Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0849/08.6BECBR 0378/17
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:ANULAÇÃO PARCIAL
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como se impõe em caso de juízo de invalidade que conduza à diminuição ao valor da matéria colectável em IRC.
Nº Convencional:JSTA00071517
Nº do Documento:SA2202207130849/08
Data de Entrada:03/29/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTS. 118.º, 120.º, 121.º e 145.º CPTT91
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A…….., Lda., com os sinais dos autos, impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a liquidação de IRC referente ao ano de 2005.

2 – Por sentença de 13 de Janeiro de 2017, o TAF de Coimbra julgou a impugnação procedente e anulou o acto de liquidação.

3 – Inconformada com aquela decisão, a Fazenda Pública recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«[…]
1. O Mmo. Juiz do Tribunal "a quo" julgou procedente a impugnação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2005 no valor de €68.488,39, por considerar existir vício de violação de lei na correcção levada a cabo quanto à tributação pela AT, do subsídio para abate do navio bacalhoeiro B………, como proveito constituído sob a forma de indemnização, nos termos do art. 20.º, n.º 1 al. g) do CIRC, pois entendeu dever o mesmo ser considerado como subsídio referente a equipamento, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 22.º do CIRC.

2. A Representação da Fazenda Pública aceita esta decisão, mas não se pode conformar com o facto de a partir da mesma, o Mmo. Juiz concluir pela totalidade da anulação da liquidação em causa, desde logo porque a própria impugnante não impugnou a totalidade das correcções levadas a cabo pela Inspecção Tributária e por não ter existido pronúncia relativamente à segunda questão levantada pela mesma: que quanto ao subsídio do abate ainda não totalmente tributado do barco "C………", a AT efectuou correcções do rendimento tributável a favor do Estado, esquecendo uma correcção favorável à impugnante, questão que não se encontra prejudicada pela decisão da primeira.

3. Não tendo a autora impugnado a correcção relativa a Omissão de vendas à DOCAPESCA no montante de € 23.503,99, subsídio ainda não totalmente tributado do barco " C……..", no valor de 16.825,98 (uma vez que não impugnou esta correcção, em si, apenas defendendo que existia uma correcção que lhe é favorável, não efectuada pela AT, relativa ao mesmo ano), o Ajustamento positivo art. 58.º-A, n.º 3, al. a) do CIRC no montante de€ 3.150,00 e Custos não afectos à actividade no montante de€ 1.997,68.

4. Com todo o respeito pela douta decisão "a quo", entende esta Representação da Fazenda existir omissão de pronúncia, relativamente à questão do valor de € 155.538,22, referentes ao abate do navio "C……….", considerados como proveito no ano de 2006, que esta Representação contestou nos pontos 11.º a 13.º da contestação apresentada e erro na aplicação do direito, ao não admitir a divisibilidade do acto tributário de liquidação em causa e a consequente anulação parcial do mesmo, conforme jurisprudência do STA, de que é corolário o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido em 10/04/2013, no processo n.º 0298/12.

5. Com efeito, relativamente à primeira questão é referido expressamente na contestação: "Ora, o que refere o relatório de inspecção é que não é de todo verdade que tenha sido considerados € 155.538,22 de proveitos mas sim um registo extra-contabilístico traduzido num acréscimo deste montante no campo 207 do quadro 7 Reintegrações e Amortizações, não aceites como custo, na declaração de rendimentos mod. 22;

No entanto, a AT concordou e efectuou a pretendida correcção mas no ano de 2006, por ser esse o ano em que a liberalidade foi praticada, e não no ano de 2005, sendo que é apenas este ano-2005- objecto da presente impugnação. "

6. Discorda respeitosamente esta Representação da Fazenda Pública da anulação total da sentença levada a cabo, pois mesmo tendo em conta, a anulação da correcção relativa ao navio B………, existe um valor de IRC proveniente da restantes correcções levadas a cabo em sede da acção inspectiva, pelo que deveria ter sido decidida não a anulação total da liquidação impugnada, mas a anulação parcial da mesma, pois em parte não existe qualquer vício que a inquine.

7. Pelo que, face à divisibilidade do acto tributário, tanto por natureza como por definição legal, deve ocorrer tal anulação parcial pois a ilegalidade não afecta o acto no seu todo, mas apenas parcialmente.

8. Não se ignora a existência de jurisprudência desse Supremo Tribunal Administrativo, defendendo que em situações como a dos presentes autos, existe uma ilegalidade que inquina a totalidade do acto de liquidação, na medida em que a diminuição de matéria colectável influirá na taxa de imposto aplicável, implicando a prática de novo acto tributário, pelo que o tribunal não se pode substituir à Administração Tributária.

9. Anulação parcial essa, que apenas poderia suceder em caso de taxas fixas de carácter liberatório.

10. Com todo o respeito, não podemos concordar com tal entendimento jurisprudencial, nem o mesmo pode servir como fundamento para a decisão concreta. No caso concreto, estamos perante rendimentos sujeitos a tributação em IRC, de um sujeito passivo enquadrado no regime da contabilidade organizada.

11. Nem é líquido que a taxa aplicável, após anulação parcial, seja diferente da taxa aplicada na liquidação impugnada, tendo em conta os montantes em causa.

12. Tal como numa execução de sentença de uma anulação parcial por estarem em causa taxas liberatórias, há sempre uma intervenção a posteriori da AT, chame-se­lhe acerto ou liquidação.

13. Para além do mais, o entendimento em causa, conduz na prática a resultados que não foram com absoluta certeza os queridos pelo legislador constitucional e fiscal: bastará a um impugnante não declarar atempadamente a totalidade dos proveitos, fazê-lo apenas em sede de impugnação judicial ou os mesmos serem apurados apenas em sede de acção inspectiva, como é o caso e ser jurisprudencialmente impedida a divisibilidade e anulação parcial do acto tributário e o mesmo impugnante favorecido, sem qualquer fundamento ou sentido, relativamente a um sujeito passivo que cumpriu atempadamente as suas obrigações fiscais.

14. Em conclusão, discorda esta Representação da Fazenda Pública, com todo o respeito, da omissão de pronúncia relativamente à questão do valor de € 155.538,22, referentes ao abate do navio "C………", considerados como proveito no ano de 2006 e da anulação total da liquidação de IRC do exercício de 2005 impugnada, defendendo que a mesma apenas parcialmente deve ser anulada, sendo o acto tributário em causa divisível e a nulidade apenas parcial, não enfermando de qualquer outro vício.

Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela existência de omissão de pronúncia e pela anulação parcial da liquidação de IRC de 2005 impugnada, face ao supra exposto, assim se fazendo

JUSTIÇA

[…]».


4 – A Impugnante e aqui Recorrente contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

5 – O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de se conceder parcial provimento ao recurso, determinando a anulação parcial do acto tributário.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
A. Foi emitido e homologado parecer dos serviços da Impugnada, datado de 03.11.2000, no âmbito da determinação de ação inspetiva aos sujeitos passivos do setor das pescas que receberam prémios efetivos por abate de embarcações, que ao cômputo dos mesmos se aplicariam as regras contidas no art.º 35.º-A do CIRS introduzido pelo DL n.º 39- B/94 de 27 de dezembro (cf. docs. a fls. 70 a 82 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

B. A Impugnada assinou um «contrato» com o IFADAP e o INGA, no âmbito do programa «MARE», referente à imobilização e abate de embarcações por demolição, referente à embarcação de nome «B……..» (cf. docs. a fls. 61 a 69 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos)

C. Em 14.04.2003 foi expedido pelos serviços da Impugnada um ofício recebido pela Impugnante, sob o assunto «Prémios pelo abate de embarcações - enq. Em IRC» do qual se retira que:

“[…]

Em resposta ao vosso pedido de esclarecimento sobre o assunto em referência informa-se V. Exª que, por despacho de 24.03.03 do Exmº Sr. Subdirector-Geral, foi sancionado o seguinte entendimento:

1. Considerando que os prémios atribuídos pelo abate dos navios bacalhoeiros foram reinvestidos são de enquadrar no regime fiscal previsto no artº 22º do Código do IRC.

2. Nestes termos, de acordo com a alínea a) do nº 1 se os subsídios dizem respeito a elementos do activo imobilizado reintegráveis ou amortizáveis deve ser incluída no lucro tributável uma parte do subsídio na mesma proporção da reintegração/amortização calculada sobre o custo de aquisição sem prejuízo do disposto no nº 2 do mesmo artigo, ou seja, o valor do subsídio a considerar como proveito tem como limite mínimo a quota de amortização que proporcionalmente corresponder à quota mínima de amortização, nº 6 do artº 29º do CIRC.

No caso de os subsídios não respeitarem a elementos do activo imobilizado que sejam amortizáveis devem ser incluídos no lucro tributável, em fracções iguais, durante os exercícios em que os elementos a que respeitam são inalienáveis ou durante o período de 10 anos sendo o primeiro o do recebimento do subsídio, conforme prevê a alínea b) do nº 1 do artº 22º.

[…]”

D. Por determinação dos serviços da Impugnada, foi a Impugnante sujeita a inspeção externa através das ordens de serviço n.º OI200503103, referentes ao IRC de 2004, 2005 e 2006 (cf. docs. fls. 1 a 4 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

E. Em documento intitulado “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária”, datado de 17.04.2008, extrai-se que:

“[…]

I - 3. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção

Com base na análise efectuada aos elementos contabilísticos da empresa, concluímos ter a mesma praticado irregularidades que afectaram negativamente a quantificação e entrega de tributos nos cofres do Estado. Essas mesmas irregularidades encontram-se detalhadamente descritas no capítulo III do presente projecto de relatório, cujo resumo evidenciamos no quadro seguinte:

I - 3.1. Relativamente ao Imposto sobre o Rendimento IRC (2004, 2005 e 2006)

· Correcções ao lucro tributável/matéria colectável

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[…]

III. Descrição dos Factos e Fundamento das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

III -1. Relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas

Colectivas

III - 1.1. Omissão de Proveitos Relativos a Vendas de Peixe não Declarado

[…]

III – 1.2.1 Referente ao abate do navio B……..

Em 28/02/2005, foi aprovado, pela Direcção Geral das Pescas e Aquicultura (DGPA), o apoio à imobilização definitiva por demolição da embarcação de pesca "B………", ………. O montante recebido, foi numa única prestação, que ocorreu em 2005/09/30, no valor total de 688.078,97 €.

Atendendo a que este prémio se assemelha a uma indemnização, o qual, visa compensar uma perda, o mesmo deveria ser levado a proveitos de acordo com o previsto na al.g), n.º 1 do art. 20.º do CIRC. No entanto, conforme instruções da Direcção de Serviços de Estudos, Planeamento e Coordenação da Prevenção e Inspecção Tributária, Informação nº 303/00, Procº 8.1.8/00, datado de 03/11/2000, no ponto 5.1, í), f) refere que: "Por uma questão de justiça e equidade fiscais, propõe-se que o procedimento a considerar nos casos omitidos pelos Sujeitos Passivos seja o definido no art.º 35-A do CIRS, isto é, o excedente (prémio recebido - Encargos com o Abate ou Imobilização definitiva) ser fraccionado por cinco exercícios, ...". Na mesma informação, no ponto 5.1, ii), refere que para efeitos de IRC devem ser observados iguais procedimentos.

Assim, relativamente ao subsídio recebido pelo abate da embarcação "B……….", deveria ter sido contabilizado como proveito, no ano do abate (2005), o valor correspondente ao encargo com o abate, acrescido de 1/5 do excedente, e nos quatro exercícios seguintes 1/5 do excedente.

Pelo que,

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(1) Encargos com o abate - 662.064,31 €, resultante de:

- Menos valias fiscais - 597.952,51 €; desmantelamento navio - 52.571,80€; outros custos

(doc.n.º/int./2005 - 3421, 3423, 3449 e 4931) - 11.540,00 €.

(2) Valor a considerar em cada um dos quatro exercícios seguintes de 2006 a 2009: 5.202,93 €.

(3) Mapa com a indicação do subsídio recebido e a sua imputação aos exercícios de 2005 e 2006 (doc. 2)

III - 1.2.2. Referente ao abate do navio "C………."

No exercício de 2005, relativamente ao recebimento do subsídio pelo abate do navio C…………, faltava levar ainda a proveitos o valor de 172.391,19 €. Neste exercício, no quadro 07, linha 207 (Reintegrações e Amortizações não aceites como Custo), da declaração de rendimentos mod. 22 e relacionado com este abate, foi considerado o montante de 155.538,21 €. Como o bem que tinha sido objecto de reinvestimento de mais valias originadas em tal subsídio foi abatido no exercício de 2005, competiria levar a este exercício o remanescente do subsídio ainda não tributado, ou seja, o montante de 16.852,98 € (172.391,19 € - 155.538,21 €), valor este ora objecto de acréscimo ao lucro tributável declarado neste exercício.

III -1.3. Ajusta/ Positivo art. 58.º A, n.º 3, al.a) CIRC

No exercício de 2005, a empresa transmitiu imóveis onde se verifica a aplicação do art. 58.º A, n.º 3, al. a) do CIRC, como a seguir se indica:

[IMAGEM]

Em relação a esta matéria e atendendo ainda ao disposto no nº 6 do artigo 58.º-A, temos a informar que não recolhemos elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão tenha sido superior ao valor patrimonial, pelo que o valor a acrescer é de 49.590,00 €.

III – 1.4. Custos não afectos à actividade/não devidamente documentados

No exercício de 2005, da análise efectuada aos custos contabilizados pela empresa resultaram correcções aos mesmos, mais concretamente em relação aos documentos com os n.ºs internos 2668 e 3085 (vide doc.3), os quais respeitam a "deslocações e estadas - passagens aérea" que, para além de não se ter comprovado a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, os mesmos não se encontram devidamente documentados, porquanto não indicam a identidade de quem viajou, nem a justificação da viagem. Inclusivamente num dos documentos datado de 2005/06/30, é indicado a sua relação com o navio "B………….", alegadamente a viagem destinava-se a arranjar comprador para este navio, quando para o mesmo já algum tempo atrás tinha sido assinado um contrato de obrigatoriedade para o seu desmantelamento. Nesta rubrica o total das correcções ascende a 1.997,68 €.

Resumo das correcções em sede de IRC:

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[…]”

(cf. docs. fls. 5 a 10 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

F. No documento referido na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Coimbra (cf. docs. fls. 5 a 10 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

G. Do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante por ofício dos serviços da Impugnada, tendo sido aquela notificada para exercer o “direito de audição” (cf. docs. fls. 11 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

H. Em 05.05.2008, a Impugnante, através do seu Advogado, deu entrada de uma exposição escrita nos serviços da Impugnada da qual, se retira que:

“[…]

C – Das correcções propostas

Quanto às correcções propostas pela AF, a expoente tem apenas a dizer o seguinte:

a) Quanto ao abate do navio “B……….” (B…….), a expoente considerou que o subsídio recebido não configurava uma indemnização, mas sim um subsídio não destinado à exploração, enquadrável, como tal no artigo 22.º do CIRC, como resultou da interpretação que foi feita da informação prestada, em 2003, pela Direcção de Serviços do IRC, da DGCI, na qual se considerou que os prémios atribuídos pelo abate de navios bacalhoeiros seriam de enquadrar dentro desse regime.

Ora, estando em causa uma idêntica natureza do proveito, ou seja, em ambos os caso, um prémio de abate, a expoente reservou-lhe o mesmo tratamento, fraccionando a inclusão no lucro tributável do prémio recebido, tendo, ademais, como fez no caso dos subsídios supra referidos, incluído um valor superior ao que seria imposto pelo regime legal.

Em todo o caso, dir-se-á que não sendo de aplicar o regime do artigo 22.º do CIRC, deverá ser dado cumprimento ao estipulado na lei, submetendo esse subsídio às pertinentes regras legais de determinação do lucro tributável. […]”. Na aludida exposição a Impugnante solicitou, a final, que fosse atendido o seu direito de audição (cf. doc. a fls. 12 a 19 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

I. Em 08.05.2008 foi elaborado pelos serviços da Impugnada o «Relatório de Inspecção Tributária», do qual se extrai:

“[…]

Com base na análise efectuada aos elementos contabilísticos da empresa, concluímos ter a mesma praticado irregularidades que afectaram negativamente a quantificação e entrega de tributos nos cofres do Estado. Essas mesmas irregularidades encontram-se detalhadamente descritas no capítulo III e VIII (direito de audição) do presente projecto de relatório, cujo resumo evidenciamos no quadro seguinte:

I - 3.1. Relativamente ao Imposto sobre o Rendimento IRC (2004, 2005 e 2006)

· Correcções ao lucro tributável/matéria colectável

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[…]

III. Descrição dos Factos e Fundamento das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

III -1. Relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

III - 1.1. Omissão de Proveitos Relativos a Vendas de Peixe não Declarado

[…]

III – 1.2. Omissão de Proveitos Relativos a Subsídios Recebidos

III – 1.2.1. Referente ao abate do navio B………..

Em 28/02/2005, foi aprovado, pela Direcção Geral das Pescas e Aquicultura (DGPA), o apoio à imobilização definitiva por demolição da embarcação de pesca "B……….", ………... O montante recebido, foi numa única prestação, que ocorreu em 2005/09/30, no valor total de 688.078,97 €.

Atendendo a que este prémio se assemelha a uma indemnização, o qual, visa compensar uma perda, o mesmo deveria ser levado a proveitos de acordo com o previsto na al. g), n.º 1 do art. 20.º do CIRC. No entanto, conforme instruções da Direcção de Serviços de Estudos, Planeamento e Coordenação da Prevenção e Inspecção Tributária, Informação nº 303/00, Procº 8.1.8/00, datado de 03/11/2000, no ponto 5.1, í), f) refere que: "Por uma questão de justiça e equidade fiscais, propõe-se que o procedimento a considerar nos casos omitidos pelos Sujeitos Passivos seja o definido no artº 35-A do CIRS, isto é, o excedente (prémio recebido - Encargos com o Abate ou Imobilização definitiva) ser fraccionado por cinco exercícios, ...". Na mesma informação, no ponto 5.1, ii), refere que para efeitos de IRC devem ser observados iguais procedimentos.

Assim, relativamente ao subsídio recebido pelo abate da embarcação "B………", deveria ter sido contabilizado como proveito, no ano do abate (2005), o valor correspondente ao encargo com o abate, acrescido de 1/5 do excedente, e nos quatro exercícios seguintes 1/5 do excedente.

Pelo que,

(1) Encargos com o abate - 662.064,31 €, resultante de:

- Menos valias fiscais - 597.952,51 €; desmantelamento navio - 52.571,80€; outros custos

(doc.n.º/int./2005 - 3421, 3423, 3449 e 4931) - 11.540,00 €.

(2) Valor a considerar em cada um dos quatro exercícios seguintes de 2006 a 2009: 5.202,93 €.

(3) Mapa com a indicação do subsídio recebido e a sua imputação aos exercícios de 2005 e 2006

(doc. 2)

III - 1.2.2. Referente ao abate do navio "C………"

No exercício de 2005, relativamente ao recebimento do subsídio pelo abate do navio C…………., faltava levar ainda a proveitos o valor de 172.391,19 €. Neste exercício, no quadro 07, linha 207 (Reintegrações e Amortizações não aceites como Custo), da declaração de rendimentos mod. 22 e relacionado com este abate, foi considerado o montante de 155.538,21 €. Como o bem que tinha sido objecto de reinvestimento de mais valias originadas em tal subsídio foi abatido no exercício de 2005, competiria levar a este exercício o remanescente do subsídio ainda não tributado, ou seja, o montante de 16.852,98 € (172.391,19 € - 155.538,21 €), valor este ora objecto de acréscimo ao lucro tributável declarado neste exercício.

III -1.3. Ajusta/ Positivo art. 58.º A, n.º 3, al.a) CIRC

No exercício de 2005, a empresa transmitiu imóveis onde se verifica a aplicação do art. 58.º A, n.º 3, al. a) do CIRC, como a seguir se indica:

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Em relação a esta matéria e atendendo ainda ao disposto no nº 6 do artigo 58.º-A, temos a informar que não recolhemos elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão tenha sido superior ao valor patrimonial, pelo que o valor a acrescer é de 49.590,00 €.

III – 1.4. Custos não afectos à actividade/não devidamente documentados

No exercício de 2005, da análise efectuada aos custos contabilizados pela empresa resultaram correcções aos mesmos, mais concretamente em relação aos documentos com os n.ºs internos 2668 e 3085 (vide doc.3), os quais respeitam a "deslocações e estadas - passagens aérea" que, para além de não se ter comprovado a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, os mesmos não se encontram devidamente documentados, porquanto não indicam a identidade de quem viajou, nem a justificação da viagem. Inclusivamente num dos documentos datado de 2005/06/30, é indicado a sua relação com o navio "B……….", alegadamente a viagem destinava-se a arranjar comprador para este navio, quando para o mesmo já algum tempo atrás tinha sido assinado um contrato de obrigatoriedade para o seu desmantelamento. Nesta rúbrica o total das correcções ascende a 1.997,68 €.

Resumo das correcções em sede de IRC:

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[…]”

VIII – Direito de Audição

[…]

Assim,

1 - No tocante ao alegado no Item "A. Configuração da Acção lnspectiva e Deveres de Procedimento no quadro da avaliação directa da matéria tributável", não podemos deixar de frisar que a nossa actuação se pautou pelos princípios enumerados pela exponente, nomeadamente no tocante ao princípio da legalidade, sem prejuízo, e em resultado de informações supervenientes ora trazidas ao processo, de vir a ajustar a anterior proposta de tributação ao novo conhecimento dos factos em apreço.

2 - No tocante ao alegado no Item "B. Projecção prática do cumprimento das finalidades e dos princípios do procedimento de Inspecção", a exponente alega "... com alguma surpresa que a verificação da realidade tributária realizada pela inspecção se quedou, mezzo termo, por relevar os elementos passíveis de determinar uma correcção do rendimento tributável em favor do Estado e por nada referir quanto aos que justificariam uma correcção favorável ao contribuinte…” descrevendo e quantificado acto contínuo, os casos não relevados e que alegadamente seriam favoráveis ao sujeito passivo exponente. Cada caso vai ser seguidamente objecto de explanação, no entanto, desde já, queremos realçar que em momento algum, por parte da exponente, foi levado em linha de conta os procedimentos que obrigatoriamente tem que ser observados relativos à regra estabelecida no art.18.º do CIRC - «Periodização do Lucro Tributável» que, em termos contabilísticos, se denomina por princípio da especialização económica dos exercícios e que consiste em incluir nos resultados apenas os proveitos e os custos correspondentes a cada exercício económico. Materializando esta constatação, desde já, temos a observar que, em relação à alegação, "No entanto, em 2006, foram indevidamente considerados € 155.538,22 de proveitos relativos ao abate do navio C……. ... ", a haver reposição da contabilização de um proveito indevido, essa reposição seria sempre de relevar no mesmo exercício, em que foi praticada a liberalidade, ou seja em 2006, e não compensado em outro exercício qualquer, tal como determinado na norma já referida que, a periodização do apuramento do lucro tributável é anual e obedece ao princípio da especialização económica dos exercícios.

Então vejamos.

Não é de todo verdade que em 2006 tenha sido considerado € 155.538,22 de proveitos relativos ao abate do navio "C……….", pois, o que foi feito foi um registo extra-contabilístico traduzido num acréscimo deste montante no campo 207 do quadro 07 - Reintegrações e amortizações não aceites como custo, da declaração de rendimentos mod. 22, entregue para esse exercício. Constata-se que de facto este acréscimo foi uma liberalidade praticada pela exponente que, ora reclamada a seu favor, a nossa proposta é que a mesma seja atendida, mas sempre reportada ao exercício em que foi praticada, 2006.

Já no que respeita ao tratamento contabilístico/fiscal dado aos valores dos subsídios recebidos para aquisição de bens do activo imobilizado nos valores de € 216.257,66 e € 58.500,00, em 2005, estes foram efectivamente contabilizados como proveitos na conta 7983 - Subsídios para Investimentos, pelos montantes de € 162.193,26 e € 58.500,00, valores estes que, como tal, estão incluídos no apuramento do resultado líquido deste exercício. Esta antecipação de contabilização e tributação dos subsídios recebidos, veio ilibar para os exercícios subsequentes, a sua tributação nos montantes correspondentes. Assim foi o que aconteceu no exercício imediato, ou seja, para o exercício 2006 a exponente não incluiu nos proveitos qualquer montante relativo a estes subsídios. Esta foi uma opção tomada pelos gerentes da empresa, certamente com o propósito de melhorar a imagem do balanço entre outros mapas financeiros referentes ao exercício de 2005, facto que, por não violar qualquer norma de natureza fiscal, não foi objecto de qualquer reparo aquando da elaboração do projecto de relatório, e também não pode ser agora atendido tal pretensão, uma vez que esta liberalidade afectou o apuramento

dos resultados líquidos do exercício, os mesmos resultados que foram aprovados pelos sócios, aos quais foi dada uma aplicação e as contas objecto de registo na conservatória do registo comercial.

[…]

Em Conclusão

Do exposto, resumimos no quadro seguinte as correcção finais resultantes da análise do documento “Direito de Audição”, confrontado com o explanado no documento “Projecto de Relatório”:

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[…]”

(cf. docs. fls. 13 a 16 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

J. No relatório referido na alínea anterior foi aposto em 04.05.2008, despacho de concordância por parte da Sr. Diretor de Finanças Adjunto (cf. doc. a fls. 20 a 26 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

K. Do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante e ao seu Advogado por ofícios dos serviços da Impugnada, datado de 14.08.2008 (cf. docs. a fls. 35 a 36 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

L. Pelos serviços da Impugnada foram elaboradas os documentos de correção referentes ao IRC apurado da Impugnante referente ao exercício de 2005 (cf. docs. a fls. 37 a 41 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

M. A Impugnante foi notificada da liquidação de IRC referente ao exercício de 2005 (cf. doc. a fls. 25 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

N. A p.i. do presente meio processual deu entrada neste Tribunal em 09.09.2008 (cf. fls. 1 a 26 dos autos).

[…]».


2. Questões a decidir
A Recorrente suscita duas questões: a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e o erro de julgamento por não se ter limitado a determinar a anulação parcial do acto de liquidação.


3. De direito
3.1. Da alegada omissão de pronúncia

A Fazenda Pública alega que a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia por não ter conhecido das outras questões que haviam sido suscitadas na impugnação judicial da liquidação, tendo-se limitado a anular o acto de liquidação na sua totalidade com fundamento em ilegalidade na tributação do subsídio atribuído pelo abate da embarcação de pesca “B……..”. Sublinhe-se que, como a Recorrente deixa claro nas suas alegações, não se trata aqui de reapreciar a subsunção da factualidade assente ao direito “ditado” pela decisão recorrida, mas tão só de verificar se não existe nulidade por se ter determinado a anulação total do acto de liquidação apenas com a análise e o fundamento da procedência de um dos argumentos para a invalidade de parte do acto de liquidação.

Ora, sucede que a sentença recorrida considerou que a procedência deste argumento de invalidade do acto de liquidação consubstanciava um fundamento válido para a anulação total do acto de liquidação e, por isso, considerou, como ali se afirma textualmente, “prejudicadas as demais questões suscitadas pela Impugnante”.

Isto significa que não estamos perante uma nulidade por omissão de pronúncia, porque a sentença explica a razão pela qual apenas analisou um dos argumentos (porque o conhecimento dos restantes fundamentos seria inútil face à decisão de anulação total do acto de liquidação decorrente da procedência do fundamento que foi conhecido), mas antes perante um possível erro de julgamento da decisão de anulação total do acto de liquidação.

Com efeito, as questões suscitadas no recurso reconduzem-se, afinal e integralmente, à segunda questão suscitada pela Recorrente, ou seja, ao facto de o Tribunal a quo ter entendido que o acto era indivisível e que, por isso, a liquidação teria de ser totalmente anulada. A solução da questão objecto de recurso é apenas uma: ou o Tribunal a quo está certo e o acto é indivisível, significando isso que a procedência de uma causa de invalidade leva à anulação total da liquidação e à inutilidade do conhecimento das restantes causas de invalidade; ou o Tribunal equivocou-se, e a procedência deste argumento era apenas causa de anulação parcial, caso em que, cabe ao Tribunal ad quem, após concluir nesse sentido, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos para que o Tribunal a quo conheça dos restantes fundamento de ilegalidade que tinha considerado prejudicados.

Em qualquer das hipóteses fica patente que inexiste nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

3.2. Da anulação total ou parcial do acto impugnado

O Tribunal a quo considerou que por se tratar de uma liquidação de IRC o acto era indivisível e que a procedência de um argumento de invalidade, ainda que afectando apenas parte da liquidação, era causa bastante para a anulação total do acto de liquidação.

Mas sem razão.

No acórdão do Pleno do Contencioso Tributário deste STA de 30 de Janeiro de 2019 (proc. 0436/18.0BALSB), determinou-se e sumariou-se o seguinte:

“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal”.

Esta decisão — para a qual remetemos e que aqui nos dispensamos de transcrever ou de anexar por se encontrar disponível na íntegra em www.dgsi.pt — é inteiramente transponível para o caso dos autos. É, pois, patente o erro de julgamento da sentença recorrida ao considerar o acto de liquidação impugnado indivisível. Cumpre-nos, consequentemente, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos para que o Tribunal a quo conheça das questões que julgou prejudicadas.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Coimbra para que conheça dos restantes fundamentos da impugnação se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida.


Lisboa, 13 de julho de 2022. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso.