Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0770/14
Data do Acordão:11/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:DUPLA TRIBUTAÇÃO
IRC
SUBCAPITALIZAÇÃO
Sumário:I - A subcapitalização corresponde a um recurso excessivo a capitais de terceiros como forma de financiamento das sociedades.
II - A subcapitalização ou “Thin capitalization” é sob o ponto de vista fiscal uma forma de utilização de endividamento junto de entidades não residentes com vista à redução artificial do lucro tributável das empresas para efeitos de IRC.
III - O artigo 61 do CIRC sendo uma medida antiabuso que estabelece uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes em território português para efeitos de dedução de juros de empréstimos celebrados pela sociedade viola o princípio de livre circulação de capitais que o artigo 63 do TSFUE garante bem como o artigo 8º nº4 da CRP.
Nº Convencional:JSTA00070382
Nº do Documento:SA2201711080770
Data de Entrada:05/29/2015
Recorrente:SISTEMAS A... PORTUGAL, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC ART61 ART23 ART58.
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO PORTUGAL E ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ART26 ART11.
CONST ART8.
Legislação Comunitária:TFUE ART63 ART65 ART267.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0571/13 DE 2013/06/18.; AC STA PROC 0275/08 DE 2008/06/04.; AC STA PROC 0281/08 DE 2008/11/12.
Jurisprudência Internacional:AC TJUE PROC C-458/06 DE 2008/06/12.
AC TJUE PROC C-279/06 DE 2008/09/11.
AC TJUE PROC C-282/12 DE 2013/10/03.
Referência a Doutrina:GLÓRIA TEIXEIRA - A TRIBUTAÇÃO DO RENDIMENTO PERSPECTIVA NACIONAL E INTERNACIONAL PAG129.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. Sistemas A………… Portugal, Lda., identificada nos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal, recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27 de Fevereiro de 2014, que deferiu a reforma do acórdão anteriormente proferido pelo TCA-Sul nos presentes autos, negou provimento ao recurso por ela interposto do despacho interlocutório que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas e concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006, no montante de €1.561.874,37€, julgando, em substituição, improcedente essa impugnação.

2. A recorrente concluiu as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A decisão do TCAS de que se recorre padece de três (3) erros judiciais patentes e ostensivos, sobre questões que, per se, se revestem de importância fundamental e que fazem com que a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
B. Sobre a primeira questão, temos que o Venerando TCAS começou por dar provimento, em 2013, ao recurso da FP, por entender que a recorrida (ora Recorrente) não havia feito prova de um ponto essencial nos autos, esquecendo por completo que a ora Recorrente havia interposto um recurso de um despacho interlocutório que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas (a fls 296, tendo o mesmo subido nos autos com a decisão final).
C. Tendo anulado esse Acórdão, o TCAS profere o Acórdão ora recorrido, mantendo o essencial do Acórdão anterior: indeferiu o recurso do despacho interlocutório apresentado pela ora Recorrente (considerando que a prova testemunhal não era admissível in casu), para logo de seguida deferir o recurso da FP, considerando que a Impugnante não fez a prova necessária.
D. Para o efeito, o TCAS entendeu que a demonstração prevista no n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC, que cabe ao sujeito passivo, só pode ser efetuada por prova documental, não sendo admissível prova testemunhal, por irrelevante.
E. No entanto, a demonstração pedida pelo n.º 6 do artigo 61.º não concerne a um dado objetivo (como o valor do capital social ou a situação líquida da sociedade), mas a um facto complexo e de apreciação subjetiva, cuja prova testemunhal seria muito importante, pelo que a decisão constitui um erro patente e ostensivo.
F. Logo de seguida, o TCAS deferiu o recurso da FP com fundamento no facto da ora Recorrente não ter feito prova de ter realizado a devida consulta do mercado bancário de financiamento, sendo certo que ficou provado dos autos duas consultas ao Barclays Bank e ao Milleniumbcp.
G. A prova testemunhal visava demonstrar, atendendo aos fatores previstos no n.º 6 do artigo 61.º, que a Impugnante poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento (prova que não apresentava dificuldade para as testemunhas, atendendo ao facto da Impugnante se inserir num dos maiores grupo multinacional do mundo) e nas mesmas condições de uma entidade independente.
H. Ao negar o direito à inquirição das testemunhas, considerando depois que ficou por provar um facto relativamente ao qual as testemunhas iam ser - e podiam ser - inquiridas, o TCAS cometeu um erro judicial patente e ostensivo.
I. A questão da admissibilidade ou, melhor dizendo, da aferição da necessidade de prova testemunhal, é essencial para uma boa aplicação do Direito, pois é uma questão complexa que implica o preenchimento de um conceito indeterminado e que se encontra na confluência entre o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva, o princípio da proibição da indefesa, o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material e o princípio da proporcionalidade.
J. Para além de violar ostensivamente aqueles princípios constitucionais, a decisão do TCAS demonstra o conflito permanente entre a busca da celeridade processual, o princípio do inquisitório e os princípios constitucionais que visam assegurar a tutela jurisdicional efetiva.
K. Caberá a este STA pronunciar-se, como órgão de cúpula, sobre qual destes princípios deve ter primazia... e se é lícito considerar a priori irrelevante a prova testemunhal, nas situações em que o facto a provar é complexo e depende de um juízo subjetivo; tanto basta para demonstrar a relevância jurídica fundamental desta questão.
L. Quanto à relevância social fundamental, entende a Impugnante que este caso apresenta contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma para a orientação de outros casos (cfr. nas palavras deste STA, Acórdão de 30.04.2013, processo n.º 0562/13).
M. Com efeito, existem variadíssimas normas tributárias que impõem ao sujeito passivo a comprovação de um facto, sem se indicar o tipo de prova admissível e em relação às quais a prova testemunhal não deve ser restringida (cfr., artigos 14.º, n.º 15, alínea a), última parte, 23.º-A, n.º 8, 51.º-B, n.º 3, 53.º, n.º 7, 139.º, n.º 1, para citar apenas o Código do IRC).
N. Ora, a resolução do presente caso poderá se revelar paradigmática, através da fundamentação proferida por este STA, para a resolução de muitos outros casos, nomeadamente quando estejam em causa os artigos mencionados.
O. Ou seja, a decisão do STA in casu servirá para os restantes tribunais (com destaque para o Venerando TCAS) aferirem se podem simplesmente decidir que a prova testemunhal é irrelevante, quando está em causa a demonstração de um facto complexo de apreciação inerentemente subjetiva.
P. Entende-se também que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que o juízo a priori da pertinência ou impertinência da prova testemunhal, nas situações em que a lei impõe ao sujeito passivo a prova de um facto complexo, que exige um juízo eminentemente subjetivo, deve merecer a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa para dissipar dúvidas.
Q. Tanto basta para que o presente recurso seja admitido.
R. Quanto à segunda questão, a Impugnante havia imputado dois vícios ao ato impugnado: (i) a administração tributária não aplicou o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT e (ii) a administração tributária não teve em conta que o requerimento apresentado a 28.01.2007 para ilidir a presunção legal prevista no n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC havia já sido tacitamente deferido por força do artigo 64.º do CPPT.
S. Toda a doutrina e toda a jurisprudência que se debruçaram sobre o regime de subcapitalização qualificam o artigo 61.º sub judice como uma norma específica antiabusiva, o que também decorre explicitamente do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 5196, de 29 de janeiro.
T. Sendo uma norma específica antiabuso, a sua aplicação estava dependente do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT (nesse sentido, ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ DA SILVA PAIXÃO).
U. Contra tudo isto, o TCAS refere apenas que o regime de subcapitalização mais não é do que uma correção aritmética à matéria colectável de IRC, pelo que, não sendo uma norma antiabuso, não se lhe aplica o artigo 63.º do CPPT.
V. A Impugnante havia arguido também que o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC continha implícita uma presunção legal, sujeita ao artigo 64.º do CPPT (conforme ensinam os ILUSTRÍSSIMOS CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA e PROF. CASALTA NABAIS).
W. Embora a existência desta presunção legal seja de difícil apreensão, a mesma encontra-se ínsita no regime de subcapitalização, como demonstram aqueles AUTORES.
X. Assim sendo, é aplicável à subcapitalização o regime previsto no artigo 64.º do CPPT, conforme ensina o VENERANDO CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA, tendo o requerimento apresentado pela Impugnante a esse propósito sido tacitamente deferido.
Y. Contra isto, o TCAS refere apenas que “as correcções técnicas em causa nada têm que ver com a determinação da matéria colectável por presunção”, não lhe sendo aplicável o artigo 64.º do CPPT.
Z. A forma como o TCAS contraria toda a doutrina e jurisprudência que alguma vez se debruçaram sobre a subcapitalização, bem como os considerandos do próprio legislador, sem para o efeito argumentar o que quer que seja nesse sentido, configura um erro grosseiro e faz duvidar se não foi operada uma inversão do processo cognitivo que deve presidir a qualquer decisão judicial: primeiro devem ser analisados todos os factos e o direito aplicável e depois – apenas depois – se deve decidir.
AA. O TCAS cortou cerce o debate, esquivando-se assim à necessidade de fundamentar duas questões essenciais:
i) porque razão não considera aplicável o artigo 63.º do CPPT à norma de subcapitalização, que é considerada unanimemente como uma norma específica antiabuso?
ii) porque razão não considera aplicável o artigo 64.º do CPPT à norma de subcapitalização, que é considerada unanimemente como estabelecendo uma presunção implícita?
BB. O Venerando TCAS resolve estes problemas (insolúveis de outra forma), decidindo, sem a adequada explicação, que não está em causa uma norma antiabuso e que não existe qualquer presunção implícita, cometendo um duplo erro patente e ostensivo.
CC. Entende a Impugnante que a incorreta caracterização, pelo TCAS, de um instituto jurídico-tributário como é o regime da subcapitalização, que foi introduzido no ordenamento português há quase 20 anos, como uma das três primeiras medidas antiabusivas criadas na lei tributária nacional, reveste uma importância jurídica fundamental.
DD. Ademais, este regime, pela sua excecionalidade na fiscalidade portuguesa, apresenta contornos de grande complexidade, tal como a doutrina aliás sempre salientou, complexidade essa comprovada pelos erros grosseiros do Venerando TCAS, comprovando-se assim de novo a relevância jurídica fundamental da questão.
EE. Quanto à relevância social fundamental da mesma, é de sublinhar que correm atualmente em tribunal vários casos com contornos muito semelhantes, todos de valor elevadíssimo, que clamam por um Acórdão do STA que venha dar a última palavra na sua qualidade de órgão de cúpula.
FF. Entende-se também que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, não se visando apenas a correção de um erro ostensivo in casu mas também, e principalmente, providenciar coordenadas para uma melhor aplicação do direito, mormente do correto enquadramento dos institutos jurídico-tributários fundamentais, como sejam (i) as medidas antiabuso, (ii) a existência de presunções implícitas e (iii) o regime da subcapitalização.
GG. Como terceira questão, a Impugnante considera ainda que o Acórdão sub judice comete um erro ostensivo e manifesto no que toca a interpretação do regime de subcapitalização e a sua incompatibilidade com uma norma constante da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos.
HH. A Impugnante alegou (e demonstrou) que a liquidação impugnada violava o artigo 26.º n.ºs 4 e 5 da CDT celebrado entre Portugal e os EUA, sendo por conseguinte inconstitucional por violação do artigo 8.º da CRP, uma vez que estabelece uma discriminação entre juros pagos a residentes e juros pagos a um residente nos EUA, algo que não é permitido pela CDT, conforme explicitamente referem os Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património.
II. A Recorrente alegou também que não se poderia argumentar contra o exposto referindo que o artigo 11.º, n.º 8 da CDT celebrado entre Portugal e os EUA permite a aplicação do artigo 61.º, n.º 1 do Código do IRC.
JJ. Isto porque o n.º 8 do artigo 11.º da CDT permite apenas a desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes; pelo contrário, o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar muito mais: todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio.
KK. De acordo com a norma da CDT, a Administração Tributária teria de analisar qual o montante de juros que não seria pago entre entidades independentes (e desconsiderar esse excesso), sublinhando-se que este "excesso de juros" nada tem que ver com o "endividamento excessivo" referido no regime da subcapitalização da nossa lei interna: um diz respeito aos juros pagos em excesso face às condições de mercado, e o outro tem a ver com o limite de endividamento a partir do qual se aplica o regime.
LL. Pelo contrário, a Administração Tributária apenas calculou quais os juros relativos a empréstimos que excedem o dobro da participação no capital, e desconsiderou todos esses juros, violando-se assim explicitamente o estabelecido na CDT, até porque a Administração Tributária nunca chegou a referir qual seria o juro de mercado, ou seja, o juro que seria praticado entre entidades independentes.
MM. Perante tudo isto, o TCAS refere apenas que "estando em causa a regra de não dedutibilidade de um custo em IRC por falta de comprovação dos seus pressupostos, da efetividade e da indispensabilidade, não se antolha quebra por parte do regime dos normativos internacionais convocados".
NN. O TCAS comete um erro grosseiro sobre uma questão que reveste uma importância fundamental para efeitos do artigo 150.º do CPTA, uma vez que a mesma reconduz-se "a uma tarefa de interpretação e conjugação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional" com normas internas, que determinam ou podem determinar soluções jurídicas diversas em face de conceitos complexos, utilizando as doutas palavras deste próprio STA (Acórdão de 18.06.2013, processo n.º 0571/13).
OO. Está em causa a incompatibilidade entre a norma de subcapitalização interna e a norma de não descriminação constante nos n.ºs 4 e 5 do artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, sendo igualmente necessário apreciar o disposto no artigo 11.º n.º 8 da referida CDT, que estabelece o tratamento fiscal a conferir aos juros excessivos face à regra de mercado.
PP. Note-se que estão em causa dois dos mais complexos institutos tributários (subcapitalização e preços de transferência), conjugados com um dos princípios basilar do direito internacional convencional, o que demonstra a importância jurídica fundamental da questão.
QQ. Tendo presente que as normas de não discriminação, assim como a norma que consta do artigo 11.º n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, estão presentes em todas as CDT celebradas pelo Estado Português, considera-se verificada também uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões, nomeadamente no escopo daquele princípio fundamental.
RR. Por último, mesmo que se considere que nenhuma das questões apontadas per se tem a virtude de legitimar um recurso de revista (o que apenas se admite por mero dever de patrocínio), sempre se dirá que a conjugação de todas toma imperativo a admissão do recurso.
SS. Isto porque todas as questões supra foram decididas com erro grosseiro, devendo este Venerando STA deixar claro que a pressão em reduzir pendências não pode legitimar decisões proferidas sem a compressão devida da matéria sub judice, por mais complexa que esta seja.
TT. E não pode este STA ignorar que o presente caso clama por um recurso, devendo a decisão sub judice ser rejeitada por um sistema - qualquer sistema - que preze esse nome.
UU. Termos em que a conjugação de todas as questões suscitadas supra, quando encaradas no seu conjunto - e mesmo que se considere que individualmente não tenham esse condão, o que não se admite - tornam a admissão do presente recurso indeferível, já que poucos casos haverá onde é tão absolutamente necessária uma melhor aplicação do direito.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. A revista foi admitida por Acórdão de fls. 758 e segs. e que se transcreve na parte que interessa:
“O acórdão recorrido julgou verificada a arguida nulidade por omissão de pronúncia do anterior acórdão do TCA -Sul proferido nos autos - que não se pronunciara sobre o recurso do despacho interlocutório proferido em 1.ª instância que dispensara a produção de prova testemunhal por desnecessidade -, anulando-o, julgando, após, não merecer censura o despacho que dispensou a produção de prova testemunhal, porquanto, estando em causa a aplicação do (então) n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC e sendo a questão controvertida a de saber se a impugnante fez prova de que os empréstimos contraídos com a casa não foram obtidos em condições análogas às que seriam obtidos junto de entidades independentes, em livre concorrência, a prova em causa depende de elementos contabilísticos, bancários, financeiros e económicos, através dos quais se forme a convicção sobre as condições de mercado de empréstimos naquele sector de actividade, (…) não relevando no caso a prova testemunhal, pois que da mesma não se extrai elementos objectivos que permitam integrar o âmbito previsivo em apreço, para além dos que resultam dos referidos elementos documentais (cfr. acórdão recorrido, a fls. 599/600 dos autos).
No que concerne ao mérito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial da liquidação de IRC referente ao exercício de 2006, o acórdão recorrido concedeu-lhe provimento, no entendimento de que, em face dos elementos coligidos nos autos, e contrariamente ao julgado em 1.ª instância, se impunha concluir que a recorrida não fez prova de que os empréstimos contraídos com a casa mãe foram obtidos em condições análogas às que seriam obtidos junto de entidades independentes, em livre concorrência (…). Prova que, perante a demonstração dos pressupostos elencados no artigo 61.º/1, do CIRC, por parte da AT, cabe à impugnante/recorrida efectuar. Ónus que, como resulta dos autos, em particular do relatório de inspecção que suporta a correcção em análise, a mesma não cumpriu (…) – cfr. acórdão recorrido, a fls. 626 dos autos. Passando a conhecer em substituição dos demais fundamentos da impugnação, o acórdão recorrido apreciou o alegado vício de preterição de formalidades essenciais – não aplicação do regime previsto no artigo 63.º do CPPT e não aplicação do regime previsto no artigo 64.º do CPPT (acórdão recorrido, a fls. 627/628 dos autos), da alegada fundada duvida sobre o facto tributário (acórdão recorrido, a fls. 628/629 dos autos) e da alegada violação do acordo para evitar a dupla tributação, celebrado entre Portugal e os EUA e da alegada inconstitucionalidade do artigo 61.º/1 do CIRC (acórdão recorrido, a fls. 629/632 dos autos), julgando-os a todos inverificados, razão pela qual julgou improcedente a impugnação.
Havia entendido a 1.ª instância que não houvera no procedimento conducente ao acto de liquidação preterição de formalidades essenciais, pois que o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT não seria aplicável nos casos em que estão em causa disposições anti-abuso de natureza especial, como é a prevista no art. 61.º do CIRC, não sendo igualmente aplicável o deferimento tácito previsto no n.º 3 do artigo 64.º do CPPT porque o requerimento apresentado pela impugnante a 28/01/2007 foi apresentado ao abrigo do disposto no n.º 6 e 7 do CIRC, e não ao abrigo do procedimento especial previsto no art. 64.º do CPPT (…), não sendo oponível à AT um efeito jurídico resultante de um normativo legal, quando no próprio requerimento não se faz menção à utilização desse procedimento e ainda porque sendo tal procedimento alternativo ao uso da reclamação graciosa e impugnação judicial, e tendo a impugnante deduzido a presente impugnação judicial, não se verificam os pressupostos do n.º 1 daquele preceito legal para que pudesse operar o deferimento tácito da petição. Não obstante, entendeu a 1.ª instância verificado o vício de violação de lei da liquidação, pois que a posição da AT – de que a Impugnante não satisfez o ónus da prova que sobre si impendia uma vez que antes de recorrer a empréstimos intragrupo deveria ter tentado efectivamente obtê-los junto de instituições bancárias independentes, e como não o fez, nunca poderá fazer prova do requisito legal de que “poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento -, não tem qualquer assento legal, pois que o então n.º 6 do artigo 61.º do CIRC apenas exige que o sujeito passivo demonstre que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente, não prevendo a lei que essa demonstração revista a forma de tentativa prévia e efectiva de obtenção de empréstimo, tendo a sentença recorrida julgado que a Impugnante satisfez o seu ónus da prova ao demonstrar as condições que, objectivamente, instituições bancárias nacionais associavam a financiamentos em tudo idênticos ao contratado, havendo que considerar que a Impugnante efectuou a prova exigida no art. 61.º, n.º 6 do CIRC, e ainda que assim não se entenda, a adequada para que seja aplicado o disposto no art. 100.º do CPPT (cfr. sentença recorrida, a fls. 400 a 406 dos autos), juízo último este que o TCA-Sul não confirmou.
Resulta do exposto que a divergência fundamental entre a sentença revogada e o acórdão recorrido respeita à apreciação que neles foi efectuada quanto à verificação do alegado vício de violação de lei imputado à liquidação, resultando tal divergência essencialmente da (diversa) valoração da prova junta pela impugnante para efeitos de afastamento da aplicação do regime da subcapitalização nos termos do então n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC, prova essa que, nos termos do n.º 7 do mesmo preceito legal, devia integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º (do Código do IRC).
Pretende, contudo, a recorrente a admissão de revista excepcional quanto a três questões (i) uma questão de prova, (ii) uma questão procedimental e (iii) uma questão de direito internacional alegadamente todas de carácter fundamental e que preenchem os requisitos do artigo 150.º do CPTA, pois sobre cada uma delas o TCAS cometeu (…) um erro judicial patente e ostensivo, são questões que se revestem de importância fundamental e fazem com que a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. alegações de recurso a fls. 696 dos autos e respectiva conclusão A).
Contrariamente ao alegado não se vê, contudo, que em relação à questão de prova e à questão procedimental colocadas pela recorrente se justifique a admissão da revista.
No que à questão de prova respeita porque decorre inequivocamente do disposto no n.º 4 do artigo 150.º do CPTA, supra transcrito, que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não é o caso dos autos, pois que, quando muito, se poderia era retirar do n.º 7 do artigo 61.º do Código do IRC argumento justificativo do juízo confirmativo da sentença recorrida proferido pelo TCA-Sul quanto à inexistência de erro de julgamento do despacho que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante. No demais, é gratuita e infundamentada a suspeição de que o juízo efectuado no acórdão recorrido quanto à prova se deveu, de algum modo à enorme pressão sobre os Tribunais para despachar processos e não se alcança como uma decisão sobre prova, inteiramente dependente das concretas circunstâncias do caso concreto, possa ser um paradigma para a orientação de outros casos futuros, de modo a justificar a admissão da presente revista.
No que respeita à questão procedimental – preterição de formalidades essenciais por não aplicação do regime previsto no artigo 63.º do CPPT e não aplicação do regime vertido no artigo 64.º do CPPT –, não se nos afigura, contrariamente ao alegado, que tenha sido cometido qualquer erro ostensivo na apreciação de tais questões ou que estas se revelem de importância jurídica ou social fundamental. Da qualificação do regime da subcapitalização como norma especial anti-abuso não decorria necessariamente - como bem demonstrou a sentença de 1.ª instância que, neste particular, foi corroborada pelo acórdão recorrido -, que lhe fosse aplicável o regime do artigo 63.º do CPPT, como pretendido pela recorrente, sendo que a aplicação do procedimento previsto no artigo 64.º do CPPT se encontrava, in casu, prejudicada pelo facto de o requerimento apresentado pela impugnante em 28/01/2007 o ter sido ao abrigo do disposto no n.º 6 e 7 do CIRC, e não ao abrigo do procedimento especial previsto no art. 64.º do CPPT e da a impugnante não ter renunciado – antes ter usado -, a via alternativa da impugnação judicial. Para além do mais, também estas questões procedimentais, em si mesmas, não se mostram particularmente complexas ou intrincadas, a justificar a revista em razão da importância jurídica fundamental da questão, ou susceptíveis de se repetirem, com contornos semelhantes, num número indeterminado de casos futuros, porquanto como bem reconhece o recorrente, o regime de subcapitalização foi entretanto revogado e o artigo 63.º do CPPT tem hoje redacção clara no sentido da sua aplicação exclusiva à disposição anti-abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, mais parecendo que a aplicabilidade do artigo 64.º do CPPT estava in casu prejudicada pelas particularidades do caso dos autos, como decidido na sentença de 1.ª instância.

Já no respeita à questão de direito internacional – em particular a questão da compatibilidade do regime de subcapitalização com os artigos 26.º, n.ºs 4 e 5 e 11.º, n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, bem como, por se tratar de questão de conhecimento oficioso, a compatibilidade de tal regime com o princípio europeu da liberdade de circulação de capitais – afigura-se-nos justificada a admissão da presente revista.
As questões que reclamam a concatenação de normas nacionais de aplicação exclusiva a não residentes – como era o regime da subcapitalização – com os princípios de direito europeu e de direito internacional são geralmente questões problemáticas de elevada complexidade, porquanto, desde logo, pressupõem a apreensão de um quadro legal particularmente amplo e o apelo a princípios fundamentais objecto de interpretação comunitária cuja observância se impõe aos Estados-Membros. E daí que se afigure tratar-se de questão de importância jurídica fundamental, a justificar a admissão da presente revista quanto a essa questão, tanto mais que, no caso dos autos, a fundamentação constante do acórdão recorrido quanto à questão de direito internacional não ponderou - sequer para afastar no caso concreto a sua aplicabilidade -, a decisão contida no Acórdão do TJUE de 3 de Outubro de 2013, processo C-282/12, proferida em reenvio prejudicial oriundo do TCA-Sul no processo 5365/12, afigurando-se, pois, necessária a intervenção deste STA, enquanto órgão de cúpula do sistema na elucidação dessa questão de importância jurídica fundamental.
Vai, pois, admitida a revista, exclusivamente quanto à questão de direito internacional, nos termos supra expostos.
- Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acorda-se em, nos termos supra definidos, admitir o presente recurso de revista para conhecimento da questão de direito internacional suscitada nos autos.”

5. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se de acordo com o seguinte parecer:
“O douto Acórdão de fls. 758 e sgs. admitiu a revista, exclusivamente quanto à questão de direito internacional, por considerar “necessária a intervenção deste STA, enquanto órgão de cúpula do sistema, na elucidação dessa questão de importância jurídica fundamental”.
A questão tem a ver com a compatibilização do regime de subcapitalização com as normas de não discriminação constantes dos n.ºs 4 e 5 do art. 26.° e 11.º, n.° 8 da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, “bem como, por se tratar de uma questão de conhecimento oficioso, a compatibilidade de tal regime com o princípio europeu da liberdade de circulação de capitais”.
Relativamente a essa questão considerou o douto Acórdão recorrido, ponderando na sua análise o Acórdão do TJUE, de 13.03.2007, in P. C-524/04 e as anotações ao art. 11.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o rendimento e o património, que esteve na base da CDT Portugal-EUA, que “estando em causa a não dedutibilidade de um custo de IRC por falta de comprovação dos seus pressupostos, da efectividade e da indispensabilidade, não se antolha quebra por parte do regime aplicado dos normativos internacionais convocados; que “(n)ão se trata de tributar o excesso dos juros pagos, mas de desconsiderar o excesso do juro como custo de exercício em sede de IRC, o que (...) não é proibido pelo direito internacional”. Conclui “por outras palavras” que “a regra da não dedutibilidade em exame não configura discriminação entre entidades residentes e não residentes, nem ofensa da regra de tributação apenas do excesso de juros pagos, pois do que se trata é de não dedução de um custo por parte de uma entidade residente”.
A fundamentação da douta decisão em revista não ponderou, no entanto, como oportunamente se aponta no douto Acórdão de fls. 758 e sgs., a decisão contida no Acórdão do TJUE, de 3 de Out., P. C-282/12, proferida em sede de reenvio prejudicial oriundo do TCA-Sul no processo n.° 5365/12, decisão que igualmente não foi tida em conta aquando da emissão do parecer de fls. 752 e sgs.. E essa decisão, salvo melhor entendimento, tem inegável aplicação no caso dos autos pois a questão prejudicial que aí se colocava era, no essencial, a de saber se o regime de subcapitalização decorrente da conjugação do art. 61.° do CIRC com art. 58°, n.° 4 do mesmo diploma legal estava ou não em colisão com a norma do art. 63.° do TFUE (antigo art. 56.° do TCE), que expressamente proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Concretamente foi colocada ao TJUE a seguinte questão prejudicial:
«Os artigos 63.° [TFUE] e 65.º [TFUE] (antigos artigos 56.° [CE] e 58.° [CE]) opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a do artigo 61.º CIRC [[...]] que, no âmbito de uma situação de endividamento de um sujeito passivo residente em Portugal para com entidade de país terceiro com a qual mantenha relações especiais nos termos do artigo 58.º, n.° 4, do CIRC, não permita a dedutibilidade como custo fiscal dos juros, relativos à parte do endividamento considerada em excesso nos termos do artigo 61.º n.° 3, do CIRC, suportados e pagos pelo sujeito passivo residente em território nacional nas mesmas circunstâncias que aos juros suportados e pagos por sujeito passivo residente em Portugal cujo excesso de endividamento se verifique perante uma entidade residente em Portugal com a qual mantenha relações especiais?»
Da análise conjugada das normas dos art. 61°, n.°s 1 e 3 e 58°, n.° 4 do CIRC retirou o TJUE a conclusão de que quando o endividamento de uma sociedade residente para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, for considerado excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável da sociedade residente e tal já não ocorre, de acordo com o n.° 1 daquele art. 61.º, quando a sociedade mutuante reside no território português ou em outro Estado-Membro, o que constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo art. 56.° do TCE (art. 63.° do TFUE).
Essa restrição, segundo a decisão a que se vem aludindo, só é admissível se justificada por “uma razão imperiosa de interesse geral”. “Mas é ainda necessário” nesse caso, acrescenta-se, “que seja adequada para garantir a realização do objectivo em causa e não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objectivo (...)”.
Ora, embora tenha admitido que uma legislação como a que está em causa nos presentes autos é susceptível de “evitar práticas cujo único objectivo seja iludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por actividades exercidas no território nacional” sendo, por isso, adequada para alcançar o objectivo de combate à fraude e evasão fiscais e tenha também ponderando, quer o disposto no n.° 6 do art. 61.º do CIRC quer a circunstância de nos termos do n.° 1 do preceito só não serem dedutíveis os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso, ainda assim entendeu o TJUE que a legislação em escrutínio ultrapassava o que era necessário para alcançar o seu objectivo (o do combate à fraude e evasão fiscal) (Cita, nomeadamente, o Acórdão do TJUE, de 13.03.2007, P. C-524/04, mencionado na decisão em revista.).
Observou, a esse propósito, que o conceito de relações especiais, vertido no art. 58°, n.° 4 do CIRC, engloba situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um país terceiro no capital da sociedade mutuária residente e que, na falta dessa participação, “resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no artigo 61. n.° 3, do CIRC que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo”. Considerou que nessas circunstâncias a legislação em causa afecta comportamentos cuja realidade económica não pode ser contestada. Que a mesma, em tal situação, presumindo uma erosão da base tributável do IRC devido pela sociedade mutuária residente, vai para além do que é necessário para alcançar o seu objectivo de combate à fraude e evasão fiscal.
Considerou, para além disso, que a legislação apreciada não permitia determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação, não satisfazendo as exigências da segurança jurídica indispensável para pode ser considerada como proporcionada aos objectivos prosseguidos.
Nessa conformidade, respondendo à questão que lhe havia sido submetida, declarou o TJUE que «(o) artigo 56° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num pais terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objectivo é iludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação.».
Face a esta pronúncia e tendo em conta o primado do direito comunitário sobre o direito interno, haverá de se concluir, salvo melhor opinião, que o regime jurídico da “subcapitalização” em que se fundamenta a liquidação do IRC impugnada não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.° do TCE (art. 63.° do TFUE) e, como tal, não deve ser aplicado.
Nessa conformidade, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogado o douto Acórdão em revista, quanto ao segmento em causa, julgando em consequência procedente a impugnação e anulando a liquidação impugnada.
É o meu parecer.”

6. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto
A) A impugnante exerce a actividade de restaurantes não especificados, correspondente ao CAE n.° 055306 (cfr. fls. 6 do Processo Administrativo)
B) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao exercício de 2006, no montante de 1.130.334,20€ (cfr. relatório de inspecção de fls.4 e ss do Processo Administrativo).
C) As correcções mencionadas na alínea anterior foram efectuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 7 a 26 dos autos):
“III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS A MATÉRIA TRIBUTÁVEL
111-1 - SUBCAPITALIZAÇÃO
111-1-1 - DESCRIÇÃO DO PEDIDO
A A………… Portugal, tendo excedido, nos dois exercícios objecto de análise, o rácio de subcapitalização previsto nos números 1 e 3 do artigo 61º do CIRC, anexou aos dossiers fiscal a que alude o artigo 121° do CIRC, justificações relativas aos exercícios de 2005 e 2006, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.°s 6 e 7 do artigo 61° do CIRC, onde pretende demonstrar que o nível e condições de endividamento junto da A…………. Restaurant Operations Inc., entidade não residente com a qual tem relações especiais, são análogos aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente - ver Anexo 1, doc. 1/16 a 16/16 e Anexo 2, doc. 1/17 a 17/17.
Para o efeito justifica:
Que a empresa se encontrava, à data, em período de forte expansão, que se traduziu na abertura de muitos novos estabelecimentos de restauração rápida (fast-food), nos últimos anos;
Que no âmbito da sua estratégia de implementação no mercado nacional, a localização dos restaurantes desempenha um papel fundamental e constituí um factor decisivo para o sucesso do negócio;
Que a localização ideal ou óptima dos estabelecimentos é bastante onerosa, pelo que se tomaram necessários avultados investimentos.
No exercício de 2005 vigoraram sete empréstimos que totalizavam € 108.000.000 e no de 2006 seis que perfaziam € 87.000.000, conforme quadros seguintes
(…)
Relativamente a 2005 o montante no final do exercício era de € 74.000.000, uma vez que o empréstimo de 2001 que findou em Setembro foi primeiramente renovado por três meses e posteriormente por um ano. Já quanto a 2006 o exercício terminou com um total de endividamento de € 50.000.000, dado que o empréstimo de € 10.000.000 de Maio de 2001, só foi renovado em €3.000.000 e, o de € 17.000.000 foi transferido, na data do seu vencimento, para prestações suplementares.
Estes financiamentos geraram na A………… Portugal um endividamento excessivo à luz dos critérios e rácio estabelecidos no citado artigo 61º do CIRC, no final de cada um dos exercícios em análise (2005 e 2006), de 68,60% e 38,98%, respectivamente, como mais à frente se demonstra.
Entende contudo a empresa que, as condições obtidas são favoráveis, nomeadamente as taxas de juro acordadas com a A………… Restaurant Operations Inc., inferiores às que seriam praticadas por uma instituição financeira independente, apresentando como prova propostas de financiamento apresentadas pelo Barclays Bank - Sucursal em Portugal e pelo Millennium BCP Investimento - ver folhas 14 a 16 do Anexo 1 e folhas 14 a 17 do Anexo 2.
Conclui a A………… Portugal que as razões invocadas na exposição “bem como o teor dos documentos que anexam, são suficientes para constituir prova de que as condições do financiamento considerado excessivo são análogas, ou mesmo mais favoráveis, às condições praticadas por entidades independentes, razão pela qual não lhe será aplicável o n.º 1 do art.º 61° do Código do IRC”.
111-1-2 - ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO
Desde 1996 que o Código do IRC tem uma disposição, artigo 61.° (anterior art.º 57°- C aditado pelo Dec.-Lei n.º 5/96, de 29 de Janeiro), que considera não serem dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, os juros na parte respeitante ao endividamento considerado excessivo contraído junto das entidades não residentes com as quais existam relações especiais.
Conforme determina o n.° 3 do mesmo artigo, o endividamento é considerado excessivo se o valor das dívidas mantidas com cada uma das entidades acima referidas, com referência a qualquer data do período de tributação, for superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo.
De acordo com o n.° 5, para o cálculo do capital próprio adiciona-se o capital social subscrito e realizado com as demais rubricas como tal qualificadas pela regulamentação contabilística em vigor, excepto as que traduzem mais - valias ou menos - valias potenciais ou latentes, designadamente as resultantes de reavaliações não autorizadas por diploma fiscal ou da aplicação do método da equivalência patrimonial.
Existem relações especiais, nas situações elencadas no n.° 4 do art. 58.° do CIRC, de que se destaca:
“Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos termos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;
g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:
1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know how detidos pela outra;
3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;
Ora, quando uma empresa, a A………… Restaurant Operations Inc., com domicílio fiscal nos Estados Unidos da América, é detentora de 99,99998% do capital social da Sistemas A…………. Portugal Lda., as relações especiais a que alude o n.° 4 do art. 58.° do CIRC, estão devidamente comprovadas.
Nos termos do n° 6 do citado artigo 61º do CIRC, não é aplicável o disposto no n.° 1 se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.° 3, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes, e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais, que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.
Também a Convenção entre a República portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 39/95, de 21 de Junho de 1995, dispõe no seu artigo 11º n.° 8 que “quando, devido a relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa, o montante dos juros pagos, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso, o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada Estado Contratante, tendo em conta as outras disposições desta Convenção”.
No geral, este regime consiste num instrumento legal de combate às práticas abusivas de endividamento excessivo das sociedades em relação aos sócios ou a outras entidades não residentes com quem tenham relações especiais, de modo a evitar que obtenham vantagem fiscal, derivada do tratamento que a lei concede aos juros e aos lucros distribuídos.
Tratando-se de um investidor não residente, é certamente muito mais vantajoso o rendimento que resulte de juros concedidos a uma sua subsidiária em detrimento do rendimento que possa ser esperado de um reforço do capital próprio dessa outra sociedade, na medida em que os juros são, em princípio (se não houvesse esta condicionante), dedutíveis na determinação do lucro tributável, portanto diminuem a incidência do imposto na esfera da empresa devedora e o financiador também tem vantagens, uma vez que no âmbito da convenção Portugal/EUA, a taxa de retenção na fonte aplicável aos juros (10%) é mais baixa do que a aplicável aos lucros distribuídos (15%).
Daí que o legislador tenha recorrido a um instrumento legal “... definição de um coeficiente de endividamento, tido como normal para a generalidade das empresas, que, uma vez ultrapassado, origina que a parte dos juros correspondentes às dívidas em excesso seja qualificada, para efeitos de tributação como lucros distribuídos. De tal qualificação decorre, portanto, a não aceitação dessa parte dos juros como encargos dedutíveis para a determinação do lucro do devedor, relativamente ao período em que foi ultrapassado o coeficiente do endividamento” (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 5/96, diploma que aditou a artigo sobre subcapitalização ao Código do IRC).
Pelo facto de ter excedido o coeficiente a que se refere o n.° 3 do artigo 61º do CIRC, a A…………. Portugal, juntou ao dossier fiscal justificações para a excepção à regra de subcapitalização em conformidade com o prescrito nos n.º 6 e 7 do referido artigo.
111-1-3 - ANÁLISE DOS ELEMENTOS
III -1-3-1 - CAPITAIS PRÓPRIOS
Como já se fez referência no ponto II-C-I Caracterização do Sujeito Passivo, o capital social da A………… Portugal, no montante de 4.300.000,00 €, é pertença das firmas americanas, A………… Restaurant Operations Inc. (99.998%) e A………. Corporation (0.002%), e encontra-se totalmente realizado.
Os capitais próprios, tal como são definidos no n.° 5 do art.° 61° do CIRC, constam do quadro seguinte: // (...) //
Como se pode constatar pela leitura do quadro, as diferentes rubricas, com excepção dos resultados líquidos e dos resultados transitados, mantiveram-se inalteradas ao longo do exercício.
Refere-se que, não especificando a lei qualquer data de referência para o cálculo do capital próprio relevante para a determinação do coeficiente de endividamento, parece ser de admitir que o montante do capital próprio seja obtido pela média aritmética dos respectivos montantes que constam em dois balanços sucessivos.
111-1-3-2- ENDIVIDAMENTO E JUROS
111-1-3-2-1- EXERCÍCIO DE 2005
Face às necessidades de investimento evocadas, a A………… Portugal financiou-se junto da sua sócia majoritária, a A……….. Restaurant Operations Inc..
Entre Outubro de 1999 e Dezembro de 2005, contraiu 7 empréstimos, conforme quadro seguinte: (...)
No final de 2005, o total dos empréstimos junto da casa mãe ascendia a €74.000.000,00, pelo facto dos empréstimos de € 17.000.000,00 contraídos em Setembro de 2001 e Setembro de 2005, já se terem vencido e sido substituídos por outro de igual montante (€17.000.000,00), com início em 19 de Dezembro de 2005.
Assim, durante todo o exercício de 2005 a média de empréstimos concedidos pela A………… Restaurant Operations Inc. foi de € 74.000.000.
Os empréstimos estão titulados, exclusivamente, segundo a A…………. Portugal, por “Intercompany Notes”, redigidas em inglês e assinadas por um director da empresa portuguesa - ver folhas 5 a 11 dos Anexos 1, doc. 1/16 a 16/16.
Nesses documentos são estabelecidas as condições dos empréstimos como: o montante, o início, o fim, a taxa de juro, a periodicidade do pagamento dos juros, etc..
Contêm ainda uma disposição que estabelece que os juros serão líquidos de quaisquer taxas ou impostos devidos em Portugal.
Talvez com base nesta norma, a A………… Portugal, calculou os juros, nos três empréstimos mais antigos, com base numa taxa superior, por forma a que deduzida a retenção na fonte à taxa da convenção (10%), o montante líquido a pagar correspondesse à taxa efectiva fixada - ver quadro seguinte: // (...)
Como se pode observar, apenas nos empréstimos mais recentes, contraídos após 2003, a taxa de juro praticada foi igualou aproximada à acordada, donde resulta uma taxa líquida inferior. Nos restantes cálculos a taxa de juro foi majorada de forma a obterem os resultados desejados.
Os encargos com os juros destes financiamentos atingiram no exercício de 2005 - 3.396.987,00€- ver Anexo 5, doc. 1/10 a 10/10.
111-1-3-2-2-EXERCÍCIO DE 2006
No exercício de 2006 mantiveram-se os financiamentos por parte da sócia maioritária A………… Restaurant Operations Inc. à A………… Portugal.
Entre Outubro de 1999 e Setembro de 2006, vigoraram 7 empréstimos, conforme quadro seguinte: // (...)
No final de 2006, o montante dos empréstimos junto da casa mãe ascendia a € 50.000.000,00, pelo facto dos empréstimos de € 10.000.000,00 contraídos em Maio de 2001 e Maio de 2006, já se terem vencido e sido substituídos por outro de € 3.000.000,00 com início a 23 de Setembro de 2006 e com a duração de 7 meses, assim como, devido à transferência do empréstimo de € 17.000.000,00 vencido a 19 de Dezembro de 2006, para prestações suplementares.
No quadro seguinte procede-se ao cálculo da média de empréstimos: // (…)
Assim, durante todo o exercício de 2006 a média de empréstimos concedidos pela A………… Restaurant Operations Inc. foi de € 71.476.712,33.
Como nos exercícios anteriores os empréstimos estão titulados, exclusivamente, segundo a A………. Portugal, por “Intercompany Notes”, redigidas em inglês e assinadas por um director da empresa portuguesa - ver folhas 5 a 10 do Anexo 2, doc. 1/17 a 17/17.
Nesses documentos são estabelecidas as condições dos empréstimos como: o montante, o início, o fim, a taxa de juro, a periodicidade do pagamento dos juros, etc..
Contêm ainda uma disposição que estabelece que os juros serão líquidos de quaisquer taxas ou impostos devidos em Portugal.
Nos três empréstimos mais antigos, a A………… Portugal, continuou a calcular os juros com base numa taxa superior à estabelecida, por forma a que deduzida a retenção na fonte à taxa da convenção (10%), o montante líquido a pagar correspondesse à taxa efectiva fixada - ver quadro seguinte: // (...)
Só nos empréstimos mais recentes, contraídos após 2003, a taxa de juro praticada foi igualou aproximada à acordada, donde resulta uma taxa líquida inferior. Nos restantes cálculos a taxa de juro foi majorada de forma a obterem os resultados desejados.
Os encargos com os juros destes financiamentos atingiram no exercício de 2005 2.906.816.646- ver Anexo 6, doc. 1/9 a 9/9.
111-1-3-3 - EXCESSO DE ENDIVIDAMENTO
Como se viu no ponto 111-1-3-1 - Capitais Próprios, o capital próprio de referência para efeitos de subcapitalização (n.° 5 do art.° 61º do CIRC) será a média aritmética dos capitais próprios no início e no final de cada um dos exercícios, ou seja, para 2005 € 11.618.955,66 [(10.626.602,70 + 12.611308,62)/2] e para 2006 € 21.809.059,07 [(12.611.308,62 + 31.006.809,51)/2].
A entidade financiadora, a A…………. Restaurant Operations Inc. detém 99,99998 % do capital social, pelo que lhe corresponde a mesma percentagem do capital próprio, isto é, € 11.618.685,45 em 2005 e € 21.808.551.88 em 2006.
Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio.
Ora, se dobrarmos as participações no capital próprio, teremos: € 23.237.370,90 para 2005 e € 43.617103,76 para 2006.
São estes os valores que têm de ser comparados com o montante médio do financiamento efectuado pela A………… Restaurant Operations. Inc. em cada um dos exercícios, os quais, como já vimos anteriormente são de €74.000.000,00 para 2005 e €71.476.712,33 para 2006.
Dividindo o dobro da participação no capital próprio pelo correspondente financiamento, obtém-se a percentagem dos juros aceite como custo fiscal, sendo o remanescente considerado excesso não dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável ver quadro seguinte. // (...)
Seriam assim considerados excessivos, 68,60 % dos juros em 2005 no montante de € 2.330.270,15 e 38,98 % dos juros de 2006 no valor de € 1.132.995,23 (a) alterado em direito de audição.
Os juros constantes da linha (5) são os efectivamente contabilizados e considerados custos fiscais - ver Anexos 5 e 6.
111-1-3-4-ELEMENTOS PROBATÓRIOS
Como já foi referido, o facto de ter sido ultrapassado o coeficiente de excesso de endividamento para com uma entidade não residente com a qual existem relações especiais, condiciona, numa primeira análise, que os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso, sejam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.
Cabe à empresa demonstrar, de forma inequívoca, que, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes, e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais, que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.
Como provas, em anexo às justificações constantes dos dossiers fiscais, a A…………. Portugal apresentou, exclusivamente, cinco fotocópias de faxes, três do Barclays Bank Sucursal em Portugal, e dois do Millennium BCP Investimento para 2005 e seis para 2006, sendo três do Barclays Bank e três do Millennium BCP.
Os faxes são datados de 29.01.2001, 29.01.2002, 26.01.2004, o referente a 2004 não tem data, 22.02.2006 e 18.01.2007, que genericamente referem “na sequência do vosso pedido telefónico, junto enviamos cotações indicativas, para empréstimos a taxa fixa para as datas e prazos solicitados” ou “no seguimento do vosso pedido informamos V. Exas. das nossas condições indicativas, para financiamentos nas datas que se identificam”- ver folhas 12 a 16 do Anexo 1, doc. 1/16 a 16/16 e folhas 12 a 17 do Anexo 2 doc. 1/17 a 17/17.
O fax (Barclays) de 29.01.2001 menciona: // (...)
Infere-se desta análise, que nunca foi intenção da A……….. Portugal, recorrer a instituições financeiras independentes para se financiar. O financiamento junto do “grupo” era um dado adquirido, o que parece indiciar que os faxes e demais correspondência só aparecem para dar cumprimento ao n.° 6 do art. 61.° do CIRC.
Os bancos limitaram-se, a posteriori, a enviar “cotações indicativas” para os empréstimos referenciados, não havendo qualquer taxa designativa para Setembro de 2001 (a taxa de referência para empréstimo de igual montante vem indicada no fax de 29.01.2002 - 5,7%) a não ser no documento de 18 de Janeiro de 2007, quando o empréstimo já terminara em 2005, indicando por sua vez uma taxa inferior à primeira - 4,2340%.
Estamos perante empréstimos de valores significativos, cuja negociação, com qualquer entidade financeira independente, seria complexa, dependendo a taxa a estabelecer, da capacidade negociadora da A………… Portugal.
Esta análise da subcapitalização tem sido efectuada pela inspecção tributária desde o exercício de 2002, sendo que os primeiros empréstimos ainda em vigor datam de 1999.
A A………… Portugal tem facultado diversos comprovativos de empréstimos junto de instituições financeiras nacionais independentes. Os financiamentos são de montantes inferiores, o pagamento dos juros é mensal, trimestral ou semestral, com taxas variáveis (indexadas à Lisbor ou Euribor a 1 ou 3 meses) - ver Anexo 8 doc. 1/18 a 18/18.
Pela sua natureza (taxa variável indexada à Lisbor ou Euribor), estes empréstimos não podem servir de comparação com os concedidos pela A………… Restaurant Operations. Inc. (taxa fixa).
Os responsáveis da A………….. Portugal, têm defendido a vantagem dos empréstimos “intragrupo”, dando ênfase ao “spread” praticado - 0,15% - substancialmente mais apelativo do que o praticado pelas entidades financeiras independentes, o qual varia entre 0,40 % e 1,00% - Anexo 7, doc. 1/7 a 7/7.
Não subestimando esta realidade, o ponto fulcral, da análise terá sempre de partir da taxa de referência estipulada. Enquanto que nos financiamentos de instituições bancárias nacionais a taxa de referência é a Lisbor ou a Euribor, nos empréstimos da A………….. Restaurant Operations. Inc., a taxa de juro é estipulada por esta na data da concessão, não existindo dados comparativos, a não ser os constantes dos faxes que, como se analisou anteriormente, têm datas muito posteriores à da concessão dos empréstimos.
Outros argumentos são os Relatórios de Preços de Transferência elaborados pela “Deloitte”, onde são efectuadas várias análises comparativas, numa tentativa de demonstrar as vantagens dos financiamentos “intragrupo” - ver Anexo 9 (2005), doc. A1/9 a A9/9 e Anexo 10 (2006), doc. 1/11 a 11/11.
Utilizam, “comparáveis internos” entre as taxas de juros intragrupo e as taxas de juro de mercado (facultadas pelas instituições de crédito independentes através dos faxes), “comparáveis internos e externos” entre as taxas de juros intragrupo e as taxas de juro de mercado, apurando o spread implícito.
Procedem à comparação dos spreads implícitos na taxa de juro intragrupo com as condições acordadas junto de entidades independentes, e com base neste indicador concluem:
“A presente análise permite demonstrar que a remuneração em vigor em 70% do montante financiado pelo Grupo é remunerado a taxas claramente mais vantajosas que as praticadas no mercado, uma vez que o spread implícito da operação intragrupo é inferior ao spread mínimo praticado em operações de mercado (0,40%) As restantes operações intragrupo (representativas de 30% do montante dos financiamentos concedidos intragrupo) são remuneradas por spreads que se enquadram no intervalo de taxas praticadas em operações contratadas junto de entidades não relacionadas, ou seja, os spreads cobrados pela A……….. Restaurant Operations são inferiores a 1 % e superiores a 0,40%.
Em suma, não existe qualquer operação cujas condições intragrupo se revelem desvantajosas em comparação com as condições praticadas por entidades independentes” - ver folha 5 do Anexo 9, doc. A 1/9 a A9/9.
Relativamente ao exercício de 2006, a “Deloitte” inclui no relatório uma análise baseada em dados disponibilizados pelo Banco de Portugal, e constatam os seguintes factos:
“No caso das taxas de juro sobre saldos empréstimos com maturidade superior a 5 anos, as mesmas variam entre 4.22% e 5.16%, sendo a média, em 2006, de 4.66%;
Relativamente às taxas de juro sobre saldos de empréstimos com maturidade entre 1 e 5 anos, variam entre 4,28% e 5,17%, sendo a média anual de 4,72%;
No caso das taxas de juro sobre saldos de empréstimos com maturidade de 1 ano, há variações entre 4,82% e 5,72%, tendo a média em 2006, sido de 5,23%; e
No respeitante às taxas de juro sobre novas operações de empréstimos de montante superior a 1.000.000,00 €, as mesmas variam entre 3,86% e 5,00%, tendo a taxa média anual sido de 4,34%.
Perante o exposto, é possível concluir que na generalidade das operações de empréstimos intragrupo iniciadas entre 2003 e 2006, a taxa de juro suportada pela A………….. Portugal é inferior à taxa de juro que suportaria caso recorresse a uma entidade externa ao Grupo, o que consubstancia num benefício efectivo para a Empresa. Desta forma, no que respeita a estas operações, é possível garantir o cumprimento do princípio de plena concorrência, na medida em que a A………. Portugal obtém, junto da A………… Operations, condições mais favoráveis às condições de mercado que obteria para operações de natureza idêntica” - ver folhas 5 e 6 do Anexo 10, doc. 1/11 a 11/11.
A conclusão é da “Deloitte”, nos empréstimos posteriores a 2003, “na generalidade” as taxas intragrupo são inferiores às taxas externas. De sublinhar “na generalidade”. E quanto aos financiamentos mais antigos, cabe-nos concluir que não são, chegam a ultrapassar o valor máximo do intervalo.
Ainda nos referidos relatórios são feitas análises com base em “comparáveis externos” socorrendo-se da base de dados Bloomberg utilizando informação relativa a emissões de obrigações.
A análise é reportada à data da contratação das operações intragrupo, utiliza intervalos de plena concorrência, com a indicação do valor mínimo, 1° quartil, mediana, 3° quartil e valor máximo. É um facto que as taxas intragrupo se situam sempre dentro do intervalo apresentado, próximas ou acima da mediana.
Isto não significa que, desde que devidamente negociados, a A……….. Portugal, não conseguisse taxas mais apelativas, em financiamentos junto de entidades independentes.
De referir por último que, conforme já se viu anteriormente, as taxas efectivamente praticadas nos exercícios de 2005 e 2006, isto é, os juros que constituíram custo em cada exercício relativamente a cada empréstimo, são nalguns casos superiores às taxas contratadas, e noutros casos até superiores às taxas indicativas constantes dos faxes, conforme quadro seguinte, o que desvirtua algumas das análises atrás referidas. // (...)
Recentemente, ou seja a partir de 2005, os novos empréstimos concedidos pela A………… Restaurant Operations Inc. à A……….. Portugal, passaram a ser de curto prazo (três, sete, doze meses), onde as taxas de juro tendem a convergir com as praticadas pelas instituições financeiras independentes.
Ao invés, nos empréstimos de longo prazo essa situação não se verifica. Esses financiamentos foram contraídos em períodos em que as taxas de juros eram mais elevadas e muito voláteis (por exemplo de Maio para Outubro de 2009 a taxa cresceu 2%).
Em cada exercício, coexistem empréstimos da mesma entidade (A……….. Restaurant Operations Inc.), uns remunerados a 6,42%, outros a 2,76%.
Perante este cenário, poderão e deverão levantar-se algumas questões:
Havendo relações especiais entre as empresas, uma vez que a A………. Restaurant Operations Inc. é detentora de 99,998 % do capital social da A………. Portugal, não teria sido possível e aconselhável a renegociação dos empréstimos mais onerosos?
Sendo acentuada a diferença entre as taxas de juro antigas e actuais, não teria sido de equacionar a possibilidade de contraírem empréstimos junto de entidades financeiras independentes a taxas mais vantajosas e amortizarem os financiamentos “intragrupo” mais perniciosos?
Estas, entre outras, seriam formas da A………… Portugal ter reduzido os juros excessivos no âmbito da subcapitalização e consequentemente os encargos financeiros em geral.
Paralelamente, em todo este processo, o necessário, era que a A………… Portugal tivesse comprovado que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.
Para isso, antes de qualquer dos empréstimos intragrupo, deveria ter tentado obter financiamentos semelhantes em instituições bancárias independentes, mas a empresa nem sequer tentou essa solução, pelo que nunca poderá comprovar este requisito que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento .... Junto de uma entidade independente”.
Quanto ao segundo requisito “condições análogas”, as provas apresentadas são muito frágeis. Obteve apenas, a posteriori, documentos bancários com as cotações indicativas, reportadas às datas dos financiamentos e, tenta agora demonstrar, insistentemente, que as taxas praticadas intragrupo são mais apelativas do que as praticadas no mercado financeiro.
Em nossa opinião, as mais recentes serão mas as mais antigas não. Parte das taxas efectivamente praticadas são superiores às contratadas, nem todas são vantajosas face às taxas indicativas facultadas pelos bancos nacionais (Barclays e Millennium). E estamos a comparar com taxas indicativas e não com taxas negociadas.
Por último, levanta-se ainda uma outra questão, que se prende com o facto de se saber, se face aos capitais próprios que possui, conseguiria a A………… Portugal obter financiamentos daqueles montantes (na ordem dos 74 milhões de euros) junto de entidades externas independentes, sem o aval/garantias da casa mãe (A……….. Restaurant Operations Inc.).
E este requisito também a A……….. Portugal não comprovou, aliás só o poderia fazer se tivesse previamente negociado com entidade independente.”
D) Na sequência das correcções efectuadas, em 23/02/2010, foi emitida a demonstração de resultados, no montante de 1.561.874,37€, resultante da liquidação de IRC n.° 2009 8510029365, referente ao exercício de 2006, e liquidação de juros compensatórios, após aceno de contas, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 31/03/2010 (cfr. documento de fls. 591 e ss do Processo Administrativo).
E) A Impugnante apresentou, em 28.01.2007, uma exposição, dirigida ao Director-Geral dos Impostos, tendo requerido, no final da mesma, a não aplicação do “disposto no número 1 do artigo 61.° do Código do IRC” (conforme documento n.° 2 junto aos autos).
F) A AT não se pronunciou sobre os requerimentos mencionados na alínea E) (cfr. Processo Administrativo).
G) A Impugnação foi apresentada junto do TAF de Sintra em 30/06/2010 (cfr. fls. 3 dos autos).

De direito
A recorrente Sistemas A…………, LDª deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2006 arguindo enfermar a mesma de preterição de formalidades por não aplicação do regime previsto no artigo 63 do CPPT e por a Administração Tributária não ter dado resposta no prazo de seis meses e vício de violação de lei por o Tribunal ter considerado desnecessário a produção de prova testemunhal, bem como violação do acordo para eliminar a dupla tributação e inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 61 do CIRC.
O Mº juiz “a quo” face à factualidade que deu como provada julgou procedente a impugnação e determinou a anulação do acto impugnado condenando a AT em juros indemnizatórios.
Desta sentença recorreu a Fazenda Pública para o TCA Sul o qual por acórdão de 14 05 2013 concedeu provimento ao recurso revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação.
Tendo a recorrida invocado a nulidade do acórdão antes referido veio o TCA sul a proferir o acórdão de 27 02 2014 que deferindo a reforma do acórdão concedeu provimento ao recurso mas julgou improcedente a impugnação mantendo o acto tributário impugnado.
Inconformada com tal decisão veio a recorrente interpor recurso de revista para o STA ao abrigo do artigo 150 do CPTA, revista que foi admitida por acórdão de 6 de Maio de 2015 para conhecimento da questão de direito internacional.
Consiste tal questão em decidir da compatibilidade do regime de subcapitalização previsto no artigo 61 do CIRC com os artigos 26 nºs 4 e 5 e 11 nº 8 da Convenção Sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América e compatibilidade desse regime com o princípio de direito comunitário da liberdade de circulação de capitais.
Entende a recorrente que a liquidação impugnada viola o artigo 26.º n.ºs 4 e 5 da CDT celebrado entre Portugal e os EUA, sendo por conseguinte inconstitucional por violação do artigo 8.º da CRP, uma vez que estabelece uma discriminação entre juros pagos a entidades residentes e juros pagos a uma entidade residente nos EUA, algo que não é permitido pela Convenção sobre a Dupla Tributação anteriormente referida, conforme explicitamente referem os Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património.
Refere que o facto do artigo 11.º, n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os EUA permitir a aplicação do artigo 61.º, n.º 1 do Código do IRC não é contrário à posição por si sustentada dado que o n.º 8 do artigo 11.º da CDT permite apenas desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes.
O n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar muito mais ou seja todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio.
De acordo com a norma da CDT, a Administração Tributária teria de analisar qual o montante de juros que não seria pago entre entidades independentes (e desconsiderar esse excesso), sublinhando-se que este "excesso de juros" nada tem que ver com o "endividamento excessivo" referido no regime da subcapitalização da nossa lei interna: um diz respeito aos juros pagos em excesso face às condições de mercado, e o outro tem a ver com o limite de endividamento a partir do qual se aplica o regime.
A Administração Tributária apenas calculou quais os juros relativos a empréstimos que excedem o dobro da participação no capital, e desconsiderou todos esses juros, violando-se assim explicitamente o estabelecido na CDT.
A Administração Tributária nunca chegou a referir qual seria o juro de mercado, ou seja, o juro que seria praticado entre entidades independentes.
Mas apesar de tudo isto o TCAS refere apenas que "estando em causa a regra de não dedutibilidade de um custo em IRC por falta de comprovação dos seus pressupostos, da efectividade e da indispensabilidade, não se antolha quebra por parte do regime dos normativos internacionais convocados".
A recorrente não se conformando com tal decisão sustenta estar-se perante questão que reveste uma importância fundamental para efeitos do artigo 150.º do CPTA, uma vez que a mesma reconduz-se "a uma tarefa de interpretação e conjugação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional" com normas internas, que determinam ou podem determinar soluções jurídicas diversas em face de conceitos complexos, utilizando as doutas palavras deste próprio STA (Acórdão de 18.06.2013, processo n.º 0571/13).
No caso em apreço está em causa a incompatibilidade entre a norma de subcapitalização interna e a norma de não descriminação constante nos n.ºs 4 e 5 do artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, sendo igualmente necessário apreciar o disposto no artigo 11.º n.º 8 da referida CDT, que estabelece o tratamento fiscal a conferir aos juros excessivos face à regra de mercado.

As normas de não discriminação, assim como a norma que consta do artigo 11.º n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, estão presentes em todas as CDT celebradas pelo Estado Português, considera-se verificada também uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões, nomeadamente no escopo daquele princípio fundamental.
Razões que legitimaram o recurso de revista.

Vejamos:
Preceitua o artigo 61 do CIRC sob a epígrafe subcapitalização:
Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade não residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos neste artigo, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável»;
2]; «É equiparada à existência de relações especiais para efeitos da aplicação do nº 1 a situação de endividamento do sujeito passivo para com um terceiro não residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia em que tenha havido prestação de aval ou garantia por parte de uma das entidades referidas no número 4 do artigo 58
3]: «Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades referidas nos números anteriores, com referência a qualquer data do período de tributação, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo».
4]; «Para o cálculo do endividamento são consideradas todas as formas de crédito, em numerário ou em espécie, qualquer que seja o tipo de remuneração acordada, concedido pelas entidades mencionadas no nº 2, incluindo os créditos resultantes de operações comerciais, quando decorridos mais de seis meses após a data do respectivo vencimento»
5]; «Para o cálculo do capital próprio adiciona-se o capital social subscrito e realizado com as demais rubricas como tal qualificadas pela regulamentação contabilística em vigor, excepto as que traduzem mais-valias ou menos-valias potenciais ou latentes, designadamente as resultantes de reavaliações não autorizadas por diploma fiscal ou da aplicação do método da equivalência patrimonial»
[6]; Com excepção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças não é aplicável o disposto no n.º 1 se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.º 3, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão das empresas e outros critérios pertinentes, e tomando-se em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais que podia ter obtido o mesmo nível do endividamento e em condições análogas de uma entidade independente»
7… A prova mencionada no número anterior deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121.
Entendemos dever equacionar, desde, já algumas considerações sobre o regime de subcapitalização que o artigo 61 do CIRC regula.
O regime de sub capitalização previsto no artigo 61 do CIRC é uma medida anti abuso que visa nas palavras de Glória Teixeira evitar a erosão da base tributável das pessoas colectivas residentes em Portugal mas detidas ou controladas maioritariamente por entidades estrangeiras como é o caso dos autos cfr A tributação do rendimento perspectiva nacional e Internacional pp. 129.
Traduzindo-se - se a subcapitalização numa situação de endividamento excessivo de uma entidade residente para com entidades não residentes com as quais mantém relações especiais procura-se através deste regime limitar a dedutibilidade do pagamento de juros a entidades não residentes relativamente à parte considerada em excesso - cfr nº 1 do artigo 61 do CIRC.
De facto sendo os juros de capitais alheios aplicados na exploração do sujeito passivo considerados custos nos termos da alínea c) do nº 1 d artigo 23 do CIRC a não dedutibilidade dos juros respeitantes à parte considerada em excesso é considerada pela recorrente como ilegal por ser discriminatória já que tal limite não é aplicável no caso de o pagamento dos juros referidos a entidades residentes, pese embora essa não dedutibilidade seja passível de contestação nos termos do nº 6 do citado artigo 61.
No caso em apreço a recorrente considera que a limitação em causa viola a Convenção Sobre a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, mais concretamente o disposto no artigo 26 nºs 4 e 5 da CDT.
A Convenção em causa como se depreende do artigo 11 que regula os juros apenas regula a sua tributação estabelecendo no nº 8 deste artigo que quando em virtude de relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa o montante de juros, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são apenas aplicáveis a este último montante.
Nesse caso a parte excedente continua a poder ser tributada de acordo com a legislação de cada Estado contratante tendo em conta outras disposições da Convenção.
Nos termos do nº 1 do artigo 26 da citada CDT sob a epigrafe “não discriminação” os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no outro estado contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas que estejam ou possam estar sujeitas os nacionais desse outro Estado que se encontre na mesma situação.
Nesse sentido o nº 4 deste artigo estipula que salvo se for aplicável o disposto no nº 8 do artigo 11 os juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante serão dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa como se fossem pagos a um residente do Estado primeiramente mencionada.
Todavia o nº 8 do artigo 11 da CDT preceitua também que “quando devido a relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa o montante de juros pagos tendo em conta o crédito pelo qual são pagos exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante.
Neste caso o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada estado contratante tendo em conta as outras disposições desta Convenção.
Decorre da interpretação destas cláusulas que as mesmas previnem todo e qualquer tipo de discriminação a título de tributação dos juros.
Todavia como bem assinala a recorrente o excesso do montante de juros referido no nº 8 do artigo 11 da CDT nada tem a ver com o endividamento excessivo a que se refere o artigo 61 do CIRC.
O nº 8 do artigo 11 da CDT permite apenas desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes.
Enquanto o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio.

De facto, o artigo 61 do CIRC exclui da dedutibilidade fiscal consentida pelo artigo 23 do CIRC, como custos, os juros pagos a entidades não residentes em caso de endividamento excessivo mas já não exclui tal dedutibilidade relativamente aos mesmos custos ou seja os juros quando for beneficiária desse pagamento uma entidade residente.
No fundo significa que tais custos deixam, quando derivados de pagamentos a entidades não residentes de ser indispensáveis para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do nº 1 do artigo 23 do CIRC, revestindo tal característica quando auferidos por entidades residentes.
Sendo que o nº 3 do artigo 61 traduz uma manifesta presunção legal ilidível (presunção juris tantum) relativamente aos juros em situação de endividamento excessivo.
De qualquer forma essa não dedutibilidade viola o disposto no nº 4 do artigo 26 da CDT que estipula que salvo o disposto no nº 8 do artigo 11 os juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante serão dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa como se fossem pagos a um residente do Estado primeiramente mencionada.
Ora não sendo um caso de aplicação do nº 8 do artigo 11 da CDT como dissemos anteriormente a aplicação do artigo 61 do CIRC pondo em causa a dedutibilidade dos custos respeitantes aos juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante nessa medida inquinando a determinação do lucro tributável de tal empresa o que não sucederia caso fossem pagos a um residente, o artigo 61 viola o nº 4 do artigo 26 da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América dessa forma violando o artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP.
E será tal regime compatível com as normas do direito comunitário?

Face ao primado do direito comunitário na ordem interna ex vi do disposto no nº 4 do artigo 8º da CRP importa também decidir se o artigo 61 contraria o princípio de livre circulação de capitais consagrado no artigo 63 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
Nos termos do nº 1 do artigo 63 do citado Tratado (TSFUE) são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Países Terceiros.
Estipulando o nº 2 do mesmo preceito que são proibidas todas as restrições a pagamentos entre Estados membros e países terceiros.
Todavia a alínea b) do nº 1 do artigo 65 do Tratado em causa dispõe que o disposto no artigo 63 não prejudica os Estados Membros de tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, prever processos de declaração de movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
Sendo que o nº 3 do mesmo artigo refere que as medidas e procedimentos a que se referem os nºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos tal como definida no artigo 63.
Perante estes normativos questiona-se se o artigo 61 do CIRC não será uma medida anti abuso violadora das normas comunitárias referidas.

Sobre o regime de subcapitalização e sua compatibilidade com as normas comunitárias acima transcritas foi já por diversa vezes chamado a pronunciar-se o TJUE na medida em que por força do disposto no artigo 267 o mesmo é o competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação dos tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições órgãos e organismos da União.
Sendo o processo de reenvio prejudicial uma via de cooperação judiciária pela qual pela a jurisdição nacional e o Tribunal de Justiça são chamados a contribuir directa e reciprocamente à elaboração de uma decisão que visa assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário no conjunto dos Estado Membros é o Tribunal de Justiça o único habilitado a pronunciar-se sobre a interpretação dum texto comunitário a partir de factos indicados pela jurisdição nacional competindo a esta última aplicar as regras do direito comunitário ao caso concreto
Neste sentido os acórdãos do TJUE C 458/06 de 12 06 2008 caso Skatteverket c/ Gourmet Classic e C 279/06 de 11 09 2008 CEPSA.
O Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial pronunciou-se sobre questão análoga à dos autos no processo nº 5365/12 do TCA SUL através do acórdão TJUE de 3 de Outubro no P C 282/12 al.
O TJUE tendo presente o quadro jurídico português - o artigo 61 do CIRC sob a epígrafe “subcapitalização” foi chamado a pronunciar-se sobre a seguinte questão:
«Os artigos 63.° [TFUE] e 65.° [TFUE] (antigos artigos 56.° [CE] e 58.° [CE]) opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a do artigo 61.° CIRC [ […]] que, no âmbito de uma situação de endividamento de um sujeito passivo residente em Portugal para com entidade de país terceiro com a qual mantenha relações especiais nos termos do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, não permita a dedutibilidade como custo fiscal dos juros, relativos à parte do endividamento considerada em excesso nos termos do artigo 61.° n.° 3, do CIRC, suportados e pagos pelo sujeito passivo residente em território nacional nas mesmas circunstâncias que aos juros suportados e pagos por sujeito passivo residente em Portugal cujo excesso de endividamento se verifique perante uma entidade residente em Portugal com a qual mantenha relações especiais?»
O Tribunal ponderou os argumentos referentes a tal questão da forma que aqui se dá como inteiramente reproduzida ….
…… 13 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos de determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações.
Quanto à liberdade aplicável
14 Quanto à aplicabilidade do artigo 56.° CE às circunstâncias em causa no processo principal, há que constatar, à partida, que os mútuos e os créditos financeiros concedidos por não residentes a residentes constituem movimentos de capitais na aceção desta disposição, como é de resto indicado na rubrica VIII da nomenclatura reproduzida no anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.° Do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5), e nas suas notas explicativas (v., neste sentido, acórdão de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz, C-452/04, Colet., p. I-9521, n.os 41 e 42).
15 No entanto, o Governo português alega que a legislação em causa no processo principal constitui um regime baseado na existência de «relações especiais» resultante do facto de a entidade mutuante ter o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão e de financiamento da entidade mutuária. O Tribunal de Justiça examinou esses regimes exclusivamente à luz da liberdade de estabelecimento, que não é aplicável a operações efetuadas, como no presente caso, com uma entidade com sede num país terceiro.
16 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no caso de uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos originários de um país terceiro, importa considerar que o exame do objeto dessa legislação é suficiente para apreciar se o referido tratamento fiscal está abrangido pelas disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de capitais. Com efeito, uma vez que o capítulo do Tratado relativo à liberdade de estabelecimento não contém nenhuma disposição que alargue o âmbito de aplicação das suas disposições às situações que respeitem ao estabelecimento de uma sociedade de um Estado-Membro num país terceiro ou ao estabelecimento de uma sociedade de um país terceiro num Estado-Membro, tal legislação não é suscetível de ser abrangida pelo artigo 43.° CE (v. acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-35/11, n.os 96 e 97 e jurisprudência referida).
17 O Tribunal de Justiça também declarou que, quando resulte do objeto de uma legislação nacional desta natureza que a mesma só é aplicável às participações que permitam exercer uma influência efetiva nas decisões da sociedade em causa e determinar as respetivas atividades, os artigos 43.° CE e 56.° CE não podem ser invocados (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 98).
18 Em contrapartida, uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos provenientes de um país terceiro, que não se aplique exclusivamente às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que distribui os dividendos, deve ser apreciada à luz do artigo 56.° CE. Por conseguinte, uma sociedade residente num Estado-Membro pode invocar esta disposição para questionar a legalidade de uma legislação deste tipo, independentemente da importância da participação que detém na sociedade que procede à distribuição de dividendos estabelecida num país terceiro (acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 99, e de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, n.° 30).
19 Estas considerações são aplicáveis relativamente a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que respeita ao tratamento fiscal dos juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais. Com efeito, uma legislação deste tipo não estaria abrangida pelo artigo 43.° CE nem pelo artigo 56.° CE se dissesse apenas respeito às situações em que tal sociedade mutuante detivesse uma participação na sociedade mutuária residente que lhe permitisse exercer uma influência efetiva nesta última.
20 Quanto à legislação em causa no processo principal, como salientam a Itelcar e a Comissão Europeia, o conceito de «relações especiais», conforme definido no artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, não visa apenas as situações em que a sociedade mutuante de um país terceiro exerce uma influência efetiva, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida, na sociedade mutuária residente, devido à sua participação no seu capital. Em particular, as situações enumeradas no referido n.° 4, alínea g), que dizem respeito a relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre as sociedades em questão, não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante no capital da sociedade mutuária.
21 Na audiência, o Governo português indicou, todavia, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, que a referida legislação se aplica apenas às situações em que a sociedade mutuante detém uma participação direta ou indireta no capital da sociedade mutuária.
22 Ora, supondo que a aplicação da legislação em causa no processo principal se limita às situações de relações entre uma sociedade mutuária e uma sociedade mutuante que detém uma participação de, pelo menos, 10% do capital ou dos direitos de voto na primeira sociedade, ou entre sociedades em que os mesmos titulares detêm essa participação, conforme prevê o artigo 58.°, n.° 4, alíneas a) e b), do CIRC, há que concluir que uma participação desta importância não implica necessariamente que o titular dessa participação exerça uma influência efetiva nas decisões da sociedade de que é acionista (v., neste sentido, acórdãos de 13 de abril de 2000, Baars, C-251/98, Colet., p. I-2787, n.° 20, e de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.° 58).
23 Daqui decorre que uma sociedade residente pode, independentemente da existência de uma participação de uma sociedade mutuante de um país terceiro no seu capital, ou da importância dessa participação, invocar as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, para questionar a legalidade dessa legislação nacional (v., por analogia, acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 104).
24 De resto, segundo a interpretação das referidas disposições quanto às relações com países terceiros, não existe, neste caso, o risco de as sociedades mutuantes com sede nestes, que não se enquadrem nos limites do âmbito de aplicação territorial da liberdade de estabelecimento, poderem beneficiar desta liberdade. Com efeito, contrariamente ao que o Governo português alegou na audiência, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não visa as condições de acesso ao mercado dessas sociedades no Estado-Membro em questão, mas diz unicamente respeito ao tratamento fiscal dos juros suportados relativamente ao endividamento considerado excessivo contraído por uma sociedade residente para com uma sociedade de um país terceiro, com a qual mantém relações especiais na aceção do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC (v., por analogia, acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 100).
25 Daqui resulta que uma legislação como a que está em causa no processo principal deve ser examinada exclusivamente à luz da livre circulação de capitais consagrada no artigo 56.° CE.
Quanto à existência de uma restrição e de eventuais justificações
26 Importa recordar que, de acordo com jurisprudência constante, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, n.° 14 e jurisprudência referida).
27 Resulta igualmente de jurisprudência constante que as medidas proibidas pelo artigo 56.°, n.° 1, CE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as medidas que sejam suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (acórdão de 25 de janeiro de 2007, Festersen, C-370/05, Colet., p. I-1129, n.º 24, e acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 15).
28 No presente caso, resulta do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC que, quando o endividamento de uma sociedade residente para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais na aceção do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, for considerado excessivo no sentido do n.° 3 do referido artigo 61.°, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade residente.
29 Em contrapartida, resulta também do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC que esses juros são dedutíveis quando a sociedade mutuante reside no território português ou noutro Estado-Membro.
30 Como reconhece o Governo português, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que a situação em questão no processo principal se enquadra na livre circulação de capitais, esta situação implica um tratamento fiscal menos favorável de uma sociedade residente que contrai um endividamento que excede um certo nível para com uma sociedade com sede num país terceiro do que o tratamento reservado a uma sociedade residente que contrai o mesmo endividamento para com uma sociedade residente no território nacional ou noutro Estado-Membro.
31 Esse tratamento desfavorável é suscetível de dissuadir uma sociedade residente de se endividar de uma maneira que é considerada excessiva para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais na aceção da legislação em causa no processo principal. Consequentemente, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE.
32 Segundo jurisprudência constante, essa restrição só pode ser admitida se se justificar por uma razão imperiosa de interesse geral. Mas é ainda necessário, nesse caso, que seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objetivo (v. acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 55 e jurisprudência referida).
33 O Governo português alega que a legislação em causa no processo principal tem por objetivo o combate à fraude e evasão fiscais, ao impedir a prática da «subcapitalização» que consiste em reduzir a base tributável do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas em Portugal através do pagamento de juros dedutíveis em vez de lucros não dedutíveis. Esta prática tem por objetivo transferir arbitrariamente rendimentos tributáveis deste Estado-Membro para um país terceiro, tendo por consequência que o lucro de uma sociedade não seja tributado no Estado onde foi gerado.
34 A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, uma medida nacional que restrinja a livre circulação de capitais pode ser justificada quando visa especificamente expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional (v., neste sentido, acórdãos de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colet., p. I-2107, n.os 72 e 74, e de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, Colet., p. I-8591, n.º 89).
35 Ao prever que certos juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais, não sejam dedutíveis para efeitos da determinação dos lucros tributáveis da sociedade residente, uma legislação como a que está em causa no processo principal é suscetível de evitar práticas cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional. Por conseguinte, essa legislação é adequada para alcançar o objetivo de combate à fraude e evasão fiscais (v., por analogia, acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 77).
36 No entanto, há que verificar se a referida legislação não ultrapassa o necessário para alcançar esse objetivo.
37 A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se pode considerar que não vai além do necessário para evitar a fraude e evasão fiscais uma legislação que se baseia numa análise de elementos objetivos e verificáveis para determinar se uma transação tem caráter de expediente puramente artificial apenas para fins fiscais e que, sempre que a existência desse expediente não possa ser excluída, permite ao contribuinte, sem o submeter a contingências administrativas excessivas, apresentar elementos relativos às eventuais razões comerciais pelas quais esta transação foi concluída (v., neste sentido, acórdãos Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 82, e de 5 de julho de 2012, SIAT, C-318/10, n.° 50).
38 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando a transação em causa ultrapasse o que as sociedades tinham acordado em circunstâncias de plena concorrência, a fim de não ser considerada desproporcionada, a medida fiscal de correção deve limitar-se à fração que ultrapasse o que tinha sido acordado nessas circunstâncias (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, n.° 83, e SIAT, n.° 52).
39 Neste caso, é certo, por um lado, que o artigo 61.°, n.° 6, do CIRC prevê que, com exceção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável, a sociedade residente que contraiu um endividamento considerado excessivo para com uma sociedade de um país terceiro, com a qual mantém relações especiais, pode demonstrar que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento, em condições análogas, de uma entidade independente. Por outro lado, por força do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC, apenas os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis.
40 Todavia, uma legislação como a que está em causa no processo principal ultrapassa o que é necessário para alcançar o seu objetivo.
41 Com efeito, como decorre do n.° 20 do presente acórdão, o conceito de «relações especiais», conforme definido no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC, engloba situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um país terceiro no capital da sociedade mutuária residente. Na falta de tal participação, resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no artigo 61.°, n.° 3, do CIRC que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo.
42 Há que concluir que, nas circunstâncias descritas no número anterior, a legislação em causa no processo principal afeta também comportamentos cuja realidade económica não pode ser contestada. A referida legislação, ao presumir nessas circunstâncias uma erosão da base tributável do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas devido pela sociedade mutuária residente, vai além do que é necessário para alcançar o seu objetivo.
43 Por outro lado, na medida em que, segundo as indicações do Governo português resumidas no n.° 21 do presente acórdão, a legislação em causa no processo principal só se aplica às situações em que a sociedade mutuante detenha uma participação direta ou indireta no capital da sociedade mutuária, pelo que não se verifica a circunstância evocada no n.° 41 do presente acórdão, a verdade é que essa limitação do âmbito de aplicação desta legislação não decorre da sua redação que, pelo contrário, parece sugerir que também são abrangidas as relações especiais em que não existe essa participação.
44 Nestas circunstâncias, a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação. Consequentemente, não satisfaz as exigências da segurança jurídica segundo as quais as regras de direito devem ser claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em especial quando podem ter consequências desfavoráveis para os indivíduos e as empresas. Ora, uma regra que não satisfaça as exigências do princípio da segurança jurídica não pode ser considerada proporcionada aos objetivos prosseguidos (v. acórdão SIAT, já referido, n.os 58 e 59).
45 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite a deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação.

Competindo ao juiz nacional perante tal interpretação decidir da sua aplicação ao caso concreto importa desde já referir que a situação que se pretende ver decidida nesta revista é no seu contorno idêntica à apreciada pelo TJUE.
Efectivamente é manifesto que a situação em apreço nesta revista se enquadra na livre circulação de capitais, e que a mesma traduz um tratamento fiscal menos favorável de uma sociedade residente que contrai um endividamento que excede um certo nível para com uma sociedade com sede num país terceiro do que o tratamento reservado a uma sociedade residente que contrai o mesmo endividamento para com uma sociedade residente no território nacional ou noutro Estado-Membro.
E o que está em causa é decidir se tal discriminação se pode justificar como forma de evitar práticas cujo único objectivo seja iludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por actividades exercidas em território nacional.
Mas reconhecendo, embora, com o TJUE que os preceitos em causa – artigo 61 e 58 do CIRC são adequados como forma de evitar a evasão e fraude fiscal temos de convir com o mesmo Tribunal que tal restrição se mostra desproporcionada o fim visado.

Como bem se refere no aresto em causa “englobando o artigo 58 do CIRC situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um pais terceiro no capital da sociedade mutuária residente e constatando-se que na falta dessa participação resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no nº 3 do artigo 61 que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo o artigo 61 consagra uma medida discriminatória limitadora da livre circulação de capitais pois que apenas as entidades não residentes ficam sujeitas ao regime do artigo 61 do CIRC quando o direito tributário em sede de IRC não distingue para efeitos de determinação de rendimento tributável em sede de IRC entre sociedades com sócios residentes e sociedades com sócios não residentes não se justificando por isso esse tratamento diferenciado”.
Assim sendo só perante situações em que o interesse geral justificasse esta restrição à liberdade de circulação que o artigo 63 do TSFUE garante é que este regime poderia ser admitido.
E se é certo que a evasão e luta contra a fraude fiscal e a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais são situações previstas no artigo 65 do TSFUE que permitem aos Estados Membros tomarem medidas que de algum modo restrinjam a liberdade de circulação referida tais medidas não podem em caso algum constituir um meio de discriminação arbitrária ou de dissimulação à livre circulação de capitais e pagamentos cfr nº 3 do artigo 65 do TSFUE.
O que implica que para que tais medidas restritivas possam ser aplicadas terão que ser apresentadas razões que o justifiquem dado que só assim se pode controlar a sua adequação e proporcionalidade.
O que no caso em apreço não sucede.
Neste sentido vejam-se também os acórdãos deste STA de 04 06 2008 in processo 275/08 e de 12 11 2008 in processo 0281/88.

A aplicação do artigo 61/1 no caso em análise viola o artigo 63 do TSFUE e a Convenção Sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América cfr – artigo 26/4 e 6 normas de direito internacional que por força do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 8º da CRP fazem parte integrante do direito português.

Decisão:
Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento à revista e consequentemente em revogar o acórdão do TCA SUL julgando procedente a impugnação e anulando a liquidação impugnada.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 8 de Novembro de 2017. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.