Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0960/17
Data do Acordão:10/04/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:ADMISSÃO
REVISTA
ALCANCE
PRONÚNCIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
CPTA
Sumário:A questão de saber quais as questões que o M.P. pode suscitar no âmbito da pronúncia que lhe cabe a fazer a coberto do disposto no art.º 146.º do CPTA tem a relevância jurídica suficiente para merecer a admissão da revista.
Nº Convencional:JSTA000P22319
Nº do Documento:SA1201710040960
Data de Entrada:08/24/2017
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A……………. apresentou, no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), recurso do acórdão proferido, em plenário, pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), no âmbito do processo disciplinar n.º 55/Dis.-2015/2016 – nos termos qual o B……………… foi absolvido da prática de infracção disciplinar prevista e punida pelo art.º 80, nºs 1, al. a), e 5 do Regulamento Disciplinar da FPF - peticionando a revogação do dito acórdão e a declaração de ilicitude da transmissão televisiva de jogo oficial pelo B……………..

O TAD concedeu parcial provimento ao recurso e revogou “a decisão recorrida e, em consequência, condenado o B…………. pela prática da infracção prevista e punida pelo art. 80º n.º 1, al. a), do Regulamento Disciplinar da FPF, no pagamento do montante de € 408, a título de multa, sendo o A………………. e a FPF condenados nas custas, em partes iguais.”

A FPF recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso, anulando o Acórdão do TAD e ordenando que este proferisse nova decisão.

É desse Aresto que a Magistrada do M.P., junto do TCA, recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Colhe-se nos autos que o A…………. recorreu para o TAD de uma decisão do Conselho de Disciplina da FPF que, no âmbito de um processo disciplinar, absolveu o B……….. da prática de uma infracção disciplinar. E que aquele lhe concedeu parcial provimento.
Inconformada, a FPF interpôs recurso para o TCA Sul e este concedeu-lhe provimento, anulando o Acórdão do TAD e ordenando que este proferisse nova decisão após o cumprimento de uma determinada formalidade.

3. É deste Acórdão que o M.P., junto do TCA, recorre, ao abrigo do disposto no art.º 150.º do CPTA, com os fundamentos expostos nas seguintes conclusões:
“5. O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do art.° 146° do CPTA e suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso interposto pela FPF.
6. Sobre o Parecer do Ministério Público o Tribunal a quo decidiu que “não cumpre conhecer do mesmo, pois a notificação que lhe foi feita, nos termos do art. 146°, n.º 1, do CPTA, foi apenas para, querendo, se pronunciar sobre o mérito do recurso, não abrangendo o poder de se pronunciar sobre a legalidade processual (isto é, sobre a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo), ou seja, deve-se ter por não escrito o parecer do MP no segmento em que suscita a questão prévia...”.
7. O tribunal a quo não apreciou expressa e concretamente a questão suscitada no Parecer do Ministério Público sendo certo que a apreciação da questão da “(in)admissibilidade” teria de preceder a apreciação do mérito do recurso.
8. Ao decidir como decidiu, o TCA Sul pôs em causa o normal exercício de funções do Ministério Público junto deste Tribunal Superior, de defesa da legalidade democrática que lhe está legal e estatutariamente confiada (art.°s 51 ° do ETAF e 1 ° do EMP), considerando, como considerou, que a notificação que lhe foi feita foi, apenas, para se pronunciar sobre o mérito do recurso e que a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do processo, são da competência exclusiva do Juiz, uma vez ouvidas as partes, não competindo ao Ministério Público emitir promoções sobre elas.
9. Dando como não escrito o Parecer emitido pelo Ministério Público no segmento em que foi suscitada a questão da admissibilidade do recurso e sendo esta de conhecimento oficioso, o tribunal a quo acabou por violar de forma flagrante e grave o estabelecido nos art.°s 629° do CPC e 8° n° 4 da Lei n° 74/2013, 39° n° 4 e 46° da LAV e também os deveres de gestão processual - art.° 7°-A do CPTA - e o princípio de que não devem ser praticados no processo actos inúteis, como será o acórdão revidendo se a questão suscitada vier a ser julgada procedente.”

4. Conforme resulta do exposto a questão que o M.P. suscita nesta revista nada tem a ver com o mérito da causa do Acórdão recorrido mas apenas com uma questão que precede o conhecimento daquele, qual seja a de saber quais as questões que pode suscitar no âmbito da pronúncia que lhe cabe a fazer a coberto do disposto no art.º 146.º do CPTA.
Ainda muito recentemente esta Formação não admitiu duas revistas que versavam sobre essa problemática com o fundamento de que não se justificava o seu recebimento não só por se estar perante processos urgentes em que as partes haviam acatado as decisões recorridas como pela sua remota instrumentalidade (Acórdãos de 14/09/2017, rec.s 858/17 e 866/17).
Todavia, surgindo-nos o problema mais uma vez, o que indicia a sua recolocação frequente, importa repensar se essa problemática não merece o recebimento do recurso. E isto porque tal evidencia que, por um lado, não são assim tão raras as situações em que o M.P. recorre para que se aprecie essa matéria como, por outro, é importante que o Supremo proceda ao esclarecimento dessa questão por a mesma ter a relevância jurídica suficiente para merecer a admissão da revista.

DECISÃO.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Outubro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.