Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0217/11.2BECBR
Data do Acordão:12/15/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:OBRAS DE URBANIZAÇÃO
INFRA-ESTRUTURAS
EQUIPAMENTO
UTILIZAÇÃO
Sumário:I - A operação urbanística de obras de urbanização consiste nas “obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva.” – vd. artºs 3º b) DL 448/91 e 2º h) RJUE.
II - As infra-estruturas urbanas são os sistemas técnicos de suporte directo ao funcionamento dos aglomerados urbanos ou da edificação em conjunto” e compreendem normalmente os sistemas intra-urbanos de circulação, de abastecimento de água, drenagem de águas residuais e pluviais, recolha de resíduos sólidos urbanos, de distribuição de energia e de telecomunicações – vd. Decretos Regulamentares nºs 9/2009 de 29.05 e 5/2019 de 27.09.
III - Para efeitos dos artºs 45º DL 448/91 e 43º/1 RJUE a caracterização normativa dos equipamentos de utilização colectiva dada pelos DR’s 9/2009 e 5/2019 e consequente sujeição, nos termos do artº 43º/4 RJUE, ao regime da compropriedade ex vi artºs. 1420º a 1438º-A C. Civil na veste de partes comuns do loteamento, implica que o edificado previsto seja “afecto à provisão de bens e serviços destinados à satisfação das necessidades colectivas dos cidadãos, designadamente, nos domínios da saúde, da educação, da cultura e do desporto, da justiça, da segurança social, da segurança pública, e da protecção civil.”
IV - Em ordem a que os equipamentos integrados nos lotes (artºs 45º DL 448/91 e 43º RJUE) assumam a natureza jurídica de equipamentos de utilização colectiva, ponto é que a finalidade específica de interesse geral ou de utilidade geral (afectação) se traduza, primeiro, no preenchimento de “necessidades colectivas dos cidadãos” e, segundo, essa afectação específica em favor de necessidades essenciais da vida em sociedade seja expressa no contexto das especificações do alvará (artº 29º/1/e) DL 448/41 e 77º/1/e) RJUE).
V - A ausência no alvará do loteamento de menção específica à funcionalidade de interesse geral ou utilidade geral que traduza a afectação do edifício previsto para o Lote à satisfação de “necessidades colectivas dos cidadãos, designadamente, nos domínios da saúde, da educação, da cultura e do desporto, da justiça, da segurança social, da segurança pública, e da protecção civil, não permite a subsunção desse edifício no conceito técnico de equipamentos de utilização colectiva de acordo com a densificação dada nos diplomas regulamentares (DR’s 9/2009 e 5/2019).
Nº Convencional:JSTA00071632
Nº do Documento:SA1202212150217/11
Data de Entrada:04/23/2019
Recorrente:A......S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE COIMBRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:DL 555/99, DE 16/12, ART2, AL.H), ART41, ART43
DL 448/91, DE 29/11, ART8
Aditamento:
Texto Integral: A…………, S.A., com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão de 26.10.2018 proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte dele vem recorrer, concluindo como segue:
1. Por sentença datada de 20/11/2014, foi julgada procedente a acção instaurada pela aqui recorrente contra o Município de Coimbra, (cfr sentença).

2. Não se conformando com a decisão proferida, os ali Contra-Interessados (aqui recorridos) interpuseram recurso de apelação, versando sobre matéria de facto e de direito e abrangendo toda a decisão.

3. Por Acórdão datado de 30/10/2018, foi o referido recurso julgado procedente,

4. Razão pela qual, e por se considerar que tal decisão padece de evidente falta de fundamentação, ora se apresenta o presente recurso excepcional de revista.

5. O presente recurso é apresentado ao abrigo do disposto no artigo 150º nºs. 1 e 2 do CPTA e 672º nº 1 do CPC, considerando-se que a matéria aqui em causa integra o conceito de "interesses de particular relevância social",

6. Na medida que, atestas as questões em causa, existe um "invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular", bem como todos aqueles que "em atenção aos seus contornos particulares e à projecção dos seus efeitos no mundo jurídico, têm de ingressar no rol dos que questionam "interesses de particular relevância social".

7. Efectivamente, o que se encontra em apreço é saber se a construção a edificar em lote privado, e que se destina a dar apoio a todo o conjunto da urbanização, se subsume, ou não, no conceito de obras de urbanização do art. 3º al. b) do DL 448/91, de 29/11,

8. Se é admissível ou não que este mesmo Município fixe ao proprietário privado do mencionado lote um prazo para construir um edifício a que apenas se faz menção de forma genérica no respectivo alvará, não se encontrando concretizado e projectado no projecto de loteamento,

9. E se é ou não lícito ao Município recusar a recepção definitiva das obras de urbanização do loteamento por não se encontrar nada edificado naquele lote privado,

10. Conflituando entre si os conceitos de propriedade privada e livre disposição e cumprimento de obrigações impostas por entidade públicas e abuso de direito.

11. Crê-se que o Acórdão recorrido ao admitir que apesar da propriedade do lote em causa ser privada e o alvará de loteamento ser omisso quanto à concretização da edificação a construir para apoio de todo o conjunto do loteamento, o seu proprietário (aqui Recorrente), ainda assim, está obrigado a construir, no prazo determinado pelo Município, um edifício, quem nem sequer foi alvo de projecto e especificação,

12. Está a determinar insegurança jurídica e social na população em geral e na ordem jurídica,

13. Deixando aberta a porta a uma discricionariedade e arbitrariedade injustificáveis.

14. Para além do mais, considerando que "As operações de loteamento urbano e as obras de urbanização constituem, seguramente, uma das formas mais relevantes de ocupação do solo, quer pelas incidências que possuem ao nível do ordenamento do território, do ambiente e dos recursos naturais, quer pelas repercussões que delas resultam para a qualidade de vida para os cidadãos. Na verdade, tais operações estão na origem da criação de novos espaços destinados à habitação ou ao exercício das mais diversas actividades humanas",

15. Torna-se imperioso que as decisões sobre as questões inerentes (como o caso concreto) garantam ordem e segurança jurídica, afastando a suspeição de diferentes interpretações e aplicações consoante o Município territorialmente competente e o entendimento do Tribunal jurisdicionalmente competente.

16. Mais, considerando que em causa estão "litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, topa-se mesmo um "majus" em relação ao conceito (que vem sendo abandonado) de acto de gestão pública, uma vez que se estará perante uma controvérsia resultante de relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo,",

17. Ou seja, uma relação jurídica inter subjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares.

18. Acrescidamente, crê-se que da apreciação do caso concreto resultará, inevitavelmente, porque assim são os interesses em causa, divergências susceptíveis de conduzir a decisões eventualmente contraditórias, que urge acautelar com vista a uma melhor aplicação do Direito,

19. Razão pela qual se justifica a intervenção deste STA e a admissão do presente recurso excepcional de revista.

20. Por fim, considera-se, ainda, que o Acórdão de que ora se recorre viola a lei substantiva,

21. Porquanto faz subsumir no conceito de obras de urbanização do art. 3º, al. b) do DL 448/91, de 29/11, a edificação a levar a cabo num lote privado, apenas pelo simples facto de que a construção que ali se vier a edificar servirá de apoio a todo o conjunto do loteamento, parecendo querer ignorar o conceito de obra de urbanização.

22. Integram o conceito de obras de urbanização obras integrantes de espaços de utilização colectiva cedidos ao Município e definidos, concretizados e projectados no projecto de loteamento,

23. O alvará de loteamento em causa não prevê que o lote 32 seja cedido ao Município e a obra ali a edificar não tem natureza pública.

24. A única menção existente no alvará de loteamento quanto a este lote é "uma caracterização genérica do edifício a construir, representando, apenas, um condicionamento ou limitação ao que ali se poderá ou não poderá licenciar" e construir,

25. Se e quando for empreendida a iniciativa de aí construir, pelo respectivo proprietário (aqui Recorrente), limitação esta que "tem a mesma natureza de tudo o mais que vincula o loteador e quem quer que venha a adquirir os lotes, quanto ao que construir.

26. As obras no lote 32 não se tratam de obras de urbanização, razão pela qual nem sequer é exigível que estejam realizadas no termo do prazo concedido para a conclusão das obras do loteamento,

27. Tratando-se de apenas mais um lote para construção, se bem que com destinação diversa da habitação.

28. O equívoco gerado no Acórdão recorrido prende-se essencialmente com a caracterização genérica que é feita do lote 32 no respectivo alvará de loteamento, por se estabelecer que em tal lote será construído um edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização.

29. Porém, isto não significa que o edifício ali a construir venha ser um edifício "público". Será um edifício de natureza privada que dará apoio à urbanização, no qual se poderá instalar uma creche, um cabeleireiro, uma esplanada, uns balneários, etc.,

30. Cuja concessão e exploração serão sempre de natureza privada e que serão utilizados mediante o pagamento do valor de um serviço.

31. Por outro lado, o Acórdão recorrido enferma de erro de raciocínio ao querer considerar que a construção no lote 32 seja enquadrável no conceito de "equipamentos de utilização colectiva", definido nos termos do disposto no anexo ao Decreto Regulamentar nº 9/2009, de 29/05 (Ficha nº.25).

32. Para que o lote 32 coubesse naquele conceito, tal tinha de estar previamente fixado no respectivo alvará de loteamento e teria de ter sido registado na respectiva descrição predial, o que não sucedeu,

33. Mantendo-se como apenas mais um lote para construção, embora não destinado a habitação.

34. O alvará de loteamento não fixou que o que se construísse no lote 32 fizesse parte das obras de urbanização, não se especificando que edifício se ia construir e que utilidade do conjunto da urbanização ele serviria.

35. O licenciamento foi emitido sem ter sido apresentado o projecto do que quer que fosse para o lote 32, o que não seria admissível caso a construção a edificar efectivamente integrasse o conceito de obras de urbanização.

36. Apesar do Acórdão recorrido vir dizer que este facto não afasta a obra prevista para o lote 32 do conceito de obras de urbanização, a verdade é que tal obra sempre estaria arredada de subsunção naquele conceito pela própria concepção e definição do conceito de "Obras de urbanização".

37. Apesar da mesma se destinar a dar apoio a todo o conjunto da urbanização, a verdade é que a mesma não será utilizada de forma pública, não será cedida para o domínio público ou municipal e não tem especificado que edifício e para que a utilidade será edificada.

38. Existem, dentro dos loteamentos, parcelas ou lotes que se destinam a utilização colectiva, que, no entanto, se mantêm na esfera da propriedade privada, como é o caso.

39. A inadequação do procedimento utilizado pela CMC, não exigindo para a aprovação do loteamento, o cumprimento rigoroso de todas as normas aplicáveis, fez com que a aqui Recorrente ficasse vinculada ao cumprimento de obrigações diversas daquelas que agora lhe estão a ser exigidas pela deliberação do Município que se impugnou no presente processo.

40. Não estando a obrigação constituída nunca poderá ser exigida e nunca a Recorrente estará em incumprimento, nem incorrerá em mora ou cumprimento defeituoso.

41. O que a CMC está a exigir à aqui Recorrente não é o cumprimento do definido no alvará de loteamento quanto ao lote 32, mas antes sim a imposição de obrigações novas, derivadas e com origem numa errada interpretação do conceito de obras de urbanização.

42. Tratando-se de obra privada, a edificar em propriedade privada, não pode estar sujeita a prazo determinado pela edilidade, até porque do alvará de loteamento não existe projecto para este lote que especifique, entre outras exigências legais, o prazo de realização da obra.

43. A inexistência de tal projecto, determina que fique na livre disposição do proprietário do lote decidir se e quando quer construir, não lhe podendo ser impostas estas obrigações pela edilidade.

44. O parecer do MP toma por base o Acórdão deste STA, proferido em 28/11/2007, no Processo nº 081/07, no âmbito do qual o que estava em causa era a não recepção definitiva das obras de urbanização do loteamento ………, por não se encontrarem realizados todos os espaços verdes privados e de utilização colectiva e equipamentos de utilização colectiva.

45. Ali estavam em causa obras diversas das que se encontram em causa nos presentes autos, desde logo pela finalidade da utilização e pela propriedade dos espaços (domínio público vs domínio privado),

46. Pelo que, ao estribar-se naquele Ac., o parecer emitido pelo MP nos presentes autos padece de erro de pressuposto,

47. Razão pela qual o Acórdão recorrido ao sustentar a sua decisão e fundamentação neste mesmo parecer ficou ferido de inadequação, devendo, em consequência, ser corrigido.

48. Não sendo a obra a edificar no lote 32 subsumível no conceito de obras de urbanização, nem se tratando de um "equipamento", não é lícita a conduta assumida pelo Município em recusar a recepção definitiva das obras de urbanização, por não se encontrar nada edificado no lote 32.

49. Não tem sentido falar em recepção, pelo Município, de lotes ou outras parcelas de terreno que jamais lhe pertencerão e que não será sua atribuição manter e cuidar.

50. Só estão sujeitas ao regime de ordem pública as obras integrantes de espaços de utilização colectiva que sejam cedidos ao Município e definidos, concretizados e projectados no projecto de loteamento.

51. Tal não se verifica com o lote 32.

52. Não é lícito ao Município fixar um prazo para uma edificação em propriedade privada, da mesma forma que ao fazê-lo está a violar a lei, a ordem e segurança jurídicas.

53. O Acórdão recorrido ao decidir no sentido que decidiu determinou a efectivação de um abuso de direito, o qual não é admissível nos termos legais.

54. Razão pela qual deve ser revogado, mantendo-se, integralmente, a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 20/11/2014.

55. O indivíduo tem o direito de poder confiar que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.

56. O cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas.

57. A protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas,

58. Razão pela qual a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiada opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica.

59. A questão torna-se mais premente quando a normação versa sobre a actuação dos poderes públicos em confronto com os cidadãos, tendo subjacente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas.

60. No caso em apreço a edilidade violou estes dois princípios, ao exigir à Recorrente que construísse, no lote 32, sua propriedade privada, um edifício, num determinado prazo, mais violando o sentido e alcance do direito constitucional de propriedade.

61. Tratando-se de obra privada, a edificar em propriedade privada, não pode estar sujeita a prazo determinado pela edilidade, até porque do alvará de loteamento não existe projecto para este lote, que especifique, entre outras exigências legais, o prazo de realização da obra,

62. O que determina que fique na livre disposição do proprietário do lote decidir se e quando quer construir, não lhe podendo ser impostas estas obrigações pela edilidade.

63. No caso em apreço, foi, ainda, violado o princípio da livre apreciação de prova, enquanto apreciação que se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, determinando uma convicção racional, objectivável e motivável.

64. Ao fazer subsumir a obra a edificar no lote 32 ao conceito de obra de urbanização, ignorando todos os pareceres técnicos, informações municipais e o próprio regulamento municipal, sem razão ou fundamento aparente, violou-se o princípio da livre apreciação de prova, inquinando toda a fundamentação da decisão e acabando por dar procedência a um pedido manifestamente infundado e não comprovado.

65. Violadas ficaram, pois, as normas constantes dos arts. 2°, 22º e 62º da Constituição da República Portuguesa, arts. 334º, 1302º e 1305º do Código Civil, 127º do Código de Processo Penal, artº 3º, alínea b) do Decreto-Lei nº 448/91, de 29/11 e Anexo ao Decreto Regulamentar nº 9/2009, de 29/05.


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Os Contra-interessados contra-alegaram, concluindo como segue:

1. O recorrido Acórdão do TCA seguiu a jurisprudência acolhida em Aresto deste STA sobre a matéria em causa, dele dando ampla notícia.

2. Este acórdão do STA está alinhado com a doutrina comparada, de que demos ampla e circunstanciada nota nas alegações que levámos a efeito junto do TCA Norte, mormente descrevendo os regimes jurídicos Italiano e Francês, que são e sempre foram a base legal e dogmática que nos serviu na lei da divisão da propriedade para efeitos urbanos.

3. É inequívoco que se um loteador num seu lote privado se compromete a levar a efeito um edifício destinado a apoio social ao loteamento, constando tal vinculação expressamente do alvará, tem de o fazer - aqui como em todos os Países sérios, que dão naturalmente crédito à confiança que os actos administrativos, ademais fonte da constituição da propriedade, geram nos adquirentes dos lotes.

4. Sendo, isso sim, como aliás ocorreu, fonte de perfeita indignação e intranquilidade social que se venha dizer que a palavra e os compromissos assumidos nada valem e que os actos administrativos de natureza para-regulamentar, digamos assim, nenhum efeito têm na ordem jurídica.

5. Pelo que, não deve ser admitida a excepcional revista, tanto mais que a questão não tem complexidade, estabilizando-se (assim, com celeridade ditada pelo decurso de 20 anos que já teria derrotado, em redução a zero, qualquer margem de liberdade) esta evidente e vinculativa obrigação na ordem jurídica.

6. Sem prescindir, apenas por cautela e para o caso de à tort assim não se entender, temos que quanto à fundamentação o discurso crítico nada tem a ver com qualquer falta de fundamentação, como a mesma é definida na lei processual, mas sim com erro de julgamento hipotético (aliás, fala a Recorrente aqui até em erros de raciocínio supostos...).

7. O alvará diz concreta e suficientemente que se trata de um “Edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização” com as seguintes vinculações: tem de ser uma edificação; tem de ter uma área edificada de 246 m2; tem de ser um edifício com uma função social e ainda de apoio a todo o conjunto da urbanização.

8. Obras de urbanização são: “todas as obras de criação e remodelação de infra-estruturas que integram a operação de loteamento e as destinadas a servir os conjuntos e aldeamentos turísticos e as ocupações industriais, nomeadamente arruamentos viários e pedonais e redes de abastecimento de água, de esgotos, de electricidade, de gás e de telecomunicações, e ainda de espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva”, aliás entendidas nos termos latos fixados na jurisprudência e dogmática.

9. O fim social, condominial ou de utilização colectiva do lote e daquela obra a nele ser edificada está manifestamente assumido na proposta (e nas sucessivas propostas) do loteador, quer na deliberação que aprovou o loteamento, quer ainda no alvará.

10. Ao contrário do que tenta dizer a Recorrente, podem existir obras de urbanização ou equipamentos privados - é mesmo a lei a dizê-lo, se bem que actualmente, quando estabelece os conceitos a adoptar em matéria de instrumentos de ordenamento territorial.

11. É ostensivo que a autarquia pode exigir o cumprimento do que consta de um alvará de loteamento, exigindo o que antes mal ou bem não exigiu, fixando prazo, se necessário, para o seu cumprimento.

12. E claro que deve existir recepção da obra ou acto de valor e força idêntica, o que, para além do que se disse, resulta da circunstância desta recepção ter como regime subsidiário a recepção das obras públicas.

13. Quanto à segurança e confiança, é ostensivo, manifesto, flagrante e patente que se alguma coisa estes princípios, quando aplicados à situação vertente, reclamam é que o loteador recorrente cumpra a sua palavra.

14. Os adquirentes dos lotes confiaram na deliberação da Autarquia, confiaram no alvará de loteamento onde se dizia que o lote 32 do loteamento de que cuidamos, era para servir o loteamento no seu conjunto.

15. Já decorreram quase 20 anos sem que o loteador tenha cumprido as vinculações constantes do alvará, sendo pois manifesto e evidente que nenhuma margem de liberdade existe para deferir no tempo a construção a que o loteador expressa, livre e insindicavelmente se vinculou a edificar.

16. O exercício desta acção e recurso é manifestamente abusivo, quando a Câmara Municipal passados todos estes anos, vem finalmente exigir que a obra seja realizada.

17. Vem a Recorrente alegar que foi violado o princípio da livre apreciação da prova, porém, salvo o merecido respeito, essa vaga alegação e causa de recurso são manifestamente ineptas, devendo o recurso improceder.


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Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA foi decidido admitir a revista.


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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.


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Pelas Instâncias foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Em 18/1/1994 o Presidente da Câmara de Coimbra, em execução das deliberações da dita Câmara de 3/5/1993, 2/5/1994 e 8/8/1994 emitiu o Alvará n° 355, titulando uma licença atribuída à aqui Autora para dividir em lotes e proceder às respectivas obras de urbanização, num conjunto de três prédios: um sito na ………….., com a área de 790 695 m2 inscrito na matriz predial da freguesia de Santo António dos Olivais do concelho de Coimbra sob o artigo ……. e descrito na conservatória do Registo predial sob o n° 3204/860418, outro sito no ……….., com a área de 54 796 m2, inscrito na matriz predial da freguesia de Eiras sob o artigo …….. e descrito na conservatória do registo predial sob o n° 150/860418; e outro sito no lugar denominado ………, com a área de 6550m2, inscrito na matriz predial da freguesia de Eiras e descrito na conservatória do registo predial de Coimbra sob o n° 00242/861022. Cf. o texto do alvará.

2. Dá-se aqui por reproduzidos os termos do alvará n° 355, constantes de fs. 84 e sgs do PA (a cópia apresentada como doc. 1 da PI está incompleta) transcrevendo apenas os seguintes excertos:

“(..) II - Desta operação resultam 36 lotes com a seguinte caracterização:

(...)

Lote 32 - com a área de 1 480m2; área de Construção - 246m2, destinado a construção de edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização”

(...)

III - A titular deste Alvará fica vinculada ao conteúdo dos seguintes pareceres:

A. Pelo Departamento de Administração Urbanística

1- A planta de loteamento está anexa ao requerimento registado sob o n° 33119/93 e contém a síntese dos elementos caracterizadores da operação urbanística, incluindo áreas de cedência para o domínio público e privado do Município.

(...)

2- O prazo para a execução das obras de urbanização é de um ano e a recepção provisória e definitiva das obras de urbanização será efectuada nos termos previstos na legislação geral e regulamentação municipal aplicável.

(...)

5- E concedido um prazo de 180 dias para apresentação de projecto dos equipamentos previstos para zona verde de recreio e lazer, designadamente piscina, campo de ténis e parque infantil, com as respectivas medições e orçamentos.

6- A área a ceder ao Município para "uso do condomínio em direito de superfície com equipamentos afins", será objecto de contrato de concessão a celebrar posteriormente à emissão do alvará de loteamento, com cláusulas e regulamento a acordar na fase subsequente à apresentação (e aprovação) dos respectivos projectos dos equipamentos a instalar.

(...)

F- Pela Comissão de Coordenação da Região Centro / Direcção Regional do Ordenamento do Território - of. n° 7738 de 20/08/92:

Deverão observar-se as condições/orientações expressas na inf. N° 506/92 da DGU-N e clarificar-se, na proposta urbanística final, que:

1- O somatório das áreas de construção previstas para os lotes 1 a 32 não poderá ser superior a 28780 m2;

2- O valor da área de construção, relativo ao terreno situado na ………….. - 22780 m2 - continua a ser verificado ao aplicar-se o critério que presidiu à análise do loteamento a 7 de Março de 1990 (Acta n° 41190 do grupo de Trabalho);

3- A discrepância existente entre a área de implantação e a área de construção previstas para o lote n° 32. (sic).

IV - A entidade loteadora vai ceder gratuitamente ao Município de Coimbra: (Carregado nosso)

1- Parcelas de terreno a ceder para domínio privado, todas a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n° 3204/930416, da freguesia de Santo António dos Olivais, e com o artigo matricial urbano n° ………:

1.1- Terreno com a área de mil trezentos e quarenta metros quadrados, constituindo o lote n° 33, confronta de Norte com Caminho da ………….., Sul com ……….., Nascente com caminho público e Poente com lote n° 31, destinado a depósitos dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Coimbra. Foi-lhe atribuído o valor de dois mil e duzentos escudos/metro quadrado, resultando para a parcela em causa o valor de dois milhões, novecentos e quarenta e oito mil escudos.

2.4- Terreno com a área de cento e quarenta metros quadrados, destinado a ceder para futuro prolongamento do arruamento mais a poente, que confronta de Norte com domínio público, Sul com domínio público, Nascente com domínio público e Poente com Herdeiros de ………….. Foi-lhe atribuído o valor de quinhentos e cinquenta escudos/metro quadrado, resultando para a parcela em causa o valor de setenta e sete mil escudos.

2.5- Terreno com a área de catorze mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, destinado a zona de lazer para uso do condomínio em direito de superfície com equipamentos afins, que confronta de Norte com Pracetas e arruamento (domínio público), Sul com zona verde (domínio público), Nascente com Pracetas e arruamento (domínio público) e Poente com Lotes n's 8 a 12 e zona verde (domínio público). Foi-lhe atribuído o valor de quinhentos e cinquenta escudos/metro quadrado, resultando para a parcela em causa o valor de sete milhões oitocentos e trinta e nove mil e setecentos escudos. Itálico nosso.

N.B. - O prédio urbano já foi demolido e a respectiva área estava integrada na área descoberta indicada para o respectivo prédio misto.

3- Parcelas de terreno a ceder para o domínio privado:

3.1- Terreno com a área de seis mil quinhentos e cinquenta metros quadrados, prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n° 00242/861022, freguesia de Eiras, artigo matricial nº ………, confrontando de Norte com terreno destinado a arruamento e Câmara Municipal de Coimbra (área de cedência 3.2), Sul com a antiga carreira de tiro, Nascente com Câmara Municipal de Coimbra (área de cedência 3.2) e Poente com serventia. Foi-lhe atribuído o valor de quatrocentos e cinquenta escudos/metro quadrado, resultando para a parcela em causa o valor de dois milhões novecentos e quarenta e sete mil e quinhentos escudos.

3.2- Terreno com a área de cinquenta e quatro mil setecentos e noventa e seis metros quadrados, prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº 00150/860418, freguesia de Eiras, artigo matricial n° …….., confrontando de Norte com …………. e antiga carreira de tiro, Sul com ……….. e Outros, Nascente com ………… e outros e Poente com …………. e outros. Foi-lhe atribuído o valor de quatrocentos escudos/metro quadrado, resultando para a parcela em causa o valor de vinte e um milhões novecentos e dezoito mil e quatrocentos escudos. (..)”

3. O Lote 32 não estava incluído nas parcelas e ou lotes cedidos para os domínios público ou privado municipais.

4. Nos termos da alteração ao loteamento aprovada pela Câmara Municipal em reuniões de 9/10/95, 8/1/96 e 29/1/96 o Presidente da Câmara subscreveu, em 25/3/96, novo alvará que passou a ser identificado com o n° 387 (doc. 5 da PI).

5. Dá-se por reproduzido todo o teor do alvará nº 387 de doc. 5 da PI, destacando o seguinte excerto:

“(..) A alteração consiste na introdução de mais uma cave opcional em todos os lotes, incluindo moradias. Mantêm-se todas as prescrições e condições fixadas no Alvará de Loteamento nº 355, que não são objecto de alteração no presente título.

6. Em 2 de Dezembro de 2004 a A……….. requereu nova alteração do alvará, propondo a desafectação de uma área do domínio público para a definição de um novo Lote, o lote 37 com a área de 464,00 m2 e área bruta de construção de 245,00 m2, destinado a Ginásio, e a alteração de área bruta de construção do Lote nº 32, que seria cedido para o domínio privado da Câmara Municipal (Doc. 13 da PI).

7. O Director Municipal da Administração do Território, através da informação nº 19/2005, propôs o deferimento da alteração, não, porém, sem se proceder antes a consulta pública, o que foi acolhido pelo vereador do pelouro e sancionado por deliberação da Câmara de 14/3/2005 (Doc. 14, 15 e 16 da PI).

8. Em 3/8/2008 foi elaborada a informação nº 22267 de 3/8/2005 da Divisão de Licenciamentos Diversos e de Fiscalização cuja cópia integra doc. 17 da PI e aqui se dá como reproduzida, destacando os seguintes segmentos finais:

“(..) 3. PROPOSTA

Pelos factos expostos, propõe-se:

2.1 Nos termos do definido no artº 87ºdo DL 555/99 de 16/12 alterado pelo DL 177/01 de 4/6, que a Câmara Municipal delibere deferir.

2.1.1 a recepção provisória das obras de urbanização a cargo do requerente, seguintes,

· Infra-estruturas viárias e Arranjos Exteriores, face ao teor do auto de vistoria efectuada em 19/07/2005;

· Rede de abastecimento de gás, face ao teor do ofício sob o registo nº 27570/02;

· Rede de abastecimento de água e rede de esgotos domésticos, face ao teor do ofício sob o registo nº 70925 de 13/12.04;

9. Sobre esta informação exarou a chefe de divisão o seguinte parecer em 3/9/2005:

“(..) Concordo. Face ao teor do parecer da presente informação, propõe-se que a Câmara municipal delibere:

1. Efectuar a Recepção Provisória das obras de urbanização do alvará de loteamento n° 355/94 (viárias, rede de gás; redes de água e de esgotos), nos termos propostos em 2.1;

2. Proceder a redução da garantia bancária conforme proposto em 2.1.2, notificando-se a entidade bancária;'

Mais se propõe dar conhecimento da decisão municipal ao DEV, DOGIM e Junta de Freguesia. (..)”

10. Em reunião de 26/9/2005 com base na sobredita informação n° 22267 e no parecer da chefe de divisão acabado de transcrever a Câmara deliberou nos seguintes termos:

“(..)

Aprovar a recepção das obras de urbanização do alvará de loteamento n° 355/94 nas condições constantes da informação acima referenciada e a redução da garantia bancária n° 2550001096880019 da Caixa Geral de Depósitos do valor de 319.205,11€ para o valor de 136.816,30 € da Caixa Geral de Depósitos, notificando-se a entidade bancária.

• Dar conhecimento da decisão à Divisão de Espaços Verdes, Departamento ele Obras e Infra-Estruturas Municipais e Junta de Freguesia. Cf. doc. 16 da PI.

11. No Lote 32 não estava feita nessa data, como hoje, qualquer construção.

12. Na sequência da consulta pública sobre o pedido de alteração acima referido foi elaborada a informação n.° 1529, de 14 de Novembro de 2006 (cf. n.° 3 do artigo 27.° do RJUE) na qual foram propostos (i) a confirmação da aprovação da alteração ao alvará de loteamento proposta pela Câmara Municipal de Coimbra e (ii) o posterior envio do processo administrativo à Assembleia Municipal de Coimbra para ratificação da deliberação da Câmara Municipal.

13. Desde esta altura e até ao presente, a confirmação da alteração ao alvará de loteamento, que pressupunha a desafectação do Lote 37 que se encontrava no domínio público, não foi objecto de deliberação pela Assembleia Municipal.

14. A última vez que esta matéria foi agendada para reunião da Assembleia Municipal foi em 23 de Fevereiro de 2007, tendo o Presidente da Assembleia, perante alguma discussão àcerca do teor da alteração ao alvará de loteamento, sugerido "retirar o processo a fim de ser esclarecida a envolvência das partes" (Doc. 18 da PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido).

15. Em 7 de Junho de 2010 a A………..foi notificada pela Câmara Municipal de Coimbra, através do Ofício n.° 18655, da proposta de decisão de indeferimento do pedido de alteração ao loteamento n.° 355 (……….), com os fundamentos constantes na informação n.° 21/2010, de 19 de Março, da Direcção Municipal de Administração do Território, e de lhe ser dada ordem, enquanto loteadora, "para concluir, no prazo de 120 dias, as obras de urbanização conexas com o loteamento, nomeadamente as referentes à edificação do Lote nº 32, destinada a apoiar a área cedida para equipamentos de lazer, com a área de 14.254 m2, sob pena de não poder ser realizada a recepção definitiva dessas obras de urbanização " (Doc. 23 da PI).

16. Dá-se aqui por reproduzida a sobredita informação 21/2010, integrante do doc. 23 da PI, destacando os seguintes excertos:

“(..)

I- Do pedido

A) Em 02-12-2009, com o Reg. ° 13795, a A…………, S.A. solicita o esclarecimento sobre a alteração ao loteamento que se consubstancia, em geral, na cedência do lote 32 para o domínio municipal e a criação do lote 37 no espaço por baixo do mirante recebendo as funções inicialmente previstas para o lote 32, ou seja edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização. A criação do lote 37 implica a desafectação do espaço do domínio público municipal.

B) Em 02-12-2009, com o Reg.0 13794, a A………….., S.A. solicita o esclarecimento sobre a "área de cedência à C.M.C. para uso do condomínio em direito de superfície com equipamentos afins", sendo que segundo o ponto 6. do Capítulo III do alvará de loteamento inicial, este uso será objecto de contrato de concessão, com cláusulas e regulamento a acordar na fase subsequente à apresentação (e aprovação) dos respectivos projectos dos equipamentos a instalar.

(...)

DOS FACTOS PERTINENTES

Processo nº 27/1971/2580:

18- 11-1994 - Alvará de Loteamento nº 355:

Cap. II - Desta operação resultam 36 lotes, em especial, com a seguinte caracterização:

- Lote 32 - com a área de 1 480 m2; área de construção - 246,00 m2 destinado a construção de edifício social de apoio para todo o conjunto da urbanização.

(...)

10-07-2003 - Reg. 35155E - A A………… requer a recepção provisória das "áreas de cedência à CMC para uso do condomínio em direito de superfície com equipamentos afins", ou seja, a parte da zona verde que não é de uso público, o Parque infantil, a piscina e o campo de ténis, referentes ao ponto 6 do capítulo III do alvará inicial, para o que vai ser apresentado à Câmara Municipal a respectiva proposta de regulamento.

05-04-2004 - Despacho da Chefe de Divisão de Estruturação e Renovação Urbana, Inf. Nº 581, DGURU - Notificar a requerente a apresentar no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, aditamento com rectificação/esclarecimentos das questões referidas em 1.2 a) e 1.3. (parque infantil: as características materiais; equipamentos a instalar e certificado de conformidade com os requisitos de segurança; sobre o projecto da piscina devem ser caracterizados os materiais de revestimento e pormenores do mesmo e não constam os projectos da casa das máquinas, abastecimento de águas e esgotos).

15-06-2004 - Reg. 34430 - A A……….. apresenta os elementos em falta, anexando cópia do requerimento entregue nas Águas de Coimbra, EM, pedindo a aprovação da Rede de Abastecimento de Água e Drenagem de Esgotos da Piscina.

(...)

15-12-2005 - Deliberação n.° 405/2005 da Câmara Municipal sobre a "Parcela de Terreno na ……………": Deliberação tomada por unanimidade e em minuta:

Aprovar o valor atribuído ao lote 32, com a área de 1 480 m2 e a área bruta de construção de 245,00 m2, no montante de 135.770,00 € (cento e trinta e cinco mil setecentos e setenta euros).

• Aprovar a desafectação do domínio público municipal e a sua integração no domínio privado do Município da parcela de terreno destinada a construção, situada na …………., Freguesia de Santo António dos Olivais, com a área de 464.00 m2 confrontando a norte com lote n.° 17 do Alvará de loteamento N.° 387, a sul com o Lote n° 18 do Alvará de loteamento N.° 387, a nascente com arruamento e a poente com o domínio público de Coimbra

(...)

Aprovar o valor atribuído à parcela de terreno com a área de 464 m2 e a área bruta de construção de 246 m2, no montante de 135n 7870,006 (...)

Enviar o processo de desafectação à Assembleia Municipal para ratificação.

(...)

23-03-2006 - Reg. 16405E - A ……………, Administração de Imóveis, Lda, na qualidade de administradora dos lotes 1,2,4,8,9,10,11,12,14,16,17,18 e 19 apresenta oposição dos proprietários dos referidos lotes à alteração do alvará de loteamento.

(...)

11-12-2006 - Deliberação da Câmara Municipal nº 234112006, Acta n.° 29/2006 da Reunião ordinária da Câmara Municipal, tomada por unanimidade e em minuta:

Considerar improcedente a exposição apresentada por ……………, Administração de Imóveis, Lda, em sede de período de discussão pública relativo à alteração da licença de loteamento, deferida por despacho datado constante do registo 16405/206 

Confirmar a aprovação da alteração à licença da operação de loteamento, deferida por despacho datado de 29/1212005;

• Remeter o processo à Assembleia Municipal para efeitos de ratificação da deliberação de Câmara.

(...)

III - Análise

A) Feita uma análise ao processo em especial os pressupostos do pedido de alteração do loteamento, pode concluir-se o seguinte:

(...)

Ora, à época da emissão do Alvará de Loteamento n.° 355 de 18-11-1994, estava em vigor o DL nº 448/91 de 29 de Novembro, entretanto revogado pelo DL nº 555/99 de 16 de Dezembro, na sua redacção inicial.

Já nessa altura o n.° 3 do artigo 19.° postulava o seguinte:

São nulos os contratos administrativos de concessão de uso privativo do domínio público municipal que:

a) Permitirem a ocupação do espaço concessionado para outros fins que não sejam o recreio e de lazer;

b) Incluírem cláusulas que proíbam ou limitem o acesso e a utilização do espaço concessionado por parte do público em geral.

Por outro lado, nos termos do artigo 16º o mesmo diploma (cedências):

O proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente à Câmara Municipal parcelas para espaços verdes públicos e de utilização colectiva, infra-estruturas, designadamente arruamentos viários e pedonais, e equipamentos públicos, que, de acordo com a operação de loteamento e em consequência directa deste, devam integrar o domínio público.

(...)

Ora, no caso em apreço a área de 14.254 m2 foi cedida para a CMC para "uso do condomínio em direito de superfície com equipamentos afins", sendo clara a intenção de um tratamento preferencial ao uso do espaço e equipamentos por parte dos moradores. Contudo, o uso terá que ser de utilização colectiva e não pode ser limitado o uso ao público em geral, podendo apenas ser regulamentado.

Pois caso assim não fosse não havia justificação para a cedência para o domínio público, sendo antes uma parte comum do loteamento.

Por outro lado não se pode constituir um direito real como é o de superfície sobre um bem do domínio público sob pena de nulidade.

Nestes termos, no caso concreto apenas é possível celebrar acordos de cooperação ou contratos de concessão conforme o objecto em causa, como já se viu atrás, e sem prejuízo do princípio da prossecução do interesse público.

IV - CONCLUSÃO

Neste contexto, pode concluir-se o seguinte:

A) - Verificam-se incoerências nas medições constantes das planta de síntese (...) e que pressuposto da deliberação (...) n° 6117/2005 (14/4/2005)

- Não está claro sobre quem recai a responsabilidade da construção do edifício “complementar aos espaços verdes” no lote 32, antes privado da A………… e agora proposta de cedência para o domínio privado da Câmara Municipal Para apoio à “zona verde condominial”.

- O que era antes capacidade construtiva para construção de equipamentos de apoio geral ao loteamento (lote 32) é agora transformada (sic) em capacidade construtiva para “serviços” em especial “clube de saúde” de exploração económica do foro privado, no lote 37;

- Se a deliberação da Câmara Municipal já foi submetida à apreciação da Assembleia Municipal por três vezes e foi retirada, então deverá a Câmara Municipal ponderar novamente a pretensão de alteração do Alvará.

Portanto, de momento está em vigor o Alvará n° 355, sugerindo que a câmara intime a A……….. a terminar as obras de urbanização em falta no prazo de 120 dias, com fundamento no artigo 46° do DL n° 448/91 de 29 de Novembro.

B) Sobre o espaço destinado "a zona de lazer para uso do condomínio em direito de superfície com equipamentos afins" a sua utilização não pode proibir o acesso do público em geral, podendo esta utilização ser regulamentada com os instrumentos disponíveis a saber: acordos de cooperação e contrato de concessão nos termos do RJUE, conforme o objecto e conteúdo material dos mesmos.

Assim, sem cuidar de impor, por extemporânea, uma clarificação do alvará de loteamento, importará para futuro que o acordo de cooperação/contrato de concessão a celebrar seja claro na permissão do acesso universal à referida zona. Tal preocupação tem tido aliás acolhimento noutros acordos/ contratos celebrados ou a celebrar.

À consideração superior. (..)”

17. A A…………… apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia no dia 6 de Junho de 2010, solicitando que fosse revista a intenção de indeferimento do pedido de alteração ao alvará, tudo conforme doc. 24 da PI que aqui se dá como reproduzido e “dado sem efeito” o “prazo para concluir as obras de urbanização”.

18. Em 17/11/2010 foi elaborada a informação n° DMAT 58/201022267 da Direcção Municipal de Administração do Território cuja cópia integra doc. 25 da PI e aqui se dá como reproduzida, destacando os seguintes segmentos finais:

“(..)

Sobre o lote 32, constante do Alvará de loteamento n.° 355 em vigor, descrito como sendo um lote da A………… para "construção de edifício social de apoio a todo o conjunto", sempre se dirá, que os projectos de loteamento têm que prever espaços verdes de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos, podendo ser parcelas de natureza privada a afectar àqueles fins, quer as parcelas a ceder à câmara municipal.

Ora, no caso em apreço, temos uma parcela privada (propriedade da A………….) para fins de equipamento (construção de edifício social de apoio a todo o conjunto).

Neste contexto, independentemente desta "construção de edifício social" ser considerado "infra-estrutura" ou não, a verdade é que se trata de equipamento (com a área de construção de 246m2) de apoio a todo o conjunto dos demais equipamentos e infra-estruturas previstos para o loteamento.

Por isso, sendo certo que, para este equipamento do lote 32 não se determinaram outros parâmetros e características aquando do licenciamento do loteamento, também é certo que os parâmetros dos demais equipamentos apenas vieram a ser concretizados e submetidos à apreciação da Câmara Municipal numa fase posterior, pelo que este equipamento do lote 32 devê-lo-ia ter sido também concretizado posteriormente e não foi. QUANDO??

Para além do mais, o equipamento previsto para o Lote 32 tem por fim apoiar todo o conjunto dos demais equipamentos e loteamento em geral, logo, o "edifício social" deveria encontrar-se construído e em perfeitas condições de utilização, desde o terminus da construção dos demais equipamentos (piscina, parque infantil, campo de ténis).

Nestes termos, reafirma-se a necessidade de “construção do edifício social” sem o que não se poderá recepcionar definitivamente a obra.

E, caso a A………… não o faça agora no prazo de 120 dias, a Câmara Municipal ver-se-á forçada a tomar outras medidas, nomeadamente recorrendo à caução existente.

(...)

IV - CONCLUSÃO

Face ao exposto na presente informação, bem como na informação n° 21/2010 de 19 de Maio, da DMAT, tenha-se em conta que a A………… não acrescentou ao processo fundamentos novos que consubstanciem uma alteração à decisão, e que a alteração proposta viola a alínea a) do n.° 1 do artigo 24.° (nomeadamente por violar normas legais relacionadas com a utilização do domínio público municipal, quer quanto ao direito de superfície, quer quanto à desafectação da área necessária para o lote 37, que não se efectivou, e o artigo 21º, ambos do RJUE.

Reitera-se que a A……….. deverá proceder à construção do edifício do lote 32 no prazo de 120 dias, uma vez que este lote é indispensável à completa fruição dos espaços cedidos para fins colectivos.

Por fim, reitera-se tudo quanto se disse sobre as figuras legais aplicáveis à gestão dos espaços verdes e de utilização colectiva.

À consideração superior. (..)”

19. Sobre esta informação exarou o Director Municipal da Administração do Território, o seguinte despacho:

“(..)

Visto, concordo com a presente informação, propondo que a Câmara Municipal delibere em conformidade, ou seja: 

a) Indeferir o pedido de alteração do Alvará de loteamento pelos motivos da inf. DMAT 21/2010 de 19 de Maio e da presente informação

b) Notifícar a loteadora a concluir as obras de urbanização conexas com a operação de loteamento no prazo de 120 dias sob pena de não poder haver recepção definitiva das mesmas (incluindo a edificação do lote 32, pela função a que está destinada);

c) Manifestar disponibilidade para acordo de cooperação ou contrato de concessão dos espaços de domínio público, nos termos da lei.

À Consideração do senhor vice-presidente. (..)”

20. Em reunião ordinária realizada em 22 de Novembro de 2010, a Câmara Municipal de Coimbra deliberou, acolhendo os sobreditos proposta e parecer:

- Indeferir o pedido de alteração ao loteamento nº 355;

- Notificar a loteadora “a concluir as obras de urbanização conexas com a operação de loteamento no prazo de 120 dias, sob pena de não poder haver recepção definitiva das mesmas (incluindo a edificação do lote 32, pela função a que está destinada);

- Manifestar disponibilidade para celebrar acordo de cooperação ou contrato de concessão dos espaços de domínio público, nos termos da lei. (Doc. 25 da PI maxime fs. 182 (papel) dos Autos).

21. A promoção, no mercado imobiliário, das habitações integrantes da urbanização erigida a partir do loteamento vindo a referir foi integrada por uma descrição escrita do empreendimento, em que se diz que: "O conjunto é servido ainda por uma infra-estrutura privada do condomínio geral composta por um edifício de apoio social, piscina, campo de ténis e uma grande área verde com percursos pedonais”: doc. 1 da contestação dos C.Ints.

DO DIREITO

De acordo com as conclusões, vem o acórdão proferido assacado de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento no domínio dos seguintes conceitos e matérias:

a. obras de urbanizaçãoitens 7 a 30 e 63-64;
b. equipamentos de utilização colectivaitens 31 a 41;
c. prazo para conclusão da operação urbanística no lote 32itens 42 a 62.


***

Em síntese, o TAF de Coimbra julgou a acção procedente e anulou “(..) a deliberação da Câmara Municipal de Coimbra de 22.11.2010 relativa ao alvará de loteamento nº 355 de 18.01.1994, na parte em que determinou a notificação da loteadora [a ora Recorrente] para concluir as obras de urbanização conexas com a operação de loteamento (incluindo a edificação do lote 32, pela função a que está destinada) no prazo de 120 dias, sob pena de não poder haver recepção definitiva das mesmas (..)”.

Interposto recurso pelos contra-interessados, veio o TCA Norte a revogar o acórdão proferido e julgar a acção improcedente.


*

As questões trazidas a recurso convergem, todas elas, para o complexo normativo que regula as operações de loteamento e as obras de urbanização, caracterizado pela estreita relação estabelecida entre estas duas operações urbanísticas na medida em que a lei define imperativamente a localização dos loteamentos para áreas situadas dentro dos perímetros urbanos definidos nos PMOT’s.

No tocante à referida localização imperativa dos loteamentos urbanos dentro dos perímetros urbanos, naturalmente que apenas é tomado em consideração o quadro legal anterior à Lei 31/2014 de 30.05 (LBPOTU) e ao novo RJIGT/DL 80/2015 de 14.05 em razão da data dos actos administrativos em causa – emissão dos alvarás nºs 355 e 387 em 18.01.1994 e 25.03.1996 e deliberação de 22.11.2010 da Câmara Municipal de Coimbra (acto impugnado). (Fernanda Paula Oliveira, Direito do urbanismo: do planeamento à gestão, AEDRL/2021, 4ªed., págs. 345-347; Mais uma alteração ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, Almedina/2014, pág. 43; Jorge Carvalho/Fernanda Paula Oliveira, Classificação e reclassificação do solo urbano no novo quadro legal, QADL nº 08, Out/Dez/2015, págs. 20-21; Classificação do solo urbano no novo quadro legal, Almedina/2016, págs. 10-15.)


*

Conforme dispõe o artº 8º DL 448/91, 29.11 – “As operações de loteamento só podem realizar-se em áreas classificadas pelos planos municipais de ordenamento do território como urbanas ou urbanizáveis.”, diploma vigente aquando do procedimento de licenciamento da operação de loteamento com obras de urbanização e da emissão do alvará único nº 355 de 18.01.1994 (artº 28º nº 2 DL 448/91), alterado pelo novo alvará nº 387 de 25.03.1996 – vd. itens 1e 4 do probatório.

Solução que transitou para o DL 555/99, 16.12 (RJUE), dispondo o artº 41º - “As operações de loteamento só podem realizar-se nas áreas situadas dentro do perímetro urbano e em terrenos já urbanizados ou cuja urbanização se encontre programada em plano municipal de ordenamento do território.”, na redacção vigente aquando da deliberação de 22.11.2010 da Câmara Municipal de Coimbra fundamentada na informação da Direcção Municipal de Administração do Território de 17.11.2010, no sentido de “concluir as obras de urbanização conexas com a operação de loteamento no prazo de 120 dias, sob pena de não poder haver recepção definitiva das mesmas (incluindo a edificação do lote 32, pela função a que está destinada)”, deliberação impugnada nos presentes autos – vd. itens 18, 19 e 20 do probatório.


*

Na medida em que a relação controvertida envolve as noções de obras de urbanização - estas integradas no âmbito de um loteamento - e de equipamentos de utilização colectiva, cumpre atender ao significado técnico que tais conceitos assumem quando aplicados, como é o caso, no quadro normativo do urbanismo e planeamento do território.

a. obras de urbanização – cedências - infra-estruturas urbanas - equipamentos de utilização colectiva;

A lei define a operação urbanística de obras de urbanização nos artºs 3º b) DL 448/91 e 2º h) RJUE nos seguintes termos:

· 3º/b), DL 448/91 – “Todas as obras de criação e remodelação de infra-estruturas que integram a operação de loteamento …, nomeadamente arruamentos viários e pedonais e redes de abastecimento de água, de esgotos, de electricidade, de gás e de telecomunicações, e ainda, de espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva;”

· 2º/h) RJUE – “As obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva;”

*

Em matéria de cedências para o domínio municipal de parcelas do loteamento, o artº 44º nº 1 RJUE dispõe que:

· 44º/1 – “O proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente ao município as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e as infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal.”

Como salienta a doutrina da especialidade, da conjugação do disposto nos artº 43º nºs 1/3/4 e 44º nº 1 RJUE deriva, por definição, a obrigatoriedade de,

“(..) distinguir entre as áreas afectas às finalidades indicadas neste artigo [43º] das áreas para cedência previstas no artigo subsequente [44º], já que se prevê que as primeiras integram quer as parcelas de natureza privada a afectar àqueles fins quer as parcelas a ceder à câmara municipal. Conjugando o previsto no artigo 44º com o disposto no artigo 43º nº 3, do RJUE, pode concluir-se que não existe qualquer norma que imponha a obrigação de cedência de certas parcelas de terreno para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos. O artigo 44º exige apenas que as operações de loteamento devem prever parcelas de terrenos para estas finalidades, independentemente de se manterem as mesmas em propriedade privada ou de passarem a integrar o domínio municipal (..)”.

De modo que as cedências para o domínio municipal em sede de loteamento resultarão

“(..) ou do plano municipal em vigor para a zona o impor ou, no silêncio do plano, de tal resultar da lei ou da operação de loteamento em concreto, devendo por isso o projecto de loteamento indicar expressamente nas plantas e na memória descritiva a afectação das várias parcelas e a sua titularidade. (..)

(..) Contudo, se o projecto de loteamento previr equipamentos (v.g. um parque de divertimento infantil, um ringue de patinagem, um campo de futebol) para uso exclusivo daqueles que venham a viver na zona loteada, as parcelas para estes fins não têm, naturalmente, de ser cedidas, ficando a ser parte comum dos lotes, das construções erigidas nos lotes ou respectivas fracções autónomas. (..)” (Fernanda Paula Oliveira, Direito do urbanismo: do planeamento à gestão, AEDRL/2021, 4ªed., pág. 347; Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – comentado, Almedina/2011, 3ª ed. págs. 374 e 378.)


*

No que importa às infra-estruturas e equipamentos a integrar no loteamento, o artº 43º nºs 1/3/4 RJUE determina como segue:

· 43º/1 – “Os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos.”

· 43º/3 –“Para aferir se o projecto de loteamento respeita os parâmetros [de dimensionamento das áreas] a que alude o número anterior consideram-se quer as parcelas de natureza privada a afectar àqueles fins quer as parcelas a ceder à câmara municipal nos termos do artigo seguinte.”

· 43º/4 – “Os espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes …”

As expressões legais de obras de urbanização, infra-estruturas e equipamentos de utilização colectiva constituem conceitos de carácter técnico dos domínios do ordenamento do território e do urbanismo, recebidos e uniformizados pelo ordenamento jurídico através dos Decreto-Regulamentar nº 9/2009, 29.05 em razão do disposto no artº 155º nº 2 c) DL 380/99, 22.09 (RJIGT), actual Decreto-Regulamentar nº 5/2019, 27.09 conforme disposto no artº 203º nº 1 d) do novo RJIGT/ DL 80/2015, 14.05.

Anteriormente a estes diplomas a lei não fixava os conceitos técnicos a utilizar nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo, posto que a portaria a que se referem os artºs. 15º e 45º do DL 448/9 destinava-se a definir os parâmetros de dimensionamento das áreas para as previsões de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos, não densificando os conceitos técnicos.

b. conceitos técnicos – definição normativa;

Dos citados diplomas regulamentares (DR 9/2009 e DR 5/2019) transcrevem-se as definições de obras de urbanização, infra-estruturas urbanas e equipamentos de utilização colectiva bem como as notas complementares na parte que importa ao caso trazido a recurso.

· Obras de urbanização – “As obras de urbanização são as obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços urbanos e as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva.

Notas complementares

Este conceito corresponde integralmente ao conceito de obras de urbanização estabelecido no RJUE, conforme alínea h) do artº 2º do DL 555/99 de 16 de Dezembro ….

· Espaços urbanos de utilização colectiva – “Os espaços urbanos de utilização colectiva são áreas do solo urbano … a prover, entre outras, necessidades colectivas de estadia, recreio e lazer ao ar livre.

Notas complementares

Os espaços urbanos de utilização colectiva incluem as praças, largos e terreiros públicos, mas não incluem os logradouros.

Este conceito de espaços urbanos de utilização colectiva corresponde ao conceito de espaços de utilização colectiva a que alude o artº 43º do RJUE

· Infra-estruturas urbanas – “As infra-estruturas urbanas são os sistemas técnicos de suporte directo ao funcionamento dos aglomerados urbanos ou da edificação em conjunto”

Notas complementares

As infra-estruturas urbanas servem directamente os espaços urbanos ou as edificações e compreendem normalmente:

- Os sistemas intraurbanos de circulação …

- Os sistemas intraurbanos de abastecimento de água …

- Os sistemas intraurbanos de drenagem de águas residuais e pluviais …

- Os sistemas intraurbanos de recolhe de resíduos sólidos urbanos …

- Os sistemas intraurbanos de distribuição de energia e de telecomunicações.

O conceito de infra-estruturas urbanas contém o conceito de infra-estruturas viárias a que alude o artº 43º do RJUE …”


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Importa considerar as especificações levadas ao alvará nº 355 ao abrigo do artº 29º e) DL 448/91, título emitido em 18.01.1994 pelo Presidente da Câmara de Coimbra, sendo irrelevantes as alterações introduzidas pelo alvará nº 387 de 25.03.96 consistentes na “(..) introdução de mais uma cave opcional em todos os lotes, incluindo moradias. Mantêm-se todas as prescrições e condições fixadas no Alvará de Loteamento nº 355, que não são objecto de alteração no presente título …” – vd. itens 2, 3 e 5 do probatório.

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Quanto ao Lote 32 as especificações do alvará nº 355/94 são as seguintes:

· Lote 32 - com a área de 1 480m2; área de Construção – 246 m2, destinado a construção de edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização – vd. item 2 do probatório.

Em primeiro lugar, resulta indiscutível que o Lote 32 não faz parte das parcelas cedidas para o domínio municipal no âmbito do projecto de loteamento, antes constitui um lote na titularidade privada da ora Recorrente A………… SA, com uma edificabilidade definida mediante a concreta área de construção e finalidade genérica, ambas levadas às especificações do alvará, a saber:

(i) Lote 32 - com a área de 1 480m2; área de Construção – 246 m2

(ii) destinado a construção de edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização

Em segundo lugar e pelas razões de direito positivo acima expostas, também resulta claro que o “edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização” não é subsumível no conceito de “infra-estruturas urbanas” nem de “espaços de utilização colectiva”.

O primeiro (“infra-estruturas urbanas”), na medida em que este conceito técnico reporta aos “sistemas técnicos de suporte directo ao funcionamento” de espaços urbanos ou edificações em matéria de circulação e transporte, abastecimento de água, drenagem de águas residuais e pluviais, recolha de resíduos sólidos urbanos, distribuição de energia e telecomunicações.

O segundo (“espaços de utilização colectiva”), porque corresponde às praças, largos e terreiros públicos.

Consequentemente, nos termos supra referidos, o “edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização” - levado às especificações do alvará nº 355/94 relativas ao lote 32 - não é subsumível no conceito operativo de obras de urbanização integradas no loteamento, consignado nos artºs 3º b) DL 448/91 e 2º h) RJUE.

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Nesta parte e pelas razões de direito expostas, devem ser julgadas procedentes as questões trazidas a recurso nos itens 7 a 30 e 63-64 das conclusões.

c. área de construção - equipamentos de utilização colectiva - necessidades colectivas dos cidadãos;

Resta saber se os exactos termos especificados no alvará nº 355 relativos ao edifício previsto para o Lote 32 permitem que este seja reconduzido ao conceito técnico de “equipamentos de utilização colectiva” definido nos diplomas regulamentares citados (DR 9/2009 de 29.05 e DR 5/2019 de 27.09) como segue:

· Equipamentos de utilização colectiva – “Os equipamentos de utilização colectiva são as edificações e os espaços não edificados afectos à provisão de bens e serviços destinados à satisfação das necessidades colectivas dos cidadãos, designadamente nos domínios da saúde, da educação, da cultura e do desporto, da justiça, da segurança social, da segurança pública, e da protecção civil.”

Notas complementares

No conceito de equipamentos de utilização colectiva não estão incluídas as infra-estruturas urbanas e territoriais.

Os equipamentos de utilização colectiva podem ser de natureza pública ou privada. …

O conceito de equipamentos de utilização colectiva corresponde ao conceito de equipamentos colectivos a que se refere o artº 17º do DL 380/99 de 22 de Novembro [actual artº 21º do DL 80/2015 de 14 de Maio] e ao conceito de equipamentos a que se refere o artº 43º do (RJUE) DL 555/99 de 16 de Dezembro ”


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No caso dos autos a especificação do alvará cinge-se a que o Lote 32 propriedade privada da Recorrente e com a área de 1 480m2, tem como finalidade

· a construção de edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização

· com a “área de construção – 246 m2” – vd. item 2 do probatório.

De acordo com a definição constante dos diplomas acima enunciados (DR 9/2009 e DR 5/2019), o conceito técnico de “área de construção do edifício” tem o seguinte significado:

· “A área de construção do edifício é o somatório de todos os pisos, acima e abaixo da cota da soleira, com exclusão das áreas em sótão e em cave sem pé-direito regulamentar.”

Notas complementares

A área de construção do edifício pode ser desagregada em função das utilizações do edifício distinguindo-se nomeadamente: habitação, comércio, serviços, estacionamento.,arrecadação, espaços exteriores cobertos, indústria, e logística e armazéns ”


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Feita esta precisão, verifica-se que o alvará não concretiza (i) nem o tipo de equipamento de que se trata, (ii) nem o tipo de utilização prevista para o edifício, pelo que das especificações do alvará não se retira a natureza do “apoio a todo o conjunto da urbanização” que é previsto para aquele edifício, ou seja, o alvará não específica a afectação que constitui o elemento funcional agregador da necessidade colectiva a satisfazer pelo edifício a construir no Lote 32, sendo certo que, nos exactos termos da definição do conceito técnico adoptado pelos diplomas regulamentares (DR 9/2009 de 29.05 e DR 5/2019 de 27.09), a evidenciação nas especificações do alvará da “necessidade colectiva” a satisfazer é factor constitutivo do conceito técnico de “equipamentos de utilização colectiva”.

O mesmo é dizer que os termos especificados no alvará não permitem subsumir a utilização do edifício à satisfação de necessidades essenciais à vida em sociedade, as mencionadas “necessidades colectivas dos cidadãos” na expressão constante da definição de “equipamentos de utilização colectiva” nos DR 9/2009 e 5/2019, aplicável no domínio dos DL 448/91, RJIGT, RJUE.

Como salienta a doutrina da especialidade,

“(..) a caracterização dos equipamentos para efeitos deste artigo [43º/RJUE] passa não apenas pela definição da sua finalidade específica - que, muitas vezes, apenas é feita em momento posterior à concretização do loteamento - mas pelo regime jurídico ao qual se encontram sujeitos: configurando, como veremos [artº 44º/RJUE], ou áreas de cedência ou áreas comuns aos lotes. Não são, por isso, equiparáveis a estes equipamentos de utilização colectiva os demais equipamentos que sejam integrados num lote e que, por isso, são essencialmente pensados numa perspectiva privada. (..)”

É por isso que, como já referido supra, “ (..) se o projecto de loteamento previr equipamentos (v.g. um parque de divertimento infantil, um ringue de patinagem, um campo de futebol) para uso exclusivo daqueles que venham a viver na zona loteada, as parcelas para estes fins não têm, naturalmente, de ser cedidas, ficando a ser parte comum dos lotes, das construções erigidas nos lotes ou respectivas fracções autónomas. (..)” (Fernanda(Fernanda Paula Oliveira, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – comentado, Almedina/2011, 3ª ed. págs. 372 e 378.) )


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Sobre o sentido do conceito “equipamentos de utilização colectiva” pronunciou-se este STA no acórdão de 26.05.2010, rec. nº 0120/09, no âmbito da Portaria nº 1136/2001 de 25.09, de que se transcreve o segmento que segue:

“(..) Não é tarefa fácil a de definir o que são “equipamentos de interesse público e utilização colectiva”, como o reconhecem a doutrina e a jurisprudência administrativas.

A lei não nos fornece um conceito explícito desse tipo de equipamentos. E da norma regulamentar sub judicio apenas resulta um conceito implícito: o de que tais equipamentos se reconduzem a instalações e edificações de interesse público e de utilização colectiva, o que significa, no entender do Prof. Fernando Alves Correia (Parecer junto aos autos) que estas têm necessariamente uma “função que não corresponde a um interesse exclusivamente privado, antes desempenham uma função de interesse geral ou de utilidade geral”, e que são instalações “destinadas à prestação de serviços à colectividade..., à prestação de serviços de carácter económico... e à prática de actividades culturais, de recreio e lazer e de desporto”.

Uma coisa, porém, se afigura inquestionável: a de que a noção de equipamento (qualquer que ele seja) não pode assentar na concepção e valoração isolada, desgarrada, de cada uma das várias componentes possíveis (desportivas ou culturais, serviços, administração, comércio, hotelaria, habitação) mas sim numa concepção unitária, integrada e funcional de equipamento, isto é, numa concepção tipológica e não meramente definitória, que é a que vem sendo afirmada, de forma praticamente unânime, pela moderna doutrina administrativa e urbanística. (..)”.

No citado acórdão sumariou-se como segue:

“ I - Em matéria de urbanismo, a noção de equipamento não pode assentar na concepção e valoração isolada de cada uma das várias componentes possíveis (desportivas ou culturais, serviços, administração, comércio, hotelaria, habitação) mas sim numa concepção unitária, integrada e de agregação funcional de equipamento, isto é, numa concepção tipológica e não meramente definitória.”


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Pelo que vem de ser dito, para efeitos dos artºs 45º DL 448/91 e 43º nº 1 RJUE a caracterização normativa dos “equipamentos de utilização colectiva” dada pelos diplomas regulamentares e consequente sujeição, nos termos do artº 43º nº 4 RJUE, ao regime da compropriedade ex vi artºs. 1420º a 1438º-A C. Civil na veste de partes comuns do loteamento, implica que o edificado previsto seja

(i) “afecto à provisão de bens e serviços destinados à satisfação das necessidades colectivas dos cidadãos,

(ii) designadamente, nos domínios da saúde, da educação, da cultura e do desporto, da justiça, da segurança social, da segurança pública, e da protecção civil.”

Como vem sendo realçado, em ordem a que os equipamentos integrados nos lotes (artºs 45º DL 448/91 e 43º RJUE) assumam a natureza jurídica de “equipamentos de utilização colectiva”, ponto é que a finalidade específica de interesse geral ou de utilidade geral (afectação) se traduza, primeiro, no preenchimento de “necessidades colectivas dos cidadãos” e, segundo, essa afectação específica em favor de necessidades essenciais da vida em sociedade seja expressa no contexto das especificações do alvará (artº 29º nº1 e) DL 448/41 e 77º nº 1 e) RJUE).

Nos exactos termos do alvará nº 355/94 a especificação do edifício do Lote 32 está limitada à área de construção e à menção genérica de “edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização”, o que significa a ausência no alvará de menção específica à funcionalidade de interesse geral ou utilidade geral que traduza a afectação do edifício do Lote 32 à satisfação de “necessidades colectivas dos cidadãos, designadamente, nos domínios da saúde, da educação, da cultura e do desporto, da justiça, da segurança social, da segurança pública, e da protecção civil.”.

Deste modo, nos exactos termos do alvará nº 355/94 o equipamento em causa não é passível de subsunção no conceito técnico de “equipamentos de utilização colectiva” de acordo com a densificação dada nos diplomas regulamentares citados (DR 9/2009 de 29.05 e DR 5/2019 de 27.09).


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Nesta parte e pelas razões de direito expostas, devem ser julgadas procedentes as questões trazidas a recurso nos itens 31 a 41 das conclusões.


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Em razão da procedência das questões trazidas a recurso nos itens 7 a 30, 63-64 e 31 a 41 no sentido de o “edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização” do lote 32 não integrar o conceito de “obras de urbanização” do loteamento à luz das disposições dos artºs 3º b) DL 448/91 e 2º h) RJUE, nem o conceito técnico de “equipamentos de utilização colectiva” para os efeitos dos artºs 45º DL 448/91 e 43º RJUE na definição acolhida pelos DR 9/2009 de 29.05 e DR 5/2019 de 27.09, torna-se evidente a ausência de base normativa da deliberação de 22.11.2010 da Câmara Municipal de Coimbra quanto ao prazo imposto à ora Recorrente, no segmento que se transcreve:

· concluir as obras de urbanização conexas com a operação de loteamento no prazo de 120 dias, sob pena de não poder haver recepção definitiva das mesmas (incluindo a edificação do lote 32 pela função a que está destinada)” – vd. item 20 do probatório.

Efectivamente, a fonte de legitimação do poder de agir da Administração mediante actos administrativos, logo, no exercício de poderes de autoridade, assenta em norma de competência cujas funções essenciais são definir, além do órgão competente, “(..) os pressupostos que permitem ou que determinam a intervenção administrativa, bem como de fornecer uma indicação suficiente, mesmo que não definitiva ou fechada, sobre o conteúdo desses mesmos actos ou medidas. (..)”, conforme prescreve o artº 29º nº1 CPA/1982, (36º/1/CPA-2015). (Pedro Costa Gonçalves, Manual de direito administrativo, Vol. 1, Almedina/2019, págs. 172-173.)

No caso em apreço e de acordo com o disposto nos artºs 50º nº 1 DL 448/91 e 87º nº 1 RJUE, a competência em matéria de recepção provisória e definitiva por parte da câmara municipal refere-se expressamente às obras de urbanização, o que significa que a lei não só indica os pressupostos como define juridicamente o seu conteúdo (artºs 3º b) DL 448/91 e 2º h) RJUE), sendo, pois, tais pressupostos de constatação vinculada não só quanto à sua existência como no domínio do respectivo significado técnico, o que não se verifica.

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De modo que, pelas razões expostas, devem ser julgadas procedentes as questões trazidas a recurso nos itens 42 a 62 das conclusões.

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Tudo visto e concluindo, atento o quadro normativo exposto a deliberação de 22.11.2010 constitui um acto administrativo incurso em violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito no tocante ao Lote 32 nas especificações levadas ao alvará nº 355/94, passível de anulação nos termos do artº 135º CPA (163º/CPA-2015), não podendo subsistir o enquadramento jurídico sustentado pelo Tribunal a quo, sendo de manter o julgado proferido em 1ª Instância pelo TAF de Coimbra.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente o recurso, revogar o acórdão recorrido e confirmar o acórdão de 19.Nov.2014 proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.

Custas no TCAN e neste STA pelos Recorridos.

Lisboa, 15 de dezembro de 2022. - Cristina Maria Gallego dos Santos (relatora) - José Francisco Fonseca da Paz - Maria do Céu Dias Rosa das Neves.