Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0963/22.5BELRA
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Há nulidade por omissão de pronúncia sempre que o Tribunal omite o conhecimento de uma questão que lhe foi colocada e cuja apreciação não está prejudicada pelo julgamento dado a outra que primeiramente foi objecto de decisão, asserção que é válida quer para as sentenças quer para os acórdãos, sendo que, quanto a estes últimos, quando proferidos em recurso jurisdicional, a sua verificação deve ser aferida em função do objecto do recurso (tudo, conforme artigos 125.º do CPPT e 666.º do CPC).
II - A imposição de conhecimento da questão de constitucionalidade cujo julgamento foi omitido não está dependente de ter sido suscitada na petição inicial, antes, tendo sido suscitada, ainda que apenas em sede de recurso jurisdicional dirigido a este Supremo Tribunal, o tenha sido de modo expresso, directo, claro e perceptível, por forma a criar no Tribunal um concreto e específico dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.
Nº Convencional:JSTA000P32092
Nº do Documento:SA2202404100963/22
Recorrente:A… - SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1 Notificada do acórdão proferido nos autos por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo – que confirmou a sentença recorrida quanto à legalidade das liquidações da CESE de 2019 e 2020 e determinou a baixa dos autos para julgamento do vício imputado às liquidações relativas a juros compensatórios - veio a Recorrente, invocando os artigos 615.º, n.º 1 alínea d) e 666.º, ambos do Código do Processo Civil (CPC), arguir a sua nulidade por omissão de pronúncia e requerer a sua reforma quanto a custas.

1.2. Como fundamento das suas pretensões aduz, em conclusão:

«A) Há omissão de pronúncia sobre a suscitada questão de constitucionalidade, geradora de nulidade do acórdão a sanar apreciando-se e decidindo-se essa questão.

B) Ou, subsidiariamente, haverá ausência de fundamentação da putativa decisão silente sobre a suscitada questão de inconstitucionalidade, geradora de nulidade do acórdão a sanar fundamentando-se a mesma.

C) A finalizar, mais se requer a reforma da condenação em custas nos termos do artigo 616.º do CPC, no sentido da dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, reiterando-se o que havia sido já a este propósito peticionado nas alegações de recurso, atenta a lisura das partes, designadamente da recorrente, na condução processual, atento o nível de complexidade da causa, incluindo as alegações de recurso que se julga não padecerem de complexidade ou obscuridade, causa esta aliás decidida pelo Tribunal de forma célere e sem necessidade de amplas considerações, e atenta ainda a desproporção entre esta complexidade e o montante da taxa de justiça que resultará do seu apuramento em função do valor total da causa de € 1.400.750,00 (um milhão quatrocentos mil setecentos e cinquenta euros).».

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para, querendo, se pronunciar, opôs-se à declaração de nulidade do acórdão por, em resumo nosso, a inconstitucionalidade invocada não ter sido suscitada em 1ª instância e ser hoje pacífico, face à redacção actual do artigo 72.º da CRP e à interpretação que dele o Tribunal Constitucional faz, que não sendo oportunamente suscitada perante o Tribunal, como qualquer outro vício, não tem este que oficiosamente a conhecer. Quanto à reforma do acórdão em matéria de condenação em custas, mais concretamente quanto à dispensa de pagamento do remanescente, entende que estão verificados todos os pressupostos para o efeito.

1.4. Cumpre agora a esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, conhecer e decidir, o que faz com dispensa de vistos atenta a simplicidade das questões colocadas.

2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

2.1. É manifesta a razão da Requerente quanto à invocada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e quanto a estarem verificados os pressupostos de facto e de direito para que seja dispensada do pagamento do remanescente devido a título de taxa de justiça.

2.2. Há nulidade de pronúncia sempre que o Tribunal omita questão que lhe foi colocada e não esteja prejudicada pelo julgamento dado a outras que primeiramente foram objecto de apreciação. Esta asserção, directamente colhida da Lei (artigo 125.º do CPPT), é válida quer para as sentenças quer para os acórdãos (artigo 666.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT) e, quanto a estes últimos, a sua verificação deve ser aferida em função do objecto do recurso.

2.3. No caso, não subsistem dúvidas que a questão da alegada inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 1 do regime da CESE, quando interpretado no sentido de que o goodwill de participações sociais está também ele sujeito à CESE, integra o objecto do recurso, conforme resulta dos alegações e conclusões do recurso, mais concretamente, dos artigos 76.º a 98.º daquelas primeiras e do teor das alíneas A), I), NN) e OO) das segundas.

2.4. Nem subsistem dúvidas, salvo o devido respeito, quanto à falta de razão da oposição deduzida pela Recorrida na sua pronúncia. Na verdade, distintamente do que defende, a imposição de conhecimento da questão de constitucionalidade cujo julgamento ora se reclama não está dependente de ter sido suscitada na petição inicial mas, sim, tendo sido suscitada, ainda que apenas em sede de recurso dirigido a este Supremo Tribunal, que o tenha sido de modo expresso, directo, claro e perceptível, por forma a criar no Tribunal um concreto e específico dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.

2.5. É exactamente com estes contornos jurisprudenciais que o Tribunal Constitucional vem decidindo a questão de saber até quando e em que termos pode e deve ser colocada a questão da inconstitucionalidade para que se deva dizer que recai sobre o Tribunal um dever de a decidir. Esclarece-nos o Tribunal Constitucional que o que a Lei exige é que a Recorrente suscite a questão durante o processo (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC) e que o faça de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da mesma Lei). Em síntese, existe um tempo e modo adequados para levantar no processo a questão de inconstitucionalidade, mas o tempo e modo não devem ser identificados nem densificados pela forma que a Recorrida o faz, isto é, não é coincidente com a apresentação da petição inicial em juízo.

2.6. Segundo o Tribunal Constitucional, por jurisprudência reiterada e uniforme, a exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo não deve ser entendida num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, de tal modo que essa invocação, para ser relevante do ponto de vista de exigência da sua apreciação, haverá de ser feita em momento em que o Tribunal ainda possa conhecer da questão, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do Juiz sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade respeita (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão nº 352/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

2.7. No caso concreto, a questão de inconstitucionalidade foi suscitada em momento processual em que ainda era possível a este Tribunal conhecer e decidir a questão, uma vez que, considerando a ordem jurisdicional e o ordenamento adjectivo competente, só com o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo ficaria esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade respeita (sem prejuízo da possibilidade de dedução de recurso perante o Tribunal Constitucional, com fundamento em vício de inconstitucionalidade concreta).

2.8. Acresce que, no caso, também é de julgar que a inconstitucionalidade foi suscitada de forma expressa, directa, clara e perceptível, isto é, de forma apta a criar um dever de pronúncia, como decorre das alegações e conclusões já mencionadas, julgamento que apenas se não realizou por lapso deste Tribunal que redundou em omissão do dever de conhecimento (dessa questão) que sobre si recaía.

2.9. Donde, confirmando-se que a questão alegadamente omitida está incluída no objecto do recurso e que não foi, sem justificação, decidida, o acórdão é nulo e como tal deve ser declarado, competindo ao Supremo Tribunal Administrativo, nas situações em que o acórdão é por si proferido, declarar essa nulidade e suprir a omissão conhecendo na parte respectiva, no qual se incluirá, ainda, pronuncia expressa quanto à requerida dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

2.10. Em face do exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, deferindo a reclamação, julgar verificada a nulidade do acórdão proferido a 7 de Fevereiro de 2024 por omissão de pronúncia, procedendo de imediato ao suprimento dessa nulidade através da prolação de aresto em que essa questão e, bem assim, a questão da dispensa de pagamento do remanescente serão objecto de julgamento.

«Dá-se aqui por reproduzido o teor do relatório, fundamentação de facto e fundamentação de direito do acórdão objecto do presente incidente de nulidade e reforma quanto a custas.

3.2.6. Da alegada inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 1 do Regime da CESE quando interpretado no sentido de que o goodwill está sujeito a esta Contribuição Extraordinária

Alega a Recorrente que o artigo 3.º, n.º 1 do Regime da CESE, interpretado no sentido de que o goodwill de participações sociais, (enquanto activo intangível), está sujeito à CESE, afronta os princípios constitucionais da igualdade (proibição de tratamentos diferenciados arbitrários ou infundadamente discriminatórios) e da proporcionalidade, incluindo o princípio da capacidade contributiva (artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição e, como manifestação constitucional do princípio da capacidade contributiva, o artigo 103.º, n.º 1 e o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição).

Sem razão.

Começamos por salientar que, conforme resulta das alegações e conclusões de recurso, a violação dos normativos constitucionais invocados surge quase exclusivamente sustentada na seguinte tese: há uma aparente colisão jurídica entre a não sujeição do valor ou custo de aquisição das participações sociais a CESE e a sujeição a CESE do goodwill, que é apenas uma parte daquele custo, que, sob pena de inconstitucionalidade, tem que ser resolvida dando primazia à qualidade (e essência) do goodwill de parcela do valor da participação social sobre o acidente de (alegadamente) ser também activo intangível.

Primazia que resulta, segundo a Recorrente, da teleologia da CESE, da interpretação sistemática da incidência objectiva da CESE e da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, devendo o intérprete criar a norma que, dentro do sistema, o legislador, colocado perante esta colisão, criaria dentro do espírito do sistema, sugerindo que a regra seja a seguinte: os activos intangíveis estão, em geral, sujeitos a CESE, excepto se forem mera parcela de activo não sujeito a CESE, sem cuja existência não subsistam ou de que estão absolutamente dependentes.

Acontece porém que, contrariamente ao que a Recorrente defende, este Tribunal não entende que se esteja perante qualquer colisão jurídica, como, de resto, já ficou demonstrado no ponto 3.2.5. deste aresto, em que se analisou detalhadamente o regime da CESE e as opções legislativas em matéria de incidência objectiva. Donde, estando toda a tese de inconstitucionalidade construída sobre a alegada colisão, não existindo esta também não há como julgar verificadas aquelas violações dos princípios constitucionais invocados, acolhendo-se ainda, no que respeita à alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, tudo quanto este Supremo Tribunal Administrativo vem decidindo nesta matéria (designadamente nos acórdãos n.ºs 415/16.2BEVIS; 386/17.8BEMDL; 387/17.6BEMDL; 314/18.3BEVIS; 03037/16.4BELRS, de 13/07/2021 e 0545/19.9BEPRT, de 08/09/2021, entre muitos outros.- todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt e, bem assim, nos demais para que nestes somos remetidos em tudo que seja relativo à matéria que ora se aprecia).

Em suma, como se disse no acórdão de 2 de Fevereiro de 2022, proferido por este Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 353/19.7BESNT – e sem prejuízo dos vários exercícios hipotéticos vertidos nos artigos 79.º a 98.º das alegações de recurso jurisdicional a que estivemos particularmente atentos mas que não logramos acompanhar – em consequência de tudo o que ficou decidido no ponto 3.2.5. e do acabado de expender, deve concluir-se que o artigo 3.º, n.º 1 do Regime da CESE, não padece dos vícios de inconstitucionalidade que lhes são imputados.

Razão pela qual o recurso jurisdicional, com este fundamento, também não obtém sucesso.

3.2.7. Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça e da responsabilidade pelo pagamento das custas processuais.

Nas suas alegações de recurso, a Recorrente requereu a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), atenta a lisura das partes, designadamente da Recorrente, na condução processual, atento o nível de complexidade da causa, incluindo as alegações de recurso que se julga não padecerem de complexidade ou obscuridade e atento, ainda, a desproporção entre esta complexidade e o montante da taxa de justiça que resultará do seu apuramento (€ 7.854,00, só nesta instância de recurso) em função do valor total da causa de € 1.400.750,00 (um milhão quatrocentos mil setecentos e cinquenta euros).

Cremos que este pedido deve ser integralmente deferido. Efectivamente, da tramitação dos autos não é possível extrair-se a conclusão de qual qualquer uma das partes tenha tido uma conduta processual digna de censura, tendo-se, uma e outra, nas suas intervenções, limitado à apresentação dos articulados-regra previstos na lei processual civil, revelando-se estes, outrossim, equilibrados com o nível de complexidade das questões colocadas.

Por fim, sem prejuízo de se deixar consignado que as questões colocadas não são simples e exigiram estudo não inferior ao que normalmente é exigível, o certo é que, no caso, o valor da causa, considerado sem limitações, exigiria o pagamento de um valor de taxa de justiça manifestamente superior ao custo do serviço de justiça prestado, isto é, redundaria num custo manifestamente desproporcional.

Assim, por tudo quanto ficou exposto, sem prejuízo de, tendo a Recorrente ficado vencida, sobre si recair o dever de pagamento das custas processuais (nos termos do preceituado no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil), atento o preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, se decidirá, a final, pela dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça na parte que excede os € 275.000,00.

4. DECISÃO:

Termos em que, acordam os Juízes que compõem esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente, ficando ambas as partes dispensadas de pagamento do remanescente da taxa de justiça (na parte relativa ao valor que exceda os € 275.000,00).

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Joaquim Manuel Charneca Condesso.