Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025/15
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ILEGALIDADE
OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO
Sumário:I – Tendo em consideração um contrato de permuta de acções que foi celebrado sub conditione (a transmissão foi feita sob condição suspensiva consubstanciada na «verificação da obtenção das declarações de não oposição por parte das Autoridades de supervisão Portuguesas (…) e das Autoridades Comunitárias de concorrência»”), até se podia, em abstracto, aceitar que a data da emissão da última declaração de não oposição à permuta pudesse ser o momento decisivo para a efectivação do dever de lançar a OPA obrigatória.
II – No caso dos autos, porém, não foi isso o contratualizado entre as partes. Efectivamente, o que foi convencionado foi que a permuta de acções não se daria automaticamente com a verificação dessa condição, sendo necessário um ulterior acto de transmissão efectiva das acções, momento a partir do qual deveria ter lugar o anúncio preliminar da OPA.
Nº Convencional:JSTA00070566
Nº do Documento:SA120180228025
Data de Entrada:01/12/2015
Recorrente:Z........
Recorrido 1:CONSELHO DIRECTIVO DA COMIS DE MERCADOS DE VALORES MOBILIÁRIOS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAC LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM ECON
Legislação Nacional:LPTA ART102 ART25.
CPC ART685 ART698 ART660 ART456.
L 15/2002 ART5.
CVM ART5 ART114 ART113 ART118 ART31 ART175 ART187 ART192 ART193.
CONST ART268 N4.
CMVM ART542 ART543 ART526 ART527 ART528 ART531.
CCIV66 ART405.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01228/05 DE 2006/02/04.; AC STA PROC0381/04 DE 2004/06/30.; AC STA PROC0379/04 DE 2004/10/26.; AC STA PROC01064/05 DE 2005/12/14.; AC STA PROC026/15 DE 2015/06/18.; AC STA PROC037518 DE 1997/05/13.; AC STJ PROC0212/00 DE 2000/04/11.; AC STA PROC046505 DE 2000/10/18.
Referência a Doutrina:FAZENDA MARTINS - CADERNO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS N1.
ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLII PÁG263.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Z…………., devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do TAC de Lisboa, de 28.07.14 (fls. 1837 a 1865), que decidiu:
“a) Julgar improcedentes as exceções de ineptidão e deficiente instrução da petição inicial, de erro na forma do processo e incompetência material do tribunal;
b) Rejeitar o recurso na parte referente ao pedido de «reposição da situação atual hipotética», com fundamento em erro insanável na forma do processo;
c) Rejeitar o recurso na parte referente ao pedido de anulação dos «atos» recorridos, com fundamento em ilegitimidade do Recorrente, impossibilidade (falta de objeto, quanto ao pretenso ato da CMVM de 10.03.2000, supra identificado na al. a) do pedido) e irrecorribilidade (quanto aos atos de registo identificados nas alíneas b) e c) do pedido);
d) Consequentemente, rejeitar integralmente o recurso e considerar desnecessária a apreciação da eventual inutilidade superveniente da presente lide.
e) Julgar improcedente a arguição da litigância de má fé da Recorrida CMVM e do contra-interessado BSCH”.
Na origem do recurso interposto para este Supremo Tribunal, esteve então, a mencionada sentença do TAC de Lisboa, que julgou, nos termos acabados de referir, o recurso contencioso de anulação proposto pelo A. Z…………. – na qualidade de contribuinte, investidor não institucional e destinatário da OPA geral e obrigatória das acções da Mundial Confiança e, ainda, ao abrigo da legitimidade popular conferida pelo artigo 31.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM) – contra a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), e, também, contra o Banco Santander Central Hispano (BSCH), a Caixa Geral de Depósitos (CGD), a Parbanca, SA (Parbanca) e todos os demais accionistas da Companhia de Seguros Mundial Confiança (CSMC) e do Banco Pinto e Sotto Mayor (BPSM), estes na qualidade de contra-interessados.
De acordo com a p.i. rectificada (cfr. fls. 246 e ss.), o A. pretendia impugnar os seguintes actos:
i) O acto de 10.03.00 do Conselho Directivo da CMVM (CD da CMVM) que determinou a suspensão do lançamento da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das acções representativas do capital social da CSMC, do BPSM, do Banco Totta & Açores (BT&A) e do Crédito Predial Português (CPP) – lançamento da OPA a cargo do BSCH –, e que, de igual forma, permitiu ao BSCH fazer-se substituir pela CGD no cumprimento deste seu dever, nos termos dos artigos 190.º e 191.º, n.º 2, do CMV;
ii) O acto de 12.05.00 do Presidente do CD da CMVM que determinou que se procedesse ao registo prévio, na CMVM, da OPA da totalidade das acções representativas do capital social da CSMC lançada pela Parbanca, e, igualmente, da deliberação do CD da CMVM, de 18.05.00, que ratificou o acto em questão;
iii) O acto de registo prévio daquela OPA (sob o n.º 8850) na CMVM.
Já após o recurso para este STA, veio a recorrida CMVM, por requerimento de fls. 2111, solicitar a junção aos autos do acórdão deste STA de 18.06.15, Proc. n.º 26/15, “que correu termos na mesma secção, por se entender que o mesmo é pertinente para a decisão a proferir nos presentes autos”.
Em resposta ao dito requerimento, veio o recorrente insurgir-se contra a junção aos autos do dito acórdão, por, em síntese, se tratar de “apressada e vã tentativa de condicionar o julgador dos presentes autos a uma errada e ilegal decisão proferida nos autos” (cfr. fls. 2136 a 2143).
2. O recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 1924 a 1933):
“I. A sentença recorrida é notoriamente ilegal.
II. É notório que os actos recorridos foram praticados, que o Recorrente tem legitimidade activa, que os actos são recorríveis e que a Autoridade Recorrida litiga de má fé.
III. O regime jurídico aplicável aos actos relacionados com o Contrato de Permuta de Acções e com o Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrados a 11N0V99 e, consequentemente, com os actos recorridos, é o do Código do Mercado de Valores Mobiliários (CódMVM, aprovado pelo DL nº 142-A/91, de 10ABR, c/sucessivas alterações), e não o do Código dos Valores Mobiliários (CódVM, aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13NOV, cuja entrada em vigor ocorreu a 1MAR00, salvo na parte respeitante às OPA’s obrigatórias, que ocorreu a 28DEZ99).
IV. A verificação do regime jurídico aplicável aos actos recorridos é determinante para apurar:
a) da possibilidade ou impossibilidade legal de o obrigado suspender o dever de lançar
OPA;
b) se a CMVM tem, ou não, o dever de verificar:

a. da existência dos pressupostos do exercício do eventual direito de suspender o dever de lançar OPA;
b. da legalidade da suspensão; e, consequentemente,
c) se a suspensão do dever de lançar OPA carece, ou não, de um acto autorizativo da CMVM, expresso ou tácito, sem o qual tal suspensão não possa ocorrer.
V. Os actos impugnados são os seguintes:
a) acto (despacho) praticado aos 10MAR00 pelo CD da CMVM, que determinou a suspensão do dever do BSCH lançar a OPA da totalidade das acções representativas do capital social MC, do BPSM, do BTA e do CPP, e permitiu ao BSCH fazer-se substituir pela CGD no cumprimento daquele seu dever, ao abrigo dos arts. 190º e 191º, nº 2, do CVM;
b) a deliberação do CD da CMVM tomada em 12MAI00, que ordenou o registo prévio da OPA geral e obrigatória das acções da MC, preliminarmente anunciada pelo BCP a 19JUL99, e cujo pedido de registo prévio deu entrada na CMVM a 28ABR00,
c) o acto de registo, na medida em que não seja mero acto de execução daquela deliberação.
VI. São actos administrativos contenciosamente recorríveis, por reunirem todos os necessários pressupostos [designadamente, os previstos no art. 268º, nº 4, da CRP, dos arts. 120º, 158º e ss., do CPA, dos arts. 3º, 4º a contrario, 6º, do ETAF, art. 25º, da LPTA, arts. 1º e ss. do Estatuto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo DL nº 473/99, de 8NOV), arts. 523º a 606º do CMVM (CMVM - Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL 142-A/91, de 10ABR), e arts. 114º a 119º, 187º a 193º, 360º, 361º e 365º do CVM, na medida em que:
- deram origem a uma relação pública jurídico-administrativa, de cariz poligonal, que tem por sujeitos a autoridade recorrida, o BSCH, a CGD, a Parbanca, o Recorrente e os demais accionistas da MC e do BPSM;
- foram praticados por um órgão da administração pública que, no exercício de poderes públicos e ao abrigo de normas de direito público, define a situação jurídica do Recorrente num caso concreto;
- são lesivos do regular funcionamento do mercado de capitais, do princípio da protecção dos investidores, e dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos do Recorrente, além de definitivos e executórios.
VII. A CMVM é uma pessoa colectiva de Direito Público, nos termos do art.1º do seu Estatuto, aprovado pelo DL 473/99, de 8 de Novembro, e uma autoridade administrativa sujeita, na sua actuação, ao princípio da legalidade, e aos demais “Princípios gerais” consagrados nos arts. 3º a 12º do CPA.
VIII. Ao celebrar o “Contrato de Permuta de Acções” de 11NOV99 e adquirir o direito de comprar 51,8% da MC, o BSCH constituiu-se na obrigação de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral concorrente das acções da MC, do BPSM, do BTA, e do CPP, nos termos do CMVM (designadamente, arts. 527º, nº 1, al. b), 528º, 530º, n.º 1, al. d), 531º, 534º, 538º e ss., 561º e ss.).
IX. O Cód.MVM não contemplava a possibilidade: da aquisição da participação qualificada antes do lançamento de OPA; da suspensão do dever do lançamento de OPA; da possibilidade de quem se constituiu em tal dever se fazer substituir no seu cumprimento.
X. Só a 13NOV99, depois de celebrados os contratos de 11NOV99, foi publicado o DL nº 486/99 que aprovou o Código de Valores Mobiliários (Cód.VM), determinou que o disposto no CMVM é aplicável às OPA’s obrigatórias cujo anúncio preliminar tenha sido publicado até 28DEZ99 (art. 5º, nº 1); que os art. 187º a 193º, as alíneas g), h) e i) do nº 2 do art. 393º e, na medida em que para estes preceitos seja relevante, os art. 13º, 16º, 17º, 20º e 21º do CVM entram em vigor a 28DEZ99 (idem); e que, com algumas outras ressalvas, o Cód.VM, revogando o CMVM, entrava em vigor a 01MAR00 (art. 2º).
XI. O regime legal aplicável aos Contratos celebrados a 11N0V99 e, consequentemente, às obrigações que deles dimanam é o CMVM (aprovado pelo DL nº 142-A/91, de 10ABR), e não o CVM.
XII. Assim, é manifestamente ilegal a actuação do CD da CMVM:
a) ao não ter exigido a publicação imediata do anúncio preliminar de OPA concorrente pelo BSCH a 11NOV99 sobre o capital social da MC, do BPSM, do BTA, e do CPP (art. 534º, do CMVM);
b) ao ter permitido a suspensão do dever de lançamento de OPA pelo BSCH, por acto praticado aos 10MAR00 ou em qualquer outra data (violação do princípio da legalidade/tipicidade);
c) ao ter permitido a substituição do BSCH, pela CGD, no dever de lançar OPA geral das acções da MC (violação do princípio da legalidade/tipicidade);
d) ao não ter exigido o lançamento de OPA das acções da MC (tendo como contrapartida mínima o valor de 66,65 Euros) – art. 550º e ss. do CMVM, e 188º do CVM,
e) ao não ter exigido o lançamento de OPA das acções do BPSM concorrente da OPA lançada em JUL99 pelo BCP – art. 550º e ss. do CMVM, e 188º do CVM,
XIII. Os actos recorridos são igualmente ilegais por envolverem fraude à lei, na medida em que admitiram como legal o valor da contrapartida oferecida pela PARBANCA (59,635 Euros);
XIV. Mesmo que, por absurdo, se entendesse dever aplicar-se o CVM, e não o CMVM, ainda assim os dois actos praticados e identificados sob as als. (b) e (c) do pedido seriam ilegais, na medida em que:
a) Em matéria de OPA’s obrigatórias, a CMVM tem como atribuição legal (arts. 118º, n.º 3, e 365º, nº 1, ambos do CVM) o controlo da legalidade, e dessa imposição legal não se pode afastar;
b) O registo da OPA na CMVM visa o controlo da legalidade da mesma, nos termos dos arts. 118º, nº 3, e 365º, nº1, ambos do CVM;
c) Sendo a contrapartida mínima a oferecer numa OPA obrigatória objecto de regulação legal (art. 188º do CVM), esse é um dos aspectos cuja legalidade a CMVM verifica, só concedendo o registo no caso de conformidade da contrapartida com os critérios legais;
XV. O BSCH constituiu-se no dever de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral das acções da MC (+BPSM+BTA+CPP) a 11NOV99 (quando celebrou o “Contrato de Permuta de Acções”) e, consequentemente, o anúncio preliminar e o lançamento daquelas OPA são reguladas pelo Cód. CMVM então em vigor (art. 28 a 33, 72 a 95 da p.r.).
XVI. E dado que o Cód. MVM o não permitia, o BSCH não podia, pois, suspender o dever de anunciar preliminarmente e de lançar OPA geral das acções da MC (+BPSM+BTA+CPP) a 11NOV99 em que se constituíra a 11NOV99; nem podia fazer-se substituir no seu cumprimento (art. 28 a 33, 72 a 95 da p.r.).
XVII. Acresce que a fls. 904 do Pº9589/OPAA (Informação nº DE/2000/137) o Recorrido afirma que:
a) o BSCH se constituiu no dever de lançar OPA geral das acções da MC (+BPSM+BTA+CPP) “no momento da verificação das condições suspensivas a que se encontra sujeito o contrato de permuta, (...), por força do disposto no art.187º e 20º, nº1 al. b)”;
b) a CMVM tem “poderes para controlar, a priori ou a posteriori, se só assim for possível, a verificação em concreto dos pressupostos e condicionalismos do exercício do direito [de suspensão do dever] (art. 358ºCód. VM)”.
XVIII. As “condições suspensivas” a que se encontrava “sujeito o contrato de permuta” (fls.65) eram a não oposição do MF à aquisição de 51,8% da MC, pelo BSCH que foi emitida a 25NOV99 (fls. ); a não oposição da CCE à operação de concentração do BSCH com o BTA e o CPP, que foi notificada a 11JAN000 (fls. 525 do Pº9589/OPAA); e a não oposição do BP à aquisição do BPSM pelo BSCH, que foi emitida a 18JAN00 (fls. );
XIX. O “momento da verificação das condições suspensivas a que se encontra sujeito o contrato de permuta” e em que, no entendimento do Recorrido, o BSCH se constituiu no dever de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral das acções da MC +BPSM (esta concorrente)+BTA+CPP foi pois a 18JAN00 – data em que o BP deliberou não se opor à aquisição, pelo BSCH, de 51,8% da MC (cfr. fls. 528 do Pº9589/OPAA);
XX. O BSCH não podia suspender o dever de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral das acções da MC +BPSM (esta concorrente)+BTA+CPP, a que ficou obrigado a 11NOV99;
XXI. Mesmo que, por absurdo, o pudesse fazer (suspender o dever), nos termos do Cód. VM, certo é que por força do disposto no nº 1 do art. 190º e no nº 1 do art. 191º, do Cód. VM, os actos seriam ilegais.
XXII. O próprio Recorrido reconhece que, caso fosse aplicável o Cód.VM, o prazo para o BSCH suspender o dever de lançar as OPA das acções da MC (+BPSM+BTA+CPP), mediante comunicação escrita à CMVM, expirou a 27JAN005 dias úteis após 18JAN00; e o prazo dentro do qual o BSCH deveria ter publicado anúncio preliminar de OPA das acções da MC (+BPSM+BTA+CPP) expirou a 18FEV0030 dias após 18JAN00.
XXIII. O
BSCH não exerceu o pretenso direito de suspender o dever (de lançar aquelas OPA) até 27JAN00, e não publicou o anúncio preliminar nem lançou OPA das acções da MC e do BPSM (esta concorrente) até 18FEV00 ou em qualquer outra data;
XXIV. Pelo que o lançamento, por terceiro, de qualquer daquelas OPA (como foi o caso da CGD com a OPA das acções da MC) apenas pode significar que o Recorrido, defraudando a lei, determinou a suspensão do dever do BSCH e a substituição (por terceiro) no cumprimento do dever.
XXV. E se a 10MAR00 (mais de um mês depois de expirado o prazo dentro do qual supostamente poderia fazê-lo) o BSCH comunicou a suspensão do dever de lançar a OPA geral e obrigatória das acções da MC (+BPSM+BTA+CPP) (cfr. fls. 34),
XXVI. o certo é que – mesmo admitindo que o Cód. VM seria aplicável – aquela comunicação (de suspensão do dever) foi extemporânea (não foi feita “no prazo de 5 dias úteis após a ocorrência do facto constitutivo do dever de lançamento” como exige o art. 190º do Cód.VM);
XXVII. Nela (comunicação de 10MAR00) o BSCH não se obrigou “a pôr termo” ao “facto constitutivo do dever de lançamento” (como exige o art.º 190º do Cód. VM) mas, tão só, a honrar o compromisso de “alienar” à CGD os 51,8% da MC objecto do “Contrato de Permuta” de 11NOV99 e cuja celebração o obrigara (ao BSCH) a lançar as OPA das acções da MC (+BPSM+BTA+CPP) (fls.34);
XXVIII. A própria “CMVM pronunciou-se no sentido de que, ao alienar à Oferente [CGD] a titularidade do capital social das sobreditas holdings, o BSCH não pôs efectivamente termo à situação de domínio da MC, mas antes transmitiu essa situação à (…) Oferente [a CGD], e que, por essa razão, o dever de lançamento de uma oferta pública de aquisição sobre as acções da MC (...) a cargo do BSCH, passou para a esfera jurídica da Oferente [a CGD].” (cfr. Informação nº DE/2000/126, de 03MAR00 + Prospecto da OPA das acções da MC, a fls. 871 e 1063 do Pº9589/OPAA).
XXIX. Com a comunicação de 10MAR00 o BSCH não visou “pôr termo” ao “facto constitutivo do dever de lançamento” (como exige o art.190º do Cód. VM para efeitos de suspensão) mas, apenas, transmitir ou fazer-se substituir na obrigação pela CGD (do Estado);
XXX. É notório que:
a) o BSCH, depois de ficar obrigado a fazê-lo, não lançou OPA geral das acções da MC nem das acções do BPSM (esta concorrente);
b) quem lançou a OPA geral das acções da MC (a 19ABR00), depois de o BSCH ficar obrigado a fazê-lo, não foi o BSCH mas sim a CGD (fls.);
c) ninguém (nem BSCH, nem CGD, nem outrem), depois de o BSCH ficar obrigado a fazê-lo, lançou a OPA geral das acções do BPSM (concorrente da lançada pelo BCP a 19JUL99);
d) o BSCH reconheceu, expressamente, que depois de 11N0V99 – estando em curso a OPA preliminarmente anunciada pelo BCP a 19JUL99 – se constituiu no dever de anunciar e lançar OPA geral das acções da MC e do BPSM (fls.34);
e) a 24MAR00 a própria CMVM informou que “a CMVM considera que qualquer OPA a lançar sobre as acções representativas do capital social do BPSM deve ser qualificada como concorrente em relação à oferta preliminarmente anunciada pelo BCP” (cfr. Informação nº DE/2000/151, a fls. 947 do Pº 9589/OPAA).
XXXI. A Autoridade Recorrida praticou (depois de 11NOV99) acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que o BSCH suspendesse e se fizesse substituir (pela CGD) no dever de anunciar preliminarmente e lançar as OPA geral sobre a MC e o BPSM (esta concorrente);
XXXII. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que o BSCH (ou aquele que supostamente o substituiu no dever) não anunciasse preliminarmente nem lançasse a OPA geral das acções MC e do BPSM (concorrente) a que aquele ficou obrigado (com a celebração do “Contrato de Permuta de Acções” de 11NOV99) – violando assim, nomeadamente, os art. 538º e ss. (“Registo prévio da oferta”), e 561º e ss. do Cód. MVM (“Lançamento de ofertas concorrentes”);
XXXIII. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que a FOGGIA (depois de 22DEZ99) e o BSCH (a 03MAR00), sucessivamente, adquirissem 51,8% da MC (+53% do BPSM+94% do BTA+ 70% do CPP) sem que previamente anunciassem preliminarmente, lançassem e concretizassem a OPA geral das acções da MC+BPSM (concorrente) +BTA+BPP a que ficaram obrigados (o BSCH com a celebração do Contrato de Permuta de Acções” de 11NOV99, e a FOGGIA com a aquisição de 51,8% da MC depois de 22DEZ99) – violando assim, nomeadamente, os art. 528º, 534º e 568º do Cód. MVM (“Transacções proibidas”);
XXXIV. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que o BCP (a 31MAR00) adquirisse 87.802.565 acções BPSM estando em curso a OPA das acções BPSM lançada a 19JUL99 pelo próprio BCP – violando assim o art. 568º do Cód. MVM (“Transacções proibidas”);
XXXV. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que a MC e o BPSM (a 07ABR00) vendessem 94% do BTA + 70% do CPP, ao BSCH, estando em curso a OPA das acções BPSM lançada pelo BCP a 19JUL99 – violando assim, nomeadamente, o art. 575º do Cód. MVM (“Limitação dos poderes de administração da sociedade visada”);
XXXVI. É irrelevante que as deliberações que subjazem àqueles actos não configurem acto expresso ou não tenham sido transcritas, pois, se assim foi, isso apenas comprova a prática de mais actos ilícitos pelo Recorrido.
XXXVII. Aqueles referidos actos foram efectivamente praticados pelo Recorrido mas com absoluta carência da forma legal, provocando assim a sua nulidade, nos termos do art. 133º, nº 2, al. f), do CPA, nulidade que, sem conceder, para todos os efeitos, deve ser reconhecida e declarada.
XXXVIII. Por força do disposto nos arts. 114º, 118º, 119º, 133º, 188º, 358º, 361º, 365º, do CVM, e, ainda, por força do disposto nas als. b) e e) do art. 81º da CRP, o legislador quis proteger os legítimos interesses e expectativas dos investidores, por um lado, e reprimir o abuso de posições dominantes, por outro, sendo ilegal qualquer interpretação – extensiva, restritiva ou correctiva –, que vise contrariar aqueles preceitos.
XXXIX. Mesmo que ao abrigo do CVM, e por força dos seus arts. 114º, 118º, 119º, 188º, 358º, 365º e 361º, e do art.125º nº 2 do CPA, são ilegais, por vício de forma e violação de lei, o despacho que ordenou se procedesse ao registo prévio da OPA em causa, por manifesta violação do art. 188º (valor da contrapartida), e por manifesta falta de fundamentação e erro de pressupostos, assim como o próprio acto de registo.
XL. Os actos recorridos são recorríveis e foram efectivamente praticados pelo CD da CMVM, expressa ou tacitamente.
XLI. O BSCH suspendeu (a 10MAR00 ou em qualquer outra data), o dever em que se constituiu (a 11NOV99), de lançar OPA geral das acções da MC, e o BSCH não só não cumpriu aquele dever, como se fez substituir no cumprimento do mesmo pela CGD.
XLII. O CD da CMVM praticou o acto (deliberação) que permitiu que o BSCH suspendesse o cumprimento daqueles deveres (nomeadamente o de lançar OPA da MC).
XLIII. O CD da CMVM praticou ainda o acto (deliberação) que permitiu ao BSCH fazer-se substituir pela CGD no cumprimento do dever de lançar OPA da MC.
XLIV. O Recorrente tem legitimidade activa e interesse em agir, pois, à data da prática dos actos lesivos, era accionista da MC e, portanto, destinatário da OPA cujo registo prévio foi ordenado pelo acto recorrido,
XLV. Além de que era investidor não institucional, nos termos previstos nos arts. 30º a contrario e 31º do CVM.
XLVI. A legitimidade do Recorrente é inquestionável quer na sua qualidade de accionista da MC+BPSM+BTA+CPP, quer como autor popular (art. 52º da CRP e art. 31º do Cód. VM), e como titular do interesse difuso na administração dos bens do Estado e do bom funcionamento do mercado de capitais (art. 53º do CPA).
XLVII. É inquestionável que o Recorrente, como accionista da MC, tem interesse em que os actos recorridos sejam anulados (art. 4º, 542º al. g), e 554º do Cód. MVM), e que, consequentemente, cumprindo a lei:
a) a Autoridade Recorrida reconheça ser devido e, consequentemente, determine ao BSCH que lance a OPA geral das acções MC que (o BSCH) ficou obrigado a preliminarmente anunciar e lançar ao celebrar o “Contrato de Permuta de Acções” de 11NOV99, oferecendo contrapartida igual àquela que prometeu pagar (a 11NOV99) e pagou a X.......;
XLVIII. Pois que da OPA a lançar pelo BSCH resultará o cumprimento da lei do mercado; o pagamento da contrapartida legalmente devida aos demais accionistas da MC; de cada uma das OPA concorrentes resultará obrigatoriamente um acréscimo de, pelo menos, 5% do valor da contrapartida que obrigatoriamente deveria ter sido oferecida pelo BSCH a 11NOV99 (art. 561º e ss. do Cód. MVM);
XLIX. Só a Autoridade Recorrida tem poderes para o fazer (determinar ao BSCH, à FOGGIA e à CGD/Parbanca que lancem, sucessivamente, aquelas OPA gerais das acções MC).
L. Os actos recorridos consubstanciaram violações graves das regras de funcionamento do mercado de capitais, nomeadamente dos institutos do dever de anunciar preliminarmente e lançar e concretizar OPA, da suspensão e transmissão de dever, e da repartição do benefício da aquisição de participação qualificada por todos os accionistas;
LI. E causaram relevantes e ilícitos prejuízos ao Estado – accionista único da CGD para quem, por determinação do Recorrido, foi ilegalmente transferido o dever em que o BSCH se constituiu de lançar OPA geral das acções da MC + BPSM (esta concorrente) + BTA + CPP.
LII. E mesmo que, por absurdo, fosse aplicável o Cód. VM, também seria evidente o “interesse directo, pessoal e legítimo do Recorrente na anulação do acto recorrido”, e na determinação ao BSCH, à FOGGIA e à CGD/Parbanca, pelo Recorrido, que lançassem OPA geral das acções da MC.
LIII. Sendo certo que, por força do disposto no art. 403º do Cód. VM, a ilegalidade do registo tem como consequência a invalidade do acto e, portanto, que os destinatários da OPA – como é o caso do Recorrente – têm manifesto interesse (directo) na declaração de ilegalidade.
LIV. A Autoridade Recorrida litiga com notória má fé.

Termos em que se requer seja revogada a decisão recorrida e seja substituída por outra que reconheça e declare a ilegalidade dos actos recorridos”.
3. A recorrida CMVM contra-alegou, concluindo da seguinte forma (cfr. fls. 2084 a 2086).
IV) DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO: CONCLUSÕES
A) Caso o Tribunal ad quem considere relevante a determinação do regime jurídico aplicável às OPA’s obrigatórias, o que não se concede, requer-se o aditamento dos seguintes factos à matéria de facto dada como provada, nos termos dos artigos 684.º-A, 690.º-A e 712.º, n.º 1, alínea a) do CPC de 61, este último aplicável ex vi do art.º 749.º do CPC, por se entender que, nesse caso, a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida é deficiente e por se encontrarem os factos em causa plenamente provados por documentos, todos eles emitidos por entidades públicas:
i) Em 19 de Janeiro de 2000, o Banco de Portugal comunicou ao BSCH a sua não oposição à aquisição de participação qualificada no capital social da MC (documento de fls. 527 do processo administrativo);
ii) o Ministério das Finanças proferiu, em 25 de Novembro de 1999, despacho de não oposição à aquisição de participação qualificada pelo BSCH no capital da MC, que foi publicado no Diário da República de 10 de Dezembro de 1999 (documento de fls. 526 do processo administrativo),
iii) A não oposição da Comissão das Comunidades Europeias foi comunicada ao BSCH em 11 de Janeiro de 2000 (documento de fls. 522 a 525 do processo administrativo).
Termos em que:
(i) O presente recurso jurisdicional deverá ser rejeitado, nos termos do art.º 652.º, n.º 1, alínea b) do novo CPC, por ser extemporâneo.
Sem prescindir,
(ii) O presente recurso deverá ser julgado improcedente, devendo ser proferido Acórdão que confirme a sentença recorrida;
Sem prescindir,
(iii) Caso o Tribunal ad quem decida revogar a sentença recorrida e conhecer do mérito da causa, o que não se concede, sempre deverá julgar totalmente improcedente o recurso contencioso;
(iv) Caso o Tribunal ad quem considere relevante a determinação do regime jurídico aplicável às OPA’s obrigatórias nos presentes autos, requer-se a ampliação da matéria de facto dada como provada, nos termos dos artigos 684.º-A, 690.º-A e 712º, n.º 1, alínea a) do CPC de 61, este último aplicável ex vi do art.º 749º do CPC.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.
4. A contra-interessada CGD contra-alegou (cfr. fls. 2092 a 2099), não tendo, contudo, apresentado conclusões.
5. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos legais, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 2105 a 2109).

6. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação
1. De facto:
São os seguintes os factos considerados provados no acórdão recorrido:
A) Em 18.06.1999, no Boletim de Cotações da Bolsa de Valores de Lisboa, foi publicado o Anúncio Preliminar de lançamento de oferta pública de aquisição de ações da Companhia de Seguros Mundial-Confiança, SA, nos termos do qual se tornava pública a decisão de lançamento, pelo Banco Comercial Português, SA, da referida OPA (doc. fls. 344/346 dos autos).
B) Em 11.11.1999, X…………. celebrou "Contrato de Permuta de Ações" com o Banco Santander Central Hispano (BSCH), nos termos do qual, na parte que releva, o primeiro transmitia ao segundo as ações contratuais aí identificadas, entre as quais se incluíam ações com direito de voto que, direta ou indiretamente, eram representativas de 51,8% do capital social da Mundial-Confiança, sendo a transmissão feita sob condição suspensiva consubstanciada na "verificação da obtenção das declarações de não oposição por parte das Autoridades de supervisão Portuguesas (...) e das Autoridades Comunitárias de concorrência" (doc. fls. 418/464 dos autos e fls. 302 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
C) Na mesma data, o BSCH e a CGD celebraram "Contrato-promessa de venda de ações" relativo à subsequente aquisição, pela CGD (ou entidade em relação de domínio ou grupo com esta), da totalidade das ações das sociedades aí identificadas que perfazem uma participação de 51,8% do capital da Mundial Confiança (doc. fls. 80 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
D) Por carta de 17.11.1999, o BCP veio solicitar ao Presidente do CD da CMVM, invocando "alteração anormal e imprevisível de circunstâncias", que fosse autorizado a desistir do lançamento da oferta pública de aquisição de ações da Companhia de Seguros Mundial-Confiança, para os efeitos do disposto no artigo 576.º/1 do CódMVM, o que foi autorizado por deliberação do CD da CMVM, tomada ao abrigo do disposto no citado artigo 576.º (docs. fls. 349/352 e 354 dos autos).
E) Em 02.02.2000, a CGD remeteu Nota Informativa à CMVM, na qual se referia, além do mais, que fora estabelecido consenso entre o BSCH e CGD, na sequência de contrato-promessa celebrado em 11.11.1999, no sentido de aquele vender a esta as participações que asseguram o controlo da Mundial Confiança, correspondentes a 51.8% do respetivo capital social e direitos de voto; solicitando-se, nessa comunicação, que a CMVM transmitisse a sua posição sobre "os momentos em que se constituem as obrigações de lançamento das OPAs para ambas as partes no contrato-promessa" e sobre o "uso da faculdade de suspensão dos deveres de lançamento de OPA, nos termos do artigo 190.º" (doc. fls. 868 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
F) Em 03.03.2000, o BSCH adquiriu a X……….. as participações que lhe conferiam o controlo do grupo MC (cfr. doc. fls. 891 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
G) Em 03.03.2000, o Conselho Diretivo da CMVM deliberou informar a CGD, além do mais, que:
"1. O BSCH constitui-se no dia 3 de março no dever de lançar OPA sobre a Mundial Confiança e sobre as sociedades abertas por esta dominadas;
2 - No prazo de 5 dias úteis a contar daquela data o BSCH pode exercer o direito de suspender o lançamento das ofertas, nos termos do artigo 190.º do CVM; (...) 5 - Dado que (...) da transmissão do BSCH à CGD resultará, uma situação de domínio sobre a Mundial Confiança por parte da CGD, esta constitui-se no dever de lançar OPA (...) 7- O valor da contrapartida nas ofertas a lançar pela CGD não pode ser inferior ao que é devido pelo BSCH, ainda que este exerça o direito de suspender o dever de lançar as referidas ofertas (...)"(doc. fls. 882 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
H) Em 10.03.2000 o BSCH comunicou à CMVM que, nos termos do artigo 190.º, vem exercer o direito de suspender o dever de lançamento da OPA sobre a Companhia de Seguros Mundial-Confiança e demais entidades do grupo, juntando projeto do anúncio respetivo (...)"(doc. fls. 888 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
I) Na mesma data, o BSCH emitiu Comunicado, tornando público que "mediante comunicação dirigida à CMVM, nos termos e para os efeitos do artigo 190.º do CódVM, exerceu o seu direito de suspensão do dever de lançamento de Oferta Pública de Aquisição sobre a Companhia de Seguros Mundial-Confiança, Banco Pinto & Sotto Mayor, Banco Totta & Açores e Crédito Predial Português", com o seguinte fundamento: "A suspensão do dever de lançamento de Oferta Pública de Aquisição sobre as referidas sociedades fundamenta-se no compromisso assumido pelo BSCH de, no prazo legal, alienar à CGD ou a entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, a totalidade das ações representativas do capital social e direitos de voto das sociedades (...) por via das quais o BSCH detém um número de ações representativo de 53.05% da totalidade do capital social, a que correspondem 52.43% dos direitos de voto, da Companhia de Seguros Mundial-Confiança (...).// Mais se comunica que por força do disposto no n.º 3 do artigo 190.º do CódVM estão inibidos todos os direitos de voto inerentes às ações (...)" (doc. fls. 390 dos autos e fls. 893 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
J) Em 05.04.2000, a CGD, através da sua subsidiária Parbanca SGPS, SA, adquiriu a totalidade dos capitais sociais das sociedades dominantes da Mundial Confiança (cfr., entre outros, o doc. fls. 949 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
K) Em 19.04.2000, a Parbanca, SGPS, SA (sociedade detida a 100% pela CGD, SA) publicou anúncio preliminar de lançamento de oferta pública de aquisição de ações da Companhia de Seguros Mundial-Confiança, com uma contrapartida de Oferta de €59,653 por ação da MC, a pagar em numerário (doc. fls. 391 dos autos e doc. fls. 961 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
L) Em 28.04.2000, a Caixa Investimentos – Sociedade de Investimentos, SA, na qualidade de intermediário financeiro representante da oferente Parbanca, apresentou à CMVM o requerimento de registo da OPA sobre as ações da MC (docs. fls. 392 dos autos e fls. 1186 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
M) Por despacho do Presidente do Conselho Diretivo da CMVM, datado de 12.05.2000 e ratificado em reunião do Conselho Diretivo de 18.05.2000, foi determinado, com fundamento na Informação DE/2000/232, que se procedesse ao registo da oferta pública de aquisição sobre a totalidade do capital social da MC, preliminarmente anunciada pela Parbanca com os fundamentos da Informação n.º DE/2000/232, e ratificado por deliberação do CD de 18.05.2000, ao qual foi atribuído o n.º 8850 (docs. fls. 393 e s. e 404 dos autos e fls. 1205 e 1211 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
N) A concessão do registo foi notificada à oferente Parbanca e comunicada à Parbanca, à CGD e à MC no dia 12.05.2000 (docs. fls. 1206 a 1211 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).
O) Em 12.05.2000, foi publicado, no Boletim de Cotações, o Anúncio de Lançamento, pela Parbanca, de uma OPA sobre a totalidade das ações representativas do capital social da MC (doc. fls. 405 dos autos).
P) O presente recurso contencioso deu entrada em juízo em 28.02.2001 (doc. fls. 2)”.

2. De direito:

2.1. Delimitação do objecto do recurso
Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, quais sejam, resumidamente, a do regime jurídico aplicável à OPA do BSCH, a da ilegalidade dos actos supra identificados e que de seguida irão ser apreciados, a da legitimidade do recorrente e a da alegada litigância de má fé da recorrida.

2.2. Do regime jurídico aplicável à OPA obrigatória

O DL n.º 142-A/91, de 10.04, veio Código de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
O DL n.º 486/99, de 13.11, veio aprovar o novo Código dos Valores Mobiliários (CVM). A entrada em vigor do diploma, ao abrigo do artigo 2.º, dar-se-ia em 01.03.00, com as ressalvas previstas nos artigos subsequentes. Um desses artigos, que agora interessa ter em consideração, é o seu artigo 5.º, que dispõe deste modo:
Artigo 5.º
Ofertas públicas

1 - Os artigos 187.º a 193.º, as alíneas g), h) e i) do n.º 2 do artigo 393.º e, na medida em que para estes preceitos seja relevante, os artigos 13.º, 16.º, 17.º, 20.º e 21.º entram em vigor 45 dias após a publicação do Código dos Valores Mobiliários.

2 - O disposto no Código do Mercado de Valores Mobiliários é aplicável às ofertas públicas de aquisição cujo anúncio preliminar tenha sido publicado:
a) Até à data referida no número anterior, em caso de oferta pública de aquisição obrigatória;
b) Até ao dia 1 de Março de 2000, nos restantes casos de oferta pública de aquisição.

3 - O regime das ofertas públicas de aquisição obrigatórias previsto no Código dos Valores Mobiliários não é aplicável à aquisição de valores mobiliários emitidos por sociedades cujo processo de privatização já tenha sido iniciado mas não se encontre ainda concluído, desde que as aquisições sejam feitas no âmbito de operações previstas nos diplomas que regulem o respectivo processo de privatização”. [negrito nosso]


Nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 5.º do CVM, continuarão a ser reguladas pelo CMVM as OPAs obrigatórias cujo anúncio preliminar tenha sido publicado até 28.12.99. Decorre da matéria de facto provada que não houve um tal anúncio preliminar (relativo à OPA obrigatória que deveria revestir a troca de acções entre o BSCH e X………..). O artigo 534.º (Anúncio e comunicação preliminar da oferta) do CMVM dispunha da seguinte forma: “1 - Logo que tome a decisão definitiva de lançar uma oferta pública de aquisição, o oferente deve: a) Publicar, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 556.º, um anúncio dessa decisão”. Vejamos.
Em 11.11.99 foi celebrado entre X…………… e o BSCH um contrato de permuta de acções, mediante o qual “o primeiro transmitia ao segundo as ações contratuais aí identificadas, entre as quais se incluíam ações com direito de voto que, direta ou indiretamente, eram representativas de 51,8% do capital social da Mundial Confiança, sendo a transmissão feita sob condição suspensiva consubstanciada na «verificação da obtenção das declarações de não oposição por parte das Autoridades de supervisão Portuguesas (…) e das Autoridades Comunitárias de concorrência»” (cfr. ponto B) da matéria de facto provada).
Nos termos do artigo 527.º do CMVM e do artigo 313.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a troca de acções “revestirá obrigatoriamente a forma de oferta pública de aquisição nos casos previstos no artigo 313.º do CSC” – o qual determina que a “compra ou troca de acções de uma sociedade deve revestir a forma de oferta pública quando se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias (…)” – não há, deste modo, que falar, num caso como o dos autos, em aquisição da participação qualificada antes do lançamento de OPA (negrito nosso).
Em 03.03.00, o BSCH adquiriu a X………. as participações que lhe conferiam o controlo do grupo MC (cfr. ponto F da matéria de facto provada). É conveniente, neste ponto, esclarecer melhor o alcance do negócio em causa. Assim, e nos factos que elenca na sua p.i. relativa ao recurso contencioso que deu entrada no TAC de Lisboa em 28.02.01 (cfr. fls. 875 e ss.), o recorrente, no ponto 28., refere o seguinte: “28. A 11NOV99 – com o acordo prévio do Ministério das Finanças e a notificação prévia do Banco de Portugal (BP) e do Instituto de Seguros de Portugal (ISP) – o BSCH celebrou um ‘Contrato de Permuta de Acções’ mediante o qual adquiriu o direito de comprar uma participação qualificada de 51,8% do capital social da MC, em contrapartida dos quais o BSCH se obrigou a entregar ao vendedor, no fecho da operação, 151.846.638 Acções BSCH (valendo 310 milhões d contos a 23SET99)”. No ponto 49. afirma o seguinte: “A 06MAR00 o BSCH comunicou ainda que «com data de 3 de Março de 2000, o Senhor X……….. transferiu para o Banco Santander Central Hispano, S.A. a sua participação directa e indirecta no Grupo Mundial Confiança, recebendo em troca 151.846.636 novas acções do Banco Santander Central Hispano, S.A. (…) Verificada tal transferência de titularidade, a Comissão Executiva do Banco Santander Central Hispano, S.A., na sua reunião dessa mesma data, emitiu as 151.846.636 novas acções a favor do Senhor X…………»”. Isto mesmo decorre do contrato de permuta de acções em causa, que consta do Doc. 6, de fls. 418 e ss., que aqui damos por integralmente reproduzido. Assim, no Artigo 1 – Outras definições, pode ler-se o seguinte: “Salvo quando aqui especificamente se disponha de outra forma, os termos aqui utilizados terão o seu significado respectivo definido como se segue: (…) c) «Acções contratuais» significa as Acções X……/MC [X…………/Mundial Confiança – explicação nossa, conforme o contrato], conjuntamente com as acções representativas de 100% do capital e direitos de voto da X………. SGPS, SA, de 100% do capital e direitos de voto de MUNFIN……. e de 100% do capital e direitos de voto da MUND…….., a serem daquiridas pelo BSCH nos termos deste Contrato e que lhe proporcionarão a titularidade directa e indirecta sobre as Acções do Grupo X……., nestas se incluindo as Acções MC, tal como adiante definidas; d) «Accões de Contrapartida» significa as 151.846.636 acções do BSCH correspondentes a 4,14% do capital social e direitos de voto do BSCH, à data de 23 de Setembro de 1999, no valor de 301 (trezentos e um)mil milhões de escudos, naquela data, a serem registadas em nome de X………. no ‘Servicio de Compensacion e Liquidacion de Valores’, en Espanha. (…) i) «Condição Suspensiva» significa a verificação da obtenção das declarações de não oposição por parte das Autoridades de supervisão Portuguesas, especificamente, o Ministro das Finanças do Governo Português e o Banco de Portugal e das Autoridades Comunitárias de concorrência, com respeito à aquisição da participação qualificada indirecta na MC e nas Entidades Relacionadas com esta em sentido descendente, bem como da participação qualificada directa na MC por via do presente Contrato. (…) r) «Fecho da Operação» significa a consumação da última das transacções objecto deste Contrato i.e., a entrega das Acções de Contrapartida, a ocorrer até 30 de Junho de 2000”. No Artigo 2 – Transmissão das acções contratuais. “Pelo presente Contrato e sujeito à Condição Suspensiva, X…….. por si e pelos seus descendentes titulares de 500 acções da A. X……….., SGPS, SA, transmite no Fecho da Operação as Acções Contratuais e os Créditos Contratuais e Suprimentos, para o BSCH, que, fazendo fé nas declarações e garantias de X…….. aqui estabelecidas, aceita tal transmissão”. Já na Informação n.º DE/2000/232 da CMVM, Divisão de Emitentes (doc. 4 de fls. 671 e ss. dos autos, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido), pode ler-se o seguinte:
1.1 – Decisão de lançar a oferta de apresentação do processo de registo.
A 11 de Novembro de 1999 X…….. (X….) celebrou com o Santander Central Hispano, S.A. (BSCH) um Contrato de Permuta de Acções (contrato de permuta), de acordo com o qual aquele se compromete a transmitir a participação de 51,8% por ele detida , directa e indirectamente (através da alienação das suas holdings X………, SGPS, SA, Munfin……., SGPS, SA, e Mund……., SGPS) na Companhia de Seguros Mundial Confiança, SA (MC), bem como os créditos contratuais e suprimentos detidos sobre as holdings (no valor global de 32.475.865.729$00) obrigando-se o BSCH a entregar, na data do fecho da operação a ocorrer até 30 de Junho de 2000, como contrapartida 151.846.636 acções representativas do seu capital social avaliadas ao valor de 301 mil milhões de escudos, à data de referência de 23 de Setembro de 1999, emitidas para esse fim”.
Em 10.03.00, “o BSCH comunicou à CMVM que, nos termos do artigo 190.º, vem exercer o direito de suspender o dever de lançamento da OPA sobre a Companhia de Seguros Mundial-Confiança e demais entidades do grupo” (cfr. ponto H da matéria de facto provada).
O anúncio preliminar deve ter lugar após a decisão definitiva sobre o lançamento da OPA. No caso dos autos, a OPA era obrigatória – como resulta do artigo 527.º do CMVM, com a redacção dada pelo DL n.º 261/95, de 03.10 –, pelo que a ‘decisão’ definitiva haveria de verificar-se no momento da ocorrência do facto constitutivo da obrigatoriedade do lançamento da OPA. Como se viu, o contrato de permuta de acções foi celebrado sub conditione, pelo que aplicar-se-ia o disposto no n.º 2 do artigo 534.º do CMVM (“Caso a decisão fique dependente da prévia verificação de alguma condição, a obrigação estabelecida no número anterior nasce apenas depois de essa condição se encontrar preenchida, devendo, entertanto, os interessados observar rigorosamente o disposto no n.º 5 do artigo 532.º”). Esta solução compagina-se bem com o carácter condicional do contrato de permuta celebrado. Efectivamente, tendo o contrato de permuta de acções sido celebrado sub conditione, os seus efeitos ficaram suspensos e só se produziram quando se verificou o evento condicionante, ou seja, em 03.03.00 (quando se deu a transmissão das ‘Acções Contratuais’ e a consequente aquisição efectiva das acções em causa), daí que só a partir desse momento deveria ter lugar o anúncio preliminar.
Dito isto, resulta claro que não se pode concluir que o anúncio preliminar a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 5.º do CVM houvesse de ter ocorrido entre 11.11.99 (data da celebração do já mencionado contrato de permuta de acções que envolveu o BSCH) e 28.12.99 (data da entrada em vigor da parte do CVM relativa às OPAs – arts. 187.º a 193.º [Oferta pública de aquisição obrigatória]).
Em síntese, no que se refere à questão que aqui se aprecia, pode concluir-se que:
i) o CMVM aplicou-se à situação jurídica tratada nos autos até à entrada em vigor do CVM;
ii) a obrigatoriedade da OPA que deveria ser lançada pelo BSCH em virtude do contrato de troca de acções com X…………… só nasceu em 03.03.00 com a aquisição das ‘Acções Contratuais’ pelo BSCH.
iii) não se aplica ao caso dos autos a ressalva da al. a) do n.º 1 do artigo 5.º do CVM, pelo que à OPA obrigatória que deveria ser lançada pelo BSCH aplica-se o regime do mesmo CVM.
Em face do exposto, não merece censura a decisão recorrida ao considerar aplicável ao caso dos autos o CVM, sendo, pois, de mantê-la quanto a este específico aspecto.

2.3. Da intempestividade da interposição do presente recurso jurisdicional
A questão da extemporaneidade do presente recurso foi suscitada pela recorrida CMVM nas suas alegações de recurso (e nas respectivas conclusões: “O presente recurso jurisdicional deverá ser rejeitado, nos termos do art.º 652.º, n.º 1, alínea b) do novo CPC, por ser extemporâneo”).
Nas alegações, a recorrida CMVM sustenta assim a sua posição:

“24. As partes notificadas da sentença recorrida por ofício expedido por correio registado na data de 3/9/2014.

25. O presente recurso jurisdicional foi interposto pelo Recorrente em 18/09/2014, a fls. 1873, «nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 102.º e ss., da LPTA, e art. 685.º do CPC61 (na redacção anterior a 2008), por força do disposto no art.º 5º, nº 1, da Lei nº 15/2002 de 22FEV».

26. Admitido o recurso por despacho de fls. 1883, notificado às partes por ofício expedido por correio registado na data de 10/10/2014.

27. Porém, entende a Recorrida que o recurso interposto pelo Recorrente é intempestivo, como se passa a expor.

28. Nos termos do art.º 102.º da LPTA, aplicável aos presentes por força do disposto no art.º 5º, nº 1, da Lei nº 15/2002 de 22 de Fevereiro, «Os recursos ordinários de decisões jurisdicionais regem-se pela lei de processo civil, com as necessárias adaptações, e, com excepção dos fundadados em oposição de acórdãos, são processados como os recursos de agravo, em prejuízo do especialmente disposto no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e no presente diploma».
(…)

29. Nos termos do art.º 685.º, nº do CPC de 1961, na redacção anterior à reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24/08, «O prazo para a interposição dos recursos é de 10 dias, contados da notificação da decisão; se a parte for revel e não dever ser notificada nos termos do artigo 255.º, o prazo corre desde a publicação da decisão».

30. O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, introduziu depois alteração ao Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos.

31. Porém, estipulou o art. 11.º deste diploma que as alterações então introduzidas não se aplicariam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.

32. Recentemente, a Lei n.º 41/2013 de 26/06 aprovou o novo CPC, que entrou em vigor em 1/09/3013, nos termos do seu art.º 8.º.

33. Sucede que o art. 7.º desse diploma dispõe o seguinte:
1 - Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
2 - O Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, não é aplicável aos procedimentos cautelares instaurados antes da sua entrada em vigor”.

34. Tendo a decisão recorrida sido proferida após a entrada em vigor do novo CPC, é aplicável ao presente recurso jurisdicional o regime decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013 de 26/06, que aprovou o novo CPC.

35. Ora, nos termos dos artigos 638,º, n.º 1 e 644.º, n.º 1, alínea a) do novo CPC, o recurso da decisão proferida pela 1.ª instância que ponha termos à causa é interposto no prazo de 30 dias a contar da sua notificação.

36. Dispõe, ainda, o art. 637.º, n.º 2 do novo CPC, que «O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente».

37. De acordo com as disposições supra citadas, o Recorrente dispunha até ao dia 8/10/2014 para interpor o recurso da sentença recorrida, acompanhado das suas alegações.

38. O Recorrente poderia ainda praticar o acto até ao dia 11/10/2014, nos termos do art.º 139.º, n.º 5 do novo CPC.

39. Pelo que as alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente na data de 31/10/2014 são claramente extemporâneas, razão pela qual o presente recurso jurisdicional deverá ser rejeitado, nos termos do art.º 652.º, n.º 1, alínea b) do novo CPC.

40. No entanto, por cautela de patrocínio para o caso de não se considerar o presente recurso jurisdicional intempestivo, o que não se concede, a Recorrida vem desde já apresentar as suas contra-alegações, nos termos do art.º 106.º da LPTA e art. 733.º e seguintes do CPC de 61 (na redacção anterior a 2008)”.

Vejamos.

O recorrente apresentou o presente recurso jurisdicional da decisão recorrida ao abrigo do disposto nos artigos 102.º e ss. da LPTA e do artigo 685.º do CPC61, “por força do disposto no art. 5º, nº 1, da Lei n.º 15/2002, de 22FEV” (CPTA). Aplicou, deste modo, as respectivas regras processuais que previam a interposição do recurso no prazo de dez dias do n.º 1 do art.º 685. do CPC61, e a apresentação das alegações em momento distinto do da interposição do recurso jurisdicional, em prazo de 30 dias a contar a partir do despacho de admissão do recurso (art. 698.º do CPC61). Assim:
i) a sentença do TAC de Lisboa é de 28.07.14 e foi notificada às partes por ofício expedido por correio registado na data de 03.09.14.
ii) O presente recurso jurisdicional foi interposto em 18.09.14
iii) O recurso foi admitido em 09.10.14 e notificado às partes em 10.10.14.
iv) As alegações de recurso foram apresentadas em 31.10.14.
Em suma, e ao abrigo do disposto nos preceitos em aprço, não se verifica a intempestividade do presente recurso jurisdicional.
Sucede que a recorrida entende que se aplicam ao presente recurso jurisdicional as novas regras do CPTA que refere um prazo de 30 dias para a interposição do recurso com a junção das respectivas alegações. Ora, como o recorrente apresentou as alegações em 31.10.14, já estava esgotado o prazo previsto para a interposição do recurso com as respectivas alegações.
Como se pode constatar, estamos em face de um problema de aplicação da lei no tempo, ocasionado, fundamentalmente, pela revogação da LPTA pelo CPTA. Sobre este problema se pronunciou por diversas vezes este Supremo Tribunal, no sentido da aplicação das regras da LPTA aos processos pendentes à data da entrada em vigor do CPTA. Dos vários acórdãos prolatados, destaque-se o Acórdão de 14.02.06, Proc. n.º 1228/05 (podem ver-se, também, os Acórdãos de 30.06.04, Proc. n.º 381/04, de 26.10.04, Proc. n.º 379/04, de 14.12.05, Proc. n.º 1064/05):
“(…) A Lei 15/2002, de 22 de Fev. que aprovou o CPTA contém no artigo 5.º normas sobre a aplicação no tempo da anterior LPTA e do novo Código, que pretendem regular de forma específica a matéria, isto é, introduzir soluções diferentes das que resultariam das regras gerais e comuns da aplicação no tempo de sucessivas leis processuais.
Assim, o n.º 1 determina que as disposições do Código que aprova não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
(…) O n.º 3 do mencionado artigo 5.º, no contexto referido estatui assim:
“Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem recursos que eram admitidos na vigência da lei anterior, tal como também não o são as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior”.
Esta norma como é indiscutível tem como objecto a admissibilidade de recursos jurisdicionais na sucessão dos regimes jurídicos em relação às causas já iniciadas e determina no sentido da maior segurança e pacificação, que é o de manter o regime de recursos jurisdicionais existente no momento em que a causa foi proposta, sem alterações ou excepções de alguma espécie.
Isto, e só isto, se pode retirar da letra do transcrito n.º 3 do artigo 5.º da Lei 15/2002.

Portanto, ao processamento dos recursos jurisdicionais nos processos pendentes, que são exclusivamente os recursos jurisdicionais que existiam no regime anterior e que se mantêm com o mesmo regime, não pode deixar de se aplicar a regra do n.º 1, da não aplicação das regras novas a processos pendentes à sua entrada em vigor.

Esta é, aliás, a solução que faz sentido, porque não seria lógico manter os recursos do regime anterior para os processos já iniciados e depois aplicar ao processado desses recursos antigos as regras novas.
Isto é, o n.º 3 é perfeitamente consentâneo com a regra do n.º 1, mas já não seria curial uma especiosa interpretação que se baseasse numa leitura “a contrario” do n.º 3 para lhe inculcar um sentido oposto ao do seu texto, sem qualquer base literal, como seria entender que se o dispositivo fala em não aplicar a lei nova às espécies de recursos jurisdicionais admissíveis em causas já iniciadas, então nos aspectos restantes (processado, p.e.) o silêncio significaria que se pretende a aplicação da lei nova.
A clareza e coerência da interpretação deste n.º 3 tem de partir da regra principal constante do n.º 1 e do entendimento literal que aponta como matéria única e exclusiva do n.º 3 a regulação dos recursos admissíveis nas causas já iniciadas.
(…) A posição adoptada quanto à interpretação da norma substantiva que regula a situação corresponde à jurisprudência firme deste STA.
Como se disse no Ac. deste STA no Proc. 1064/05, de 14.12.2005:
“Este STA pronunciou-se já sobre esta matéria sustentando que "As disposições do Código de Processo dos Tribunais Administrativos não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor" (n.º 1 do art. 5.º da Lei n.º 15/02, de 22.2) e sublinhando que o n.º 3 deste preceito "visa precisar que, nem mesmo nos casos de eliminação ou inclusão de novos recursos, as disposições do CPTA serão aplicáveis aos processos pendentes" (acórdão STA de 3.6.04 no recurso 381/04). Posição reiterada no acórdão de 26.10.04, proferido no recurso 379/04, quando se afirmou que "Com a norma transitória contida no art. 5.º da Lei n.º 15/2002, …, quis-se significar que as disposições do CPTA, com a excepção dos casos enunciados nos seus n.º 2 e 4, não são aplicáveis aos processos pendentes".
Assim, aquele n.º 3 limita-se a reafirmar uma situação particular de inaplicabilidade – a regra geral – da nova regulamentação aos processos pendentes. (…)”.
Como se vê da transcrição, na jurisprudência, já em significativo número de decisões das Subsecções deste STA, não existe divergência sobre a matéria da não aplicação dos prazos da lei nova aos recursos jurisdicionais em processos pendentes em 1.1.2204, o que constitui também um índice do que se afirmou antes quanto a não estarmos perante uma questão de tal modo eriçada de dúvidas que justifique um tratamento afastado da letra da norma e do seu entendimento lógico, sistemático e finalístico. (…)”.

Daí que no caso vertente, e na sequência do exposto, temos que, tendo o recurso contencioso em apreço sido interposto em 28.02.01, estamos perante um processo pendente à data da entrada em vigor do CPTA (01.01.04), sendo-lhe, pois, inaplicável a nova regulamentação por força dos n.ºs 1 e 3 do artigo 5.º da referida lei.

Improcede, deste modo, a questão prévia da intempestividade do presente recurso jurisdicional suscitada pela recorrida CMVM.

2.4. Da falta de objecto

O recorrente insurge-se contra a sentença recorrida na parte em que a mesma rejeitou o recurso “na parte referente ao pedido de anulação dos ‘actos’ recorridos, com fundamento em (…) impossibilidade (falta de objeto, quanto ao pretenso ato da CMVM de 10.03.2000, supra identificado na al. a) do pedido (…).

Na referida sentença, no ponto 4.5, com a epígrafe “Impossibilidade de identificação do «ato de 10.03.2000» e impossibilidade da lide por falta de objeto, conclui-se, a final, que “é forçoso concluir pela inexistência (e mesmo impossibilidade legal) do primeiro ato impugnado, identificado como «ato de 10.03.2000 do Conselho Diretivo da CMVM, que determinou a suspensão do dever do Banco Santander Central Hispano (BSCH) de lançar a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das ações representativas do capital social da Companhia de Seguros Mundial-Confiança (MC), do Banco Pinto & Sotto Mayor (BPSM), do Banco Totta & Açores (BTA) e do Crédito Predial Português (CPP), e permitiu ao BSCH fazer-se substituir pela CGD no cumprimento daquele seu dever, ao abrigo dos artigos 190.º e 191.º/2 do CMV»”. Fundamenta esta sua decisão em vários argumentos.
Desde logo, o argumento de que resulta dos factos provados “que não existe qualquer ato do CD do CMVM datado de 10.03.2000 ou de qualquer outra data, que tenha autorizado ou permitido a suspensão do dever de lançamento da OPA por parte BSCH ou que tenha autorizado ou permitido a alegada substituição deste pela CGD/Parbanca”. Além disso, o argumento de que não havia previsão legal de competências da CMVM para praticar o acto que o recorrente entende ter sido praticado, que alega ser recorrível e que pretendeu impugnar recurso contencioso que interpôs. Quanto a este último aspecto, constata-se que há uma divergência quanto ao regime jurídico aplicável à OPA obrigatória em causa, com a decisão recorrida a aplicar preceitos do CVM e o recorrente a invocar que se aplica ao contrato de permuta acções, ao contrato de aquisição e aos seus efeitos jurídicos o CMVM. Conforme vimos anteriormente, não se aplica ao caso dos autos a ressalva da al. a) do n.º 1 do artigo 5.º do CVM, pelo que à OPA obrigatória que deveria ser lançada pelo BSCH aplica-se o regime do CVM. Ora, neste diploma aceita-se que o oferente possa suspender a OPA que estava obrigado a lançar sem a necessidade de qualquer autorização, devendo configurar-se esta faculdade, tal como se conclui na decisão recorrida, como um direito potestativo e não como um direito subjectivo propriamente dito, vale por dizer, como o direito a um efeito jurídico (à sua produção) constitutivo, modificativo ou extintivo de uma relação/situação jurídica, e não como um direito a exigir um comportamento positivo ou negativo. A esta mesma conclusão chegou o Acórdão deste STA de 18.06.15, Proc. n.º 26/15. Assim sendo, fica sem sentido a invocação, pelo recorrente, de que poderia tratar-se de um acto ilícito. Pura e simplesmente, não está prevista no CVM qualquer autorização de suspensão a cargo da CMVM que a obrigasse a praticá-lo e que, na ausência de acto expresso, nos levesse a concluir pela prática de um acto tácito.
Resta fazer uma última observação.
Cumpre, então, dizer que o recorrente não tem razão quanto à pretensa extemporaneidade da suspensão do lançamento da OPA obrigatória e da sua comunicação pelo BSCH. Segundo o recorrente, é a data de 18.01.00, relativa à verificação da última condição condicional da permuta de acções (a última declaração de não oposição à permuta), que deve considerar-se para efeitos da contagem do prazo para o lançamento da OPA. Até se aceita que, em abstracto, esse pudesse ser o momento decisivo para a efectivação do dever de o BSCH, que com o contrato de permuta ficou com o direito de adquirir determinadas acções de X………., lançar a OPA obrigatória. Sucede que, in casu, não foi isso o contratualizado entre as partes. Como se viu em 2.2., a transmissão das ‘Acções Contratuais’ que proporcionariam ao BSCH a titularidade directa e indirecta sobre as Acções do Grupo X………, nestas se incluindo as Acções MC, não se adquiria com a emissão da última declaração de não oposição à permuta. Mas, ainda que assim fosse, a verdade é que isto em nada afecta a solução a dar ao que foi solicitado pelo recorrente, que é a ilegalidade do suposto acto do CD da CMVM de 03.03.00 por alegadamente ter autorizado a suspensão do lançamento da OPA e por ter admitido a substituição do BSCH no dever de lançamento da mesma OPA, acto esse que não há como provar que tenha existido nem que fosse necessário que existisse à luz do CVM.

2.5. Da irrecorribilidade dos actos de registo
Vem ainda o recorrente atacar a decisão recorrida na parte em que considerou irrecorríveis o acto de 12.05.00 do Presidente do CD da CMVM que determinou que se procedesse ao registo prévio, na CMVM, da OPA da totalidade das acções representativas do capital social da CSMC lançada pela Parbanca, e, igualmente, da deliberação do CD da CMVM, de 18.05.00, que ratificou o acto em questão, e, também, do acto de registo prévio daquela OPA (sob o n.º 8850) na CMVM. Fundamenta a sua posição, em síntese, na circunstância de que estamos em face de uma relação jurídico-administrativa e de que tais actos são actos administrativos contenciosamente recorríveis, praticados por um órgão da Administração no exercício de poderes públicos e ao abrigo de normas de direito público. Acresce a a isto que tais actos administrativos definem uma relação jurídica de que é parte e são lesivos do regular funcionamento do mercado de capitais, do princípio da protecção dos investidores e dos seus direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos.
Vejamos o que foi dito na sentença recorrida.
A fls. 1863 dos autos pode ler-se: “Retomando o acima exposto, a propósito da ilegitimidade do Recorrente, conclui-se que a decisão que determinou o registo da OPA não consubstancia um ato recorrível por terceiros (não proponentes no procedimento de registo), porquanto é insuscetível de lesar ou de produzir quaisquer efeitos constitutivos nas respetivas esferas jurídicas (as quais estão pré-conformadas pelo ato objeto de registo). Esta ‘irrecorribilidade’ constitui, em rigor, a outra face da mesma questão, já analisada, da ilegitimidade do Recorrente para a impugnação judicial do ato de registo da OPA.
Por maioria de razão, os atos de ratificação daquele ato do presidente do CD da CMVM de 21.05.2000, bem como o ato de registo em si mesmo (registo n.º 8.850, são também irrecorríveis, sendo certo, quanto a este último, que constitui mera execução material do determinado no ato que ordenou o registo.
Assim, conclui-se pela irrecorribilidade dos atos supra identificados nas alíneas b) e c) do pedido”.
Na parte da sentença em que tratou da questão da legitimidade do recorrente pode ler-se o seguinte:
“Nos termos dos artigos 114.º e s. do Cód.VM (aqui aplicável na versão original do Decreto-Lei n.º 486/99), a realização de oferta pública de aquisição está sujeita a registo prévio na CMVM, que deve ser pedido e instruído pelo oferente (ou seja, pelo proponente da oferta pública de aquisição), devendo a decisão da CMVM (de registo , de recusa, ou de convite a aperfeiçoamento), ser comunicada ao oferente. Como sucede com a generalidade dos atos registais, a decisão de registo da OPA é uma condição de regularidade ou eficácia da mesma, mas não uma condição de validade do ato sob registo.
Assim, neste caso, a impugnação judicial, junto dos tribunais administrativos, do ato de registo da OPA não é, só por si, suscetível de afetar a validade do ato jurídico-privado objeto deste registo (oferta pública de aquisição e respetivas condições), o qual só poderia ser atacado através de ação para a qual seriam competentes os tribunais comuns, por estar em causa uma relação jurídico-privada, entre o oferente da OPA e os acionistas da sociedade visada (cfr. Paulo Otero, “A competência da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários para controlar a legalidade de atos jurídicos provenientes de entidades privadas”, ROA, Ano 60, abril 2000, 669-701, 690, que salienta que a impugnação contenciosa, junto dos tribunais administrativos, do ato de registo com fundamento em erro de direito sobre a apreciação da CMVM, no que respeita à validade de um ato jurídico-privado, pode suscitar uma questão prejudicial respeitante à invalidade do referido ato de direito privado a instaurar através de ação para o efeito junto dos tribunais comuns). Ou seja, o aqui Recorrente carece de legitimidade (e interesse em agir) para o recurso contencioso dos atos de registo acima identificados, uma vez que a sua invalidação, desacompanhada da impugnação, junto dos tribunais competentes, do ato privado sob registo, sempre seria insuscetível de produzir qualquer efeito útil na sua esfera jurídica.
Mas independentemente disso, ou mais do que isso, é de concluir que, considerando a natureza do registo e os intervenientes no procedimento respetivo, o único interessado com legitimidade para a respetiva impugnação judicial é o próprio interessado no procedimento de registo, ou seja, o ferente (no caso, a contra-interessada Parbanca) e eventualmente o seu intermediário financeiro (cfr. artigo 113.º do CódVM), que foi quem deu início ao procedimento de registo e que é destinatário da decisão da CMVM. Os efeitos jurídicos da decisão de registo ou de recusa de registo produzem-se diretamente na esfera jurídica do proponente, não alterando, autonomamente, a esfera jurídica de terceiros, mas antes traduzindo condição de eficácia do ato jurídico-privado sob registo (o qual já conformou essa alteração das esferas jurídicas alheias, sendo o seu registo insuscetível de produzir efeitos constitutivos”.

Também o já citado acórdão deste STA de 18.06.15, Proc. n.º 26/15, abordou idêntica questão, tendo-a decidido e fundamentado da seguinte forma:

“Nos termos do nº 4 do artº 268º da CRP e do artº 25º, nº 1 da LPTA (aplicável ao tempo), só são suscetíveis de recurso contencioso “...os atos definitivos e executórios.”
A revisão constitucional de 1989 determinou um importante alargamento da recorribilidade, ao introduzir o direito de recurso contencioso contra quaisquer atos administrativos lesivos de direitos dos particulares.
Por outro lado deve considerar-se que, face à entrada em vigor do CPA (DL nº 442/91 de 15/11 e respetivas alterações) e como vem referido no Acórdão do Pleno deste STA de 18/4/2002, rec. 44067:
“Não nos fornecendo a LPTA um conceito de acto administrativo, importa ter em conta a definição contida no art. 120° do CPA, segundo o qual "Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta".
É certo que, como advertem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, pg. 547), a limitação conceptual ínsita na expressão inicial do preceito revela o propósito não dogmático da definição adoptada, permitindo a eventual adopção de outra definição para efeitos contenciosos.
Mas não é menos certo que esta definição se reconduz, no essencial, aos elementos tradicionalmente apontados pela doutrina e pela jurisprudência como caracterizadores do ato administrativo numa perspectiva não apenas procedimental, mas contenciosa.
Aliás, o conceito de ato administrativo tem sido sempre recortado com base em considerações de natureza jurisdicional, figurando e delimitando comportamentos da Administração em função da sua fiscalização contenciosa.
Perspectiva acrescidamente colocada pela configuração da garantia contenciosa prevista no art. 268º, nº 4 da Constituição, norma que delimita os comportamentos da Administração susceptíveis de recurso contencioso para fins de garantia dos particulares.
Ora, o conceito de ato administrativo tradicionalmente acolhido numa perspectiva contenciosa, ou seja, de delimitação do objecto do recurso contencioso (e que, como se disse, não se afasta, no essencial, da noção do CPA) aponta-o, em termos estruturantes, como uma decisão autoritária e unilateral de um órgão da Administração, ao abrigo de normas de direito público, que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (Cfr. Rogério Soares, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, pg. 76; Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pg. 66; Marcello Caetano, Manual, I, pg. 428; e Mário Esteves de Oliveira e outros, loc. cit., pg. 550.)”.
Assim, são contenciosamente recorríveis, todos os atos administrativos, sejam preparatórios ou constituam resoluções finais do procedimento, sejam internos ou externos, constituam decisões provisórias ou definitivas, desde que consubstanciem lesão de direitos ou interesses legítimos dos particulares, tudo isto em ordem a um cabal cumprimento do princípio da plenitude e efetividade da proteção dos particulares perante a Administração.
Pelo que, ato lesivo será o que projeta os seus efeitos negativos na esfera jurídica do interessado, afetando direitos ou interesses deste legalmente protegidos.
Ora, o ato de concessão ou de recusa do registo da oferta pública de aquisição em nada define a situação jurídica do aqui recorrente, que não é sujeito na referida relação jurídica.
O registo é uma declaração de legalidade da CMVM sobre a oferta e, portanto condição de regularidade do lançamento da OPA, significando que a considera em conformidade com os requisitos legais e regulamentares aplicáveis.
Do artigo 542º daquele CMVM resulta que a recusa do registo apenas poderá ocorrer nas circunstâncias aí previstas, e que não ocorrendo implicará que a CMVM proceda ao registo da oferta nos termos do art. 543º nº 1.
Resultando do art. 543º nº 2 que: “- A concessão do registo significa que a CMVM considera a oferta conforme com a legislação aplicável, mas não envolve por parte dela qualquer garantia ou responsabilidade quanto à veracidade da informação prestada pelo oferente, nem qualquer juízo sobre a oportunidade, conveniência ou adequação económica e financeira da operação.”
No mesmo sentido o art. 118º nº 2 do CVM:
“O registo baseia-se em critérios de legalidade, não envolvendo qualquer garantia quanto ao conteúdo da informação, à situação económica ou financeira do oferente ou do emitente, à viabilidade da oferta ou à qualidade dos valores mobiliários.”
Pelo que, este ato apenas poderá causar prejuízos na esfera jurídica do oferente quando ocorra recusa de registo ou quando o registo ocorra em condições diferentes das propostas.
Já, quanto à esfera jurídica dos potenciais destinatários de uma OPA, o ato de registo não é lesivo por não ser afetada a esfera jurídica dos destinatários da OPA ou daquilo que são os interesses individuais homogéneos ou coletivos dos investidores não qualificados em instrumentos financeiros considerando que se trata duma ação popular instaurada nos termos art. 31.º CVM.
Não podemos esquecer que o lançamento de uma OPA (oferta pública de aquisição) no mercado de capitais constitui um ato jurídico de direito privado ao qual é aplicável o artigo 405.º do CCivil que confere aos interessados uma ampla margem de atuação e livre escolha, desde que respeitados os limites e as normas legais imperativas.
O ato de registo é uma condição de regularidade do lançamento da OPA não interferindo com as condições de validade da mesma.
Daqui podemos, pois, concluir que o recorrente não é parte nem destinatário do ato do registo, de cujo processo gracioso não fez parte, mas tão-só da oferta pública de aquisição sendo que esta se desenvolve, não no âmbito de uma relação jurídica administrativa, mas de uma relação jurídica de direito privado entre o oferente e o detentor daqueles títulos.
Pelo que, o ato que delibera conceder o registo não projeta efeitos lesivos na sua esfera jurídica enquanto titular de valores mobiliários que são objeto da OPA, já que a eliminação deste ato da ordem jurídica mantém na sua total vigência a deliberação da oferta pública de aquisição, que se mantém válida.
Aliás, o próprio recorrente reconhece, nas suas alegações de recurso, a falta de lesão efetiva para a sua esfera jurídica por parte do ato de concessão de registo da OPA da totalidade das ações do D............ anunciada pelo H............, ao sustentar que o pagamento da contrapartida legalmente devida aos acionistas resultaria do lançamento pelo B............ de OPA geral das ações do D............ concorrente daquela, através de um acréscimo de, pelo menos, cinco por cento do valor da contrapartida que obrigatoriamente deveria ter sido oferecida pelo B............, em 11NOV99 (art 561º e ss do CMVM) – cf. conclusões XLVII, XLVIII e XLIX.
Ou seja, a alegada lesão resulta da falta de lançamento da OPA concorrente por parte do B............ e não do ato que determinou o registo da OPA das ações do D............ anunciada pelo H............
O ato que ofende a esfera jurídica do recorrente é ato jurídico-privado de oferta pública de aquisição e respetivas condições, ato esse cuja validade o aqui recorrente teria de sindicar através de ação a interpor nos tribunais comuns, por estar em causa uma relação jurídico-privada, entre o oferente da OPA e os acionistas da sociedade visada.
Assim, a anulação da deliberação do registo não conduz ao efeito aqui pretendido de lançamento de uma OPA pelo B............ já que a oferta pública de aquisição é por natureza um ato voluntário do oferente que não depende de autorização administrativa – cf. artºs 526º, 527º, 528º e 531º do CMVM e artºs 175º, 187º, 192º e 193º do CVM.
A este propósito disse-se no recurso 37.518 de 13/5/97 deste STA:
“(...) Porém, da anulação do acto de registo não derivaria para os recorrentes nenhum destes efeitos, porque as operações de compra e venda dos títulos representativos do capital da O………… efectuados à sombra da OPA não deixariam de produzir os efeitos centrais da transmissão da respectiva propriedade se o registo fosse anulado, como deriva do disposto no art 534º do CMVM que vincula o oferente a lançar a oferta em virtude da deliberação do Conselho de Administração e da sua publicitação pelo anúncio preliminar.
Na verdade, o artigo 534º do Código do Mercado de Valores Mobiliários aprovado pelo DL nº 142-A/91 dispõe no nº 1 que o oferente de uma aquisição pública, logo que tome a decisão de a lançar, deve entregar uma cópia de anúncio ao órgão de administração da sociedade visada e outro à CMVM, bem como à bolsa ou bolsas em que estejam admitidos os títulos a negociar e fazer publicar esse anúncio, e o nº 3 diz que, com a publicação do anúncio, o oferente fica obrigado a lançar à oferta, a fazê-lo em condições não menos favoráveis que as publicitadas a requerer à CMVM o registo da oferta, portanto, o direito à alienação dos títulos pelos respectivos portadores nas condições da oferta pública da aquisição deriva da deliberação do Conselho de Administração da entidade oferente e da respectiva publicitação no anúncio preliminar de lançamento da oferta e, como é regra do nosso Direito quanto a outros registos, este registo da OPA na CMVM não têm carácter ou valor constitutivo, mas apenas especial valor probatório, além de prosseguirem o importante objectivo de proporcionar segurança e confiança ao comércio jurídico dos bens registados.
Realmente trata-se de um especial registo comercial, e em relação ao registo comercial em geral dispõe o respectivo Código aprovado pelo DL n.º 403/86 de 3.12, no artigo 11º, que “o registo definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Daqui resulta não apenas que o registo da oferta não confere a faculdade de a realizar, mas também que as irregularidades do registo, ou mesmo a sua falta, não determinam a invalidade da oferta, nem das transmissões de acções que no seu âmbito se processem. (...)
Ora, se é certo que a realização da OPA depende do respectivo registo prévio na CMVM – art. 538º nº 1 do CMVM - tal não significa que a oposição judicial ao respectivo lançamento dependa do registo, mas simplesmente que a CMVM a considera, em princípio, conforme a legislação aplicável, de tal modo que pode ser levada ao registo, como está expresso no artº 543 nº 2, e decorre, também, da regra habitual de os registos não concederem nem retirarem direitos.
De resto, os recorrentes podiam ter impugnado nos tribunais cíveis a deliberação do Conselho de Administração da sociedade requerente do registo, de emitir a oferta pública de aquisição, e, depois de anulada aquela deliberação, poderiam retirar consequências quanto à insubsistência do respectivo registo.
O acto de registo da OPA é uma condição de regularidade, não de validade, uma vez que o artº 670º nº 2 do CMVM sujeita os responsáveis pela realização de OPA realizada sem prévio registo a responsabilidade contra-ordenacional, enquanto do nº 15 do mesmo artigo, em conjugação com os artigos 313º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais e 531º do CMVM, resulta que o incumprimento das regras legais impõem em determinados casos que a compra e venda de acções de uma sociedade deve revestir a forma de oferta pública, importa impedimento, durante cinco anos, ao exercício dos direitos inerentes às acções adquiridas, mas não impede a exigência das respectivas obrigações, sem embargo de os alienantes poderem exigir dos adquirentes indemnização dos prejuízos sofridos, sem nunca se indicar como sanção da irregularidade a invalidade das transmissões, antes estando pressuposta a respectiva validade, na cominação da sanção específica do citado impedimento.(...).”
Em anotação a este acórdão diz Fazenda Martins in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários nº 1 disponível no site da CMVM campo de publicação:
“...O Tribunal apoia-se no carácter não constitutivo do registo da oferta pública de aquisição, concluindo que o registo é mera condição de regularidade da oferta. Argumentos para essa doutrina encontra-os o acórdão, entre outros, nos art°s 670º, nº 2, 670º, nº 15 e 531° (na sua redacção anterior, conjugada com o art° 313º do Código das Sociedades Comerciais) do Código do Mercado de Valores Mobiliários.... Dos dois últimos preceitos retira-se que uma aquisição realizada sem o lançamento de OPA, quando ela fosse obrigatória, não é inválida. Antes, a aplicação da sanção que consiste na inibição de direitos, sem desoneração das obrigações, demonstra precisamente que as aquisições efectuadas que devessem ser a forma de OPA são válidas. Por isso (parece ser este o raciocínio inerente ao acórdão), igualmente válidas serão as aquisições por OPA sem registo prévio os CMVM, ou cujo registo prévio venha a ser anulado, cominando-se apenas a sanção contra-ordenacional contida no primeiro preceito citado...
No caso de oferta pública de aquisição lançada sem registo, o problema poderá colocar-se de outra forma. A concessão de registo de uma oferta pública de aquisição significa, que a OPA e as suas condições são conformes às regras legais e regulamentares vigentes (artº 543º, nº 2). Essas regras visam, entre outras finalidades, tutelar a posição dos destinatários da OPA. Por isso, poderia dizer-se que a realização da OPA sem registo, ou com registo com vícios, lesaria os accionistas que participaram na transacção, pelo que a eventual invalidade dos negócios não seria solução a enjeitar liminarmente.
Torna-se necessária a consideração de outros preceitos legais, tarefa que, diga-se já corrobora e sustenta e jurisprudência agora firmada pelo Supremo Tribunal. Desde logo temos de considerar uma diferença essencial entre a OPA sem registo e a OPA cujo registo está ferido de invalidade.
No primeiro caso...as posições dos investidores não serão lesadas...Já nos casos de concessão de registo que sofre de invalidade não se poderá contar com o poder de retirada da oferta como meio de tutela dos investidores” mas acaba por concluir que “Se a tutela ressarcitória for suficiente para garantir a posição dos titulares dos valores mobiliários que tenham aceite a oferta, então as aquisições de valores mobiliários da OPA com registo anulado não poderá ser tratada diferentemente das que se processem numa OPA sem registo. Contudo, e tal é salientado pelo S...T....pode pedir-se a anulação de um registo por razões que não têm a ver com o seu conteúdo, pelo que seria afinal pouco adequado para os alienantes dos valores mobiliários a ligação da sorte dos negócios efetuados à de um registo inválido por qualquer vício de forma, e por isso mesmo, anulado.”
Ou seja, e no caso de invalidade de registo (já que, como vimos, a questão não se coloca quanto à recusa de registo) estando em causa o conteúdo da OPA não é o ato de registo que lesa qualquer destinatário mas como já supra referido a deliberação da sociedade e quando estejam em causa vícios formais as irregularidades do registo não determinam a invalidade da oferta, nem das transmissões de ações que no seu âmbito se processem.
O art. artigo 531.º do CMVM que regula as consequências da falta de realização de uma oferta obrigatória é regulada no C. de Valores Mobiliários no art. artigo 192.º que dispõe:

“Inibição de direitos
1 - O incumprimento do dever de lançamento de oferta pública de aquisição determina a imediata inibição dos direitos de voto e a dividendos inerentes às acções:
a) Que excedam o limite a partir do qual o lançamento seria devido;
b) Que tenham sido adquiridas por exercício de direitos inerentes às acções referidas na alínea anterior ou a outros valores mobiliários que confiram direito à sua subscrição ou aquisição.
2 - A inibição vigora durante cinco anos, cessando:
a) Na totalidade, com a publicação de anúncio preliminar de oferta pública de aquisição mediante contrapartida não inferior à que seria exigida se o dever tivesse sido cumprido atempadamente;
b) Em relação a cada uma das acções referidas no número anterior, à medida da sua alienação a pessoas que não estejam em nenhuma das situações previstas no n.º 1 do artigo 20.º
3 - A inibição abrange, em primeiro lugar, as acções de que a pessoa obrigada ao lançamento é titular directo e, sucessivamente, na medida do necessário, aquelas de que são titulares as pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 20.º, segundo a ordem das respectivas alíneas, e, em relação a pessoas referidas na mesma alínea, na proporção das acções detidas por cada uma delas.
4 - São anuláveis as deliberações dos sócios que, sem os votos inibidos, não teriam sido aprovadas.
5 - Os dividendos que tenham sido objecto de inibição revertem para a sociedade.
Por outro lado a recusa de registo é feita nos termos do artigo 119.º
“1 - O registo da oferta é recusado apenas quando:
a) Algum dos documentos que instruem o pedido for falso ou desconforme com os requisitos legais ou regulamentares;
b) A oferta for ilegal ou envolver fraude à lei.
2 - Antes da recusa, a CMVM deve notificar o oferente para suprir, em prazo razoável, os vícios sanáveis.”
Pelo que, o facto de estar em causa uma OPA obrigatória não interfere com a natureza privatística da mesma.
Por outro lado, o ato de registo em si mesmo (registo n.º 8.845), como mera operação material de execução de ato é, pela sua própria natureza, também irrecorrível.
É, pois, de manter a decisão recorrida quanto à inexistência de conteúdo decisório e de efeito lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos, e consequentemente, quanto à inexistência de ato administrativo suscetível de impugnação contenciosa, nos termos do art 268º, nº 4 da CRP e do art.º 25º, nº 1 da LPTA.
*

Fica, assim, prejudicado o conhecimento da ilegitimidade do aqui recorrente, face à falta de objeto e irrecorribilidade dos demais atos recorridos”.

Este entendimento, que subscrevemos, dispensa-nos de esgrimir mais argumentos a favor do decidido na sentença recorrida. E, pelos motivos expressos no excerto acabado de transcrever, também nos dispensa de apreciar a questão da ilegitimidade do recorrente, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC (art. 660.º CPC61).

2.6. Da alegada litigância de má-fé
Invoca, por último, o recorrente que “A Autoridade Recorrida litiga com notória má fé” (Conclusão LIV das alegações).
Nas suas alegações sustenta esta posição da forma que se segue:

“149. Como resulta da factualidade acima elencada, a Autoridade Recorrida, com dolo ou negligência grave, deduz oposição cuja falta de fundamento não ignora, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.

150. Nomeadamente ao pretender que não autorizou nem tinha que autorizar nem podia impedir que o BSCH suspendesse o dever de lançar as OPA a que estava obrigado,

Que se fez substituir no cumprimento daquele dever pela CGD,

E que a contrapartida da OPA pelas acções da MC é legal;

E, ainda, que o Recorrente não tem qualquer interesse nem legitimidade na anulação dos actos recorridos, nomeadamente na determinação que seja paga a contrapartida legalmente devida pelas acções da MC”.

Atentemos no modo como a sentença recorrida apreciou e decidiu esta questão:

“Os presentes autos não iniciam qualquer comportamento, por parte da Recorrida CMVM, suscetível de corresponder a qualquer das condutas tipificadas como litigância de má fé no artigo 456.º do CPC (na versão anterior à Lei n.º 41/2013, à data em vigor). No máximo, poderá dizer-se que a Recorrida adotou um tom forte e cortante em algumas peças processuais, o que, aliás, é comum a algumas peças do Recorrente.
A inexistência de tais comportamentos, processualmente censuráveis, resulta evidente da própria alegação do Recorrente, que, na verdade, não fundamenta a invocada litigância de má fé em condutas processuais da Recorrida, no âmbito do presente recurso, mas antes em alegados comportamentos adotados pela CMVM fora do âmbito desta relação processual e, na maioria dos casos, supostamente ocorridos antes da entrada em juízo da petição de recurso.
Pelo que é manifesta a improcedência da arguição da litigância de má fé da Recorrida CMVM. Por razões idênticas, improcede também a invocada litigância de má fé do contra-interessado BSCH (arguida a fls. 1124), que o Recorrente se limita a enunciar sem qualquer concretização factual” (cf. fls. 1864 e 1865 dos autos).

Atentemos agora no que foi dito no acórdão deste STA de 18.06.15, já citado, relativamente às situações e comportamentos que podem configurar uma situação de litigância de má fé. Para o efeito será transcrito mais um excerto do dito aresto:

“Estabelece o art. 456º do C.P.C. que:
"1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, é admitido recurso em grau, da decisão que condene por litigância de má fé".
Resulta deste preceito que, para as partes não incorrerem nestas sanções, deverão litigar em respeito pelos princípios da boa fé, verdade material e cooperação previstos nos arts. 8º do CPTA, 266º e 266º-A do C.P.C., no sentido da realização do Direito e da Justiça no caso concreto que constitui objecto do litígio.
Daí que se vise punir quem, com artimanha, queira levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, com desrespeito pelos princípios supra referidos ou se voluntariamente usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a ação da justiça.
E essa punição será a da sua condenação como litigante de má fé.
Como resulta do supra referido, a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave não abrangendo as situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
A propósito escreveu Prof. J. Alberto dos Reis (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 263) que "(...) não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada (...)" e, ainda, que a "(...) simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir".
Neste sentido tem decidido o S.T.J., sendo que entre a jurisprudência daquele Tribunal, temos o acórdão de 11/04/2000 - Revista n.º 212/00, 1ª, onde se escreveu que "(...) a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide temerária ou ousada ou uma conduta meramente culposa".
Também este STA no acórdão de 18/10/2000 (Proc. n.º 46.505 - in: «www.dgsi.pt/jsta») sustentou que “A multa por litigância de má fé destina-se a sancionar aqueles casos em que as partes, tendo agido com dolo ou negligência grosseira, tenham incorrido nalguma das interacções tipificadas na alínea a) a d) do n.º 2 do art. 456º do CPC”, sendo no seu sumário se pode ler ainda que “A liberdade que orienta as partes ao nível da defesa dos seus direitos tem como pressuposto o necessário conhecimento da justiça das suas pretensões; (…) A sustentação de teses controvertidas na doutrina ou a defesa de interpretações, sem grande solidez ou consistência, das normas jurídicas, não se subscreve no conceito de lide dolosa.”
Assim, se formos colocados ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos para que possa concluir-se com segurança, pela existência de dolo, a condenação por litigância de má fé não deve decretar-se.
É que o manifesto gravame jurídico-social que se lhe associa impõe que não haja dúvidas ao qualificar-se a conduta da parte como dolosa ou gravemente negligente.
Ora, a factualidade relevante não poderá ser outra senão a da factualidade provada e desta, como acertadamente se diz na douta sentença recorrida, não se indicia qualquer comportamento suscetível de corresponder a qualquer das condutas tipificadas como litigância de má fé no art. 456º do CPC.
Efetivamente não resulta da matéria de facto dos autos que a autoridade recorrida, como pretende o recorrente, tenha deduzido pretensão e oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar, alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a boa decisão da causa ou tido um comportamento continuado, que permitiu que o B............ e a G............
entissem e ocultassem factos relevantes ao mercado.
Aliás, este fundamentos nem se referem propriamente a comportamentos processuais no âmbito deste processo donde resulte qualquer atitude reprovável da autoridade recorrida, mas antes a comportamentos adotados pela CMVM fora do âmbito desta relação processual.
Pelo que, bem andou a decisão recorrida ao considerar que não ocorriam os pressupostos para a condenação como litigante de má-fé da aqui autoridade recorrida”.

Em face de todo o exposto, e tendo em consideração a factualidade apurada nos presentes autos, deve concluir-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo improceder, pois, o pedido de condenação da recorrida como litigante de má fé formulado pelo recorrente.

2.7. Da junção do Acórdão do STA de 18.06.15, Proc. n.º 26/15

Sem necessidade de entrar em grandes desenvolvimentos, sempre se dirá que, em virtude do princípio das decisões judiciais, a referida decisão está disponível on line; mais do que isso, seria impensável que o julgador, ao apreciar questão idêntica e relacionada, não tivesse em consideração o dito aresto, não significando isso, obviamente, que com ele tivesse que concordar.


III – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.