Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0437/12.2BEALM 0683/18
Data do Acordão:09/21/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23620
Nº do Documento:SA1201809210437/12
Data de Entrada:07/06/2018
Recorrente:A....., LDA E MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:LUSOPONTE-CONCESSIONÁRIA PARA A TRAVESSIA DO TEJO, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO

A………., L.dª intentou, no TAF de Almada, contra o Estado Português, acção administrativa comum pedindo a condenação deste no pagamento de € 346.724,43, a título de indemnização, pelos prejuízos sofridos em virtude da violação do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável nos processos expropriativos que correram termos no Tribunal Judicial do Montijo, acrescida de juros de mora até integral ressarcimento, bem como da condenação do Réu ao pagamento de, pelo menos € 20.000,00, por despesas e honorários de advogado.
Pediu, ainda, nos termos do artigo 560º/1 e 2 do Código Civil, a condenação do Réu no pagamento de juros capitalizados no caso deste não proceder o pagamento dos juros e do montante a liquidar no decurso destes autos por honorários e despesas relacionadas com esta acção.

O Estado contestou requerendo a intervenção principal da Lusoponte, S.A. e esta, tendo sido citada, contestou invocando a sua ilegitimidade.

O TAF julgou procedente aquela excepção, pelo que absolveu a Lusoponte S.A. da instância, e julgou a acção improcedente absolvendo o Estado do pedido.

O Autor recorreu para o TCA Sul e, este, por Acórdão de 15/03/2017, concedeu parcial ao recurso.
O Autor e o Ministério Público não se conformaram com essa decisão e daí a interposição destas revistas.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TCA revogou a sentença do TAF, que havia julgado a acção totalmente improcedente, com o seguinte discurso fundamentador:

Vejamos, então, se a tramitação dos processos de expropriação em causa nos presentes autos excederam o prazo razoável, tendo presente que todos os processos expropriativos se basearam em declaração de utilidade pública de expropriação, com carácter de urgência - cfr. al.ª c) dos factos dados como provados.
……
Analisada a tramitação dos processos acima sumariamente narrada temos que relativamente:
Ao processo nº 118/99: desde a sua instauração em juízo da expropriação litigiosa (21.05.1999) até ao recebimento do valor indemnizatório ordenado nos correspondentes autos (16.04.2012) decorreram cerca de 13 anos no global.
Quanto ao processo n° 161/99: desde a instauração em juízo da expropriação litigiosa (08.07.1999) até ao recebimento do valor indemnizatório ordenado nos correspondentes autos (20.12.2011) decorreram cerca de 12 anos no global.
No que concerne ao processo n° 165/99: desde a sua instauração em juízo da expropriação litigiosa (15.07.1999) até ao recebimento do valor indemnizatório ordenado nos correspondentes autos (20.12.2011) decorreram cerca de 11 anos no global.
Relativamente ao processo nº 200/99: desde a sua instauração em juízo da expropriação litigiosa (17.07.1999) até ao recebimento do valor indemnizatório ordenado nos correspondentes autos (16.04.2012) decorreram cerca de 12 anos no global.
Já no que respeita ao processo n° 151/99: desde a sua instauração em juízo da expropriação litigiosa (02.07.1999) até ao recebimento do valor indemnizatório ordenado nos correspondentes autos (20. 12.2011) decorreram cerca de 11 anos no global.
Por último quanto ao processo n° 150/99: desde a sua instauração em juízo da expropriação litigiosa (02.07.1999) até ao recebimento do valor indemnizatório ordenado nos correspondentes autos (06.04. 2012) decorreram cerca de 12 anos no global.

Assim, é de concluir no sentido da violação do direito da recorrente a obter uma decisão em prazo razoável, no âmbito dos processos supra elencados, direito violado pelo Estado e que configura acto omissivo ilícito, por violação dos artigos 20º n° 4 da CRP e artigo 6º nº 1 da CEDH, por força do n° 2 do artigo 8º da CRP, e culposo … .
Quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, importa analisar os invocados danos patrimoniais invocados pela recorrente.
Alegou a ora recorrente que, por causa do ilícito atraso na administração da justiça, perdeu a oportunidade de aplicar os montantes indemnizatórios nos seus negócios, rentabilizando-o e multiplicando o seu valor como é corrente em qualquer empresa – cfr. item 182º da p.i - sendo que o montante indemnizatório reconstituinte do seu património na situação em que deveria estar não fosse o atraso ilícito corresponde aos juros, à taxa civil, nos seguintes moldes:

Ora, a recorrente limitou-se a alegar, de forma conclusiva, que por causa do ilícito atraso na fixação dos montantes indemnizatórios e no efectivo pagamento, perdeu a oportunidade de os aplicar nos seus negócios, rentabilizando-os e multiplicando o seu valor como é corrente em qualquer empresa, bem como que, sendo uma sociedade comercial, poderia ter investido o valor das indemnizações no seu giro comercial, alegação manifestamente insuficiente para que se possa concluir que o atraso na administração da justiça causou danos, com os moldes genericamente invocados, à recorrente.
Assim, impõe-se concluir que a autora não logrou provar, por motivos que têm origem na insuficiente alegação, que o retardamento no pagamento das indemnizações devidas pelas expropriações decorrente do atraso na prolação das decisões judiciais que fixaram o seu montante lhe causou prejuízos, designadamente, os prejuízos decorrentes de não ter tido a oportunidade de aplicar tais montantes nos seus negócios, negócios que não especificou, não tendo alegado em que é os mesmos consistiriam, pelo que deve ser negado provimento a este vertente da pretensão formulada.
Quanto ao pedido de condenação do R. nos honorários a Advogado, quer os que emergiram da necessidade de prolongar a contratação de tais serviços, nos processos de expropriação em apreço, motivados pelo atraso na prolação das decisões judiciais quer pelo exercício do mandato forense nos presentes autos, para o que se lançará mão da fundamentação vertida no Acórdão do T.C.A. Norte, proferido em 12/10/ 2012, no âmbito do Proc. 00064/10.9BELSB:
….
A Recorrente veio ainda apelar para este Tribunal que lhe atribua, por via da equidade uma indemnização a título de dano não patrimonial, não inferior a 20,000,00.
Seguindo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos termos expostos supra, considerando a generalidade das matérias e abrangendo a 1.ª e 2ª instância, tem-se como padrão referencial de razoabilidade de duração média global do processo, o período de 4 a 6 anos.
Consideram-se, pois, excessivos os prazos tramitação no caso concreto dos proc.ºs nº118/99, decorreram cerca de 13 anos, no n° 161/99, cerca de 12 anos, no n° 165/99 cerca de 11 anos; no n° 200/99: cerca de 12 anos e no n° 151/99 cerca de 11 anos e processo nº 150/99, cerca de 12 anos no global.
…..
Consideramos do ponto de vista objectivo, considera-se adequado fixar o quantum no padrão referencial dos valores entre 7 mil e 11 mil euros fixados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, para as acções cíveis cuja duração se prolongou por 9/10 anos.
Porém, há ainda a atentar que nos processos supra descritos - tal como resulta da matéria de facto assente - a autora e entidade expropriante assumiram no decurso da causa, por acção ou omissão de acto processual, assumiram comportamento passível de provocar demoras abusivas, em ordem a fazer perdurar ou atrasar a prossecução da instância, por forma a fazer convocar aqui a regra do artigo 570° do Código Civil.
Tudo visto, ao abrigo do regime do art.º 12° Lei 67/2007, 31.12, considera-se adequado arbitrar a indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça, o valor global de 15.000, 00 € (quinze mil euros).
3) Decisão
Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, condenando o R. a pagar à A., ora recorrente, os honorários devidos ao Mandatário Judicial desta, quer nos presentes autos, quer os que se tenham revelado necessários pagar em virtude no atraso na prolação das decisões judiciais nos processos supra elencados, na quantia que vier ulteriormente e em sede própria, a liquidar-se e condenar o Estado a indemnizar o Recorrente A…….., Lda. pelos danos causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça, no valor total de 15.000,00 (quinze mil euros cêntimos), acrescido de juros de mora desde a citação.”

3. A transcrita decisão, apesar de ter considerado ilícito e culposo o atraso na conclusão dos processos acima identificados, entendeu que não havia lugar ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais por a Autora não ter logrado provar, devido a insuficiente alegação, que o retardamento no pagamento das indemnizações devidas pelas expropriações lhe causou prejuízos, maxime por não ter tido a oportunidade de aplicar tais montantes nos seus negócios.
Por isso, limitou-se a condenar o Réu no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais e nos honorários devidos ao Mandatário da Autora quer nestes autos quer nos que se tenham revelado necessários pagar em virtude no atraso na prolação das decisões judiciais nos processos supra elencados, a serem liquidados ulteriormente.
Decisão que não convenceu nem a Autora nem o M.P. e daí a interposição destas revistas.

4. As acções de responsabilidade civil por atrasos na administração da justiça são frequentes e aí, por vezes, suscitam-se questões de significativa relevância jurídica.
No caso, não só estão em jogo importantes quantias financeiras como a Autora põe em causa a forma como o Acórdão afastou o pagamento pelos danos patrimoniais, alegando que se fosse como nele se julgou “a prova do dano inevitavelmente se configuraria situação de probatio diabolica, a prova impossível … cairíamos no domínio da probabilística, perda de chance ou outros ónus alegatórios.” Sustentando, ainda, que o Acórdão errou no que toca ao cálculo dos juros devidos.
Já o M.P. não se conforma com o Acórdão por este ter condenado o Estado a pagar os honorários devidos ao Mandatário do Recorrente, apesar de ter considerado que se não tinha provado a existência de danos patrimoniais, e ter condenado o Estado a ressarcir danos não patrimoniais que eles foram pedidos em sede de recurso.
Nesta conformidade, atendendo-se à divergência das decisões das instâncias, ao inconformismo de Autor e Réu com o Acórdão recorrido e a que: «Em geral, este tipo de acções, que envolve directamente a apreciação, além de outras, de disposições da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, atinge um grau de relevância que faz justificar a intervenção deste Supremo Tribunal em revista. Não se deve esquecer, nomeadamente, a própria submissão do Estado Português aos mecanismos de responsabilização que podem vir a ser interpostos perante outras instituições de aplicação da Convenção» - Acórdão desta Formação de 1.05.2013 (rec. 144/13) – justifica-se a admissão do recurso.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir as revistas.

Sem custas.

Porto, 21 de Setembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.