Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0408/12
Data do Acordão:05/02/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO
PENHOR
Sumário:É ilegal a constituição de penhor ocorrida antes de ter sido proferido despacho que decida um anterior pedido de isenção de prestação da garantia, sendo que, em tal caso, não pode sequer dizer-se que à executada é facultada a possibilidade de reagir na via contenciosa logo que o despacho de indeferimento seja notificado (pois que o mesmo ainda não foi proferido) mediante a reclamação prevista no art. 276º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00067563
Nº do Documento:SA2201205020408
Data de Entrada:04/16/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CCIV ART661 N1
LGT ART50
CPTT ART169
CPTT ART195
CPTT ART199
LGT ART52 N4
CPC ART856 N6
CPTT ART276
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC667/10 DE 2010/10/06; AC STA PROC784/10 DE 2010/11/03
Referência a Doutrina:JORGE SOUSA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo TAF de Penafiel, na parte em que julgou procedente a reclamação, deduzida por A……, Lda, nos termos dos arts. 276º e ss. do CPPT, contra o despacho de indeferimento do pedido de revogação do acto de constituição de penhor sobre direito de crédito emergente de reembolso de IRC, proferido pelo órgão de execução fiscal no âmbito da execução fiscal nº 1899-2011/01024159.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal e que em consequência decidiu, apesar de entender ser de manter o despacho que indeferiu o pedido de isenção da garantia, mandar anular a constituição de penhor sobre o direito de crédito emergente do reembolso de IRC, no montante de € 39.726,95.
B. A douta sentença padece de erro de julgamento, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito.
C. Consagra o nº 1 do art. 666º do CC. que:
O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.”
D. Prescreve o art. 195º do CPPT que:
1 - Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor.
2 - A hipoteca legal é constituída com o pedido de registo à conservatória competente, que é efectuado por via electrónica, sempre que possível.
3 - O órgão da execução fiscal deverá promover na conservatória competente, a favor da Fazenda Pública, o registo da hipoteca legal, quando for o caso.
4 - Para efeitos do nº 2, os funcionários do órgão da execução fiscal gozam de prioridade de atendimento na conservatória em termos idênticos aos dos advogados ou solicitadores.
5 - O penhor constitui-se por via electrónica ou por auto e é notificado ao devedor nos termos previstos para a citação.
E. E estipula o art. 50º da LGT que:
1 - O património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários.
2 - Para garantia dos créditos tributários, a administração tributária dispõe ainda:
a) Dos privilégios creditórios previstos no Código Civil ou nas leis tributárias;
b) Do direito de constituição, nos termos da lei, de penhor ou hipoteca legal, quando essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens;
c) Do direito de retenção de quaisquer mercadorias sujeitas à acção fiscal de que o sujeito passivo seja proprietário, nos termos que a lei fixar.
3 - A eficácia dos direitos referidos na alínea b) do número anterior depende do registo.
F. Dos supracitados preceitos decorre a possibilidade de constituição do penhor por parte da AT.
G. Veja-se que o penhor se encontra previsto no art. 666º e segs. do CC, normas integradas no capítulo VI – Das garantias especiais das obrigações.
H. Assim, configurando o penhor uma providência para acautelar os valores em cobrança coerciva, admissível pela lei civil e tributária, garantindo-se com a sua constituição os créditos tributários, não se encontra na dependência de qualquer outro acto,
I. bastando tão só a verificação do interesse pelo OEF na eficácia da cobrança.
J. Assim, a constituição do penhor não se encontrava dependente de qualquer decisão do OEF sobre o pedido de isenção de prestação de garantia.
K. Ademais, se o OEF verificasse que o reclamante reunia as condições para poder ser deferido o pedido de dispensa da prestação de garantia constituía-se na obrigação de proceder ao levantamento do penhor,
L. situação que, como resulta dos autos, não se iria verificar, atento o reclamante não reunir os pressupostos para que o OEF o dispensasse da prestação de garantia.
M. Entende a Fazenda Pública que o apelo do douto tribunal a quo ao disposto no nº 1 do art. 201º do CPC é incorrecto, como é incorrecto o raciocínio de que a constituição do penhor antes de decorrido o prazo para a decisão relativa à dispensa da garantia é uma irregularidade, cominada com a nulidade do acto, in casu, a constituição de penhor.
N. O disposto no nº 1 do art. 201º do CPC não tem aplicação ao caso sub judice,
O. porquanto, a prática de um acto considerado ilegal só sofrerá a cominação da nulidade quando a lei expressamente o determine, como nas situação previstas no art. 133º do CPA,
P. e a lei, em lado algum, comina a falta de pronuncia do OEF sobre um pedido de dispensa da prestação da garantia, num prazo determinado, com a nulidade dos actos subsequentes,
Q. nem a mesma falta de pronúncia tem a virtualidade de influir no exame ou decisão da causa, de molde a poder inquinar os actos subsequentes com a sua nulidade.
R. Ademais, e dado que o douto tribunal a quo entendeu, e bem diz a Fazenda Pública, que a decisão de indeferimento da isenção da prestação da garantia é legal, a anulação dos actos subsequentes, em concreto a constituição do penhor, seria um acto inútil e inoperante,
S. como aliás decorre do princípio do aproveitamento do acto administrativo.
T. Pelo que, a constituição do penhor não padece de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida, com as legais consequências.

1.3. Não foram apresentadas contra alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes:
«A recorrente à margem identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 29 de Fevereiro de 2012, exarada a fls. 164/174.
A sentença recorrida julgou procedente a reclamação deduzida do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo, de 20 de Setembro de 2011, que indeferiu pedido de revogação, por ilegalidade, do acto de constituição de penhor sobre direito de crédito emergente de reembolso de IRC, no entendimento de que o penhor foi constituído antes do decurso do prazo de resolução do pedido de dispensa de prestação de garantia e da prolação de decisão expressa de indeferimento, o que constitui nulidade nos termos do disposto no artigo 201º/1 do CPC.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 190/191, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684º/3 e 685º-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Não houve contra-alegações.
A nosso ver o recurso merece provimento, pelas razões que a seguir se referem.
Resulta do probatório que a recorrida em 19 de Julho de 2011 solicitou, ao abrigo do estatuído nos artigos dispensa de prestação de garantia e de suspensão do PEF.
Em 20 de Setembro de 2001 tal pedido foi expressamente indeferido.
A recorrida foi notificada da constituição do sindicado penhor em 5 de Agosto de 2011.
Como refere o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ((1) Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, volume III, página 218.), cuja doutrina subscrevemos “Embora o nº 7 (nº 3 na redacção inicial) o art. 169º do CPPT estabeleça que, se a garantia não for prestada no prazo respectivo, se procede de imediato à penhora, tem de afastar-se desta estatuição os casos em que tiver sido formulado pedido de isenção de prestação de garantia, enquanto não tiver sido proferida decisão de indeferimento.
Na verdade, o isenção de prestação de garantia é um substitutivo desta prestação, pelo que lhe devem ser atribuídos os mesmos efeitos, pois se assim não fosse inutilizar-se-ia o efeito primacial desta isenção, que corresponde a um direito dos contribuintes, reconhecido pelo artigo 52º, Nº 4, da LGT.
No entanto, uma vez decidido o indeferimento do pedido de suspensão, deve aplicar-se o regime daquele nº 7 do art. 169º, procedendo-se à penhora logo que for notificado o despacho de indeferimento”.
Temos assim que entre o pedido de dispensa ou isenção de garantia e o seu indeferimento o PEF esteve provisoriamente suspenso não sendo, pois, legal a efectivação de penhora ou constituição de penhor, por identidade de razões.
Todavia, entretanto, o Tribunal recorrido julgou improcedente o pedido de isenção da prestação de garantia, decisão essa que não foi objecto de recurso jurisdicional, tendo transitado em julgado.
Assim sendo, a anulação dos actos subsequentes, como o acto de constituição do penhor, ora, em apreciação, seria um acto, manifestamente inútil e inoperante (que a lei proíbe - artigo 137º do CPC) e contrário ao princípio do aproveitamento do acto administrativo.
Efectivamente, se o acto de constituição do penhor sindicado fosse anulado, a Administração Tributária iria praticar o mesmo acto de constituição do penhor, o que não faria sentido.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida, com consequente manutenção na ordem jurídica do acto sindicado.»

1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar


FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
Quanto à Reclamação apresentada em 3 de Outubro de 2011:
1º - A Sociedade ora Reclamante apresentou em 19 de Julho de 2011 um requerimento no processo de execução fiscal nº 1899-2011/01024159, no qual pedia a sua suspensão, com os seguintes fundamentos:
- O processo de execução fiscal tinha sido instaurado por dívida relativa ao IRS – retenção na fonte – de 2009, no valor de 369.261, 65 euros;
- O prazo de pagamento voluntário do imposto decorria em 8 de Junho de 2011.
2º - A Reclamante apresentou em 19 de Julho de 2011, um requerimento no qual pedia a suspensão do processo de execução fiscal e a dispensa de prestação de garantia, com os seguintes fundamentos:
- Dedica-se essencialmente à prestação de serviços de trabalho temporário;
- Tem 147 trabalhadores a seu cargo;
- Não tem activos, nem bens móveis/imóveis penhoráveis e suficientes para pagamento da quantia exequenda e do acrescido;
- Não tem meios financeiros para a prestação de garantia;
- Está impossibilitada de recorrer ao crédito bancário;
- Os encargos financeiros que teria com a prestação de garantia implicavam que deixasse de fazer face aos seus compromissos e levaria ao desemprego dos seus trabalhadores;
- A prestação de garantia geraria a existência de uma situação de carência económica de tal modo que deixaria de ter à sua disposição os meios financeiros à satisfação das necessidades básicas à sua laboração.
- O órgão de execução fiscal pronunciou-se sobre esse pedido em 20 de Setembro de 2011 (cfr. teor de fls. 26 e 27), nos seguintes termos:
- O cadastro electrónico de activos penhoráveis permitiu constatar que a executada tinha 12 veículos automóveis em seu nome;
- Todavia, os mesmos não eram suficientes para garantir a dívida e o acrescido;
- A concessão de dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal dependia do facto da prestação de garantia causar um prejuízo irreparável para o executado e da circunstância da sua prestação dever ser a causa da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e do acrescido;
- Todavia, torna-se necessário que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência e de inexistência de bens;
- A verificação da insuficiência de bens, por si só, não determina necessariamente uma situação de manifesta falta de meios económicos;
- É necessário ainda que se estabeleça um nexo de causalidade adequada entre a situação de manifesta carência económica e a insuficiência de bens verificada;
- No caso de uma pessoa colectiva, apenas se deve considerar verificado o pressuposto de irresponsabilidade da executada pela situação de insuficiência/inexistência de bens nos casos em que a insuficiência/inexistência de património não possa resultar da actuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representa;
- Caso contrário existirá sempre uma responsabilidade da empresa pelo destino dado aos bens que fazem parte do seu património baseado na actuação dos seus gerentes;
- Assim, indefiro o pedido de suspensão da execução e de dispensa de prestação de garantia bancária.
Relativamente à Reclamação de 11 de Agosto de 2011:
1.º - A Reclamação foi apresentada da constituição de penhor relativo ao IRC de 2010, no valor de 39.726,95 euros.
2.° - O pedido de suspensão do processo de execução fiscal e de dispensa de prestação de garantia foi apresentado em 19 de Julho de 2011.
3.° - A ora Reclamante foi notificada da constituição de penhor em 5 de Agosto de 2011.

3.1. Conforme dos autos resulta, a executada (no processo de execução fiscal nº 1899-2011/01024159) A……, Lda., requereu, em 19/7/2011, a suspensão da execução com dispensa da prestação de garantia, dado estar a correr o prazo para apresentação de reclamação graciosa e/ou impugnação judicial da liquidação.
E entretanto, foi notificada, em 5/8/2011, do acto de constituição (decisão de 25/7/2011, operada em 26/7/2011 – cfr. fls. 14 a 18) de penhor sobre o direito de crédito emergente de reembolso de IRC relativo ao ano de 2010.
Tendo deste acto deduzido reclamação, nos termos do art. 276º do CPPT, em 11/8/2011.
Posteriormente, por o respectivo OEF ter proferido, em 20/9/2011, despacho de indeferimento daquele pedido de suspensão da execução com dispensa da prestação de garantia, a executada, notificada em 26/9/2011, contra ele deduziu, em 3/10/2011, nova reclamação, nos termos do art. 276º do CPPT.
Ordenada, por despacho proferido pela Mma. Juíza em 14/12/2011 (cfr. fls. 112) a incorporação de ambas as reclamações assim deduzidas, a sentença veio a apreciá-las julgando improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do OEF que indeferira o pedido de suspensão da execução com dispensa da prestação de garantia, mas julgando improcedente a reclamação deduzida contra o acto de constituição de penhor sobre o direito de crédito emergente de reembolso de IRC relativo ao ano de 2010 (no valor de € 39.726,95).
E só desta parte da decisão vem interposto (pela Fazenda Pública) o presente recurso.

3.2. A sentença julgou procedente tal reclamação e determinou, em consequência, o levantamento da constituição de penhor, com a fundamentação que, em síntese, é a seguinte:
- O pedido de suspensão do processo de execução fiscal e de dispensa de prestação de garantia, devia ter sido decidido no prazo de 10 dias, ou seja, até 29/7/2011 e a não decisão nesse prazo não implicava o seu deferimento tácito, mas fazia presumir o seu indeferimento tácito para efeitos de reclamação, cfr. resulta do teor do nº 1 do art. 109º do CPA.
- Ora, resulta dos autos que, na data de constituição de penhor, em 26/7/2011, nem tinha ainda decorrido o prazo para a decisão do pedido de isenção de prestação de garantia (apresentado pela reclamante em 19/7/2011) nem tinha sido proferida decisão expressa de indeferimento (a qual só veio a ser proferida em 20/9/2011 e que foi igualmente objecto de reclamação).
- Assim, tendo o OEF procedido no âmbito do processo de execução fiscal à constituição do penhor sem que se encontrasse decidido, por sentença com trânsito em julgado, se a reclamante tinha condições para ser dispensada da prestação de garantia, ocorreu uma irregularidade prevista no nº 1 do art. 201º do CPC, resultante de ter sido constituído penhor antes de estar definitivamente decidida a questão relativa à dispensa de garantia.

3.3. Discorda a recorrente Fazenda Pública sustentando, como se viu, que a sentença enferma de erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no nº 1 do art. 661º do CCivil, e nos arts. 195º do CPPT e 50º da LGT, normativos dos quais decorre a possibilidade de constituição do penhor por parte da AT, sendo que configurando o penhor uma providência para acautelar os valores em cobrança coerciva, a respectiva constituição não se encontra na dependência de qualquer outro acto (nomeadamente não está dependente da decisão do OEF sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia), bastando tão só a verificação do interesse pelo OEF na eficácia da cobrança, acrescendo que se o OEF verificasse que o reclamante reunia as condições para poder ser deferido o pedido de dispensa da prestação de garantia, também o mesmo se constituía na obrigação de proceder ao levantamento do penhor.
Situação que, como resulta dos autos, não se iria verificar, dado a reclamante não reunir os pressupostos para tal dispensa da prestação de garantia.
E no caso também não tem aplicação o disposto no nº 1 do art. 201º do CPC, uma vez que a prática de um acto considerado ilegal só sofrerá a cominação da nulidade quando a lei expressamente o determine, como nas situação previstas no art. 133º do CPA, sendo que a lei, em lado algum, comina a falta de pronúncia do OEF sobre um pedido de dispensa da prestação da garantia, num prazo determinado, com a nulidade dos actos subsequentes, nem essa não pronúncia tem a virtualidade de influir no exame ou decisão da causa, de molde a poder inquinar os actos subsequentes com a sua nulidade.
E sendo legal a posterior decisão de indeferimento do pedido de isenção da prestação da garantia, também por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo, é de concluir que a anulação dos actos subsequentes, em concreto a constituição do penhor, sempre seria um acto inútil e inoperante, pelo que, a constituição do penhor não padece de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica.
Vejamos.

4. O art. 50º da LGT confere à AT o direito de constituir, nos termos da lei e para garantia dos créditos tributários, penhor ou hipoteca legal, quando essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens.
No mesmo sentido dispõem os nºs. 1 e 5 do art. 195º do CPPT, estabelecendo que o OEF pode constituir hipoteca legal ou penhor, quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, sendo que o penhor se constitui por via electrónica ou por auto e é notificado ao devedor nos termos previstos para a citação.
No caso, não se questionam os requisitos da constituição do penhor, ( ( ) (No entendimento do Cons. Jorge de Sousa, dado que os actos da AT através dos quais se decida a constituição de penhor ou hipoteca legal são actos de natureza administrativa (uma vez que se inserem na definição dada pelo art. 120° do CPA) a decisão de os constituir está sujeita aos requisitos gerais dos actos administrativos em matéria tributária – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação 2 ao art. 195º, pp. 390/391.) ) e a questão a decidir é apenas a de saber se, estando pendente pedido de dispensa ou isenção de prestação de garantia, é legalmente admissível proceder, no âmbito da respectiva execução fiscal, à constituição de penhor e, em caso de resposta negativa a esta questão, se ocorre a nulidade dos actos subsequentes.
Ora, nos termos do art. 169º do CPPT a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso, além do mais, de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195º ou prestada nos termos do art. 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, sendo certo, por outro lado, que os nºs. 6 e 7 deste mesmo art. 169º do CPPT estabelecem que se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no nº 1 dentro do prazo de 15 dias e se esta não for prestada se procederá de imediato à penhora.
Referenciando estes normativos, salienta o Cons. Jorge de Sousa ( ( ) (Loc. cit., anotação 4 ao art. 169º, pp. 217 e 218.) ) que deles resulta que «mesmo que não esteja prestada garantia, a mera dedução de reclamação graciosa ou impugnação judicial ou a interposição de recurso têm um efeito suspensivo provisório, até que termine o prazo de 15 dias que se prevê que seja concedido ao executado para a prestar» e que «Embora o nº 7 (…) estabeleça que, se a garantia não for prestada no prazo respectivo, se procede de imediato à penhora têm de afastar-se desta estatuição os casos em que tiver sido formulado pedido de isenção de prestação de garantia, enquanto não tiver sido proferida decisão de indeferimento», uma vez que «a isenção de prestação de garantia é um substitutivo desta prestação, pelo que lhe devem ser atribuídos os mesmos efeitos, pois se assim não fosse inutilizar-se-ia o efeito primacial desta isenção, que corresponde a um direito dos contribuintes, reconhecido pelo art. 52º, nº 4, da LGT». Só devendo, portanto, aplicar-se o regime deste nº 7, ou seja, proceder-se à penhora, quando estiver decidido o indeferimento do pedido de suspensão e logo que o mesmo for notificado.
Não tem, porém, sido esta a interpretação da jurisprudência deste STA, expressa nos acórdãos de 6/10/2010, rec. nº 667/10 e de 3/11/2010, rec. nº 784/10, nos casos em que a penhora é efectivada depois da prolação de despacho que indefere o pedido de isenção de prestação de garantia, mas antes de o respectivo despacho de indeferimento ter sido notificado ao executado. Na verdade, em tais casos, entendeu-se que a notificação do despacho que indefere o pedido de isenção de prestação de garantia e ordena a penhora não tem necessariamente de preceder a concretização desta última diligência executiva, pois que a notificação se destina a proporcionar ao destinatário do acto a possibilidade de o impugnar mediante reclamação e esta faculdade não é afastada pela efectivação da penhora antes da notificação, pois a reclamação pode ser apresentada na sequência da notificação.
Ora, se assim é relativamente à penhora, igualmente se justificaria este entendimento em relação ao penhor, que constitui uma garantia real completa (art. 666º do CCivil) que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor, havendo, na penhora que porventura se siga, que proceder-se à sua transferência para a execução (nº 6 do art. 856º do CPC).
Porém, no presente caso, como se viu, o despacho que ordenou a constituição do penhor e o acto de constituição ocorreram antes de ter sido proferido despacho relativamente ao mencionado pedido de isenção de prestação de garantia. Ou seja, trata-se de situação não coincidente com aquela a que se reporta a citada jurisprudência: no presente caso, a constituição do penhor ocorreu antes de ter sido proferido despacho que apreciasse o pedido de isenção de prestação da garantia e não pode sequer dizer-se que à executada é facultada a possibilidade de reagir na via contenciosa logo que o despacho de indeferimento seja notificado (pois que o mesmo ainda não foi proferido) mediante a reclamação prevista no art. 276º do CPPT. Não se trata, pois, de discutir a eficácia de acto praticado e ainda não notificado, mas, antes, de situação em que não foi praticado acto susceptível de ser notificado.
Daí que, retomando o ensinamento do cons. Jorge de Sousa, ( ( ) (Ibidem, anotações 6 e 7 ao art. 169º, pp. 218 e 219.) ) no sentido de que, tendo o pedido de dispensa de prestação de garantia «o mesmo efeito que o pedido de prestação da garantia, a nível do prosseguimento da execução fiscal, que fica suspensa provisoriamente, como se depreende do nº 7 deste art. 169º, conjugado com o nº 6 (nºs. 3 e 2, respectivamente, na redacção inicial), de que resulta que a execução só prossegue depois de decorrido o prazo de prestação de garantia, sem que esta seja prestada» e que «sendo o indeferimento do pedido de prestação de garantia um acto lesivo cujo efeito negativo para a esfera jurídica do contribuinte se traduz no prosseguimento da execução fiscal» seja de concluir que, no presente caso, também só com prática do acto (despacho de indeferimento) poderia ser constituído o aqui questionado penhor.
Pelo que bem decidiu a sentença recorrida ao julgar procedente a presente reclamação.

6. É certo que, como aponta o MP, o Tribunal recorrido acabou por julgar improcedente o pedido de isenção da prestação de garantia, decisão essa que não foi objecto de recurso jurisdicional, tendo transitado em julgado, daqui retirando aquele Magistrado a conclusão de que a anulação deste acto subsequente (o acto de constituição do penhor) será um acto manifestamente inútil e inoperante (que a lei proíbe – art. 137º do CPC) e contrário ao princípio do aproveitamento do acto administrativo, uma vez que, caso se anulasse agora o acto de constituição do penhor, a AT iria, certamente, praticá-lo de novo, imediatamente.
Não acompanhamos, porém, esta conclusão, dado que, estando em causa uma irregularidade processual, não será, então, aplicável o instituto do aproveitamento do acto administrativo, havendo, antes, lugar à aplicação do disposto no nº 7 do art. 169º, do CPPT.
Improcedem, assim, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 2 de Maio de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.