Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0286/12
Data do Acordão:07/05/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DE PROVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
SIGILO BANCÁRIO
MEIOS DE PROVA
Sumário:I - É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
II - A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC.
III - A acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur».
IV - É precisamente o inverso disso, porém, que se verifica quando se condiciona o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia à junção pelo requerente dos seus extractos bancários, estando ínsita nessa exigência uma renúncia imposta ao segredo bancário sobre os movimentos das contas de que é titular o requerente, alegadamente como (único) meio adequado de demonstração da sua irresponsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens.
V - Tal exigência deve ter-se como desproporcionada atento ao fim tido em vista, para o qual, aliás, o legislador não previu a derrogação administrativa do segredo bancário.
VI - Também a necessária instrução do requerimento de dispensa com a prova documental necessária, a que alude o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, não parece legitimar a exigência dos extractos de conta como condição necessária para o deferimento do pedido, pois que para que assim fosse teria o legislador de dizê-lo abertamente e sem subterfúgios e, dizendo-o, infirmar um potencial juízo de inconstitucionalidade a que as restrições probatórias necessariamente se sujeitam, por maioria de razão nos casos em que obrigam à renúncia do direito ao segredo bancário.
Nº Convencional:JSTA00067721
Nº do Documento:SAP201207050286
Data de Entrada:05/09/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCA SUL DE 2011/11/29 - AC TCA SUL PROC489/11 DE 2011/09/20
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:L 13/2002 DE 2002/02/19 ART2 N1 ART4 N2
L 107-D/2003 DE 2003/12/31
ETAF02 ART27 B
CPPTRIB99 ART146-A ART146-B ART170 N3 ART284
CPTA02 ART152
LGT98 ART52 N4 ART63-A ART63-B
CCIV66 ART342 ART344
DL 298/92 DE 1992/12/31 ART78 N1 N2 ART79 N1 N2 F
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1149/02 DE 2003/05/07; AC STAPLENO PROC452/07 DE 2007/09/26; AC STAPLENO PROC616/07 DE 2008/07/14; AC STAPLENO PROC617/08 DE 2009/05/06; AC STAPLENO PROC19532 DE 1996/06/19; AC STAPLENO PROC276/05 DE 2005/05/18; AC STAPLENO PROC327/08 DE 2008/12/17; AC TC PROC748/06 DE 2006/11/28; AC TC PROC372/06 DE 2006/12/12; AC STJ PROC87156 DE 1995/04/26
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VII PAG809 PAG814 6ED VII PAG565-566
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……, com os sinais dos autos, não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de Novembro de 2011 (fls. 90 a 93, frente e verso), que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 12 de Setembro de 2011, que julgou procedente a reclamação deduzida pelo ora recorrente contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Santarém que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, anulando o acto reclamado, vem, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, 282.º n.º 1, 283.º e 284.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso para este Supremo Tribunal, por oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20 de Setembro de 2011, proferido no recurso n.º 0489/11 (junto a fls. 129 a 141 dos autos), formulando as seguintes conclusões:
- Quanto à alegada oposição de acórdãos (alegações de fls. 100/101):
1. No acórdão recorrido, folhas 2 ponto “B”. A fundamentação.”, é identificada a questão que opõe as partes.
2. A mesma questão de mérito, mereceu igual identificação, a fls. 9, 4º parágrafo do acórdão no processo nº 04989/11 do TCA Sul.
3. A questão de mérito decidida em oposição nos dois acórdãos refere-se à legalidade do despacho do OEF que decide condicionar o deferimento do pedido de isenção de garantia à apresentação dos extractos bancários do executado.
4. Tratando-se da mesma questão de direito bem como de uma contextualização em tudo igual nas duas situações geradores dos dois acórdãos em oposição, deverá concluir-se pela verificação dos pressupostos legais para a admissão do presente recurso.
5. Dada a identidade dos dois acórdãos relativamente aos sujeitos, do objecto, da situação fáctica, do pedido e da matéria de direito em discussão.
6. Porém, as soluções apresentadas nos dois acórdãos são antagónicas sem possibilidade de conciliação.
7. Na penúltima folha do acórdão recorrido, último parágrafo, fica expresso “…não vimos com a referida solicitação do OEF para o executado juntar aos autos de procedimento os citados extractos bancários, possa ser ilegal…”
8. Enquanto que o acórdão proferido no âmbito do processo 04989/11 do TCA SUL refere, a folhas 12 (penúltima folha), 3º parágrafo, “Ora, tal parece-nos absolutamente ilegítimo, na consideração de que, em face da ordem jurídica existente, o levantamento do sigilo bancário dos cidadãos é um procedimento limitado e, por regra, sujeito à autorização judicial, excepção feita aos casos elencados no nº1, do art. 63.º-B, da LGT”.
Termos em que, se julga ter demonstrado a existência de oposição entre o Acórdão de que se recorre e o TCA Sul no processo nº 04989/11 de 20 de Setembro de 2011, na medida em que o primeiro entende pela legalidade do despacho do OEF e o segundo entende pela sua ilegalidade tratando-se de idêntica situação de facto e de direito.

- Quanto ao mérito do recurso (alegações de fls. 112/118):
29. A questão controvertida centra-se no juízo de legalidade ou ilegalidade do despacho do órgão de execução fiscal, que fundamenta o indeferimento do pedido de isenção de garantia em processo executivo por falta de oferecimento dos extractos bancários.
30. Note-se, que a motivação apresentada para o indeferimento do pedido de isenção da garantia, não resulta de qualquer falta de apresentação de provas pelo executado mas porque este não apresentou os extractos das suas contas bancárias.
31. Na perspectiva do recorrente, o despacho do OEF é manifestamente ilegal, violador de basilares direitos com consagração constitucional.
32. O direito de reserva à vida intima e privada na vertente do sigilo bancário tem consagração constitucional, pelo que a sua derrogação apenas poderia ocorrer ou voluntariamente ou por instrumento legal devidamente sopesado com os princípios constitucionais.
33. Tal instrumento legal inexiste. Logo nos termos da lei e da constituição essa exigência do OEF, é ilegal e inconstitucional bem como o despacho que inviabiliza a dispensa da garantia pois expressamente indefere por considerar em falta, a produção da prova ilegalmente exigida.
34. O OEF não pode indeferir o pedido como fez, motivado na falta de apresentação dos extractos bancários ilegalmente exigidos, em jeito de retaliação, dado que os elementos que exige, não constituem causa para o indeferimento da pretensão formulada pelo contribuinte.
35. O indeferimento de pedido de isenção de garantia em processo executivo com fundamento na falta de junção de elementos não obrigatórios, não pode valer na ordem jurídica.
36. O recorrente discorda em absoluto com a posição assumida no douto acórdão recorrido, para mais ainda, pela referência ao artigo 64º nº1 da LGT, como fortalecedora da posição da AT.
37. Esta norma refere-se ao sigilo profissional sobre elementos de natureza pessoal obtidos em procedimento.
38. O “procedimento” tem de revestir sempre a forma legal em obediência ao princípio da legalidade norteador de qualquer conduta da AT.
39. O litígio que opõe o aqui recorrente à decisão vertida no douto Acórdão, tem justamente a ver, com a legalidade ou não do procedimento operado pela AT.
40. Qualquer referência ao artigo 64.º nº 1 da LGT com o objectivo de sustentar a violação de direitos fundamentais constitui uma subversão interpretativa da norma.
41. Constituindo ainda o cerne de questões ancestrais de direito sobre a violação de direitos fundamentais invocando a existência de normas protectoras, de acção posterior, sobre essa violação.
42. Questões, que já mereceram consenso, no sentido do ordenamento não as permitir.
43. Como tal, a violação ou o afastamento de qualquer direito fundamental seja qual for a situação só pode ser realizado através de lei.
44. Inexistindo lei, que exija para o deferimento de um pedido de isenção de garantia, extractos bancários, não pode existir interpretação legal ainda que reflectida em decisão judicial, que determine a exigência de extractos bancários sob pena de, a não serem juntos, ser o pedido de isenção de garantia indeferido.
45. A desproporcionalidade entre o prejuízo causado a direitos do executado protegidos constitucionalmente não seria de todo aceitável, não apenas pela incerteza do benefício do resultado da verificação dos extractos bancários;
46. Como ainda, porque, mesmo presumindo que da violação desses direitos resultaria a certeza (a qual seria sempre impossível) para o deferimento ou indeferimento da isenção de garantia, o eventual benefício extraído dessa informação seria completamente irrelevante (deferimento ou indeferimento do pedido) face ao prejuízo realizado num direito maior do executado.
47. Reiteramos, a violação desses direitos do executado nunca de modo algum resultariam numa certeza da verdade quanto à verificação ou não dos pressupostos para a apreciação do pedido de isenção de garantia.
48. O Estado de Direito não se coaduna com visões unidireccionais, de um presente que não aprende com a história, desagregadoras do ordenamento jurídico e da sociedade que regulam.
49. No sentido do que se vem defendendo, veja-se a decisão vertida no acórdão fundamento, que curiosamente foi proferida no âmbito da mesma divida, em que é revertida, a filha do ora recorrente.
Termos em que nos melhores de direito devem as presentes alegações de recurso ser aceites por estarem em tempo, concedendo-se provimento ao recurso, por provado, determinando a douta decisão do Pleno do STA, a revogação da decisão vertida no Acórdão recorrido, dada a fundamentação aduzida e ainda, porque se apresenta a decisão de que se recorre, em oposição com o acórdão fundamento, proferido em situação exactamente idêntica, dado inclusive a dívida ser a mesma.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: acórdão TCA Sul – SCT proferido em 29.11.2011 (em oposição com acórdão TCA Sul-SCT proferido em 20.09.2011 - processo n.º 4989/11
FUNDAMENTAÇÃO
1. Pressupostos para o conhecimento do recurso
São requisitos legais cumulativos do conhecimento do recurso por oposição de acórdãos:
- identidade da questão fundamental de direito
- ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica
- identidade de situações fácticas
- antagonismo de soluções jurídicas
(art. 284º CPPT; art. 27º nº 1 al. b) ETAF vigente; art. 152º nº1 al. a) CPTA)
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (acórdãos STA Pleno secção de Contencioso Tributário 19.06.96 processo nº 19 532; 18.05.2005 processo nº 276/05)
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado e comentado 5ª edição 2007 Volume II p. 809; acórdão STJ 26.04.1995 processo nº 87 156)
A oposição de soluções jurídicas exige ainda pronúncia expressa sobre a questão, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (acórdãos STA Pleno SCT 6.05.2009 processo nº 617/08, 26.09.2007 processo nº 452/07; acórdãos STA SCT 28.01.2009 processo nº 981/07; 22.10.2008 processo nº 224/08)
2. Aplicando estas considerações ao caso concreto:
Questão fundamental de direito:
- legalidade da imposição ao executado da apresentação de uma declaração, sob compromisso de honra, de eventuais contas bancárias de que seja titular, das entidades bancárias em que estão sedeadas e dos respectivos extractos bancários, tendente à prova da manifesta falta de meios económicos que não seja da sua responsabilidade, como condição do deferimento de pedido de isenção de garantia a prestar em processo de execução fiscal (art. 52.º n.º 4 LGT)
A esta questão responderam os arestos em confronto de forma antagónica: em sentido afirmativo o acórdão recorrido, em sentido negativo o acórdão fundamento
Conflito de jurisprudência
Merece o sufrágio do Ministério Público a doutrina plasmada no acórdão fundamento.
Considerandos fácticos e jurídicos:
Embora sem referência expressa na enunciação da questão decidenda constante do acórdão recorrido, importa salientar a identidade das situações fácticas subjacentes aos acórdãos em oposição, na medida em que ambos os despachos do órgão da execução fiscal estabelecem a cominação da improcedência do pedido como consequência da falta de apresentação dos documentos controvertidos, mencionados na enunciação da questão decidenda pelo ministério público (cf. docs fls. 24 in fine e 27)
A reserva da intimidade da vida privada e familiar merece tutela constitucional, compreendendo duas vertentes:
- direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar
- direito a impedir a divulgação por terceiros de informações sobre a vida privada e familiar de outrem
É problemática a inclusão no perímetro de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar do “direito ao segredo do ter”, designadamente o segredo dos recursos financeiros e patrimoniais e o segredo de aplicações do dinheiro
(art. 26º nº 1 CRP; sobre esta temática cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira “Constituição da República Portuguesa anotada 4ª edição revista Volume I pp. 468/469)
Corrente consolidada da jurisprudência do tribunal Constitucional considera o sigilo bancário «uma dimensão do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar» 8cf. por todos acórdão 31.04.1995 processo nº 510/91); doutrina qualificada inscreve-o na esfera mais alargada do direito à privacidade, objecto de tutela constitucional menos intensa (cf. Saldanha Sanches Segredo bancário, Segredo Fiscal: uma perspectiva funcional in Fiscalidade nº 21 pp. 33/42)
«… restrições probatórias abstractas de provas de determinadas categorias (por exemplo, a não aceitação de prova testemunhal ou não atribuição de relevância probatória a determinados tipos de documentos) são ilegais por violarem a regra do art. 72.º da LGT, ao afastarem a ponderação da potencialidade probatória de meios de prova que não se enquadrem nas categorias indicadas» (Jorge Lopes de Sousa Código de procedimento e de processo tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume I p. 459).
Nesta conformidade o condicionamento do deferimento do pedido à apresentação de determinado tipo de documentos com um específico conteúdo (extractos das contas bancárias) representa uma violação pela administração tributária do princípio da livre admissão das provas, consubstanciado na possibilidade de apresentação pelo interessado de quaisquer meios de prova legalmente previstos e na sua apreciação pelo decisor sem preferência absoluta ou exclusão absoluta de qualquer categoria de prova (art. 72.º LGT; art. 50.º CPPT)
Não prejudica este entendimento a possibilidade concedida ao interessado de apresentação de outros documentos, na medida em que meramente acessórios na ponderação da decisão e sem a relevância probatória absoluta conferida aos documentos bancários controvertidos
O condicionamento do deferimento do pedido à apresentação dos documentos bancários constitui igualmente uma via oblíqua mas inequívoca de acesso a documentos protegidos pelo sigilo bancário, sem observância dos requisitos legais (art. 63.º-B nº 1 LGT; arts 146º-A e 146.º-B CPPT.)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
O acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por acórdão com o seguinte dispositivo:
- declaração de procedência da reclamação
- anulação do despacho reclamado proferido pelo órgão da execução fiscal

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa averiguar previamente se, no caso dos autos, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito, sendo a questão que constitui o objecto do presente recurso a de saber se a Administração fiscal pode legalmente condicionar o deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia para suspender a execução fiscal à apresentação pelo requerente dos seus extractos bancários.

5 – Matéria de facto
No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:
A) Por despacho de fls. 16, foi revertida contra o reclamante a execução fiscal n.º 2089200801081896, instaurado para cobrança coerciva da dívida exequenda de 9.720,46€.
B) Notificado para prestar garantia idónea, nos termos do art. 195.º e 199.º do CPPT, no valor de 15.004,73€, o reclamante requereu a isenção de prestação de garantia – fls. 21 e 22 a 23.
C) Por despacho de fls. 24, foi ordenada a notificação do reclamante para « (…) apresentar, entre outra documentação que pretendam, uma “Declaração de compromisso de honra da(s) conta (s) bancária (s) que possuem e entidade (s) bancária (s) onde a(s) mesma(s) está (ão) sediadas (s), acompanhada (s) do(s) respectivo(s) extracto(s) bancário(s).
D) O reclamante apresentou, então, a nota de liquidação de IRS do ano de 2009 e os documentos que serviram à apresentação do IRS do ano de 2010 – fls. 26.
E) Por despacho de fls. 27, que se dá por integralmente reproduzido, foi indeferido o pedido de isenção da prestação de garantia, por falta de requisitos legais.

6 – Apreciando.
6.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos
Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Novembro de 2011 (fls. 90 a 93, verso, dos autos), que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a reclamação deduzida pelo ora recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Santarém de indeferimento do pedido de isenção de garantia para suspender a execução fiscal, com fundamento em oposição com o acórdão do mesmo Tribunal de 20 de Setembro de 2011, proferido no rec. n.º 4.989/11.
Não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos (cfr. fls. 108 dos autos), importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685.º-C, n.º 5 do Código de Processo Civil - CPC) – cfr. também neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284.º do CPPT).
O presente processo iniciou-se no ano de 2011, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Desconhecendo-se jurisprudência deste STA sobre a questão objecto do presente recurso, manifesto é que o segundo requisito se tem por verificado.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).
Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.
A questão que constitui o objecto do presente recurso é a de saber se a Administração fiscal pode legalmente condicionar o deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia para suspender a execução fiscal à apresentação pelo requerente dos seus extractos bancários.
A esta questão respondeu o acórdão recorrido em sentido afirmativo, revogando a sentença do TAF de Leiria que julgara em sentido oposto, por lhe parecer suficiente para o fim tido em vista – de comprovação dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) -, a junção dos saldos das contas bancárias. Ao invés, no acórdão fundamento - igualmente proferido em recurso interposto de sentença do TAF de Leiria mas que indeferira a reclamação deduzida pela filha do ora recorrente -, considerou-se que tal exigência feita pelo órgão de execução fiscal (…) é ilegal.
Estamos, pois, perante respostas antagónicas à mesma questão fundamental, no quadro de uma situação de facto similar, como se colhe dos respectivos probatórios fixados (o do acórdão recorrido, reproduzido supra; o do acórdão fundamento, a fls. 132 e 133 dos autos), e perante um quadro normativo que se mantém inalterado.

E, assim sendo, há, efectivamente, oposição de julgados justificativa da admissibilidade do presente recurso, pelo que haverá que conhecer do respectivo mérito.

6.2 Da (i)legalidade do condicionamento do deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia à apresentação pelo requerente dos seus extractos bancários
O artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, estabelece no seu n.º 1 o dever de segredo bancário como dever profissional dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ocasional, do qual decorre, como contra face, o direito ao segredo bancário por parte das instituições e seus clientes. O n.º 2 do mesmo artigo estabelece, por sua vez, que estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
O segredo bancário conhece excepções, desde logo as previstas no artigo 79.º do RGICSF, aí se consignando a possibilidade de renúncia ao direito ao segredo por parte do cliente no que respeita aos factos ou elementos das relações do cliente com a instituição (cfr. o n.º 1 do artigo 79.º do RGICSF) e bem assim, entre outras, a limitação desse dever aos casos em que exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo (cfr. a alínea f) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF).
Os artigos 63.º-A e 63.º-B da LGT constituem disposições legais expressas que limitam o dever de segredo bancário, estabelecendo-se nos mesmos preceitos legais as disposições procedimentais a observar para tal derrogação administrativa e nos artigos 146.º-A e seguintes do CPPT as normas processuais aplicáveis.
No que respeita ao acesso a informações e documentos bancários do contribuinte, o artigo 63.º-B da LGT tipifica no seu n.º 1 os casos em que pode ter lugar e exige, no seu n.º 4 prescreve que a decisão de acesso a tais informações seja tomada ao mais alto nível da Administração - pelo director-geral dos Impostos ou seu substituto legal, sem possibilidade de delegação, no caso dos impostos administrados pela DGCI -, e que seja fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que as justificam, podendo o contribuinte reagir contra essa decisão nos termos previstos no artigo 146.º-B do CPPT.
A lei não prevê a derrogação administrativa do sigilo bancário no caso de ser requerida a dispensa de prestação de garantia para suspender a execução.
Nesta matéria – a da dispensa/isenção da prestação de garantia – apenas estabelece:
- no n.º 4 do artigo 52.º da LGT que: «A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de maios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado»,

- no artigo 170.º do CPPT (na redacção vigente à data do pedido, anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2001, de 30 de Dezembro) que:
«1 - Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo referido no n.º 2 do artigo anterior.
2 - Caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
3 - O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
4 - O pedido de dispensa de garantia será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação.»


Decorre das transcritas disposições legais que a dispensa da prestação de garantia tem de ser requerida pelo interessado, através de pedido fundamentado dirigido ao órgão de execução fiscal instruído com a prova documental necessária, e o seu deferimento depende do preenchimento de três requisitos cumulativos: (1) que se verifique uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; (2) que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado; (3) e que a prestação de garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.
O ónus da prova do preenchimento dos requisitos de que depende o deferimento do pedido de dispensa de garantia recai sobre o requerente, que invoca o respectivo direito à dispensa da prestação de garantia, como decorre das regras gerais (cfr. os artigos 342.º e 344.º do Código Civil) e se consignou no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal no de 17 de Dezembro de 2008, proferido no rec. n.º 327/08, ao qual aderimos sem reservas.
Igualmente se consignou nesse Acórdão do Pleno que a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. Mais se acrescentou, porém, que a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur».
Ora, sendo, pois, certo que o ónus da prova sobre os requisitos de que depende a prestação de garantia recai sobre o requerente de tal dispensa, deve também atender-se a que, relativamente à exigência de prova de inimputabilidade ao executado da responsabilidade pela inexistência ou insuficiência de bens, o princípio constitucional da proporcionalidade deve ter como corolário uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse.
É precisamente o inverso disso, porém, que se verifica quando se condiciona o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia à junção pelo requerente dos seus extractos bancários, estando ínsita nessa exigência uma renúncia imposta ao segredo bancário sobre os movimentos das contas de que seja titular o requerente, alegadamente como (único) meio adequado de demonstração da sua irresponsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens.
Ora, tal exigência deve ter-se como desproporcionada atento ao fim tido em vista, para o qual, aliás, o legislador não previu a derrogação administrativa do segredo bancário.
Também, a necessária instrução do requerimento de dispensa com a prova documental necessária, a que alude o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, não parece legitimar a exigência dos extractos de conta como condição necessária para o deferimento do pedido, pois que para que assim fosse teria o legislador de dizê-lo abertamente e sem subterfúgios e, dizendo-o, infirmar um potencial juízo de inconstitucionalidade a que as restrições probatórias necessariamente se sujeitam, por maioria de razão nos casos em que implicam a renúncia do direito ao segredo bancário (sobre a questão das restrições probatórias, para que, aliás, chama a atenção o supra transcrito parecer do Ministério Público nos presentes autos, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volumes II e III, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 565/566 – nota 2i) ao art. 146.º-B do CPPT e 233 – nota 4b) ao art. 170.º do CPPT e bem assim os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 681/2006 e 646/2006, para além de numerosa jurisprudência deste STA).
Nada obsta, obviamente, a que o requerente possa instruir o seu pedido de dispensa de prestação de garantia juntando-lhe os extractos das suas contas bancárias. O que se entende não poder sancionar-se é o entendimento de que sem a junção de tais extractos de conta o pedido de dispensa de garantia terá necessariamente que improceder, mesmo que outros meios de prova, menos “invasivos” da reserva da vida privada mas também idóneos, sejam apresentados.
Entende-se, pois, como não tendo suporte legal nem sendo consentânea com o princípio da proporcionalidade a exigência por parte da Administração fiscal de junção pelo requerente de dispensa de prestação de garantia dos seus extractos bancários para demonstração de que a inexistência ou insuficiência de bens lhe não é imputável, sob pena de indeferimento do pedido. Como bem salienta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, tal exigência, para além do mais, consubstancia uma via oblíqua mas inequívoca de acesso a documentos protegidos pelo sigilo bancário, sem observância dos requisitos legais (art. 63.º-B nº 1 LGT; arts 146º-A e 146.º-B CPPT), que este Supremo Tribunal não pode sancionar.

Pelo exposto, necessário é concluir que o recurso merece provimento, revogando-se o acórdão recorrido que assim não julgou e confirmando-se o decidido na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que bem julgou desproporcionada a exigência dos extractos de conta, por esse motivo anulando o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.
- Decisão -
7 – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar o acórdão recorrido e, julgando procedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrente contra o despacho de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia, anular o sindicado despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Santarém, como julgado em primeira instância.

Custas pela Fazenda pública, apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 5 de Julho de 2012. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – João António Valente Torrão – Dulce Manuel da Conceição Neto – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – José da Ascensão Nunes Lopes – Joaquim Casimiro Gonçalves – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira.