Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:018/10
Data do Acordão:02/18/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IRC
CUSTOS
OBJECTO SOCIAL
CHEQUE AUTO
DESPESAS CONFIDENCIAIS
Sumário:As despesas da empresa, v.g., as de aquisição de cheques-auto, das quais se não comprove que representam custos de actuação do respectivo objecto social, constituem “despesas confidenciais ou não documentadas”, para os efeitos de tributação autónoma nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho [na redacção do artigo 31.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 1999)].
Nº Convencional:JSTA00066283
Nº do Documento:SA220100218018
Data de Entrada:01/12/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CCI63 ART23 ART26.
CIRC88 ART23 N1 ART41 N1 H.
DL 192/90 DE 1990/06/09 ART4 N1.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART31.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC575/08 DE 2009/1/28.
Referência a Doutrina:ANTÓNIO MOURA PORTUGAL A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA 2004 PAG108-127.
VÍTOR FAVEIRO O ESTATUTO DO CONTRIBUINTE A PESSOA DO CONTRIBUINTE NO ESTADO SOCIAL DE DIREITO 2002 PAG848.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, a julgar procedente a presente Impugnação Judicial, em que é impugnante “A…”.
1.2 Em alegação, a recorrente Fazenda Pública formula as seguintes conclusões.
I. Salvo o devido respeito, somos da opinião que a argumentação tecida na douta sentença assentou na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente do disposto no art.º 23.º conjugado com a alínea h) do n.º 1 do art.º 41.º ambos do CIRC, e com o art.º 4.º do Dec. Lei 192/90 de 09 de Junho.
II. No âmbito do Código de IRC, à data dos factos, prescreve a alínea h) do n.º 1 do art.º 41.º que “não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável…os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial” consagrando, o disposto no art.º 4.º do Dec. Lei n.º 192/90 de 9 de Junho, que as despesas confidenciais são tributadas autonomamente à taxa de 32% (à data dos factos).
III. Os documentos comprovativos de aquisição de cheques-auto às instituições bancárias, apenas demonstra, a troca de meios de pagamento, nada demonstrando quanto à sua utilização, nem por quem foram utilizados, desconhecendo-se qual o seu destino.
IV. Com efeito, a comprovação de tal destino, apenas se concretiza pelo respectivo abastecimento/compra.
V. Reza o Acórdão do STA no âmbito do Rec. 0600/08 de 18/02/2009, que “…No caso em apreço, sabe-se que foram despendidas quantias com a aquisição de cheques-auto, mas, como vem entendendo uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, tal aquisição não consubstancia despesa, pois trata-se apenas de mera troca de meios de pagamento.
Como se refere no acórdão fundamento, «os cheques-auto são títulos de pagamento de combustível ou outros produtos disponibilizados pelos mesmos fornecedores, uma vez que, depois de adquiridos, tais cheques tanto podem ser utilizados na aquisição daqueles produtos, como podem ser trocados novamente, pelo menos em parte, por moeda». Assim, desconhecendo-se o destino que foi dado aos referidos «cheques-auto», está-se perante despesas não identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade, o que justifica que sejam qualificadas como despesas confidenciais, para efeitos do art. 4.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (redacção inicial) e art. 4.º do DL n.º 192/90. Por isso, o entendimento correcto é o adoptado no acórdão fundamento”. No mesmo sentido, pode ver-se os Acórdãos desta Secção do STA de 15/6/05 e de 28/6/06, in recs. n°s 45/05 e 55/06, respectivamente e do Pleno desta Secção de 26/9/07, in rec. n.º 55/06.
VI. Assim, no âmbito da vasta jurisprudência vertida pelo STA, tem vindo a ser acolhido que “Se tais recibos e extracto demonstram que a impugnante adquiriu tal montante em cheques-auto, nada demonstra quanto à sua utilização, nem por quem foram utilizados e daí que não se possa falar em verdadeira despesa ou custo. Daí que se entenda que a referida quantia cabe na alçada do mencionado art.º 4° do DL 192/90 que tributa autonomamente, as despesas em causa como despesas confidenciais, à taxa de 25%...” (In Acórdão do STA proc. 055/06 de 18/06/2006).
VII. Na mesma esteira “...podia e devia a impugnante documentar a despesa correspondente com a aquisição do combustível, pois que se a impugnante continuasse a ter na sua disposição os referidos cheques-auto não teria suportado qualquer despesa. Se os mesmos deixaram de estar na sua posse sem se saber se foram utilizados na aquisição de combustível ou se tiveram qualquer outro destino, então não só se desconhece o caminho que os mesmos seguiram, como onde foram efectivamente parar, pelo que podem ser integrados nas denominadas despesas confidenciais” (Cf. Acórdão do STA proc. 045/05 de 15/06/2005).
VIII. Neste pendor, a douta sentença procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente do disposto no Art.º 23.º conjugado com a alínea h) do n.º 1 do art.º 41.º ambos do CIRC, e com o Art.º 4.º do Dec. Lei 192/90 de 09 de Junho.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
1.3 A impugnante, ora recorrida, contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões.
1. O presente Recurso, vem deduzido pela Representante da Fazenda Pública com fundamento na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente do disposto no artigo 23° conjugado com a alínea h) do n° 1 do artigo 41° ambos do CIRC, e com o artigo 4° do Decreto-Lei 192/90 de 09 de Junho.
2. Porém, a pretensão da Fazenda Pública afigura-se-nos improcedente, já que os fundamentos em que aquela estriba o seu entendimento se revelam imprecisos e insuficientes.
3. Como se logrou demonstrar, não se pode firmar o juízo de confidencialidade das despesas, daí partindo para a sua tributação autónoma, com base, única e exclusivamente, no desconhecimento do destinatário daquelas, pois, uma realidade é a confidencialidade da despesa, sendo uma outra a confidencialidade da oferta; substancialmente diferente e que impõe diverso tratamento fiscal.
4. Os cheques-auto têm como suporte documental o talão de venda emitido pelo BPSM nele figurando como adquirente a Impugnante, ora Recorrida, pelo que é forçoso concluir, por se surpreender a sua natureza, origem e finalidade que não estamos perante despesas confidenciais ou não documentadas susceptíveis de tributação autónoma.
5. Na verdade, e como resulta de todo o exposto, as despesas suportadas pela Recorrida, na aquisição dos cheques-auto, não são passíveis de serem qualificadas como confidenciais, porquanto devidamente comprovadas por documentos válidos, através dos quais se confirma o recebimento de determinadas quantias destinadas a efectuar o pagamento das senhas de combustível, identificando quer o adquirente quer o vendedor daquelas.
Termos em que, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a Sentença Recorrida, e consequentemente, anulando-se a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1999 na parte relativa à tributação autónoma, pelos motivos acima expostos.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso merece provimento, com improcedência da impugnação judicial e confirmação do acto tributário na ordem jurídica – apresentando a seguinte fundamentação.
Aderimos ao entendimento vertido nas conclusões do recurso, segundo o qual:
– a aquisição de cheques-auto traduz-se numa operação de troca de meios de pagamento;
– os encargos correspondentes verificam-se com a aquisição de combustível, utilizado em viaturas da empresa ou ao seu serviço;
– ignorando-se se os cheques-auto foram utilizados na aquisição de combustível ou tiveram qualquer outro destino a respectiva despesa contabilizada deve ser considerada confidencial, porque desconhecida a sua natureza, origem e finalidade, e tributada autonomamente à taxa de 32% aplicável à data dos factos (art. 4° DL n° 192/90, 9 Junho);
– como despesa confidencial configura encargo não dedutível para determinação do lucro tributável (art. 41º n°1 al. h) CIRC numeração vigente na data dos factos).
A solução jurídica adoptada recolhe e alinha com a jurisprudência consolidada do STA SCT (acórdãos 17.06.2003, processo n° 319/03; 15.06.2005, processo n° 45/05; 28.06.2006, processo n° 55/06; Pleno 26.09.2007, processo n° 55/06; Pleno 28.01.2009, processo n° 575/08; Pleno 18.02.2009, processo n° 600/08).
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, e da contra-alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se estamos, ou não, em presença de “despesas confidenciais ou não documentadas”, para os efeitos de tributação autónoma nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho [na redacção da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 1999)].
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
a) A ora Impugnante, A…, no exercício de 1999, contabilizou na conta “622119010 – Gasolina”, o valor de € 57.511,40, referente a cheques-auto adquiridos a instituições de crédito – Cfr. Relatório de Inspecção a fls. 77 a 86 do PAT apenso aos autos;
b) Os registos contabilísticos referidos na alínea antecedente foram documentados pela Impugnante com os recibos pelas instituições de crédito – Cfr. Relatório de Inspecção a fls. 77 a 86 do PAT apenso aos autos;
c) No âmbito de procedimento de inspecção efectuado à contabilidade da Impugnante, a Administração Fiscal, elaborou Relatório de Inspecção, onde consta o seguinte, relativamente ao exercício de 1999:
(...) Aquando da aquisição de cheques-auto a empresa não incorre, nesse momento, em qualquer custo, mas procede apenas a uma troca de meios de pagamento, pelo que tais documentos não são comprovantes justificativos de quaisquer encargos, para efeitos fiscais, como resulta da conjugação da alínea a) do n° 3 do Art. 115° com o n° 3 do Art. 17°, ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, não sendo, por conseguinte, tais encargos dedutíveis, por não documentados, para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos da alínea h) do n° 1 do Art. 42°, ao tempo em vigor, do mesmo código.
O custo só se efectivaria no momento da aquisição do combustível, fosse através de cheque-auto ou outro meio de pagamento, se o mesmo fosse comprovado por factura/recibo emitida pela gasolineira.
Como o sujeito passivo acresceu ao Q07 da declaração de rendimentos Mod. 22, o referido montante, não se verificaram quaisquer encargos deduzidos indevidamente, contudo, as despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 32% nos termos do n° 1 do Art. 4º do Dec.-Lei n° 192/90 de 9 de Julho, pelo que há apuramento de IRC em falta no valor de 18.403,65 euros [3.689.600$00 (0,32x11.530.000$00)]. (...)” Cfr. Relatório de Inspecção a fls. 77 a 86 do PAT apenso aos autos;
d) Na sequência da notificação das correcções efectuadas à matéria tributável referidas na alínea anterior, foi emitida a liquidação de IRC n° 8310000212, de 4 de Janeiro de 2003, da qual resultou o valor a pagar de € 21.572,12 – Cfr. documento a fls.13;
e) Em 19 de Maio de 2003 deu entrada a presente Impugnação Judicial – Cfr. carimbo aposto a fls. 2.
2.2 A questão da comprovação dos custos exigida pelo Código do IRC tem levantado alguma discussão na doutrina, em torno sobretudo dos requisitos formais do documento justificativo e dos meios de prova admitidos. Trata-se de um requisito que se reporta à efectividade da realização dos custos. A prova que se exige “é a prova da efectiva realização dos factos constitutivos dos encargos; prova que concretamente consiste nas variáveis formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos dos custos” – como sublinha Vitor Faveiro, em O Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, 2002, p. 848.
Por isso que o sujeito passivo não pode deduzir ao rendimento componentes negativas que não figurem nas suas contas. Ou seja, o sujeito passivo está impossibilitado de, por mero acto de sua vontade, no momento da auto-liquidação do imposto, proceder a quaisquer modificações ao resultado contabilístico, para além das inerentes às correcções fiscais expressamente preceituadas na lei. Esta conclusão deriva da relação de dependência, ou vínculo formal, existente entre o balanço comercial e o balanço fiscal. Por outro lado, a exigida indispensabilidade entre custos e proveitos deve ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária. Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade justifica-se sempre que, por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas, as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro, ainda que de forma indirecta ou mediata, como as despesas com publicidade, por exemplo – cf. António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, especialmente pp. 108 a 127.
Como sucedia com a norma do artigo 23.º do Código da Contribuição Industrial (quanto à expressa menção de certos e determinados factos qualificáveis como proveitos ou ganhos), e com o artigo 26.º do mesmo Código (quanto à enumeração de certos factos havidos como custos ou perdas), também as normas do Código do IRC, quanto a proveitos ou ganhos, e quanto a custos ou perdas, são meramente exemplificativas na enumeração que fazem de certos factos havidos, quer como proveitos ou ganhos, quer como custos ou perdas.
Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, tais como, nomeadamente, os encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços (como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação), e os encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transporte, publicidade e colocação de mercadorias. Os custos ou perdas, indicados no artigo 23.º do Código do IRC, consistem em decréscimos patrimoniais comprovadamente indispensáveis para a realização dos proventos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora reflectidos no resultado líquido do exercício. A pedra de toque da noção de custo para efeitos fiscais consiste em saber se, perante uma despesa, esta é ou não indispensável para a realização dos ganhos ou proveitos sobre que recai a tributação – cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição refundida e aumentada, Almedina, 2003, pp. 529 a 568.
A respeito da questão decidenda apontada supra sob o ponto 1.5, no acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-1-2009, proferido no recurso n.º 575/08, escreve-se como segue.
O art. 41.º, n.º 1, alínea h) do CIRC, na redacção inicial estabelecia o seguinte:
Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(…)
h) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.
Vem sendo utilizada normalmente, em diplomas legais, a expressa «despesas confidenciais ou não documentadas», com equiparação jurídica [art. 27.º do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto (na redacção inicial e na introduzida pela Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro), art. 69.º, n.º 3, da Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho (na redacção inicial e nas introduzidas pela Lei n. 39-B/94, de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, e pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro].
Despesas confidenciais são despesas que, «como a sua própria designação indica, não são especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade». (Neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-3-94, proferido no recurso n.º 17812, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-11-96, página 1145, e de 5-7-2000, recurso n.º 24632, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 499, página 163, e em Apêndice ao Diário da República de 17-1-2003, página 2963.) Trata-se de despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas. (Neste sentido, pode ver-se VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 602, nota (1).
[…]
Na alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do C.I.R.C. em vez da terminologia «despesas confidenciais ou não documentadas» utiliza-se a de «encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial».
As expressões «despesas confidenciais» e «despesas de carácter confidencial» têm um alcance claramente idêntico.
[…]
Aliás, sendo a expressão «despesas confidenciais ou não documentadas» utilizada em diplomas posteriores ao CIRC (os referidos Decreto-Lei n.º 192/90, e Leis n.ºs 39-B/94, 52-C/96 e 87-B/98) e fazendo-se neles referência ao preceituado naquela alínea h) como não prejudicado pelo neles estatuído, é de concluir que se empregam as expressões referidas com alcance equivalente.
Assim, na referida alínea h) do n.º 1 do art. 41.º incluir-se-ão as despesas relativamente às quais não existem os documentos exigidos por lei, independentemente de ser revelada ou ocultada a sua natureza, origem e finalidade.
Em qualquer caso, porém, tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o, sendo o objectivo daquela alínea h) o de estabelecer que essa diminuição não é relevante para efeitos de determinação do lucro tributável.
Porém, com o referido art. 4.º do DL n.º 192/90, para além de aquelas despesas confidenciais e não documentadas não serem consideradas como custos para efeitos de determinar o lucro tributável, passaram a ser tributadas autonomamente com as taxas nele indicadas.
A apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.
Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.
Neste passo, devemos dizer do nosso entendimento de que “confidenciais” e “não documentadas” são todas as despesas realizadas desconhecendo-se a sua conexão com os custos incorridos no âmbito da respectiva actividade empresarial.
E só a estes custos incorridos no âmbito da respectiva actividade empresarial é que a lei fiscal dá plena relevância, por se apresentarem como “custos de proveitos”.
As sucessivas reformas fiscais têm vindo a agravar gradualmente o aproveitamento de “despesas confidenciais ou não documentadas”, com o propósito de desmotivar as empresas à sua utilização, já que “as despesas confidenciais ou não documentadas” se apresentam, as mais das vezes e pelas mais variadas formas, o meio mais eficiente de ocultação de rendimentos tributáveis.
Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho [na redacção do artigo 31.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para o ano de 1999)], «As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 32%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC».
Quer dizer: “as despesas confidenciais ou não documentadas”, efectuadas nomeadamente por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRC, a uma taxa de 32%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.
Ou seja: “as despesas confidenciais ou não documentadas”, não só não relevam para efeitos de dedução na determinação do lucro tributável em IRC, como ainda, e cumulativamente, são tributadas autonomamente e com taxa agravada.
2.3 No caso sub judicio, a sentença recorrida – acolhendo por inteiro o ponto de vista da impugnante, ora recorrida – entende que «embora as mesmas não sejam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, não estão sujeitas a tributação autónoma nos termos do DL n.º 192/90», já que «As despesas efectuadas pela Impugnante com a aquisição de cheques-auto de gasolina não podem considerar-se como confidenciais ou indocumentadas, uma vez que se trata de despesas concretas e provadas por documentos válidos (notas de lançamento internas e notas de venda do respectivo Banco vendedor)».
Mas a sentença recorrida labora com menos acerto, segundo julgamos.
A impugnante, ora recorrida, «no exercício de 1999, contabilizou na conta “622119010 – Gasolina”, o valor de € 57.511,40, referente a cheques-auto adquiridos a instituições de crédito», «documentados pela Impugnante com os recibos pelas instituições de crédito» – cf. as alíneas a) e b) do probatório.
A recorrente Fazenda Pública entende que «Os documentos comprovativos de aquisição de cheques-auto às instituições bancárias, apenas demonstra, a troca de meios de pagamento, nada demonstrando quanto à sua utilização, nem por quem foram utilizados, desconhecendo-se qual o seu destino». E, por isso, defende que na situação estamos confrontados com “despesas confidenciais ou não documentadas”, para os efeitos de tributação autónoma nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho [na redacção da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para o ano de 1999)].
E tem razão a recorrente Fazenda Pública.
A Administração Fiscal não põe em causa que a aquisição de cheques-auto se encontre devidamente documentada. No (correcto) entendimento da Administração Fiscal, porém, a simples aquisição de cheques-auto não representa qualquer custo.
Na verdade, em tais casos, a simples documentação da compra de cheques-auto não corresponde à documentação e comprovação de quaisquer custos ou encargos suportados em proveito da actividade objecto social da empresa – segundo o critério contabilístico-fiscal de custos adoptado pelo Código do IRC.
De resto, na conclusão 3. da sua contra-alegação, é própria impugnante, aqui recorrida, a falar em “confidencialidade da oferta”. Ora, é a essa suposta “oferta”, eivada de “confidencialidade”, que a lei dá o nome de “despesa confidencial ou não documentada” – para prever a irrelevação da sua dedução ao lucro tributável e, ao mesmo tempo, cominar a agravação da sua tributação.
O que é certo, todavia, é que a impugnante, ora recorrida, não dispõe de elementos documentais comprovativos de que os adquiridos cheques-auto tenham realmente sido gastos em prol da actividade social inscrita no objecto da empresa. Por isso que a Administração Fiscal não se encontra em condições de saber a finalidade (empresarial, ou não) a que terão sido destinados os valores dos cheques-auto em foco.
As compras possivelmente efectuadas ou os serviços eventualmente recebidos em troca dos valores de tais cheques-auto deveriam estar demonstrados por meio de elementos documentais da escrita da impugnante, de molde a poder aferir-se da efectiva existência de despesas, custos ou encargos e, sobremaneira, da sua pertinência ao desenvolvimento da actividade própria do objecto social da empresa da impugnante, ora recorrida.
Com efeito, documentada a aquisição dos cheques-auto, importaria demonstrar o destino que tiveram os valores dos mesmos cheques. O desconhecimento da aplicação dada a esses valores acarreta a não eliminação da questão acerca da indocumentação e confidencialidade da despesa a que os cheques deram cobertura. Razão bastante para que a despesa, assim desconhecida, deva ser classificada como não documentada e confidencial, e tributada nos termos do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.
Como assim, havemos de dizer, com o Ministério Público, que, «ignorando-se se os cheques-auto foram utilizados na aquisição de combustível ou tiveram qualquer outro destino a respectiva despesa contabilizada deve ser considerada confidencial, porque desconhecida a sua natureza, origem e finalidade, e tributada autonomamente à taxa de 32% aplicável à data dos factos (art. 4° DL n° 192/90, 9 Junho)».
Estamos, deste modo, a concluir, e em resposta à questão decidenda, que no caso nos encontramos em presença de “despesas confidenciais ou não documentadas”, para os efeitos de tributação autónoma nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho [na redacção do artigo 31.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 1999)] – pelo que deve ser revogada a sentença recorrida que assim o não entendeu.
E, então, havemos de convir, em síntese, que as despesas da empresa, v.g., as de aquisição de cheques-auto, das quais se não comprove que representam custos de actuação do respectivo objecto social, constituem “despesas confidenciais ou não documentadas”, para os efeitos de tributação autónoma nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho [na redacção do artigo 31.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 1999)].
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente a impugnação judicial.
Custas pela impugnante/recorrida, na instância e neste STA, fixando-se a procuradoria em 60%.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2010. – Jorge Lino (relator) – Valente Torrão – Isabel Marques da Silva.