Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0279/14.0BELRS 01211/17
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
ESTATUTO
BENEFÍCIOS FISCAIS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
ISENÇÃO
Sumário:I - Nos termos do art. 44º nº 1 al. n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios denominados como monumentos nacionais.
II - A Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, alterando o referido normativo - 40º nº 1 al. n) do EBF -, estabeleceu que, apenas poderiam beneficiar da isenção de IMI “Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável”.
III - Tal significa que após a entrada em vigor daquele diploma (01-01-2007), foi introduzido um novo elemento literal no texto do mesmo preceito, a classificação individual do prédio, o qual, por configurar uma alteração dos pressupostos que permitiram o reconhecimento da isenção concedida, determina a cessação do benefício que vinha a usufruir, impondo a reposição da tributação e, consequentemente, a liquidação do imposto devido (cfr. art. 14º nº 1 do EBF).
IV - A Baixa Pombalina não faz parte da Lista do Património Mundial da UNESCO, tal como se colhe de https://unescoportugal.mne.gov.pt/pt/temas/proteger-o-nosso-patrimonio-e-promover-a-criatividade/patrimonio-mundial-em-portugal.
V - Assim, face ao probatório, temos que o benefício em causa cessou por mero efeito da alteração dos seus pressupostos legais, o que confere total pertinência ao despacho impugnado, pois que, tendo sido introduzido um novo elemento literal neste âmbito, a classificação individual do prédio, o qual, por configurar uma alteração dos pressupostos que permitiram o reconhecimento da isenção concedida, implica o seu afastamento a partir do momento em que o prédio em causa não preenche tal requisito, dado que, tal como certificado, o mesmo faz parte integrante do conjunto denominado Baixa Pombalina, classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto nº 95/78, de 12.09.78, matéria insusceptível de preencher o tal novo elemento de que dependia a manutenção do benefício, pelo que, tem de concluir-se que cessou ope legis a isenção anteriormente concedida uma vez que o dito prédio não se encontrava classificado individualmente.
Nº Convencional:JSTA000P28753
Nº do Documento:SA2202201120279/14
Data de Entrada:05/16/2018
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
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Processo n.º 279/14.0BELRS (Recurso de Revista)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor Recurso de Revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 08-06-2017, que concedeu provimento ao recurso interposto por “A……………, S.A.”, e que revogou a sentença que julgara improcedente a acção administrativa especial instaurada com vista à anulação de acto de indeferimento de pedidos de isenção de IMI.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1.ª Por via do presente recurso pretende a Recorrente reagir contra o acórdão proferido a 2016-06-08 pelo Tribunal Central Administrativo Sul que determinou a anulação da decisão de indeferimento dos pedidos de isenção de IMI relativos aos prédios urbanos propriedade do Recorrido;

2.ª O entendimento vertido no acórdão colocado em crise pela Recorrente reporta-se a questão que se reveste de elevada relevância jurídica e social e de importância fundamental, cuja admissão é necessária para uma melhor aplicação do direito, legitimando, assim, a que se lance mão do presente recurso excecional;

3.ª A questão em causa tem utilidade jurídica e prática e ultrapassa os limites da situação singular, havendo a possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros;

4.ª Com efeito, em Portugal existem milhares de imóveis integrados em Conjuntos classificados como Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público (à luz da legislação do património cultural anterior à LBPC) e como Interesse nacional e Interesse Público (à luz da atual LBPC).

5.ª É do conhecimento público a afluência com que os proprietários têm recorrido aos nossos tribunais, impugnando as decisões de indeferimento ou revogação do benefício fiscal aqui em causa;

6.ª É também do conhecimento público a forma como diversas autarquias, associações e grupos de indivíduos se têm manifestado sobre o direito à fruição do benefício fiscal aqui em causa;

7.ª A manter-se a jurisprudência do acórdão recorrido, qualquer prédio todo e qualquer prédio inserido no interior de qualquer Conjunto ou de uma Paisagem Cultural encontra-se, apenas e só por esse facto, individualmente classificado e, como tal, isento de IMI;

8.ª Está em causa firmar jurisprudência quanto à interpretação a dar ao artigo 44º/1-n) EBF, articulado com o artigo 15º da LBPC, com o Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro, e com o artigo 2º do CIMI;

9.ª Não há jurisprudência uniforme no que a esta questão concerne, seja na jurisdição administrativa-fiscal, seja na jurisdição arbitral.

10.ª Sendo certo, porém, que o entendimento veiculado no recorrido acórdão do TCAS vai ao arrepio da Doutrina mais relevante produzida sobre esta matéria, a saber: JOSÉ CASALTA NABAIS, NUNO SÁ GOMES, CARLOS PAIVA e MÁRIO JANUÁRIO e a própria Direção-Geral do Património Cultural;

11.ª Face ao exposto, forçoso é concluir que há correntes jurisprudenciais diferentes, criando grande incerteza e instabilidade, o que só por si merece a intervenção do órgão de cúpula da justiça fiscal como condição para dissipar dúvidas que podem interessar a um leque alargado de interessados;

12.ª Assim, o presente recurso de Revista tem como fundamento a violação de lei substantiva aplicável ao caso vertente, violação essa resultante: (i) da desconsideração do elemento histórico da interpretação; (ii) da confundibilidade dos conceitos de classificação e de Designação LBPC; (iii) da ausência de conversibilidade entre as classificações patentes no Decreto 20.985 de 1932 e as classificações patentes na LBPC; (iv) no olvidar de o pressuposto da isenção fiscal aqui em causa assentar no conceito fiscal de prédio; e (v) na desconsideração da unidade do sistema jurídico;

~II~

13.ª Efetivamente, uma das circunstâncias que motivou o erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo reside no facto deste ter confundido os conceitos de Classificação e de Designação patentes na LBPC;

14.ª Analisada a evolução do conceito de Classificação ao longo das sucessivas leis nacionais do património cultural durante o século XX, verifica-se que: (a) na Monarquia Constitucional previa-se uma única graduação de Classificação (Monumento Nacional); (b) na 1.ª República previam-se duas graduações de Classificação (Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público); (c) no Estado Novo previam-se três graduações de Classificação (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio); (d) no início da 3ª República foi introduzido o conceito de Categoria e alargadas as graduações de Classificação, sendo nunca foram aplicadas em virtude da Lei 13/85 não ter sido regulamentada; e (e) durante a 3.ª República e até ao surgimento da LBPC continuaram a ser aplicadas as graduações de Classificação criadas pelo Estado Novo;

15.ª A inegável tecnicidade do Direito do Património Cultural levou a que o tribunal a quo tenha incorrido em várias confusões, designadamente à utilização indiferenciada de conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si, como sejam a Categoria, a Classificação e a Designação, razão pela Considera que a Baixa Pombalina está classificada como Monumento Nacional;

16.ª O artigo 15º da LBPC veio consagrar três conceitos jurídico-patrimoniais distintos e com um recorte técnico preciso, a saber: (a) a Categoria, (b) a Classificação e (c) a Designação;

17.ª São três as Categorias previstas na LBPC (artigo 15º/1): Monumento, Conjunto e Sítio, sendo que as suas definições, para o que releva no caso sub judice, constam da Convenção da UNESCO de 1972;

18.ª São três as Classificações previstas na LBPC (artigo 15º/2): Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal, organizadas numa escala de graduação decrescente;

19.ª A designação de Monumento Nacional está reservada exclusivamente para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional (artigo 15º/3), ou seja, ao monumento, conjunto ou sítio (i.e., categorias) que se encontre classificado como sendo de Interesse Nacional (i.e., classificações) é-lhe ainda atribuída a designação de Monumento Nacional;

20.ª Já no que respeita ao monumento, conjunto ou sítio que se encontre classificado como sendo de interesse Público e ao monumento, conjunto ou sítio que se encontre classificado como sendo de Interesse Municipal, não lhes é atribuída a designação de Monumento Nacional. (confusão que, salvo o devido respeito, consideramos que o tribunal recorrido, incorreu!

21.ª Ao afirmar que a Baixa Pombalina, actualmente Lisboa Pombalina está classificada como Monumento Nacional o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, i.e., de análise, na medida em que: (a) confundiu os atuais conceitos de Classificação e de Designação; e (b) confundiu o conceito de Designação introduzido pela LBPC com o conceito de graduação da Classificação como Monumento Nacional que vigorou entre o início da vigência do Decreto 20.985 de 1932 e a entrada em Vigor da LBPC;

22.ª Desde 2001 que não existe uma Classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, logo é manifestamente impossível afirmar que a Baixa Pombalina está classificada como Monumento Nacional;

23.ª Não obstante e ao que ao concreto caso interessa, a Baixa Pombalina/Lisboa Pombalina está classificada como conjunto de interesse público (anteriormente Imóvel de Interesse Público), pelo que não poderia o Tribunal a quo equiparando ao Centro Histórico do Porto, afirmar que a Baixa Pombalina está classificada como de Interesse Nacional, e portanto é designado como Monumento Nacional.

24.ª O que resulta clara e inequivocamente da lei é que a Baixa Pombalina se encontrava classificada como imóvel de interesse público (IIP), conforme Decreto nº 95/78, de 12 de setembro e com a Portaria 740-DV/2012, de 24-12-2012 passou a classificar-se como conjunto de interesse público (CIP), portanto, seria manifestamente impossível designar o denominado conjunto, como Monumento Nacional,

25.ª O 1.º segmento do artigo 44º/1-n) do EBF refere-se aos prédios classificados como Monumentos Nacionais à luz das leis estado-novenses que antecederam a LBPC, porquanto estas leis (face à ausência de regulamentação da Lei 13/85) só previam três classificações possíveis (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio);

26.ª O 1.º segmento do artigo 44º/1-n) do EBF reporta-se à classificação de Monumento Nacional que vigorou no nosso ordenamento jurídico à entrada em vigor da LBPC, Classificação aquela que não pode ser confundida com o conceito de Designação de Monumento Nacional patente, para o que ali releva, nos artigos 15º/3 e 15º/7 da LBPC;

27.ª Ainda que assim não fosse o tribunal a quo continuaria desprovido de razão, porquanto o conceito de Conjunto constante do artigo 1º da Convenção da UNESCO de 1972 admite que no seio daquele último possam existir imóveis desprovidos de valor cultural, sendo por isso abusiva a interpretação de que todos os prédios que inseridos no interior de um “conjunto”, se encontram, apenas por esse facto, isentos de IMI;

28.ª Este é, aliás, o entendimento subscrito pela própria Direção Geral do Património Cultural (que assim contraria o errado entendimento veiculado nas certidões emitidas pela Delegação Regional), a qual refere que «(...) tratando-se de classificação em que se optou pela categoria de “Conjunto” não é legítima nem legalmente possível a conclusão de se considerarem individualmente classificados os imóveis por ela abrangidos»

29.ª Apesar da similitude das duas expressões, a classificação do conjunto como bem Cultural de “Interesse Nacional” (artigo 15º/3 da LBPC e Aviso nº 15173/2010) não equivale à classificação como “Monumento Nacional” (artigo 24.° do Decreto 20985 de 1932), pois que - mesmo olvidando o basilar princípio da legalidade e se concedesse Supremacia a analogia - o próprio legislador patrimonial não previu, até hoje, um mecanismo de conversão/equivalência patrimonial-fiscal entre a classificação estado-novense “Monumento Nacional” (patente no Decreto 20.985 de 1932) e a classificação “Interesse Nacional” (patente na LBPC), sendo que tal matéria é da competência do legislador patrimonial [artigo 165º/1-g) da Constituição], sob pena de violação da separação de poderes;

30.ª A violação da lei aplicável em que incorreu o tribunal a quo é ainda revelado pela indiferença perante o facto de o benefício fiscal em causa estar indissociavelmente recortado sobre o conceito fiscal de prédio, ou seja, a isenção patente no artigo 44º/1-n) do EBF só pode ser atribuída a um prédio, pelo que a noção deste necessariamente terá de ser encontrada à luz do artigo 2º do CIMI;

31.ª O raciocínio do tribunal a quo padece de um grave equívoco, qual seja o de que o conjunto denominado Lisboa Pombalina é UM PRÉDIO, quando, a Portaria n° 740-DV/2012, de 24-12-2012 passou a classificar-se como conjunto de interesse público (CIP), ou seja, um conjunto nunca poderá ser UM prédio (no sentido fiscal), mas sim uma PLURALIDADE de prédios;

32.ª A acrescer à confusão de conceitos, à ausência de conversibilidade de classificações e à não verificação de um pressuposto legal para a aplicação da isenção de IMI, o equívoco empreendido pelo tribunal a quo atenta contra a unidade do sistema jurídico e conduz a resultados absurdos, como claramente demonstram dois exemplos;

33.ª Se se considerasse que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo do esvaziamento do artigo 44°/10 do EBF e do artigo 112º/3 do CIMI, ou seja, tal entendimento traduzir-se-ia na atribuição de uma isenção fiscal a prédios em ruínas, apenas por se encontrarem, como no caso do centro histórico do Porto, dentro de um conjunto inscrito na “Lista de Património Mundial” da UNESCO, frustrando os fins extrafiscais visados pelo próprio legislador fiscal (i.e., políticas públicas de reabilitação urbana e de conservação do património cultural) quando, através da diferenciação das taxas de IMI, pretendeu compelir os proprietários de prédios naquelas condições a efetuar a sua recuperação;

34.ª Ora, o legislador não pretendeu recompensar e, menos ainda, incentivar comportamentos lesivos para a comunidade, como sejam, os riscos normalmente associados à existência de prédios em ruínas, designadamente, os riscos para a segurança de pessoas, veículos e construções adjacentes, os riscos para a saúde pública, bem como de depreciação estética ou patrimonial do espaço envolvente;

35.ª Se se considerasse ainda que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo e desproporcionado de todo e qualquer prédio localizado no interior de um conjunto ser insuscetível de ser adquirido por usucapião (artigo 34.° da LBPC), resultado este ainda mais absurdo e desproporcionado quando aplicado às paisagens culturais, como é exemplo a Região Vinhateira do Alto Douro, pois que, a ser assim, desde 2001 que não mais é possível a realização de escrituras públicas de usucapião nos concelhos de Mesão Frio, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Alijó, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Côa e que toda e qualquer escritura pública de usucapião referente a prédios ali localizados é nula;

36.ª Aliando estes dois exemplos à presunção patente no artigo 9.°/3 do Código Civil e à consideração da unidade do sistema jurídica a que alude o n.° 1 daquele mesmo artigo e código, não se poderá deixar de concluir pela exigência da classificação individual de cada um dos prédios que integram o conjunto Baixa Pombalina/Lisboa Pombalina;

37.ª Acresce que este é o entendimento veiculado pela Doutrina mais relevante (JOSÉ CASALTA NABAIS, NUNO SÁ GOMES, CARLOS PAIVA e MÁRIO JANUÁRIO) e pela Jurisprudência (designadamente do próprio Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto) produzidas sobre esta matéria, a par da própria doutrina administrativa da Direção-Geral do Património Cultural;

38.ª Pelo que, não tendo a Recorrida demonstrado que o seu prédio urbano se encontra individualmente classificado, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício do artigo 44.°/1-n) do EBF e que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não encontra suporte factual e legal;

~III~

39.ª Além de consubstanciar uma violação da lei aplicável ao caso vertente, a interpretação subjacente à decisão proferida pelo tribunal a quo padece ainda de várias inconstitucionalidades;

40.ª A interpretação proposta pelo tribunal a quo é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietário de prédios urbanos integrados no denominado conjunto Lisboa Pombalina e destituídos de valor cultural individual, o Recorrido pretende ser privilegiado, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados;

41.ª A interpretação realizada pelo tribunal a quo traduz ainda uma violação do principio da justiça fiscal, pois não se verifica uma justa repartição da carga fiscal entre, por um lado, o proprietário de um prédio destituído de valor cultural individual e, por outro, o proprietário de um prédio individualmente classificado e cujas faculdades de disposição, transformação e fruição são diferentes face ao titular de um prédio não individualmente classificado;

42.ª A interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que o Recorrido, enquanto proprietário de prédios urbanos destituídos de valor cultural individual, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efetivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ou seja, a atribuição do benefício fiscal aqui em causa ao Recorrido traduzir-se-ia num incompreensível aforro fiscal relativamente ao depauperamento a que estão sujeitos os proprietários de verdadeiros prédios dotados de valor patrimonial cultural;

43.ª A interpretação dada pelo Tribunal a quo viola também o princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é um imposto municipal e reverte a favor dos municípios onde os imóveis se localizam;

44.ª Defendendo o tribunal a quo que o prédio urbano sub judice está classificado como Monumento Nacional, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município de Lisboa vê lesada a sua autonomia local na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área daquele centro.

45.ª Em decorrência do acabado de afirmar, a interpretação dada pelo tribunal a quo viola o princípio da participação, porquanto nenhuma palavra teve o Município de Lisboa quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área do Baixa Pombalina.

46.ª Finalmente, a interpretação veiculada pelo Recorrido e pelo tribunal a quo padece ainda de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que acabaram por realizar uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15º/2 da LBPC), quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo;

47.ª Apesar de a LBPC permitir que a legislação de desenvolvimento possa vir a consagrar as regras necessárias para se efetuar, entre outras, a conversão das classificações (artigo 112º/3 daquele diploma), certo é que os decretos-lei de desenvolvimento até à data publicados não prevêem nenhum mecanismo a ela atinente;

48.ª E em decorrência direta desta omissão por parte do legislador cultural, não podia o legislador fiscal de 2008 substituir-se àquele ao fazer equivaler no artigo 44º/1-n) do EBF a classificação de interesse Nacional introduzida pela LBPC à classificação de Monumento Nacional prevista no Decreto 20.985 de 1932;

49.ª E não podendo o legislador fiscal de 2008 substituir-se ao legislador cultural, naturalmente que também nunca assim o poderá fazer o intérprete da Lei e o julgador, sob pena de óbvia inconstitucionalidade, por violação da reserva de lei;

50.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica o acórdão ora colocado em crise.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento

a) Ser admitido o presente recurso de Revista por se encontrarem preenchidos os requisitos elencados no artigo 150º do CPTA; e

b) Ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.”

A Recorrida “A…………, S.A.” apresentou contra-alegações, onde, sem formular conclusões, sustenta a inadmissibilidade do presente recurso por falta de verificação dos requisitos previstos no artigo 150º do CPTA e, para o caso de assim não ser entendido, defende o acerto do julgado, porquanto, na sua óptica, o acórdão recorrido fez uma correcta aplicação e interpretação da lei, nomeadamente das disposições constantes da alínea n) do nº 1 e do nº 5 do artigo 44º do EBF, do artigo 2º do DL 95/78, dos nºs 3 e 7 do artigo 15º da Lei 107/2001, e do nº 3 do artigo 3º do DL 309/2009, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Em apreciação preliminar sumária, foi admitida a revista.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso de revista.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em saber se a alteração de redacção da norma do art.º 44º, nº 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao estabelecer a isenção de IMI para «Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável», abrange, ou não, prédios como o dos autos, situados no Centro Histórico da “Baixa Pombalina” da cidade de Lisboa e que integra a Lista do Património Mundial da UNESCO, o que passa por saber se cada um dos prédios inseridos nesse Centro Histórico pode ser, como foi no acórdão recorrido, classificado como monumento nacional, impondo-se fazer a interpretação do art.º 44º, nº 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, articulado com o art.º 15º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Protecção do Património Cultural), com o Dec. Lei nº 309/2009, de 23 de Outubro, e com o art.º 2º do Código do IMI, tal como dos restantes esteios da apelação, estruturados pela entidade recorrente.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta do Acórdão recorrido o seguinte:

“…

a) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, de 07/09/2012, foi determinado o seguinte: "1º A revogação do despacho que concedeu isenção ao abrigo do art. 40º (actual 44º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) quanto ao prédio indicado por não reunirem os pressupostos certificados pela entidade competente; 2º A cessação deste benefício implica a tributação do referido prédio, a partir do ano de 2008 (inclusive) conforme dispõem os arts. 113º/5 e 120º/3 e 4 do Imposto Municipal de Imóveis (IMI). Notifique-se." - cfr. fls. 8 e 9 do processo administrativo em apenso aos autos;

b) Em 19/09/2012, a Autora é notificada do despacho proferido em 07/09/2012, que procedeu à cessação de isenção de IMI, referente à matriz predial urbana da freguesia de S. Nicolau, concelho de Lisboa, sob o artigo ... - cfr. fIs. 10 e 11 do processo administrativo em apenso aos autos;

c) Em 12/10/2012, é entregue pela Autora, no Serviço de Finanças de Lisboa 3, recurso hierárquico da decisão de revogação do benefício fiscal- cfr. fls, 8 dos autos;

d) Em 11/04/2013 é remetido por correio eletrónico, requerimento inicial que consubstancia a presente ação administrativa especial- cfr. fIs. 3 dos autos.

Ao abrigo do disposto no artigo 662.211. do Cpc, adita-se a seguinte matéria de facto:

e) Por meio do ofício n.º 6226, de 14.06.2013, o Serviço de Finanças de Lisboa 3, remeteu à Directora de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, da Direcção de Finanças de Lisboa, o recurso hierárquico n.º 3085201210001612, interposto por "A……………, SA - cessação da isenção de IMI - Lei n.º S3A/2006, de 19/12 - fIs. 157;

f) O ofício foi recebido pelo destinatário em 18.06.2013 - Ibidem;

g) Em 21.11.2014, a Directora de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, da Direcção de Finanças de Lisboa proferiu o despacho seguinte: «Concordo, pelo que, com os fundamentos constantes da informação que antecede, indefiro o presente recurso hierárquico (…)» - fls. 177;

h) Em 16.12.2014, o processo relativo ao recurso hierárquico foi devolvido ao Serviço de Finanças de Lisboa 3 - fls. 176;

i) Por meio de ofício n.º 127, de 06.01.2015, recebido pelo destinatário em 09.01.2015, a autora foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico – fls. 188;

j) O prédio em causa está situado na Rua ……., …/…. tornejando para a Rua ………., n.º …./…, 1100 - …. Lisboa; inscrito na matriz n.º …, da freguesia de S. Nicolau - fls. 11/15;

k) O prédio em causa beneficia de isenção de IMI, desde 2005, motivo: prédio classificado - lbidem;

l) Em 08.10.2012, o Director do IGESPAR emitiu declaração no sentido de que o prédio em apreço faz parte integrante da Baixa Pombalina, classificado como imóvel de interesse público, pelo Decreto nº 95/78, de 12.09.78 - fls. 16.”


«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 08-06-2017, que concedeu provimento ao recurso interposto pela ora Recorrida e que revogou a sentença que julgara improcedente a acção administrativa especial instaurada com vista à anulação de acto de indeferimento de pedidos de isenção de IMI.

Com efeito, o acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso, por ter entendido que o prédio dos autos está inserido em sítio classificado como monumento nacional, pelo que usufrui da isenção de IMI, de acordo com o art. 44º nº 1 al. n) do EBF, pelo que, o despacho que determinou a cessação do direito à isenção de IMI a partir de 2008 em diante incorreu em violação de lei por preterição do direito à isenção integrada na sua esfera jurídica.

Pois bem, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 12-12-2018, Proc. nº 0134/14.4BEPRT 0501/17, www.dgsi.pt, “… Como facilmente se depreende da argumentação expendida pela recorrente e pelo recorrido as dúvidas interpretativas do texto do artigo 44º, n.º 1, al. n) do EBF (que antes da renumeração e republicação correspondia do artigo 40º, cfr. Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06) surgiu com a alteração que lhe foi introduzida pelo artigo 82º do Orçamento do Estado para 2007, Lei n.º 53-A/2006, de 29.12.2006.

Efectivamente, antes desta alteração do texto legal dispunha o artigo 40º, n.º 1, al. n) do EBF:

Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável.

Posteriormente à entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2007, tal norma passou a ter a seguinte redação:

Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.

Em simultâneo com a alteração deste texto legal o legislador no mesmo Orçamento do Estado editou mais duas normas que dispunham do seguinte modo, e cuja razão de ser se prende com esta alteração ao texto do artigo 40º, n.º 1, al. n):

Artigo 88.º

Disposições transitórias no âmbito dos benefícios fiscais

Às alterações introduzidas pela presente lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se o regime transitório seguinte:

a) …

b) …

c) A administração fiscal notifica, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei, todos os sujeitos passivos, que se encontrem a beneficiar da isenção referida na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, da cessação deste benefício por alteração dos seus pressupostos;

d) Os sujeitos passivos referidos na alínea anterior podem, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação, requerer a isenção a que se refere o artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais se reunirem todos os requisitos aí referidos e se para o mesmo prédio ainda não tiverem beneficiado deste regime…

Como se depreende da interpretação conjugada destas disposições legais o legislador ao elaborar o Orçamento do Estado para 2007 quis introduzir uma alteração significativa no regime de acesso às isenções de IMI de que poderiam beneficiar os prédios classificados em razão do seu interesse e importância cultural e/ou valor patrimonial.

Enquanto que na versão da norma anterior a este OE de 2007 o legislador não exigia, para efeitos fiscais, a classificação individual de cada um dos prédios, bastando-se, portanto, com a sua classificação nos termos da legislação aplicável, com esta alteração passou a exigir mais um requisito, o da classificação individual nos termos da legislação aplicável.

Contudo, apenas passou a exigir esta classificação individual para os imóveis que devam ser integrados nas categorias de interesse público, de valor municipal ou património cultural, não fazendo a mesma exigência para os imóveis que devam ser integrados na categoria de monumento nacional (no EBF o legislador faz referência a monumento nacional quando se pretende referir aos imóveis de interesse nacional porque é assim que nos termos do disposto no artigo 15º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro devem ser designados).

E esta distinção resulta claramente da vontade expressa do legislador ao editar a norma em questão, ou seja, o legislador não pretendeu exigir, para os imóveis que devam ser incluídos na categoria de monumento nacional (interesse nacional) e para efeitos desta isenção fiscal, que devam ser sujeitos a classificação individual, mantendo, portanto, quanto aos mesmos o regime que anteriormente se encontrava estabelecido. Aliás a “nova” redacção do preceito mantém inalterada a primeira parte do artigo em questão -Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais- que se refere aos monumentos nacionais.

Esta interpretação resulta, também, expressamente do debate parlamentar e votação ocorridos a propósito deste preceito legal.

Tal como resulta da leitura do Diário da Assembleia da Republica I Série, nº 24, de 02.12.2006, págs. 29 e 30, a exigência da classificação individual dos imóveis que devem ser enquadrados na categoria de monumento nacional não foi expressamente aceite pelos deputados:

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta 740-P, de Os Verdes, de substituição da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais constante do artigo 77.º da proposta de lei.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era a seguinte:

n) Os prédios classificados a título individual como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados, também a título individual, como imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação da proposta 855-P, do PS, de emenda da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais proposta no artigo 77.º.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, votos contra do BE e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É a seguinte:

n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.

O Sr. Presidente: - Com esta aprovação fica prejudicada a votação da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais proposta no artigo 77.º [e que era a seguinte: n) Os prédios classificados como monumentos nacionais, nos termos da legislação aplicável].

Daqui se conclui, assim, que os imóveis que já anteriormente beneficiavam da isenção fiscal, por se encontrarem enquadrados na categoria designada por monumento nacional, não foram abrangidos pelas alterações legislativas operadas pelo OE de 2007, podendo por isso manter a isenção fiscal de que vinham a beneficiar, não havendo, portanto, quanto aos mesmos, que aplicar o regime transitório constante do artigo 88º, als. c) e d) do mesmo Orçamento do Estado. …”.

A partir daqui, cabe notar que a aludida Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, alterando o referido normativo - 40º, n.º 1, al. n) do EBF -, estabeleceu que, apenas poderiam beneficiar da isenção de IMI “Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável”, o que significa que após a entrada em vigor daquele diploma (01-01-2007), foi introduzido um novo elemento literal no texto do mesmo preceito, a classificação individual do prédio, o qual, por configurar uma alteração dos pressupostos que permitiram o reconhecimento da isenção concedida, determina a cessação do benefício que vinha a usufruir, impondo a reposição da tributação e, consequentemente, a liquidação do imposto devido (cfr. art. 14º nº 1 do EBF).

Nesta sequência, temos que a AT entendeu que ao prédio da Recorrida aplicavam-se as regras inovadoras do OE de 2007 e, nessa medida, havia cessado ope legis a isenção anteriormente concedida uma vez que o dito prédio não se encontrava classificado individualmente.

Porém, tal entendimento, como vimos, só estaria correcto no caso de o imóvel da Recorrida, apesar de beneficiar da isenção do imposto, não se encontrasse abrangido por anterior classificação designada como monumento nacional.

E é neste ponto que reside o equívoco do Acórdão recorrido, quando aponta que o prédio dos autos está inserido em sítio classificado como monumento nacional, pelo que usufrui da isenção de IMI, de acordo com o art. 44º nº 1 al. n) do EBF, equiparando a sua situação à dos imóveis situados no Centro Histórico do Porto, servindo-se depois da jurisprudência do TCA Norte neste âmbito.

Pois bem, se é certo que o Centro Histórico do Porto faz parte da Lista do Património Mundial da UNESCO, o mesmo não sucede com a Baixa Pombalina, que não integra a referida Lista, tal como se colhe de https://unescoportugal.mne.gov.pt/pt/temas/proteger-o-nosso-patrimonio-e-promover-a-criatividade/patrimonio-mundial-em-portugal.

Tal realidade faz toda a diferença na situação em apreço, dado que, caso os prédios em apreço se encontrassem integrados em conjunto que faz parte da lista do património mundial, tal implica que estariam integrados no grupo dos designados monumentos nacionais, ou seja, não careciam face à “nova” redacção do artigo 40º, n.º 1, al. n) do EBF, ou posteriormente, de qualquer classificação individual, o que tornaria o acórdão recorrido inatacável.

No entanto, como se viu, a situação dos autos não pode ser enquadrada nos termos do decidido, dado que, o probatório apenas permite afirmar que o prédio identificado nos autos faz parte integrante da Baixa Pombalina, classificado como imóvel de interesse público, pelo Decreto nº 95/78, de 12.09.78, sendo que, como se referiu, a Baixa Pombalina não faz parte da Lista do Património Mundial da UNESCO.

Pois bem, nesta matéria, o Ac. deste Tribunal de 23-01-2019, Proc. nº 0248/15.3BELRS 01194/17, www.dgsi.pt, ponderou que “… Como facilmente se percebe da leitura das normas transitórias constantes do artigo 88º do OE para 2007, e no que a esta concreta isenção respeita, o legislador não deixou para a administração fiscal a prática de qualquer acto revogatório das isenções de que beneficiavam os imóveis em questão, limitou-se a atribuir-lhe a incumbência de comunicar a cessação de tal isenção aos contribuintes, tendo estabelecido um prazo, que como bem se diz na sentença recorrida é meramente ordenador, para que estes pudessem exercer querendo o direito que lhes é conferido pela alínea d) do mesmo preceito legal de modo a dele poder usufruir ainda nesse mesmo ano de 2007.

A extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, cfr. artigo 12º da LGT e 10º do EBF. E a extinção de tal isenção foi expressamente desejada pelo legislador uma vez que introduziu na lei um requisito que sabia à partida que grande parte dos imóveis não cumpriria, razão pela qual sentiu necessidade de editar as normas transitórias que apenas assumem essa natureza, a de estabelecer a transição das situações concretas antigas entre os dois regimes legais.
De todos os modos, sempre se reafirma que o acto praticado pela AT ao abrigo da alínea c) daquele artigo 88º não assume natureza revogatória, nem o mesmo teria que assumir tal natureza uma vez que a isenção se extingue pelo facto de o imóvel deixar de reunir os requisitos para beneficiar da dita isenção, podendo, em consequência a AT efectuar a liquidação do imposto devido, cfr. artigo 12º, n.º 1 do EBF. …”.

Nesta sequência, tem de entender-se que da parte final da alínea c) do artigo 88º da Lei do Orçamento para 2007 resulta que o benefício em causa cessa por mero efeito da alteração dos seus pressupostos legais, constituindo o procedimento daquela alínea uma forma de «reconhecimento» de que o benefício se extinguiu.
Diga-se ainda que é, seguramente, a solução jurídica mais acertada (do ponto de vista do legislador), porque a solução inversa conduz ao tratamento diferenciados dos beneficiários, em função da maior ou menor diligência da AT.

Nesta sequência, face ao disposto no probatório, não existe qualquer elemento capaz de afastar, in casu, o que ficou até agora exposto, ou seja, que o benefício em causa cessou por mero efeito da alteração dos seus pressupostos legais, o que, ao contrário do decidido, confere total pertinência ao despacho da Chefe do Serviço de Finanças Lisboa-2 de 07-09-2012, pois que, tendo sido introduzido um novo elemento literal neste âmbito, a classificação individual do prédio, o qual, por configurar uma alteração dos pressupostos que permitiram o reconhecimento da isenção concedida, implica o seu afastamento a partir do momento em que o prédio em causa não preenche tal requisito, dado que, tal como certificado, o mesmo faz parte integrante do conjunto denominado Baixa Pombalina, classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto nº 95/78, de 12.09.78, matéria insusceptível de preencher o tal novo elemento de que dependia a manutenção do benefício, pelo que, tem de concluir-se que cessou ope legis a isenção anteriormente concedida uma vez que o dito prédio não se encontrava classificado individualmente, o que significa que a decisão recorrida não pode manter-se, com a natural improcedência da presente acção, prejudicado ficando o conhecimento dos restantes esteios do recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao presente recurso de Revista, revogar o Acórdão recorrido e julgar improcedente a presente acção administrativa especial de impugnação do despacho da Chefe do Serviço de Finanças Lisboa-2 de 07-09-2012, que revogou o benefício fiscal de isenção de IMI, relativo ao prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de S. Nicolau, em Lisboa, sob o artigo ….

Custas pela aqui Recorrida, em 2ª Instância e neste Supremo Tribunal.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 12 de Janeiro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.