Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01794/13
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS
CONVOLAÇÃO
RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Sumário:I – O recurso de revista excecional previsto no artigo 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso - na medida em que das decisões proferidas pelo TCA em sede de recurso de decisão da 1ª instância não cabe, em regra, recurso de revista para o STA - funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II – Não é de admitir o recurso de revista excecional se o recorrente não invoca minimamente os requisitos de que depende a sua admissão.
III – É de convolar o recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA em recurso por oposição de acórdãos previsto no artigo 284º do CPPT se a recorrente afirma que o acórdão recorrido se encontra em contradição direta com acórdãos do STA que expressamente individualiza.
Nº Convencional:JSTA000P16926
Nº do Documento:SA22014012901794
Data de Entrada:11/25/2013
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – AT – Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, recorrer do acórdão do TCA Sul Norte proferido em 26/09/2013, que concedeu provimento ao recurso interposto de sentença proferida pelo TAF do Porto, por A………… e B…………., melhor identificados nos autos, que deduziram contra afixação da matéria coletável pelo método indireto referente ao IRS do ano de 2008, no montante de € 168.500,00, apresentando para o efeito, alegações nas quais concluem:

A) A Administração Tributária verificou que, no ano de 2008, os contribuintes adquiriram por escrituras públicas celebradas em 29/02/2008 e em 18/12/2008, respetivamente, os prédios identificados nos autos, pelos montantes de 130.000,00€ e de 38.500,00€, respetivamente.
B) Após consulta da declaração de rendimentos dos recorrentes para aquele ano, constatou a Autoridade Tributária que os mesmos declararam um rendimento líquido global de 42.190,44€.

C) O que determinou que face ao disposto na aliena f), do n.º 1, do artº. 87º da LGT, e no n.º 5 do art.º 89-A do mesmo diploma, fosse instaurado um procedimento de determinação da matéria tributável com recurso a avaliação indireta.

D) Em caso de existência de divergência, e não justificada, entre o incremento patrimonial evidenciado com as aquisições de imóveis, e o rendimento declarado, tem pleno fundamento legal a realização da avaliação indireta da matéria coletável nos termos da alínea f), do n.º 1, do artigo 87.º da LGT, e do n.º 5, do art.º 89.º-A do mesmo diploma, impendendo sobre os contribuintes o ónus de prova sobre o património ou o consumo evidenciados, à luz do disposto no n.º 3 do art.º 89-A da LGT.
E) Notificados para procederem à explicitação e justificação da realidade e da verdade fiscal dos rendimentos declarados no ano de 2008, ou de que era outra a fonte do acréscimo patrimonial revelado pelas aquisições imobiliárias — nos termos do 89.º-A, n.º 3, da LGT — e bem como para autorizar o acesso da Autoridade Tributária a documentos bancários, não lograram os contribuintes proceder àquela comprovação, nem, tão pouco, autorizaram a quebra do sigilo bancário para efeitos de apuramento da verdade fiscal.
F) Ou seja, nem no âmbito deste procedimento administrativo de avaliação indireta, nem no âmbito do julgamento do processo em 1.ª Instância, conseguiram os contribuintes - que tinham esse ónus - justificar a diferença, superior a um terço, entre os rendimentos declarados e o acréscimo patrimonial revelado pelas aquisições imobiliárias.
G) Limitaram-se apenas a alegar que as aquisições imobiliárias foram realizadas com fundos disponíveis anteriores ao ano de 2008. Contudo, os documentos juntos, permitem apenas considerar que “nas contas do casal existiam aqueles montantes e que foram emitidos e deduzidos daquelas contas vários cheques (...) mas tais movimentos não permitem aferir quem, de facto, levantou os cheques e ao que se destinavam os montantes por eles titulados”.

H) Por outro lado, é evidente não existir qualquer omissão de pronúncia, pois resulta do decisório que todos os documentos e factos alegados pelas partes foram ponderados e apreciados, não tendo, contudo, logrado demonstrar que as suas disponibilidades financeiras resultavam da realização de poupanças, nem que as concretas aquisições de património imobiliário realizadas em fevereiro e em dezembro de 2008 foram efetuadas com a aplicação daquelas alegadas poupanças.

I) Na verdade, os contribuintes colocam a tónica da sua argumentação na capacidade para a realização da despesa, alegando que tem origem em poupanças, e esquecem por completo, ou pelo menos não o revelaram, o lado respeitante à obtenção da receita.

J) É, assim, clara a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quando, a este respeito, se pronuncia nos seguintes termos: “ora dos elementos carreados para os autos os recorrentes comprovaram a existência de fundos suficientes para as ditas aquisições, e tal facto não é posto em causa pela AT. O que é verdadeiramente posto em causa é o facto dos recorrentes não conseguirem comprovar a afetação desses fundos às aquisições em apreço”.

K) Resulta pois demonstrado não estar em causa uma qualquer causa de nulidade mas, antes, o facto de os contribuintes não se conformarem com os factos não provados, e com os motivos, devidamente fundamentados, da decisão, sendo o entendimento sufragado pela decisão do Tribunal de lª instância, o único que encontra na Constituição e na lei alicerce fundado.

L) Na sequência do procedimento tributário foi o rendimento tributável dos contribuintes fixado em 168.500,00 €, no âmbito do processo de avaliação indireta e de acordo com o disposto na alínea f), do n.º 1, do 87.º da LGT, e no n.º 5 do art.º 89-A do mesmo diploma,
M) e a sua contestação determinou que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, concluísse que o recurso interposto pelos contribuintes era totalmente improcedente, pronunciando-se, consequente-mente, pela legalidade do despacho recorrido de avaliação indireta da matéria tributável.
N) Na verdade, não logram os contribuintes provar que as suas disponibilidades financeiras resultavam da realização de poupanças, nem que as concretas aquisições de património imobiliário realizadas em fevereiro e em dezembro de 2008 foram efetuadas com a aplicação daquelas alegadas poupanças.
O) Ao não terem provado que “o preço dos imóveis foi pago através da conta dos contribuintes no C……”,

P) nem que “o imóvel adquirido em 18/12/2008”, esteja a ser pago da forma adiantada na petição, primeiro porque da escritura de compra e venda resulta que o preço, naquela data, está totalmente pago, segundo, porque os recorrentes alegam que o preço está a ser pago até hoje, através de prestações mensais e sucessivas de €451,18, por assunção de dívida traduzida em documento autónomo, o que não se mostra provado de forma alguma nos autos, pois os recorrentes não juntaram o documento de assunção de dívida relacionado com a aquisição visada e o Banco atestada que os pagamentos foram cancelados em 08/08/2011”
Q) nem quanto “à alegada aquisição sucessória, em 2008, por parte da recorrente mulher, nada foi provado, pois nenhum documento foi apresentado que pudesse confirmar a alegação relativa aos ganhos financeiros provenientes de tal situação”.
R) Tal como não efetuaram a prova que lhes era exigível, sendo Jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores que “para prova da ilegitimidade do ato de avaliação indireta não basta aos recorrentes demonstrar que no ano em causa detinham meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afetaram à realização de tais consumos, sendo a melhor interpretação do artº. 89.º-A, nº 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afetação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada”.
S) Ora, não tendo os contribuintes logrado fazer qualquer outra prova, para além da disponibilidade dos fundos financeiros, “não conseguiram comprovar a afetação às aquisições em apreço”,
T) nem demonstrar, de forma alguma, qual a origem do acréscimo patrimonial evidenciado e, concretamente face ao que alegaram, não provaram os seus débitos e créditos bancários ao longo do ano de 2008 e, em especial, que o acréscimo do património imobiliário foi conseguido à custa da diminuição do património financeiro, resultante de poupanças acumuladas.
U) Não tendo demonstrado a efetiva mobilização de quaisquer valores para a realização das aquisições em causa, não pode, por tal, ser considera comprovada a origem dos fundos para a manifestação de fortuna evidenciada.

V) Resultou do probatório, devidamente fundamentado, que os contribuintes não lograram demonstrar a realidade dos rendimentos declarados, bem como indicar de que outra teria sido a fonte de rendimentos que permitiu o acréscimo patrimonial evidenciado.
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X) Na verdade, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ponderou toda a prova apresentada pelos recorrentes, a qual evidenciou, inequivocamente, os motivos de facto e de direito que determinaram a total improcedência do recurso da avaliação indireta da matéria coletável com referencia ao IRS do ano de 2008, no montante de 168.500.00 € e relativo a incrementos patrimoniais não justificados.
Y) A decisão ora recorrida, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte - que preconiza ser unicamente e apenas possível, no que se refere à aquisição de imóveis, a avaliação indireta da matéria tributável nas aquisições de imóveis de valor igual ou superior a 250.000,00€, nos termos do disposto na alínea d) do art.º 87.º da LGT, e no art.º 89-A, n.º 1 e 4 da LGT - contraria não apenas a doutrina, mas, sobretudo, para além da própria lei, a jurisprudência pacífica, constante, uniforme, do Venerando Supremo Tribunal Administrativo,

Z) que com base em sólida argumentação tem julgado no sentido de a avaliação indireta da matéria coletável ser possível ao abrigo do disposto na alínea f). do n.º 1, do art.º 87.º da LGT e do nº 5, do art.º 89-A, da LGT quando, verificados os demais requisitos, estamos face à aquisição de imóveis de valor inferior a 250.000.00 €,
Z1) como é, aliás, a exata mesmíssima situação dos presentes autos.
Z2) Não existe qualquer dúvida de que a aquisição de imóveis de valor superior a 250.000,00 € constitui, preenchidos todos os requisitos, uma manifestação de fortuna, sendo de 20 % do valor de aquisição o respetivo rendimento padrão a considerar para efeitos de tributação, de acordo com o disposto no art.º 87.º, alínea d), e art.º 89-A, n.º 1 e 4, da LGT.
Z3) Contudo, a alteração legislativa introduzida pelo art.º 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, aditando a alínea f) ao art.º 87.º da LGT, teve exatamente por principal objetivo abranger na avaliação indireta da matéria coletável um conjunto de situações que estavam excluídas do âmbito de aplicação do artº. 89º-A da LGT, entre elas, justamente a aquisição de imóveis de valor inferior a 250.000,00€.
Z4) Ou seja, o aditamento desta norma, fundamental em termos de luta contra a fuga e a evasão fiscais, veio possibilitar a realização da avaliação indireta de rendimentos em situações que, não tendo a ver com as formas tipificadas de manifestações de fortuna, ou com os respetivos valores limite, constantes do n.º 4 do art.º 89-A da LGT,
Z5) revelavam, não obstante, uma especial capacidade contributiva dos sujeitos passivos, dado o pressuposto da existência de uma divergência, não justificada, de pelo menos um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciado pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Z6) Ou seja, pretendeu o legislador, como bem se compreende, abranger no âmbito da aliena f), do n.º 1 do art.º 87.º da LGT, todo um conjunto de situações justificativas da realização da avaliação indireta da matéria tributável, que se encontravam fora do estrito e delimitado âmbito das manifestações de fortuna constantes do art.º 89-A, nºs 1 e 4, da LGT,
Z7) em obediência, aliás, aos princípios constitucionais da igualdade, da tributação segundo o rendimento real, da progressividade da tributação individual e da capacidade contributiva.
Z8) Aliás, há que reconhecer que o disposto na alínea f), do n.º 1, do art.º 87.º da LGT é, nos seus termos e requisitos, muito rigoroso quanto às possibilidades da sua aplicação: por um lado é necessário que a divergência entre o rendimento declarado e o acréscimo patrimonial seja de pelo menos um terço e, por outro, que esta divergência seja “não justificada” pelo sujeito passivo.
Z9) O que não parece de todo admissível é defender, no que respeita ao incremento patrimonial decorrente da aquisição de imóveis, que apenas é possível a realização da avaliação indireta do rendimento tributável nas situações em que aquela aquisição evidencia uma manifestação de fortuna para efeitos do art.º 89-A, n.º s 1 e 4, da LGT,
Z10) deixando a Autoridade Tributária com reduzidos mecanismos de intervenção em todas as outras situações em que, designadamente face a consideráveis divergências não justificadas entre acréscimos patrimoniais e rendimentos declarados, o valor de aquisição dos imóveis é inferior a 250.000,00€.
Z11) Como será por demais evidente, não podia - e continua a não poder - ser esta finalidade prosseguida pelo legislador ao aditar, desde 2005, a alínea f), ao n.º 1, do art.º 87.º, da LGT.
Z12) Ou seja, as alienas d) e f), do n.º 1, do art.º 87.º, da LGT - e os relacionados art.º 89-A nºs 1, 4 e 5, têm diferentes pressupostos, diferentes requisitos, diferentes âmbitos de aplicação,
Z13) errando a douta sentença recorrida ao julgar no sentido de que ao caso em apreço não era aplicável a alínea f), do n.º 1, do art.º 87. da LGT, pelo facto de o valor do imóvel objeto de aquisição ser inferior a 250.000,00€,
Z14) limitação esta que, para além de tudo o que já se disse, não consta sequer da norma, que não apenas não a exclui, como pretende manifestamente incluir no âmbito também acréscimos patrimoniais decorrentes da aquisição de imóveis.
Face a todo o exposto há que concluir que a douta sentença recorrida incorreu em vício de violação de lei, ao interpretar e aplicar erradamente as normas relativas à avaliação indireta da matéria tributável nas situações relativas a aquisição de imóveis, - designadamente o art.º 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, bem como o art.º 89-A, nºs 1 e 4 , e ao considerar que a avaliação indireta do rendimento tributável apenas pode ser efetuada, no que se refere a imóveis, quando o valor de aquisição dos mesmos é igual ou superior a 250.000,00 €.

Termos em que deve considerar-se o presente recurso totalmente procedente, aliás em conformidade com a jurisprudência constante, pacífica e uniforme, do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, e determinar-se a revogação, por erro na interpretação e aplicação de normas jurídicas, da recorrida sentença do Tribunal Central Administrativo Norte, assim se mantendo o despacho que fixou aos contribuintes o rendimento tributável de 2008 com recurso a métodos indiretos de avaliação, preenchidos que estavam todos os requisitos constantes do art.º 87.º, alínea f), e n.º 5 do art.º 89º-A, ambos da LGT.

II. Os recorridos, A……… e B…….. contra alegaram, concluindo da seguinte forma:

Iª) - A alegação do Recorrente não apresenta alegação autónoma nem adjetiva nem substantiva que observe o estabelecido nas normas dos nºs 1 e 5 do artº. 150º do CPTA, por ser totalmente omissa quanto à verificação de poder i) estar em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental ou de ii) a admissão do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (do teor da norma);

IIª) - Aliás, o Recorrente organiza as suas alegações como se de um recurso para uniformização de jurisprudência se tratasse, como se estivéssemos perante um recurso correspondente ao previsto nas normas dos artºs 152° do CPTA; com efeito, o alegado «vício de violação de lei» está procurado demonstrar pelo cotejo com outros acórdãos do STA, os referidos no artigo 14 das alegações de recurso, e do acórdão do TAF do Porto de 31.05.2013, referido nos artºs 17 a 28 idem;

IIIª) - Tudo o que inviabiliza a aplicação da norma segundo a qual haverá lugar a uma «apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos do STA»,

IVª) - O que deverá conduzir à inadmissibilidade e à rejeição liminar do recurso.

Vª) - Não pode a Administração Fiscal, para os efeitos apontados, de estabelecer «incrementos patrimoniais» e desproporções ou divergências a justificar, considerar apenas os rendimentos dos sujeitos passivos do ano em causa, recusando os rendimentos dos últimos anos mais próximos (dos últimos três anos), e os rendimentos em geral declarados e detidos, por relação a rendimentos declarados perante ela própria Administração, legalmente obtidos e objeto de tributação em sede de IRS;

VIª) - Conforme se decidiu em Acórdão do TCAN, para uma situação factual análoga ao caso dos autos, apesar de se tratar de «uma situação de facto, em abstrato subsumível quer ao artigo 87° alínea f) como ao artigo 89°-A nº 5 da LGT, é manifesto que a alínea d) do artigo 87° da LGT, em conjugação com o artigo 89°-A n°4 do mesmo diploma, assumem caráter de especialidade relativamente àquelas», a norma aplicável pela Administração Fiscal não constitui o direito aplicável; (TCAN de 22 de janeiro de 2009, (proc. n° 0165/08.2) in www.dgsi.pt)

VIIª) - Não é assim aplicável a norma do artº 87°/f) da LGT nem estariam, também, verificados os pressupostos a que se refere essa norma, na redação em vigor ao tempo dos factos, inexistindo divergência de pelo menos um terço entre os rendimento declarados nos três últimos anos e o acréscimo de património verificado no ano de 2008;

VIIIª) - Nem poderia a Administração, nem o Tribunal a quo, perante provas que lhe são presentes, com abertura e lealdade processual, indiciando e comprovando o contrário das conclusões prospetivas de um relatório inspetivo, deixar de as relevar e atribuir-lhes o valor probatório próprio;

IXª) - Não pode a Administração fiscal deixar de reconhecer como «justificada» a divergência entre os rendimentos do ano em causa e os investimentos realizados nesse mesmo ano, por haver provas dos rendimentos, declarados fiscalmente perante a própria Administração, e da afetação dos mesmos ao investimento;

Xª) - E, não o tendo feito, poderia e deveria o Tribunal a quo estabelecer essa «justificação» em face das provas documentais produzidas;

XIª) - E assim ficar «justificada» porquanto os Recorrentes, enquanto sujeitos passivos, demonstram ter obtido, legal e regulamente, rendimentos declarados perante a Administração Fiscal que só por si são relevantes e mais do que bastantes para os incrementos patrimoniais constatados;

XIIª) - E que lhes permitiriam adquirir, como o fizeram, além de outros elementos patrimoniais em anos ulteriores, aqueles em causa no ano de 2008;

XIIIª) - Além de demonstrarem que no ano em causa, de 2008, mobilizaram fundos por si detidos na banca nacional, em contas legais e monitorizadas com rendimentos sujeitos a retenção legal em sede de IRS, para as aquisições em causa;

XIVª) - Constitui uma interpretação ilegal e incorreta daquela norma do art 87°/ alínea f) e art 89°/5 da LGT, por erro sobre os pressupostos de facto (aplicação de norma geral quando há norma - previsão e estatuição - especial prevalecente) geradora de vício de violação de lei da norma em causa por parte da Administração Fiscal;

XVª) - Além de estar a mesma infundamentada, por omitir totalmente o histórico dos rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, como os aqui Autores, sendo até irrazoável (por ilogicidade), ao pretender uma tal interpretação que para uma aquisição ocorrida em fevereiro de um ano, o interessado só possa contar com os rendimentos obtidos no próprio ano;

XVIª) - Na verdade, a Administração Fiscal reputa «não justificada» mas não fundamenta, nem explica porque não pode um contribuinte mobilizar no ano de 2008 rendimentos e valores de que seja titular legítimo e legal, e até fiscalmente declarados, desde há vários anos;

XVIIª) - Não podia assim a Administração Fiscal, nem através da sentença recorrida, o Tribunal a quo, deixar de valorizar as provas apresentadas, aqui de novo requeridas e em aberto;

XVIIIª) - Mostrando-se ilegal por violação das normas dos arts 87° e 89° da Lei Geral Tributária, nos segmentos invocados pela Administração;

XIXª) - Impondo-se, pois, a valorização das provas e uma decisão em substância que acolha as razões dos Recorrentes e revogue o ato impugnado.

XXª) - Decide assim conforme ao Direito o douto acórdão recorrido quando conclui no sentido segundo o qual «não tendo a Administração Tributária respeitado a Lei na liquidação efetuada não pode tal liquidação manter-se no ordenamento jurídico como válida» (pág 25)

III. O MP emitiu parecer que consta de fls. 395/397 dos autos, no qual se manifesta pela inadmissibilidade do presente recurso, contudo afigura-se “…que o presente recurso pode e deve ser convolado em recurso por oposição de acórdãos, nos termos do estatuído nos artigos 97º/3 da LGT e 98º/4 do CPPT – sobre a situação similar o acórdão de 2012.05.23-P.0356/12.”

IV. Com dispensa de vistos dada a natureza urgente do processo cumpre apreciar e decidir.

V. Com interesse para a decisão no acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

a) Por escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 29/02/2008, os recorrentes adquiriram pelo preço de €130.000,000 o “prédio urbano, composto de rés do chão destinado a estabelecimento comercial, cave para apoio do mesmo e andar destinado a habitação” (cfr. Doc. de fls. a 22 do processo administrativo apenso aos autos doravante apenas PA).

b) Por escritura de compra e venda realizada em 18/12/2008, os recorrentes adquiriram vários prédios pelo preço global de €38.500,00 (cfr. doc. de fls. 16 a 19 do PA),

c) Por ter sido verificado, pelos elementos constantes do sistema informático da Autoridade Tributária (AT) que, os rendimentos líquidos para efeitos de tributação em Imposto Sobre os rendimentos Singulares (IRS) do ano de 2008, apurados com base na declaração Modelo 3 mostram uma desproporção superior a 1/3 relativamente ao acréscimo do património e/ou consumo evidenciados pelos sujeitos passivos, foi emitida credencial 01201201304, para procedimento inspetivo (cf. fls. 25 do PA).

d) Em sede inspetiva, os recorrentes, através do ofício nº 18189/05.10 de 20/03/2010, foram notificados para apresentarem provas de que correspondem à realidade os rendimentos declarados em 2008 e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou de consumo evidenciado (cf. fls. de 25 do PA).

e) Os recorrentes vieram a responder aquele convite nos moldes expostos a fls. 5 a 22 do PA.

f) Em face da resposta referida em e) os SIT elaboram o projeto de relatório inspetivo onde concluíram que “Os SP indicaram na resposta enviada, os rendimentos brutos das categorias A (trabalho dependente), F (prediais) e H (pensões,) que auferiram em 2008 e que fizeram constar da sua declaração Modelo 3; contudo os rendimentos relevantes para efeitos de apuramento da desproporção em análise são os rendimentos líquidos (por serem os disponíveis para aplicação), assim apurados (…). Assim, os SP’s não apresentaram provas de que foi outra a fonte do acréscimo de património ou do consumo evidenciado, nem apresentaram declaração escrita, manifestando, expressamente, se autorizam a Autoridade Tributário e Aduaneira (AT) a aceder a informações, contas e documentos bancários (...). Existe portanto uma divergência não justificada, superior a um terço, entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património e/ou consumo evidenciado pelos SP’s (...) A referida avaliação, efetuada nos termos do n°5 do art. 89-A do referido diploma legal, é efetuada considerando como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G (incrementos patrimoniais), a diferença entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados, pelo que a correção proposta é de €126.309,56 (=€168.500,00-€42.190,44)” (cf. fls. 28 e 27v do PA).

g) Os recorrentes foram notificados do projeto de correções do relatório de inspeção, para efeitos de audição prévia, através do oficio com a referência 26421/0510, de 24/04/2012, ao qual vieram a responder em 11/05/2012, juntando os “extratos consolidados da conta emitidos pelo C.......... a pedido do requerente e respeitantes aos meses de novembro e dezembro de 2007, dos quais resulta que o requerente dispunha de dinheiro suficiente, em contas bancárias, para efetuar o pagamento dos preços dos bens que viria a adquirir...” (cfr. fls. 28 a 32 do PA).

h) Do relatório inspetivo elaborado em 3//07/2012 consta que “Ao direito de audição foram anexados os extratos bancários (nos 381 e 382) relativos aos movimentos da conta nº 0000.04819780001 no C……… de novembro e dezembro de 2007, com o intuito de provar que o SP dispunha de meios financeiros que lhe permitiriam efetuar as aquisições em causa, no entanto não foi demonstrado que as suas eventuais poupanças, tenham sido utilizadas para as referidas aquisições. O presente procedimento inspetivo refere-se ao ano de 2008 e, os sujeitos passivos, não autorizaram, expressamente, em declaração escrita, a AT a aceder a informações, contas e documentos bancários, nem provaram, ter utilizado eventuais poupanças nas aquisições dos imóveis e/ou que correspondem á realidade dos rendimentos declarados naquele ano ou, de que é outra a fonte das manifestações de fortuna. Face ao exposto mantém-se a proposta de correção do ao rendimento, referida no ponto 10 deste relatório de €126 309,56, elaborando-se o respetivo documento de correção” (cf. fls. 35 a 39 do PA).

i) Sobre este relatório recaiu a informação da inspetora tributária principal como seguinte teor: “Confirmo a correção à matéria tributável de IRS do exercício de 2008, no montante de €126.309,56, com recurso a métodos indiretos de tributação, nos termos do artº. 87º alínea f) e 89-A, nº 5 da LGT” e o despacho de “Concordo. Notifique-se” proferido por D………., Substituto Legal do Diretor de Finanças do Porto (cfr. fls. 34 do PA).

j) Os recorrentes foram notificados das correções e da decisão proferida em i) através do ofício com a referência 46464/0510 de 20/07/2012, recebido a 03/07/2012 (cfr. doc. de fls. 40 e 41 do PA).

k) Pelo ofício com a referência nº 51335/0501, de 14/08/2012, foram os recorrentes novamente notificados das correções, com a indicação expressa de que este ofício substituía para todos os efeitos o referido na alínea k) (cfr. Doc. de fls. 42 a 43 do PA).

l) Em 29/08/2012, foi enviada aos recorrentes carta registada com aviso de receção, oficio nº 54282/0510, para efeitos de “2ª notificação nos termos do artigo 62º, nº 2 do RCPIT e do artigo 39º, nº 5 do CPPT” (cf. fls. 44 a 45 do PA).

m) Os recorrentes apresentaram, em 14/08/2012, um pedido de revisão da matéria tributável juntando vários documentos (demonstração de liquidações de IRS do ano de 2005, 2006 e 2007, Declaração Modelo 3 relativa ao ano de 2006, extratos consolidado do C……. de janeiro e fevereiro de 2008, cópia de dois certificados de aforro dos anos de 1993 e 1994, em nome do recorrente marido, nos montantes de 13.000.000$00 e 5.000.000$00, respetivamente) e requerendo a realização de várias diligências junto do C……… (cf. fls. 46 a 59 do PA).

n) Sobre o pedido referido em m) foi elaborada a informação nº 26/2012, de 19/09/2012, recebida pelo recorrente a 24/09/2012, onde se pugna pelo indeferimento do pedido, o qual veio a ser subscrito, no mesmo dia, por despacho do Chefe do SACR com o seguinte teor “Concordo com a informação e parecer infra. Deste modo, indeferido o pedido de revisão da matéria tributável apresentado nos termos do artº. 91° da Lei Geral Tributária, por não ter aplicabilidade no presente caso. Notifique-se o requerente, ficando ciente que desta decisão cabe, querendo, recurso hierárquico, nos termos de prazo constante do art. 66º do Código de Procedimento e Processo Tributário” (cfr. fls. 60 a 61v. do PA).

o) A presente ação foi intentada em 15/10/2012 (cf. fls. 4 dos autos).

p) Por ofício datado de 17/12/2012 o C………. prestou a seguinte informação:
Em resposta ao ofício de V. Exas., datado de 05/12/2012, acima referenciado, vimos remeter os seguintes elementos:
- O C…… confirma que A………, titular da conta D. O. Solidária nº 0000.048197800001, de que também é titular B………, pediu em 25/02/2008 o resgate de 13.528.626573 Unidades de participação da Conta de Fundos SANTMULTIBPREMRTM nº 0003.02456533051;
- O valor resultante do resgate, £75.959,18, foi creditado na conta D O. Nº 0000.4819780001 em 25/02/2008;
- Envio de cópia do resgate;
- Os cheques identificados nos artigos 35º a 39º do Vosso ofício foram debitados na conta D. O. Nº 0000.04819780001;
- Em 03/02/2009 o Sr. A…… solicitou, através de pedido escrito cuja cópia enviamos, que as prestações referentes ao empréstimo nº 0003.02561198096, titulado por E………, fossem debitadas na sua conta D. O. nº 0000.04819780001;
- Em 08/08/2011 o Sr. A……… cancelou, através de pedido escrito cuja cópia enviamos, a autorização de débito sobre a sua conta D. O. nº 00000.04819780001 das prestações do Empréstimo nº 0003.02 561198096;
- Acresce informar que, desde a data em que foi cancelada a autorização de débito das prestações do Empréstimo na conta D. O. nº 000.04819780001, aquelas nunca mais foram pagas, encontrando-se em atraso o valor de €12.868,48, mais o valor dos juros vencidos no valor de €922,92;
- Envio de extratos da conta a o. N° 0000.04819780001 referentes ao período de 01/10/2007 a 31/12/2008” (cf. fls. 79 a 98 dos autos que aqui se dão por reproduzidos).

q) A Declaração Modelo 3 dos anos de 2005 e de 2007, relativas aos recorrentes (cf. fls. 127 a 139 dos autos).

r) O “extrato integral trimestral” nº 04/2008 emitido pelo F…. em 28/11/2008 (cf. fls. 140 a 141 dos autos que aqui se dão por reproduzidos).

s) O “extrato integral trimestral” nº 01/2009 emitido pelo F…. em 2 7/02/2009 (cfr. Doc. de fls. 142 a 143 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos).

VI. Conforme acima referido, a recorrente veio interpor recurso de revista do acórdão do TCAN, de 26.09.2013, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA.

O artº 150º citado, estabelece o seguinte:

“1. Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5. A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo”.

Sobre essa relevância jurídica ou social, de importância fundamental ou da necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, esta Secção tem-se pronunciado de forma reiterada e uniforme, pelo que iremos aqui reproduzir parte do que ficou escrito nesta matéria no recente acórdão de 25.09.2013 – Processo nº 01013/13.

2. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal.
Tal preceito prevê, assim, a possibilidade recurso de revista excecional para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Razão por que a jurisprudência tem reiteradamente sublinhado a excecionalidade deste recurso, referindo que ele só pode ser admitido nos estritos limites fixados no preceito, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.
Por conseguinte, este recurso só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detetada, não perante o interesse teórico ou académico da questão, mas perante o seu interesse prático e objetivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular.
Deste modo, e como tem sido explicado nos inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, que aqui nos dispensamos de enumerar, a relevância jurídica fundamental deve ser detetada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade (seja em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, seja de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, seja da necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos) ou quando a sua análise suscite dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando estiver em causa um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e se detete um interesse comunitário significativo na resolução da questão.
Por outro lado, a clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito há de resultar da repetição ou possibilidade de repetição noutros casos e necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito. Pelo que a admissão do recurso terá lugar, designadamente, quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e a decisão nas instâncias esteja ostensivamente errada ou seja juridicamente insustentável, ou se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, tornando-se objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Deste modo, e como repetidamente tem sido afirmado pela jurisprudência, o que em primeira linha está em causa no recurso excecional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional, pois que para isso existem os demais recursos, ditos ordinários”.

Examinando o teor das conclusões das alegações da recorrente, verificamos que nenhum dos requisitos acima indicados é invocado.

Pelo contrário, e como bem salientam os recorridos nas suas contra-alegações, “a Recorrente organiza as suas alegações como se de um recurso para uniformização de jurisprudência se tratasse, como se estivéssemos perante um recurso correspondente ao previsto nas normas dos artºs 152° do CPTA; com efeito, o alegado «vício de violação de lei» está procurado demonstrar pelo cotejo com outros acórdãos do STA, os referidos no artigo 14 das alegações de recurso, e do acórdão do TAF do Porto de 31.05.2013, referido nos artºs 17 a 28 idem;”

Sendo assim, não sendo invocado qualquer dos fundamentos de que depende a admissão preliminar deste tipo de recurso, o mesmo não pode ser admitido.

Neste sentido se pronunciou também o MºPº no seu parecer de fls. 395/397, defendendo embora “…que o presente recurso pode e deve ser convolado em recurso por oposição de acórdãos, nos termos do estatuído nos artigos 97.º/3 da LGT e 98.º/4 do CPPT – sobre a situação similar o acórdão de 2012.05.23-P.0356/12.”

Ora, a recorrente, nas conclusões Y) e Z) refere, efetivamente, que “a decisão ora recorrida, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte - que preconiza ser unicamente e apenas possível, no que se refere à aquisição de imóveis, a avaliação indireta da matéria tributável nas aquisições de imóveis de valor igual ou superior a 250.000,00€, nos termos do disposto na alínea d) do art.º 87.º da LGT, e no art.º 89-A, n.º 1 e 4 da LGT - contraria não apenas a doutrina, mas, sobretudo, para além da própria lei, a jurisprudência pacífica, constante, uniforme, do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, que com base em sólida argumentação tem julgado no sentido de a avaliação indireta da matéria coletável ser possível ao abrigo do disposto na alínea f). do n.º 1, do art.º 87.º da LGT e do nº 5, do art.º 89.-A, da LGT quando, verificados os demais requisitos, estamos face à aquisição de imóveis de valor inferior a 250.000.00 €, como é, aliás, a exata mesmíssima situação dos presentes autos”.

Parece, assim, que estaremos em face de oposição de arestos e não perante recurso de revista.

Será que no caso concreto é legalmente viável a convolação para aquele tipo de recurso?

No acórdão deste STA, de 23.05.12 – Processo nº 0356/12, em caso semelhante, decidiu-se o seguinte:

“Importa, porém, apreciar a possibilidade da sua convolação em recurso por oposição de acórdãos, previsto no artigo 284º do CPPT, dado que a Recorrente também invoca que se encontram reunidos os requisitos para este tipo recurso, na medida em que o acórdão recorrido entra em contradição direta com os acórdãos do STA emitidos no âmbito do processo 0879/10, de 12-01-2011 e do processo 0689/06, de 11-10-2006 – [Conclusão BB)].
Na verdade, como se deixou explicado no acórdão desta Secção de 3/12/2008, no proc. n.º 0934/08, cuja doutrina sufragamos, «O artigo 97.º, n.° 3, da Lei Geral Tributária prescreve, em ordem à “celeridade da justiça tributária” e à concessão de uma tutela jurisdicional efetiva e plena - cfr. n.ºs 1 e 2 - “a correção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”, procurando evitar-se que, apesar de uma errada eleição da forma processual idónea, o tribunal deixe de pronunciar-se sobre o mérito da causa.
Como escrevem Leite de Campos e outros, LGT Anotada, 2ª edição, p. 422, nota 3, “trata-se de uma injunção ao próprio juiz” que “só estará desonerado da obrigação de ordenar a correção da forma de processo quando ela se mostre de todo inviável”.
Há, pois, que efetivar a chamada “convolação do processo”, unanimemente admitida e frequentemente praticada, no STA, em ordem à concretização das preditas finalidades.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de anular os atos que não possam ser aproveitados quer em função do rito processual próprio quer por diminuírem as garantias de defesa - “sendo o processo expressão de normas de direito público que ditam as regras sob as quais deve correr a atividade das partes na defesa das suas pretensões e do tribunal na sua apreciação, a todos vinculando, nunca as partes ou o tribunal poderão dispor do processo” - (cfr. cit., nota 7) -, praticando-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei.
O que tudo não constitui mais do que a aplicação dos princípios antiformalista, pro actione e favorecimento do processo. Ou seja: corrigir os defeitos de ordem processual, atenta a necessidade de sobreposição do imperativo de obtenção da justiça material aos entraves de índole formalista. Cfr., aliás, os artigos 98°, n.ºs 3 e 4, do CPPT, e 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.».
Ora, nos autos, parece não haver obstáculos de natureza substantiva ou processual a que o recurso siga a forma correspondente ao recurso por oposição de acórdãos previsto no art. 284º do CPPT, independentemente da verificação, em sede própria, do preenchimento dos respetivos pressupostos legais, não constituindo estorvo a essa convolação a falta de alegações para demonstração da oposição, uma vez que, ordenada a convolação, são anulados os atos não consentâneos com a nova forma processual, devendo os autos baixar ao Tribunal “a quo” para prosseguimento e tramitação do processo como recurso por oposição de acórdãos.

Cremos que, no caso concreto, não existe obstáculo a que se siga o mesmo entendimento, aliás também adotado no acórdão de 24.02.2010, deste STA -Processo nº 01073/09 (Revista Excecional), no qual se convolou a revista para o recurso jurisdicional previsto no artº 280º do CPPT e nos acórdãos de 03.03.2010 - Processo nº 01168/09, de 14.04.2010 - Processo nº 01245/09 e de 14.12.2011 - Processo nº 01075/11, em que se convolou a revista para recurso por oposição de acórdãos.

VII. Nestes termos e pelo exposto acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em:
a) Não admitir o recurso de revista nos termos do art. 150º do CPTA;
b) Convolá-lo em recurso por oposição de acórdãos, nos termos do disposto no artº. 284º do CPPT.

Sem custas.
*
Transitado, remeta os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte para prosseguimento e tramitação do processo como recurso por oposição de acórdãos.

Lisboa, 29 de janeiro de 2014. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva Casimiro Gonçalves.