito de liquidação não é de conhecimento oficioso.
II – É na petição inicial que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.
III – Ainda que o tribunal não esteja submetido à qualificação jurídica que as partes atribuem aos factos articulados, deve o autor na petição inicial invocar todos os factos integradores dos vícios, bem como invocar expressamente os vícios invalidantes do acto impugnado.
Nº Convencional:JSTA00067150
Nº do Documento:SA2201109140559
Data de Entrada:06/01/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...,LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 D
CPPTRIB99 ART108 N1 ART125 N1 ART204 N1 E I
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC1178/04 DE 2005/05/18
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, Lda., com sede na …, contra a liquidação adicional de IRC do ano de 1997, e, em consequência, determinou a sua anulação, dela interpôs recurso para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
1- A Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, após ter julgado improcedente a excepção da caducidade do direito de impugnar (decisão da qual não se recorre), julgou procedente a impugnação, por caducidade da liquidação, fazendo, com todo o respeito, errada apreciação da matéria de facto e, consequentemente, errada interpretação e aplicação do direito;
2- Não concorda esta RFP com o entendimento do Tribunal de que a impugnação teria como uma das causas de pedir a caducidade do direito de liquidação – o que a impugnante alegou foi que apenas se poderia considerar notificada da liquidação aquando da sua citação, em 11-07-2000, sendo, consequentemente, tempestiva a impugnação;
3- Aliás, para além de ter assumido ter tido conhecimento da liquidação aquando da citação, resulta também, claramente, das afirmações da impugnante (artigos 4.º a 9.º da p.i.) que ela assume ter sido notificada dos fundamentos da liquidação, tendo participado do procedimento através do direito de audição;
4- Assim, a conclusão do Tribunal recorrido de que a impugnante teria alegado a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade não tem qualquer apoio na p.i. apresentada, nem poderia ter, uma vez que a p.i. foi apresentada antes de ter expirado o prazo de caducidade do direito à liquidação;
5- O que tem como consequência que o Tribunal recorrido, ao tê-la apreciado, não sendo do conhecimento oficioso, se pronunciou sobre questão de que não poderia ter tomado conhecimento,
6- Verificando-se existir uma causa de nulidade da sentença, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e n.º 1 do art.º 125.º do CPPT;
7- Por outro lado, ainda que se considerasse – no que não se concede e se configura apenas por mera cautela – que o alegado na p.i., quanto a esta matéria – falta de notificação da liquidação – teria outra finalidade que não apenas a de demonstrar a tempestividade da impugnação, não contendendo este fundamento com a legalidade da liquidação mas com a sua eficácia (a notificação é um acto externo ao acto notificando afectando apenas a exigibilidade da dívida), nunca seria a impugnação o meio próprio para o apreciar;
8- De acordo com a sentença, “A liquidação ora impugnada, referente ao IRC do ano fiscal de 1997 (…) foi efectuada em 25/09/1999” e “não há qualquer prova nos autos de que a impugnante tivesse conhecimento da liquidação antes de 07/08/2000 (data em que foi citada para a execução)”;
9- Ora, a falta de notificação da liquidação ou mesmo a notificação depois de decorrido o prazo de caducidade constituem fundamentos de oposição à execução fiscal, os quais se enquadram nas alíneas e) e i) do art.º 204.º do CPPT, e não de impugnação judicial, pelo que, também por aqui, sempre existiria erro de julgamento (cfr. Acórdão do STA, de 07-01-2009, proc. n.º 0638/08);
10- Como, no caso concreto, a impugnante também alega a inexistência dos factos tributários subjacentes à liquidação, fundamento que é de impugnação judicial por contender com a legalidade da liquidação, não é possível a convolação dos presentes autos (sendo o pedido e uma das causas de pedir totalmente conformes com a via processual adoptada, não cumpre ao Tribunal fazer a opção por uma ou outra das vias);
11- Por tudo quanto se deixa dito, e com todo o respeito, a presente impugnação nunca poderia ter sido julgada procedente;
12- Devendo, por conseguinte, ser revogada e ordenada a baixa novamente à 1.ª instância, a fim de ser apreciado o outro fundamento invocado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Mma. Juíza a quo sustenta a decisão recorrida, afirmando que não cometeu a nulidade que lhe é assacada.
Por acórdão de 28/4/2011, o TCAN julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, declarando competente para esse efeito o STA.
Aqui remetidos os autos, o Exmo. Magistrado do MP remete para o parecer já emitido pelo MP junto do TCAN, ou seja, no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se assente a seguinte factualidade:
1- A liquidação ora impugnada, referente a IRC do ano fiscal de 1997, relativa à sociedade A…, Lda., no valor global de 1.981.448$00 (um milhão, novecentos e oitenta e um mil, quatrocentos e quarenta e oito escudos) foi efectuada em 25/09/1999;
2- O pagamento voluntário da liquidação, referida em 1-, deveria ser efectuado até 24/11/1999;
3- A mencionada liquidação de IRC foi efectuada com base nos resultados da acção de fiscalização, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra;
4- Para notificação dessa liquidação, em 15/10/1999, foi expedida uma carta, para endereço que se desconhece;
5- Em 11 de Julho de 2000, foi a ora impugnante citada para os termos do processo de execução fiscal, respeitante à cobrança coerciva da dívida de IRC identificada em 1-;
6- A petição inicial relativa aos presentes autos deu entrada neste Tribunal em 07/08/2000.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF de Coimbra que, considerando verificada a caducidade do direito de liquidação, julgou procedente a impugnação, determinando a anulação da liquidação.
Para tanto, considerou a Mma. Juíza “a quo” que não tendo a impugnante sido regularmente notificada no prazo de caducidade se impunha a anulação da liquidação.
Contra tal entendimento, se insurge agora a FP, alegando, desde logo, que, não tendo a impugnante invocado a referida caducidade, não poderia o tribunal tê-la conhecido, pelo que, ao fazê-lo, se pronunciou sobre questão de que não podia tomar conhecimento, determinante de nulidade da sentença, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Sustenta a Mma. Juíza “a quo” ter, porém, a impugnante invocado, entre outros fundamentos, a caducidade do direito de liquidação do tributo aqui em causa, designadamente quando alega que só na data em que foi citada para a execução fiscal teve conhecimento da liquidação impugnada, facto que em seu entender consubstancia o vício da caducidade do direito de liquidação, mas mesmo admitindo que tal facto foi alegado para demonstrar a tempestividade da sua impugnação o tribunal não podia deixar de tomar em consideração o mesmo, sendo que não está submetido à qualificação jurídica das partes.
Vejamos. Não há dúvida que se tem entendido que a caducidade do direito de liquidação não é de conhecimento oficioso (v. acórdão do Pleno da SCT do STA de 18/5/2005, no recurso 1178/04).
Por outro lado, é inquestionável que a impugnante, ora recorrente, alegou na sua petição inicial a falta de notificação da liquidação do tributo cujo pagamento lhe estava a ser exigido em execução fiscal, conforme citação que lhe foi efectuada.
Mas fê-lo, sem dúvida, para fundamentar a tempestividade da impugnação só agora apresentada e não para invocar a caducidade do direito de liquidação de tal tributo.
De resto, nem se justificaria que o fizesse uma vez que, tratando-se de uma liquidação de IRC de 1997, e tendo sido citada em 11/7/2000 (v. pontos 1 e 5 do probatório), era manifesto que o prazo de caducidade ainda não decorrera quando apresentou a petição inicial de impugnação em 7/8/2000 (ponto 6 do probatório).
E convém ter em conta que, mesmo em matéria de facto alegada, com rigor o que a impugnante alega é que até à data em que apresentou a impugnação nunca fora notificada daquela liquidação.
Daí que, para que o tribunal concluísse pela verificação da caducidade do direito de liquidação sempre teria que apurar que a impugnante nem até essa data, nem posteriormente até à data em que considerou verificada a aludida caducidade, fora efectivamente notificada da liquidação em causa, ou seja, sempre teria que alargar o âmbito da matéria de facto por ser insuficiente a alegada.
Assim, contrariamente ao sustentado pela Mma. Juíza “a quo”, os factos alegados não eram suficientes para consubstanciar um vício cujo prazo de verificação ainda não decorrera.
Por outro lado, não se pode olvidar que é na petição inicial que a impugnante tinha de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 108.º do CPPT.
Na verdade, é aí que devem se alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.
E embora seja verdade que, quanto às razões de direito, a sua falta ou incorrecção não tem relevo decisivo, não se pode deixar de concluir que quem deduz impugnação judicial deve invocar na petição inicial todos os factos integradores dos vícios, bem como invocar expressamente todos os vícios invalidantes do acto (v., neste sentido, tb. Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, em anotação ao artigo 108.º).
Ora, no caso em apreço, o vício invalidante que determinou a procedência da impugnação, com a consequente anulação da liquidação, não foi, como vimos, invocado pela impugnante e, por não ser de conhecimento oficioso, dele não podia o tribunal recorrido dele ter conhecido como o fez.
Razão por que estamos perante nulidade da sentença, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Acresce que ainda que a admitir-se que o facto alegado – falta de notificação da liquidação – constituísse fundamento invocado, para além da mera demonstração da tempestividade da acção, constituindo o mesmo fundamento de oposição à execução, nos termos das alíneas e) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, também por esse motivo não poderia ser conhecido em sede de impugnação judicial, nem ordenar-se a respectiva convolação para a forma de processo adequada, uma vez que, no caso concreto, a impugnante invoca outro fundamento que, por contender com a legalidade da liquidação, só pode ser conhecido em impugnação judicial.
Assim, como a impugnante invoca, de facto, como fundamento da impugnação a inexistência de factos tributários subjacentes à liquidação, matéria em relação à qual se não mostra fixada qualquer base factual, impõe-se a baixa dos autos novamente à 1.ª Instância, a fim de aí ser apreciado, então, o fundamento invocado.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos à 1.ª Instância para aí, após fixação do pertinente probatório, se conhecer do fundamento invocado.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Setembro de 2011. – António Calhau (relator) – Casimiro Gonçalves – Isabel Marques da Silva.