Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0315/12
Data do Acordão:07/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IRS
IRC
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
PENHORA
Sumário:I – No concurso entre uma hipoteca e um privilégio imobiliário geral, aquela prevalece sobre este, porque se trata de um direito real de garantia, enquanto que a penhora é apenas uma garantia geral das obrigações, fonte de uma preferência sobre o produto dos bens penhorados, nos termos do art. 822º, nº 1, do CPC.
II – Os créditos da Fazenda Pública, relativos a IRC e IRS, gozam de privilégio imobiliário geral, nos termos dos arts. 11º do CIRS e 108º do CIRC, prevalecendo sobre os créditos reclamados garantidos por penhora.
Nº Convencional:JSTA000P14388
Nº do Documento:SA2201207050315
Data de Entrada:03/22/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I-RELATÓRIO

1. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de fls. 262 e segs., reformada no seu segmento decisório, a fls. 295 e segs., foram graduados os créditos nos termos seguintes:
“1. Os créditos de imposto Municipal sobre imóveis reclamados pela Fazenda Pública, a par com os créditos exequendos de Imposto Municipal sobre Imóveis referentes ao imóvel penhorado, acrescidos de juros.
2. Os créditos hipotecários reclamados por B…… e mulher C……, D……, E…… e mulher F……, G……, H…… e marido I……, J……, K…… e marido L……, M……, N……, O……, P……, Q……, com a limitação temporal dos juros, conforme artigo 693º n° 1 e 2, do Código Civil.
3. Os créditos reclamados por R……, acrescidos de juros.
4. Os créditos reclamados por “A……, Lda. “, acrescidos de juros.
5. Os créditos exequendos de IRS, a par com os créditos exequendos de IRC, com os créditos exequendos resultantes de coimas, e de imposto Municipal sobre imóveis que não se reportam ao imóvel penhorado, acrescidos de juros.

2. A representante da Fazenda Pública, junto do TAF de Aveiro, não se conformando com a sentença de fls. 262 veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
“1. No âmbito do processo de execução fiscal n.° 0019200901028715 e apensos (0019200901031457, 0019200901040154, 0019200901054562 e 0019200901061208), foi em 05/04/2010 penhorado o bem imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Águeda, sob o artigo n.° 20, tendo a referida penhora sido registada pela Ap. 2811, de 05/04/2010;
2. Os referidos processos de execução fiscal correm termos no Serviço de Finanças de Águeda, para cobrança coerciva, respectivamente, das dívidas provenientes de IMI de vários prédios, incluindo o penhorado, do ano de 2008, IRS do ano de 2009, Coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2009, IRC do ano de 2008, e IMI de vários prédios, incluindo o penhorado, do ano de 2008;
3. Pela Fazenda Pública foram reclamados créditos respeitantes a IMI do ano de 2009 referente ao prédio penhorado, em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal nº.s 0019201001023411 e 0019201001050524, os quais gozam de privilégio creditório imobiliário especial;
4. A sentença recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação do Direito, porquanto a mesma omitiu a graduação do crédito exequendo, referente a IMI do ano de 2008, relativo ao prédio penhorado, que além da garantia dada pela penhora, está garantido por privilégio creditório imobiliário especial, nos termos das disposições combinadas dos artigos 122.° do CIMI e 744°, n.° 1, 748, n.° 1, alínea a), e 751°, todos do CC, pelo que devia ter sido graduado em primeiro lugar, juntamente com os créditos de IMI reclamados e graduados;
5. Não o tendo feito, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 240°, n.° 1, do CPPT, nos artigos 744°, n.° 1, 748, n.° 1, alínea a), e 751°, todos do CC e no artigo 122.° do CIMI;
6. A sentença recorrida não graduou, no lugar que lhes competiam, os créditos exequendos de IRS, do ano de 2009, e de IRC, do ano de 2008, os quais, além da garantia dada pela penhora registada em 05/04/2010, beneficiavam de privilégio creditório imobiliário geral, nos termos dos artigos 111.° do CIRS, e 116º do CIRC, pelo que deveriam ter sido graduados em terceiro lugar, depois dos créditos hipotecários reclamados por “B…… E OUTROS”, e antes dos créditos reclamados por “R…….” e “A……, LDA” e dos restantes créditos exequendos (IMI do ano de 2008 relativo aos prédios não penhorados e Coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2009), que beneficiam apenas da garantia resultante das penhoras, de acordo com o disposto nos artigos 749°, n.° 1, e 822.° do CC;
7. Logo, não o tendo feito, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 240°, n.° 1, do CPPT, nos artigos 733°, 749°, n.° 1, e 822.° do CC e nos artigos 111.° do CIRS e 116.° do CIRC.
8. A sentença recorrida omitiu ainda a graduação do crédito exequendo, referente a Coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2009, pois embora não usufruam de qualquer privilégio creditório, beneficiam da garantia dada pela penhora registada em 05/04/2010, devendo ser graduados em função da antiguidade do registo, in casu, deveriam ter sido reconhecidos e graduados em quinto lugar, a seguir aos créditos reclamados pela Fazenda Pública de IMI de 2009 e créditos exequendos de IMI de 2008, ao crédito hipotecário reclamado por “B…… E OUTROS”, e aos créditos reclamados por “R……” e “A……, LDA”, garantidos por penhora com registo anterior;
9. Por conseguinte, não o tendo feito, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 240.°, n.° 1, do CPPT e no artigo 822°, n.° 1, do CC;
10. E, por último, a sentença recorrida omitiu a graduação dos créditos exequendos, referentes a IMI do ano de 2008 referentes a outros prédios que não o penhorado, dado que embora não usufruam de qualquer privilégio creditório, beneficiam da garantia dada pela penhora registada em 05/04/2010, devendo ser graduados em função da antiguidade do registo, isto é, deveriam ter sido reconhecidos e graduados em quinto lugar, a seguir aos créditos reclamados pela Fazenda Pública de IMI de 2009 e créditos exequendos de IMI de 2008, ao crédito hipotecário reclamado por “B…… E OUTROS”, e aos créditos reclamados por “R……” e “A……, LDA”, garantidos por penhoras com registo anterior.
11. Não o tendo feito, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 240°, n.° 1, do CPPT e no artigo 822°, n.° 1, do CC.
Nos termos vindos de expor e nos que V.ªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida substituindo-a por outra que admita, reconheça e gradue tais créditos no lugar que lhes competir, conforme se apresenta mais consentâneo com o Direito e a Justiça.

3.1. Notificada da reforma da sentença, por despacho de fls. 295 e segs., a representante da Fazenda Pública veio, por requerimento de fls. 308, dizer o seguinte:
“A Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em resposta à notificação desse Tribunal de 10/02/2012, sobre a sentença reformada em 08/02/2012, vem dizer que mantém interesse no recurso interposto, relativamente à parte em que considera que os créditos exequendos de IRS, do ano de 2009, e de IRC, do ano de 2008, garantidos por privilégio imobiliário geral não prevalecem sobre os créditos que beneficiam da garantia decorrente da penhora, entendendo a douta sentença que estes últimos consubstanciam-se em privilégios imobiliários especiais, o qual deverá subir nos termos legais”.
É o que nos cumpre informar face ao notificado.”

4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido do seu provimento, com os fundamentos que se seguem:
“(…)
FUNDAMENTAÇÃO
1. Na sequência de interposição de recurso pela Fazenda Pública a sentença proferida em 23.08.2011 foi reformada por despacho proferido em 8.02.2012, considerando-se complemento e parte integrante daquela (arts.669° n°2 al. b) e 670º n°1 CPC)
Não obstante, a Fazenda Pública manifestou interesse na apreciação do recurso, restringindo o seu âmbito ao segmento da graduação de créditos que confere prevalência aos créditos com a garantia da penhora sobre os créditos exequendos de IRS - ano 2009 e de IRC - ano 2008 (art.670° n°3 CPC; doc. fls. 308)
2. O Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do art.11° DL n° 103/80, 8 Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido às instituições de previdência prefere à garantia emergente do registo da penhora sobre determinado imóvel (acórdãos n°s 193/2003, 697/2004 e 231/2007, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
Embora sem força obrigatória geral, a solidez da argumentação subjacente ao juízo de não inconstitucionalidade e a especial autoridade do Tribunal Constitucional sobre questões de constitucionalidade justifica a adesão à doutrina dos arestos.
A doutrina do aresto é aplicável aos créditos exequendos provenientes de IRS (ano 2009) e de IRC (ano 2008), os quais gozam igualmente de privilégio imobiliário geral sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente (art. 111º CIRS; art.108° CIRC)
Registe-se que a prevalência conferida no despacho de reforma da sentença aos créditos garantidos pela penhora radica no erróneo entendimento de que esta constitui um privilégio imobiliário especial e não uma garantia geral para realização coactiva da prestação (arts. 733° e 822° n°1 CCivil)
3. Neste contexto os créditos exequendos supra identificados devem ser graduados em terceiro lugar:
- após os créditos garantidos por hipotecas e antes dos créditos reclamados por R…… e por A……, Lda, garantidos por penhora.
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão que altere a graduação de créditos nos termos propugnados na fundamentação”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

II- FUNDAMENTOS

1.DE FACTO
A sentença recorrida fixou a seguinte factualidade:
“Por apenso ao processo de execução fiscal que a Fazenda Pública instaurou a “S…… , Lda.”, CF n° …, com domicílio fiscal na Estrada Nacional n° …, …, em Águeda, foram reclamados os seguintes créditos:
Por “A……, Lda.”, CF n° …, um crédito no montante de € 14.706,41, acrescido de juros garantido por penhora lavrada no Proc. n° 6089/09.0T2AGD, Comarca do Baixo Vouga, que incidiu sobre o prédio urbano sito no …, …, em Águeda, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo 20°, descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o n° 3212, registada pela Ap.3913 de 2009/11/19.
Por B…… e mulher C……, D……, E…… e mulher F……, G……., H…… e marido I……, J……, K…… e marido L……, M……, N……, O……, P……, Q……, um crédito no montante de € 60.000,00, acrescido de juros contabilizados em € 3.984,27, desde 12/3/2009 até 26/5/2010, e vincendos, garantido por hipoteca constituída sobre o prédio urbano sito no …, …, em Águeda, descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº 3212, registada pela Ap. 23 de 2008/10/09.
Por R……, CF n° …, um crédito no montante de € 262.500,00, acrescido de juros contabilizados em € 9.378,08 até 18/6/2010, e vincendos, garantidos por penhora lavrada no Proc. nº 4611/09.0T2AGD, a correr termos no Juízo de Execução de Águeda, Comarca do Baixo Vouga, que incidiu sobre o prédio urbano sito no …, …, em Águeda, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo 20º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o n° 3212, registada pela Ap. 5073 de 2009/08/14.
Pela Fazenda Pública foram reclamados créditos de Imposto Municipal sobre Imóveis, relativo ao imóvel penhorado, referentes a 2009, acrescidos de juros.
Cumprido o disposto no artigo 866° do Código de Processo Civil, os créditos não foram impugnados, pelo que se julgam verificados, impondo-se a sua graduação”.

2. DE DIREITO

Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, reformada por despacho proferido em 8/2/2012, fls. 295 a 297, dos autos, no segmento da graduação de créditos em que se considera que os créditos exequendos de IRS, do ano de 2009, e de IRC, do ano de 2008, garantidos por privilégio imobiliário geral não prevalecem sobre os créditos que beneficiam da garantia decorrente da penhora.
A douta sentença recorrida, já depois de reformada, procedeu à graduação dos créditos reclamados da seguinte forma:
1. Os créditos de Imposto Municipal sobre Imóveis reclamados pela Fazenda Pública, a par com os créditos exequendos de Imposto Municipal sobre Imóveis referentes ao imóvel penhorado, acrescidos de juros.
2. Os créditos hipotecários reclamados por B…… e mulher C……, D……, E…… e mulher F……, G……, H……. e marido I……, J……, K…… e marido L……, M……, N……, O……., P……., Q……, com a limitação temporal dos juros, conforme artigo 693°, nº. 1 e 2, do Código Civil.
3. Os créditos reclamados por R……, acrescidos de juros.
4. Os créditos reclamados por “A……, Lda.”, acrescidos de juros.
5. Os créditos exequendos de IRS, a par com os créditos exequendos de IRC, com os créditos exequendos resultantes de coimas, e de Imposto Municipal sobre Imóveis que não se reportam ao imóvel penhorado, acrescidos de juros.
Para tanto ponderou, o Mmº Juiz “a quo”, no que ao recurso importa, que:
· “O artigo 822°, n° 1, do Código Civil, prescreve que o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago pelo valor dos bens penhorados com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior”.
· “Assim sendo, os créditos reclamados por R……. e “A……., Lda.”, que beneficiam de penhoras respectivamente registadas pela Ap. 5073 de 2009/08/14 e Ap. 3913 de 2009/11/19, graduam-se logo após os créditos hipotecários mencionados”.
· “O IRS é um imposto directo e, nos termos do artigo 111° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativamente aos últimos 3 anos, goza de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.
· “Da mesma garantia beneficiam os juros desses créditos como determina o artigo 734º do Código Civil.
· “Ora, na medida em que tal privilégio não se reporta a um bem imóvel concreto e determinado, mas antes a todo o património do devedor, são os créditos exequendos de IRS que têm de ceder perante os créditos de Imposto Municipal Sobre Imóveis, pois estes beneficiam de privilégio imobiliário especial.
· “Este argumento também é válido quanto aos créditos garantidos por hipoteca e penhora pois, tratando-se de privilégios imobiliários especiais, preferem aos créditos garantidos por privilégio imobiliário apenas geral.
· “De resto, em relação à questão da eficácia dos privilégios creditórios em relação a terceiros, ou seja, o conflito entre direitos dos credores comuns e os direitos de terceiros estabelecidos sobre os bens que constituem objecto do privilégio, o Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 362/2002, publicado no DR n° 239, I Série A, nº 239, de 16 de Outubro de 2002, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, consagrado no artigo 2° da Constituição, da norma constante do artigo 104° do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30/11, correspondente ao actual artigo 111º, face às alterações efectuadas pelo Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3/7, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Nacional prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751° do Código Civil. Aliás, por força da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8.3 ao artigo 751° do Código Civil, tomou-se claro e expresso que apenas os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros, excluindo-se explicitamente do normativo em causa os privilégios imobiliários gerais.
· “Pelo exposto, entende-se que o crédito privilegiado de IRS não goza de prioridade na graduação em confronto com o crédito hipotecário.
· “Os créditos exequendos de IRC beneficiam do privilégio constante do artigo 108° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, posto que a penhora efectuada no processo de execução fiscal ocorreu em 2010, e tal privilégio abrange o IRC relativo aos três últimos anos.
· “Da mesma garantia beneficiam os juros desses créditos como decorre do artigo 734° do Código Civil.
· “Contudo, têm que ceder perante os créditos acima mencionados, pelas razões acima expendidas”.

Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública, argumentando, em síntese, que:
· “A sentença recorrida não graduou, no lugar que lhes competiam, os créditos exequendos de IRS, do ano de 2009, e de IRC, do ano de 2008, os quais, além da garantia dada pela penhora registada em 05/04/2010, beneficiavam de privilégio creditório imobiliário geral, nos termos dos artigos 111.° do CIRS, e 116º do CIRC, pelo que deveriam ter sido graduados em terceiro lugar, depois dos créditos hipotecários reclamados por “B…… E OUTROS”, e antes dos créditos reclamados por “R……” e “A……, LDA” e dos restantes créditos exequendos (IMI do ano de 2008 relativo aos prédios não penhorados e Coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2009), que beneficiam apenas da garantia resultante das penhoras, de acordo com o disposto nos artigos 749°, n.° 1, e 822.° do CC” (Ponto das Conclusões).

Em face das conclusões das alegações, que delimitam o objecto do presente recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº3, e 685º-A/1 do CPC, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se a decisão recorrida enferma de erro de interpretação e aplicação do direito ao ter dado prevalência aos créditos garantidos por penhora sobre os créditos exequendos de IRS – ano de 2009 e IRC – ano de 2008, garantidos por privilégio imobiliário geral.

Vejamos.

2. Da análise do erro de julgamento

Para pagamento do IRS e IRC relativo aos últimos três anos, a Fazenda pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente, nos termos do disposto no art.111º do CIRS e 108º do CIRC, respectivamente.
Por sua vez, o art. 822º, nº1, do Código Civil, refere que o exequente adquire pela penhora o direito a ser pago pelo valor dos bens penhorados com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior.
A questão sub judice prende-se com o concurso entre o privilégio imobiliário geral de que gozam os créditos relativos a IRS e IRC e a penhora, uma vez que o Mmº Juiz “a quo” deu prioridade ao crédito garantido por penhora, socorrendo-se do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 362/2002, publicado no DR n° 239, I Série A, nº 239, de 16 de Outubro de 2002, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, consagrado no artigo 2° da Constituição, da norma constante do artigo 104° do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30/11, correspondente ao actual artigo 111º, face às alterações efectuadas pelo Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3/7, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Nacional prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751° do Código Civil.
Acontece que, no caso dos autos, o concurso não é entre o privilégio imobiliário geral e a hipoteca, mas sim entre aquele privilégio e a penhora.
Como resulta do art. 686º, nº 1, do Código Civil, “[a] Hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas móveis, ou equiparadas, pertencentes aos devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Resulta do mencionado preceito que a hipoteca é um direito real de garantia, que goza do direito de sequela característico dos direitos reais, enquanto que a penhora o não é, sendo apenas uma garantia geral das obrigações (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., p. 95.) e “fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados, dado que o exequente adquire por ela o direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art. 822º, nº 1, do CC). Esta regra prevê a hipótese de existirem, além do exequente, outros credores com garantias reais sobre bens penhorados ou com uma segunda penhora sobre esses mesmos bens e destina-se a hierarquizar o crédito do exequente na sua relação com os créditos que beneficiam dessas garantias ou daquela penhora” (Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 251.).
Tendo em conta esta diferença entre a penhora e a hipoteca, o Tribunal Constitucional ponderou, no Acórdão nº 193/2003, Processo nº 52/02, que o credor comum que obteve a penhora do imóvel não tem uma expectativa jurídica tão forte como a do credor hipotecário, pelo que, nesta conformidade, “não parece assim ser arbitrária, irrazoável ou infundada a consagração do referido privilégio a favor da Segurança Social. Não estamos, com efeito, perante uma afectação inadmissível, arbitrária ou excessivamente onerosa da confiança, já que a preferência resultante da penhora é de, algum modo, temporariamente aleatória”.
Nesta sequência aquele Tribunal conclui no mesmo Acórdão em “não julgar inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 8 de Maio, interpretada em termos de o privilégio mobiliário geral nela conferido às instituições de segurança social preferir à garantia emergente do registo da penhora sobre determinado imóvel”.
Esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, embora sem dispor de força obrigatória geral, já foi acolhida por este Supremo Tribunal do Acórdão de 18/1/20102, proc nº 648/11, e não vemos razão para nos afastarmos dela. Naquele aresto do STA acrescentou-se ainda, a favor da tese do Tribunal Constitucional que “(…) a preferência do privilégio creditório sobre a penhora resulta da conjugação dos artigo 822º com o artigo 733º do CCv, uma vez que a preferência que a penhora confere ao exequente de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, apenas existe nos casos em que a lei especial não estabeleça outra regras de preferência, sendo um desses casos as normas que estabelecem os privilégios. Por outro lado, confrontando-se o privilégio com créditos cuja única causa de preferência é a penhora, apesar dos direitos conferidos por ambas garantias se reportarem à mesma data – a da apreensão dos bens – o privilégio pré-existe e, por isso, o credor que dele goza deve ser satisfeito com prioridade”.
No caso sub judice, como bem refere o Ministério Público, no seu parecer, “(…) a prevalência conferida no despacho de reforma da sentença aos créditos garantidos pela penhora radica no erróneo entendimento de que esta constitui um privilégio imobiliário especial e não uma garantia geral para realização coactiva da prestação (arts. 733° e 822° n°1 CCivil)
(…) Neste contexto os créditos exequendos supra identificados devem ser graduados em terceiro lugar:
- após os créditos garantidos por hipotecas e antes dos créditos reclamados por R…… e por A……, Lda, garantidos por penhora”.
Em suma, em face do exposto, não podemos deixar de concluir que assiste razão à recorrente, devendo a sentença recorrida ser revogada, no segmento impugnado.

III- DECISÃO

Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado, que no demais se mantém, e, em consequência, graduar os créditos pela ordem seguinte:
1. Os créditos de Imposto Municipal sobre Imóveis reclamados pela Fazenda Pública, a par com os créditos exequendos de Imposto Municipal sobre Imóveis referentes ao imóvel penhorado, acrescidos de juros.
2. Os créditos hipotecários reclamados por B…… e mulher C……, D……, E…… e mulher F……, G……, H…… e marido I……, J……, K…… e marido L……, M……., N……, O……, P……, Q……, com a limitação temporal dos juros, conforme artigo 693°, nº. 1 e 2, do Código Civil.
3. Os créditos exequendos de IRS, a par com os créditos exequendos de IRC, acrescidos de juros.
4. Os créditos reclamados por R……, acrescidos de juros.
5. Os créditos reclamados por “A……, Lda.”, acrescidos de juros.
6. Créditos exequendos resultantes de coimas, e de Imposto Municipal sobre Imóveis que não se reportam ao imóvel penhorado, acrescido de juros.

Sem custas.

Lisboa, 5 de Julho de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Lino Ribeiro.