Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0140/10
Data do Acordão:05/05/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:PRESCRIÇÃO
DÍVIDA EXEQUENDA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Sumário:I. A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (n.ºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT).
II. Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de a impugnante ter requerido a suspensão com prestação de garantia já anteriormente à paragem do processo, não releva para efeitos de prescrição o prazo posterior aquele ano.
Nº Convencional:JSTA000P11762
Nº do Documento:SA2201005050140
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A FAZENDA PUBLICA, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, com o fundamento na prescrição da obrigação tributária deduzida por A..., melhor identificada nos autos, contra a liquidação de IRS do ano de 1997 e dos juros compensatórios, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

Iª) - Pelo elenco dos fundamentos acima descritos, infere-se que foi proferido despacho no sentido de ser declarada prescrita a dívida resultante da liquidação impugnada e, consequentemente, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

IIª) - Enquanto o credor não puder, livremente, exigir o seu crédito, por imposição legal determinada pela suspensão do processo executivo, a prescrição não pode correr;

IIIª) - A suspensão do processo de execução, motivada por uma das causas previstas nos artigos 52.° da LGT e 169.° do CPPT, tem como consequência a suspensão do curso da prescrição, nos termos do art.º 49.°, n.º 4 (ao tempo n.º 3) da LGT.

IVª) - As causas de suspensão da prescrição aplicam-se aos factos ocorridos na vigência da lei que as contém, no caso, a impugnação judicial apresentada em 2003/01/07, conjugada com a prestação de garantia nos termos do artigo 169° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é causa do efeito suspensivo contido, à data, no n.º 3 do art.º 49.° da LGT.

Vª) - Todas as causas de suspensão do curso da prescrição previstas na Lei tributária são desencadeadas por iniciativa do devedor e conduzem, inelutavelmente, à suspensão do processo de execução fiscal, posto que seja prestada garantia ou realizada a penhora, impedindo assim o credor de prosseguir a cobrança da divida, por determinação legal.

VIª) - Por seu turno, o credor, impedido de prosseguir a cobrança da dívida enquanto se mantiver a causa de suspensão da execução, vê garantido o efectivo direito à cobrança, nos casos em que a legalidade da liquidação for reafirmada pelo Tribunal.

VIIª) - À presente impugnação judicial, apresentada em 2003/01/07, em plena vigência da LGT, determina a suspensão da contagem do prazo de prescrição, suspensão que só cessará com o trânsito em julgado da decisão da impugnação.

IXª) - A sentença que declarou verificada a prescrição e, por consequência, a extinção da impugnação por inutilidade superveniente da lide, abstendo-se de conhecer do mérito da impugnação, violou o disposto no n.º 3 do artº 49.° da LGT, na sua redacção ao tempo da impugnação.
Pelo que, nestes termos e nos demais de direito, atento aos fundamentos expostos e com o sempre mui douto suprimento de V.a Exa, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido.

II – Não foram apresentadas contra alegações.

III – O Mº Pº emitiu o parecer constante de fls. 307/308, no qual defende que não se encontra “ …prescrita a obrigação tributária resultante da liquidação oficiosa de IRS relativo ao ano de 1997.”

IV. – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

V. – Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª Instância os seguintes factos:

A). – O acto impugnado nos presentes autos é o acto de liquidação oficiosa de IRS da impugnante relativo ao ano de 1997 – fls. 2 e 34;

B). A petição de impugnação foi apresentada em 7 de Janeiro de 2003 – fls 1;

C). Em 6 de Junho de 2003, foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança da divida resultante da liquidação referida em A, tendo a outra impugnante sido citada em 1 de Julho de 2003 – fls. 205 e 271.

D) Desde 26 de Novembro de 2003 e 3 de Março de 2006, nenhum acto foi praticado nos autos – fls. 104 a 114;

VI. A única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se a dívida exequenda se encontrava ou não prescrita à data da decisão recorrida.

O Mmº Juiz recorrido considerou a dívida prescrita por aplicação do disposto no artº 49º da LGT, atendendo a que, por força do artº 48 do mesmo diploma, haviam já decorrido os oito anos ali previstos.
Por outras palavras:
a) O prazo de prescrição teve o seu início em 1.1.1999, uma vez que a lei aqui aplicável é a LGT;
b) Com a instauração da impugnação em 7 de Janeiro de 2003, a prescrição foi interrompida;
c) Tendo o processo estado parado desde 26 de Novembro de 2003 a 3 de Março de 2006, o efeito suspensivo cessou em 26 de Novembro de 2004, recomeçando a contar o prazo de prescrição ao qual deverá ser acrescido o decorrido desde o início até à interrupção, isto é, desde 1 de Janeiro de 1999 até 7 de Janeiro de 2003, o que soma um período superior a oito anos.

Acrescentou o Mmº Juiz que a instauração da execução não interrompeu o prazo de prescrição, uma vez que aquela teve lugar durante o período de interrupção operada pela dedução da impugnação.

A recorrente Fazenda Pública contesta o entendimento adoptada na decisão recorrida pelas seguintes razões:
a) Enquanto o credor tributário não puder exigir o seu crédito por imposição legal determinada pela suspensão do processo executivo, a prescrição não pode ocorrer;
b) E a suspensão do processo executivo teve lugar por uma das causas previstas no artº 52º da LGT e 169º do CPPT, tendo como consequência a suspensão do curso da prescrição nos termos do artº 49º, nº 4 (antigo nº 3) da LGT;
c) Assim, com a instauração da impugnação judicial em 07.01.2003, o processo executivo ficou suspenso até ao trânsito em julgado da decisão naquela proferida.
Verifica-se, por isso, violação do disposto no artº 49º, nº 3 da LGT.

No seu parecer de fls. 307/308, o MºPº manifestou entendimento idêntico ao da recorrente FP já que, tendo a impugnante prestado garantia para obter o efeito suspensivo da execução, o prazo prescricional ficou suspenso desde a instauração da impugnação judicial até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo.

Apreciemos então a questão, começando por determinar o regime aplicável ao caso, já que, desde a verificação do facto tributário se sucederam dois regimes de prescrição: o do artº 34º do CPT e o dos artºs 48º e 49º da LGT.

VI.1. Dispunha o artigo 34.º do CPT, então em vigor, que o prazo de prescrição das dívidas tributárias era de 10 anos, contando-se desde o início do ano seguinte àquele em que tinha ocorrido o facto tributário.
Tal prazo, com a entrada em vigor da LGT em 1/1/1999, passou, porém, a ser de oito anos.
De acordo com o n.º 1 do artigo 297.º do CC, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da data de entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

Tratando-se de imposto relativo a IRC de 1997, o prazo de 10 anos contado desde 01.01.1998, terminaria em 31.12.2008.
Contado o prazo ao abrigo da LGT e tendo em atenção o artº 297º do CC, o prazo de oito anos completar-se-ia em 31.12.2006, pelo que é esta a lei aplicável ao caso.

Aqui chegados, recordemos os factos e apliquemos as respectivas normas jurídicas.

VI.2. A dívida refere-se a IRS do ano de 1997.
Em 7 de Janeiro de 2003 foi deduzida impugnação judicial contra o acto tributário.
Em 6 de Junho de 2003, foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança da dívida.
Entretanto, e como resulta dos documentos de fls. 86/87, a impugnante prestou garantia para obter a suspensão da execução, após o que o órgão da execução fiscal, por despacho de 07.07.2003, ordenou a suspensão desta (v. fls. 252).

Está ainda provado (alínea D) do probatório) que entre 26 de Novembro de 2003 e 3 de Março de 2006 o processo de impugnação esteve sem nenhum acto praticado nos autos.

À data destes factos estava em vigor o artº 49º da LGT, com a seguinte redacção:
“Artigo 49.º
Interrupção e suspensão da prescrição
1- A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2- A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3- O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso”.

Ora, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal e Secção, de 23.02.2005 - Recurso nº 0116/05 “A paragem da execução fiscal por motivo de suspensão requerida pelo contribuinte e da dedução de impugnação judicial é imputável ao contribuinte, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela (artº. 255.º, n.º 1, do C.P.T.).
No entanto, se posteriormente a essa suspensão se verificou uma paragem do processo de impugnação judicial, por período superior a um ano, por motivo não imputável ao contribuinte, recomeçar-se-á a contar o prazo de prescrição, acrescido do período de tempo que decorreu antes da instauração da execução fiscal, pois, a paragem do processo de execução fiscal derivada da pendência da impugnação judicial não pode ser imputada ao contribuinte se não é a este imputável a paragem deste último processo”.

No caso concreto dos autos, a paragem do processo de impugnação não é imputável ao contribuinte – neste caso à recorrida.
Sendo assim, e porque a revogação do nº 2 do artº 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não se aplica ao caso dos autos, porque na data da entrada em vigor desta já se havia completado prazo de paragem superior a um ano (artº 91ºda mesma lei), há que aplicar aquele nº 2.

Mas há ainda que ter em atenção o que dispunha o nº 3 (hoje equivalente ao nº 4) do mesmo artigo: a impugnação suspende o decurso do prazo de prescrição.
Como se refere no Acórdão deste tribunal e Secção, de 09.09.2009 -Recurso nº 0571/09 “ não é a mera apresentação de uma impugnação judicial que suspende automaticamente a execução fiscal instaurada para cobrança da dívida em causa, sendo necessário para que tal aconteça que seja constituída ou prestada garantia ou a penhora efectuada garanta a totalidade da quantia exequenda”.
Ora, como já se referiu, foi isso que sucedeu nos autos. Deste modo, há que retirar desta norma as necessárias consequências jurídicas.

Então, efectuando a contagem de acordo com as normas referidas temos:

- prazo contado desde 01.01.1999 até à instauração da impugnação (07.01.2003) = quatro anos e sete dias;
- o restante prazo de prescrição deveria ser contado a partir de 26 de Novembro de 2004 (artº 49º, nº 2 da LGT então em vigor). Porém, uma vez que a execução se encontrava legalmente suspensa, ficando o credor impedido de cobrar a dívida, o prazo ocorrido posteriormente a 26 de Novembro de 2004 não conta para efeitos de prescrição.

Então, tal como afirmaram a recorrente Fazenda Pública e o MºPº, a dívida não pode considerar-se prescrita, até porque foi a recorrida que, ao pedir a suspensão do processo de execução fiscal nos termos legais, acabou por impedir que o prazo de prescrição corresse a seu favor.

Pelo que ficou dito procedem as conclusões da Fazenda Pública e, em consequência, o recurso.

VII. Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, devendo os autos, por não estar prescrita a dívida exequenda, seguir seus legais termos”.

Custas pela recorrida (impugnante) apenas em 1ªinstância.
Lisboa, 5 de Maio de 2010. Valente Torrão (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.