Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0454/14.8BECBR
Data do Acordão:01/16/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Sumário:O prazo de prescrição do procedimento disciplinar, determinado por conjugação do artigo 55º nº2 do RD/PSP com o artigo 121º nº3 do CP, pode suspender-se até que se conclua processo criminal pendente, ao abrigo do artigo 37º nº3 de tal Regulamento Disciplinar.
Nº Convencional:JSTA000P25406
Nº do Documento:SA1202001160454/14
Data de Entrada:04/23/2019
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [MAI] interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 23.11.2018, que, «negando provimento à apelação que interpôs da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra» [TAF] a confirmou - embora com diferente fundamentação -, desta forma mantendo o julgamento de procedência da acção administrativa especial [AAE] intentada por A……….. e anulando, assim, a decisão que o puniu com a sanção disciplinar de 40 dias de suspensão.

Conclui as suas alegações de revista formulando estas conclusões:

1- A admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito [ver artigo 150º, nº1, do CPTA], na medida em que o douto acórdão impugnado não serve de orientação aos tribunais de 1ª instância no tratamento de questões de direito com inescapável relevância jurídica ou social, como são as questões da prescrição do procedimento disciplinar e da identificação da decisão final do procedimento disciplinar;

2- Torna-se necessária a intervenção do STA para indicar qual a decisão administrativa que marca o termo final da contagem do prazo de 4 anos e meio de prescrição do procedimento disciplinar na PSP;

3- Concretizando, impõe-se identificar se esta decisão final relevante é a decisão a que alude o artigo 88º do RD/PSP, que é tomada pela hierarquia competente [de acordo com o QUADRO ANEXO B], no termo do processo disciplinar, ou se é a decisão do último recurso hierárquico que tenha sido interposto pelo interessado;

4- O douto acórdão impugnado defende esta última posição, mas incorre em erros de direito, que o Supremo Tribunal está em condições de corrigir, admitindo o presente recurso de revista;

5- Instaurado o PD, o procedimento visa atingir um de dois desideratos: ou o arquivamento ou a punição disciplinar [ver artigos 87º, nº1, e 88º, do RD/PSP];

6- De um modo ou outro põe-se termo à situação de indefinição acerca do exercício do poder disciplinar; ou seja - é a posição que agora defendemos -, põe-se termo à contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar;

7- A decisão tratada no artigo 88º do RD/PSP põe termo ao procedimento disciplinar e constitui um acto administrativo, tal como ele é definido pelo artigo 148º do CPA;

8- Essa decisão poderá ser objecto de impugnação, mas, se tal não acontecer, ficará a ser a decisão [definitiva] da PSP em matéria de exercício de poder disciplinar;

9- A decisão do artigo 88º põe termo ao procedimento disciplinar, que o RD/PSP trata nos artigos 75º a 89º e que distingue com clareza da fase dos recursos, que é regulada nos artigos 90º a 96º;

10- O processo disciplinar na PSP é um procedimento administrativo, não sendo por isso de estranhar que siga o padrão instituído pelo CPA, que igualmente separa o tratamento da fase do procedimento administrativo [artigos 53º a 183º] da fase das reclamações e recursos administrativos [artigos 184º a 199º]. Ou seja,

11- O CPA e o RD/PSP estabelecem, com clareza, que a tomada de decisão administrativa, no termo do procedimento, é coisa diversa da impugnação administrativa da decisão tomada;

12- Deve até ser considerado que o novo CPA reforçou, na revisão de 2015, a centralidade da emissão do acto administrativo, do acto de 1º grau, como resulta do disposto nos artigos 129º e 197º, nº4;

13- Nesses termos, deve sublinhar-se que o CPA só institui o dever legal de decidir relativamente aos actos de 1º grau, e uma vez emitido o acto de 1º grau, cessa, em regra, o dever legal de decidir. Com efeito,

14- A autoridade perante quem seja apresentada a impugnação administrativa não tem o dever legal de a decidir;

15- E, perante tal silêncio, cumpre dar aplicação ao disposto no artigo 198º, nº4: o interessado tem a faculdade de impugnar contenciosamente o acto do órgão subalterno;

16- Ora, é bem verdade que esse silêncio da autoridade ad quem é impensável em processo criminal [ou administrativo]: o tribunal superior tem o dever de decidir o recurso jurisdicional, porque a decisão deste - e só ela - será a decisão final da justiça portuguesa sobre aquela situação;

17- Pode, assim, afirmar-se que o acórdão impugnado errou porque incorreu numa confusão entre o regime dos recursos administrativos [hierárquicos] e o regime dos recursos jurisdicionais, no tratamento desta matéria [prescrição do procedimento];

18- O regime dos recursos jurisdicionais estatui que, em caso de recurso, é a decisão do último tribunal interpelado aquela por que se aguarda e aquela que fica a valer. Ora é muito diverso o regime das impugnações administrativas [hierárquicas]: o superior hierárquico pode ignorar, pura e simplesmente, a impugnação do interessado; e, nesse caso, o interessado impugnará em tribunal a decisão expressa do subalterno;

19- O que se disse conduz à conclusão de que a decisão final que marca o termo do prazo de prescrição é a decisão a que se refere o artigo 88º do RD/PSP. No caso, o despacho do Senhor Comandante Distrital da PSP de Leiria, de 10.04.2012 [ver ponto 21 do provado];

20- Por assim ser, impõe-se a conclusão de que o acórdão do TCAN, de 23.11.2018, errou ao considerar que a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar só terminou com a emissão do despacho do Senhor Secretário de Estado, de 07.03.2014 [ver ponto 31 do provado];

21- O STA tem ainda ocasião de corrigir um outro erro do acórdão impugnado, quando afirma: «No caso, face ao artigo 55º, nº5, do RD/PSP, não há que ressalvar qualquer tempo de suspensão» [ver folha 26]. Com efeito,

22- O acórdão incorre em erro sobre a interpretação do RD/PSP - e sobre a própria norma do nº5 do artigo 55º -, ao desprezar a estatuição do artigo 37º, nº3, que prevê «a suspensão do procedimento até que se conclua processo criminal pendente», quando «a autoridade com competência disciplinar […] o repute conveniente» para a administração da justiça disciplinar.

Termina pedindo a admissão do recurso de revista e o seu provimento, com a revogação do acórdão recorrido por ter julgado prescrito o procedimento disciplinar.

2. O recorrido – A……….. - não apresentou contra-alegações.

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal [Formação a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA].

4. O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso de revista - artigo 146º, nº1 do CPTA].

Esta pronúncia mereceu a expressa discordância do ora recorrente, que veio reiterar as teses defendidas nas suas alegações de revista [artigo 146º, nº2, do CPTA].

5. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

Os factos que nos vêem das instâncias como provados são os seguintes:

1- Em 05.12.2007, deu entrada nas instalações da Direcção Nacional da PSP missiva subscrita por B……… e C……… à qual se juntou:

- Despacho da Magistrada do Ministério Público de Soure, de data ignota, com o seguinte teor: «Valido a constituição como arguido de A……… efectuada nestes serviços do Ministério Público […]

- Relato de B………. dirigido ao Director da PJ de Coimbra, donde se retira o seguinte:

[…] Vem participar criminalmente contra […] A……… […] O que faz nos termos e fundamentos seguintes:

1º No mês de Maio de 2007, em dia que o denunciante não consegue precisar, o denunciado A……….. e sua esposa D………., deslocaram-se à residência do ora denunciante com o objectivo de receberem uma suposta dívida no valor de mil euros.

2º Dívida que, segundo o denunciado, a E……… Lda., na qual a esposa do denunciante detinha participação social supostamente teria para com a esposa do denunciado há já três anos enquanto ex-trabalhadora daquela.

3º O ora denunciante explicou então que não era sócio nem gerente da referida firma mas que era apenas familiar dos sócios da mesma e que, portanto, embora desconhecendo se a dívida existiria ou não ou até mesmo se a mesma já teria prescrito, nada tinha a ver com a mesma.

4º Perante esta explicação o ora denunciado, aparentemente, aceitou-a, no entanto, alguns dias depois telefonou ao ora denunciante ameaçando este de que, se não pagasse a referida dívida, iria recorrer à solução de cobrança de dívidas difíceis, podendo, o ora denunciante, receber uma visita nesse sentido.

5º Tal desiderato veio a confirmar-se em 16.06.2007, quando o segundo denunciado se fez transportar no seu veículo de matrícula …………, até à habitação do denunciante, transportando um outro indivíduo que se veio a apurar ser o denunciado F……….

6º O ora denunciando, F……., ao chegar junto da habitação do denunciante, recebeu instruções do denunciado A…….., no sentido de abordar o denunciante por forma a tentar receber, fosse de que forma fosse, a quantia já mencionada, posto o que o denunciado A………. se afastou cerca de duzentos metros, aguardando pelo resultado da investida do mencionado F…….

7º Este último deslocou-se então à habitação do denunciante e falou com a esposa do mesmo a perguntar pelo denunciante, tendo sido informado que vinha cobrar duas dívidas, uma da senhora D……….. e outra da senhora ……….., também esta uma ex-funcionária da mencionada firma.

8º Assim, ao ser informado que o denunciante não se encontrava em casa, o denunciado F…….. deixou a promessa de que viria mais tarde tendo tal acontecido no dia 21.06.2007 pelas 15H45.

9º Com efeito, nesta data o denunciante ao ser confrontado com esta situação e temendo pela sua, assim como da sua esposa, integridade física, bom nome e saúde, solicitou o auxílio dos agentes do posto da GNR de Soure, tendo os mesmos procedido à identificação do denunciado F…….., que até então era desconhecido do denunciante.

10º Na altura em que estava a ser efectuada a identificação do denunciado pelo agente da GNR, Senhor ……….., o ora denunciado, A………, surgiu descontrolado e sugeriu que se identificasse também o agente identificador.

11º Após este episódio, o ora denunciante, começou a receber ameaças para o seu telefone fixo, sendo que a última foi feita no dia 26.06.2007 às 00H30 nos seguintes termos: «se não pagas, estás fodido pois tens a rede montada, és um caloteiro! Vou-te foder a ti e à tua família, nem que para isso tenha que te matar!».

[…]

Ao actuar da forma descrita os denunciados tinham o propósito de coagir, ameaçar e injuriar o denunciante de forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação e a prejudicar a sua liberdade de determinação, bem como ofender a sua honra e consideração imputando-lhe fados de modo nenhum verdadeiros. Sendo que um dos denunciados, A………, sendo agente de autoridade abusou dos seus poderes, pretendendo causar prejuízo a outra pessoa.

[…]»

- Exposição dirigida aos serviços do Ministério Público de Soure, com o seguinte teor:

«No passado dia 31.07.2007, cerca das 18H15, […] os arguidos, após estacionarem a viatura onde se deslocavam dirigiram-se a pé à referida habitação, tendo em voz alta começado a apelidar a esposa do denunciante e referindo-se a estes como «vigaristas paguem o que me devem», sendo certo que nada lhe é devido por aqueles.

Já no dia 14.08.2007, durante a manhã, o denunciante enquanto caminhava pela rua e junto à agência do …….., na Vila de Soure, o denunciante que o arguido A……… vinha na sua direcção conduzindo o seu veículo, pelo que e tendo-o imobilizado na via aberto a porta e tendo saído perguntou-lhe em voz alta, para quem quiser ouvir. «Ó vigarista quando é que me pagas? Deixa estar que de uma maneira ou de outra vais pagar-me. […]».

- Queixa-crime dirigida aos mesmos serviços, com o seguinte conteúdo:

«[…] no passado dia 23.10 o arguido A………., em frente à habitação do assistente dirigindo-se a este de dentro do interior da viatura em que se deslocava vociferando e gesticulando ostensivamente na direcção do assistente proferiu as seguintes expressões: «Caloteiro, quando me pagas o que me deves?».

4º Novamente no dia 05.11 o arguido A……….. dirigiu-se ao assistente em frente ao ………….. ……………, sito na Avenida …………….. e deslocando-se o mesmo na sua viatura, após imobilização da mesma, proferiu «Então quando é que me pagas ó caloteiro?».

2- Em 20.12.2007 foi exarado no ofício de 06.12.2007, do Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional da PSP, pelo Comandante Distrital da PSP de Leiria, o seguinte despacho: «Ao NDP, Subcomissário ………., para processo disciplinar»;

3- Ao referido processo disciplinar foi atribuído o número único de processo ………………;

4- Em 27.12.2007, no referido processo disciplinar, foi lavrado pelo Subcomissário ……….. o auto com o seguinte teor:

«ABERTURA DE PROCESSO DISCIPLINAR

[…] autuo o despacho do Exmo. Comandante, datado de 20.12.2006, exarado no ofício 2007GDD04462 do Gabinete de Deontologia e Disciplina da D PSP que acompanhou uma exposição subscrita por B……… e esposa C…………, […] à qual fazem juntar documentação duma queixa crime que foi apresentada nos Serviços do Ministério Público de Soure, na qual acusavam entre outras pessoas, o Chefe …………., A………, deste proferir injúrias e ameaças às suas pessoas e a exigir-lhes o pagamento de um dívida no valor de 1000,00€ e de ainda no dia 21.06.07 fazer transportar na sua viatura até à residência do queixoso um outro indivíduo no sentido deste fazer a devida cobrança, dando-se assim início ao presente processo disciplinar a fim de apurar os factos e eventuais responsabilidades que possam caber ao referido chefe. […]»;

5- Em 03.01.2008, pelas 9H00, o autor assinou certidão com o seguinte conteúdo:

«CERTIDÃO [DISCIPLINAR, …………….]

Certifico que em 03.01.08, pelas 09H00, notifiquei o indivíduo identificado no verso, com a entrega de cópia do presente mandado de notificação, do qual ficou ciente»;

6- No verso da mesma fez-se contar o seguinte:

«NOTIFICAÇÃO

[…] manda que seja no prazo previsto no artigo 69 do mesmo Código, Chefe, …………., A……….. em serviço de esquadra, em ………., de que figura como arguido no processo DISCIPLINAR com o NUP ……………., do qual fui nomeado instrutor, com início de instrução em 27.12.2007, pelo seguinte:

- Por ter ameaçado e injuriado o queixoso B……. e sua esposa, por não lhe pagarem uma suposta dívida de 1000,00€ e de no dia 21.06.07, fazer transportar na sua viatura até à residência do queixoso um outro indivíduo para fazer a devida cobrança.

[…]»;

7- Em 4.3.2008 deu entrada nos Serviços do Ministério Público de Soure uma posição de B………, donde se retira o seguinte:

«Processo Nº………….

Inquérito […]

O arguido A……….., no passado dia 03.03 cerca das 16H15 abordou o assistente junto à entrada do estabelecimento comercial denominado ………. sito no Ed. ………., sito na Avenida ………….., e à vista de todos, em voz alta e para quem quisesse ouvir proferiu a seguinte expressão: «Ó caloteiro, quando é que pagas o que deves? Já é tempo de pagares os 1.000,00€ que ficaste a dever à minha mulher? […]»;

8- Em 11.03.2008, durante a diligência de inquirição da testemunha B………., no âmbito do processo disciplinar nº…………., a mesma juntou a exposição referida no ponto anterior;

9- Em data ignota foi remetido o ofício, de 28.01.2009, subscrito pelo Chefe do Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP, para os Serviços do Ministério Público de Soure com o seguinte teor:

«ASSUNTO: PEDIDO DE INFORMAÇÃO

Encontrando-se em curso o processo disciplinar acima referido, levantando ao Chefe desta PSP ………… A………, efectivo da Esquadra da PSP da ………., que teve origem nos factos denunciados pelo cidadão B………. e a que corresponde vosso processo crime indicado em referência, solicita-se a esse Tribunal informação sobre o estado do processo, designadamente se já houve sentença com trânsito em julgado»;

10- Em 06.02.2009, deu entrada nos serviços da PSP, ofício dos Serviços do Ministério Público de Soure, datado de 02.02.2009, com os seguinte teor: «[…] informo Vossa Exª que os autos acima indicados se encontram a aguardar o decurso do prazo para abertura de instrução.»

11- Em 21.05.2010 foi remetido ofício subscrito pelo Chefe do Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP para os Serviços do Ministério Público de Soure, em 21.05.2010, com o seguinte teor: «[…] queiram Vossas Ex.as informar se já é conhecida decisão do processo crime e, em caso afirmativo, que nos seja passada certidão da mesma»;

12- Em 01.06.2010, deu entrada nos serviços da PSP ofício com cópia/certidão das decisões proferidas nos autos 152/07.9TASRE, da qual consta o seguinte:

- Decisão do Tribunal Judicial de Soure de 23.09.2009:

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1 - Fundamentação de facto

3.1.1 Factos provados:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:

1) No dia 05.11.2007, durante o período da manhã, junto ao estabelecimento comercial ……… sito no Edifício ……….., na Avenida …………, defronte do ………….., B…….. encontrava-se a conversar com ………………… e ……………..

2) Passados alguns minutos após iniciarem a sua conversa, parou junto dos mesmos uma viatura conduzida pelo arguido que, após baixar o vidro, dirigiu-se a B…….. chamando-o de «caloteiro» e perguntando-lhe quando é que lhe pagava o que devia, em voz alta e para quem quisesse ouvir.

3) Acto contínuo, o arguido fechou o vidro da janela da viatura e arrancou com a mesma, deixando B…….. a explicar a ……………. e ………. que aquela interpelação tinha sido para ele.

4) Perante a actuação do arguido, B………. não teve qualquer reacção, apresentando-se nervoso e incomodado.

5) No dia 03.03.2008, durante o período da tarde, B………. encontrava-se a conversar com ………. e …………… junto ao estabelecimento comercial ………… [supra identificado].

6) Passados alguns minutos do início da conversa, parou, do outro lado da estrada, em frente à …………., o veículo automóvel com a matrícula …………, conduzido pelo arguido.

7) O arguido abriu o vidro da sua viatura e, dirigindo-se a B………, chamou-o de «caloteiro» e perguntou-lhe quando é que lhe pagava o que devia, em voz alta e para quem quisesse ouvir.

8) Em ambas as situações, quis, e conseguiu, ofender a honra e consideração de B……….

9) Sabia que ambas as condutas eram proibidas e punidas por lei, e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

10) A esposa do arguido trabalhou para a empresa E………., Lda., sendo B……… seu gerente. Quando a esposa do arguido, e a colega ………… foram despedidas da mencionada empresa, B……… comprometeu-se pessoalmente a pagar-lhes, mais tarde, a quantia de aproximadamente 1.000,00€ a cada uma, como última parcela de créditos salariais devidos, nunca o tendo chegado a fazer.

11) A esposa do arguido e a colega, confiantes do compromisso assumido por B………., não recorreram à via judicial.

12) Em determinada altura, B………. assumiu expressamente que não pagaria nem à esposa do arguido, nem a …………., o dinheiro em falta por se tratar de uma dívida da empresa e não sua.

13) Desde então que o arguido o vai interpelando, pedindo-lhe o dinheiro devido à esposa.

14) Desde o momento referido em 12) que B……… sai menos à rua, com receio de ser importunado pelo arguido ou pela sua esposa, chamando-o [o arguido] de caloteiro ou pedindo-lhe o dinheiro devido.

15) B………. sente-se consternado com a possibilidade de ser interpelado publicamente pelo arguido pedindo-lhe o dinheiro que diz ser-lhe devido.

[…]

4. DISPOSITIVO

Da Parte Criminal

Em face do exposto e tendo em conta as normas citadas e as considerações expendidas, o Tribunal julga a acusação do assistente totalmente procedente e, em consequência, decide: 1º) condenar o arguido A……… pela prática de um crime de injúrias, previsto e punível pelo artigo 181º, nº1, do Código Penal, na pena de multa de 80 dias, à razão diária de 8,00€, no montante global de 640,00€ […];

- Decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.03.2010, proferida no mesmo processo, relativa ao recurso do ora autor, com o seguinte teor: «[…] julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença»;

- Certidão do Tribunal Judicial de Soure, com o seguinte teor:

«[…] MAIS CERTIFICO, que ora referido acórdão/sentença transitou em julgado, relativamente a cada um dos arguidos, nas seguintes datas:

Arguido: A………., transitado em 20.04.2010 […]»;

13- Em 14.03.2011, no âmbito do processo disciplinar NUP………….., que correu termos no Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Distrital de Leiria da PSP, foi deduzida acusação nos seguintes termos:

«[…] DEDUZO ACUSAÇÃO ao Chefe nº.............., A…………., a prestar serviço actualmente na Esquadra da................, unidade Orgânica da Divisão de Leiria deste Comando Distrital, com o seguinte articulado:

Artigo 1º

Em data não concretamente apurada, mas no início do Verão do ano de 2007, o arguido actuou como intermediário, recorrendo aos serviços de um particular, a quem encarregou de efectuar a cobrança de duas dívidas, cada uma no valor de 1.000,00€, valores estes que eram créditos devidos quer à sua esposa quer a outra senhora, colega de trabalho desta. Para tal, entregou alguma documentação por si produzida, alegadamente justificativa de tais dívidas e a quantia de 50,00€ por conta das despesas iniciais, para que o dito particular efectuasse a cobrança, tendo-lhe ainda prometido que, após a concretização dessa cobrança, lhe efectuaria o pagamento do valor recebido.

Artigo 2º

No mês de Junho de 2007, nomeadamente nos dias 16 e 21, durante as deslocações do referido particular à Vila de Soure, lugar onde reside o alegado devedor com vista à cobrança das aludidas dívidas, o arguido manteve-se por perto deste, acompanhando assim o desenrolar dos acontecimentos e fornecendo as indicações e o apoio necessário para que o mesmo levasse a cabo a sua incumbência, tendo uma participação activa na missão de que o incumbira, inclusivamente, transportando-o à residência do devedor.

Artigo 3º

Numa das deslocações supra, concretamente no dia 21.06.2007, pelas 15H45, quando a GNR compareceu junto da residência do alegado devedor - um idoso de quase 70 anos - que, confrontado com a presença do cobrador no local, temendo pela sua integridade física, bom nome e saúde, assim como da sua esposa, igualmente idosa, solicitou a presença daquela força policial, ao verificar que o elemento da GNR procedia à identificação do dito cobrador, interferiu bastante exaltado naquela ocorrência policial [processo de identificação do suspeito], instigando o suspeito a solicitar também a identificação do cabo da GNR.

Artigo 4º

No verão de 2007, sempre que encontrava o devedor, em lugares públicos, na Vila de Soure, usualmente acompanhado, nomeadamente dos dias 21.06.2007 e 05.11.2007, dirigia-lhe entre outras expressões caloteiro e vigarista, ordenando-lhe que pagasse o que devia, actuando assim com o propósito de injuriar e coagir, quer o devedor quer a esposa deste, acabando por os limitar na sua liberdade de circulação e determinação.

Artigo 5º

Pelo exposto no artigo 3º e 4º da presente acusação, foi o arguido condenado no âmbito do processo-crime com o NUIPC ………., que correu termos no Tribunal Judicial de Soure, pelo crime de injúrias, previsto e punível pelo artigo 181º, nº1, do Código Penal, na pena de multa de 80 dias, à razão diária de 8,00€, no montante global de 640,00€; nas custas do processo fixadas em 3UC de taxa de justiça, acrescida de 1% nos termos do artigo 13º, nº3, do DL nº423/91, de 30.10, e a procuradoria no mínimo legal; a pagar ao demandante [devedor], a quantia de 350,00€, a título de compensação por danos não patrimoniais, sendo ainda condenado nas custas do pedido cível, na proporção do decaimento.

Tendo sido interposto recurso da douta decisão, foi o mesmo considerado improcedente, mantendo-se o acórdão inicial, que transitou em julgado em 10.04.2010.

Artigo 6º

Com a sua conduta, o arguido violou desde logo o princípio fundamental do disposto no artigo 6º no que respeita ao não acatamento das leis, e concomitantemente o artigo 8º [Dever de Isenção], nº1 e nº2, alínea f), conjugado com o disposto no artigo 16º [Dever de Aprumo], nº1 e nº2, alínea f); o artigo 9º [Dever de Zelo], nº1 e nº2, alínea i); o artigo 13º [Dever de Correcção], nº1 e 2, alínea d) com referência ao artigo 7º nº1 e nº2, alíneas a), b), f) e i), respectivamente, todos do RDPSP.

Artigo 7º

Não goza de qualquer das circunstâncias dirimentes previstas no artigo 51º, goza das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b), g), e h) do nº1, do artigo 52º, e tem como circunstância agravante as alíneas b), f) e i) do nº1 do artigo 53º, todos do RDPSP.

A infracção cometida é punível com pena de SUSPENSÃO prevista no artigo 46º com a referência ao 25º nº1 alínea d) e e), por ao arguido serem imputados actos da vida particular que afectam gravemente a dignidade e o prestígio pessoal e da função, com repercussão pública notória, que assumem um tom indecoroso manifesto e que desacredita o funcionário e afecta a corporação»;

14- Em 22.03.2011, o autor assinou certidão com o seguinte teor:

«Certifico que, hoje, pelas 11H45, notifiquei o Chefe …………., A………., na qualidade de arguido o Processo Disciplinar NUP ………….., a quem o presente mandado se refere, tendo-lhe feito entrega de cópia ACUSAÇÃO, bem como explicado todo o seu conteúdo»;

15. Em 20.06.2011, foi elaborado, no âmbito do processo disciplinar NUP…………, o Relatório do Instrutor, donde se retira o seguinte excerto:

«1. FACTOS PROVADOS

a) Enunciação

1. O arguido interveio como intermediário, no sentido de recorrer aos serviços de um indivíduo particular, identificado a folha 36, para que este por sua vez efectuasse a cobrança de dívidas, existentes que para com a sua esposa, quer para com outra senhora, ambas identificadas nos autos, respectivamente a folhas 43 e 44;

2. Entregou ao supra referido particular, de nome F……, documentação vária, por si produzida e relativa às dívidas em causa;

3. Entregou-lhe ainda a quantia de 50,00€, (cinquenta euros), por conta dos honorários, prometendo-lhe que, caso aquele obtivesse êxito, lhe pagaria 1/4 do valor global a obter, (2000,00€);

4. Que pelo menos em duas das deslocações do F…….. à Vila de Soure, local onde vive o alegado devedor, o senhor B…….., o arguido acompanhou-o de perto, de forma a poder fornecer-lhe as indicações e o apoio necessário, inclusive com o transporte do mesmo, da primeira vez, até às proximidades da residência do B……;

5. Que numa dessas deslocações, após o F………ter sido interceptado por elementos da GNR, a pedido do senhor B……., no sentido de este poder ser identificado, interveio naquela identificação, designadamente dizendo ao F……… para que também ele solicitasse a identificação dos elementos da GNR;

6. Que, sempre que encontrava o alegado devedor, designadamente em locais públicos, e mesmo que acompanhado, interpelava-o, dirigindo-lhe expressões como caloteiro e vigarista, exigindo-lhe que aquele lhe pagasse o que devia.

7. No processo-crime entretanto instaurado ao arguido pelo alegado devedor, senhor B………., foi o arguido condenado em termos pecuniários;

8. Tendo interposto recurso da decisão, foi o mesmo considerado improcedente, mantendo-se por isso o acórdão inicial.

[…]

III - PROPOSTA

1. APLICAÇÃO DE PENA DISCIPLINAR

Tendo em conta o teor das considerações constantes do presente relatório, natureza e gravidade da infracção, que resulta dos próprios factos que se consideram provados, a categoria, a personalidade, o bom comportamento anterior e posterior do arguido, o grau de culpa apurado, a informação de serviço e a aplicação dos princípios enunciados no artigo 43º do RDPSP -, propõe-se a aplicação ao arguido A………, identificado nos autos, da pena de SUSPENSÃO, a qual pode ser graduada entre 20 a 60 dias, nos termos enunciados nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 25º, nº1, d), com referência à tabela constante no Anexo B, 27º, nº3, 35º, nº1, 43º e 46º, todos do citado Regulamento Disciplinar da PSP;

[…]

16- Em 24.06.2011, o Comandante Distrital da PSP de Leiria exarou o seguinte despacho:

«DESPACHO

[…] ACOLHO o relatório do Instrutor, de folhas 164 a 165 do presente processo disciplinar com o NUP …………...

Assim, com os fundamentos de facto e de direito-constantes no referido relatório, provada a prática da infracção disciplinar, geradora da violação dos deveres gerais referidos nos artigos 8º, 9º, 13º e 16º, com referência ao artigo 7º, nºs 1 e 2, alíneas a), b), j) e i), considerados as circunstancias dirimentes, atenuantes e as agravantes, à natureza e gravidade da infracção, à categoria do agente policial, ao grau de culpa, à sua personalidade, ao nível cultural e ao tempo de serviço, PUNO o Chefe ………….. – A………, a prestar serviço na Esquadra da PSP de ………., com a pena de 40 dias de SUSPENSÃO, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 25º, nº1, alínea d), 27º, nº3, 43º, 46º e 88º, todos do RDPSP. […]»;

17- Em 18.07.2011, deu entrada no Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP de Leiria requerimento de recurso da decisão referida no ponto anterior dirigido ao Director Nacional da PSP, do qual se retira, entre o mais, o seguinte:

«Outros Meios de Prova:

62º Foi o arguido confrontado na semana passada com existência de duas testemunhas oculares, que presenciaram a conversa entre o arguido e o queixoso, no dia em que este o acusa de lhe ter chamado caloteiro e vigarista.

63º Tais testemunhas apenas agora se disponibilizaram a entregar os seus contactos para serem chamadas a esclarecer toda a verdade.

64º Desconhecia o arguido a disponibilidade das testemunhas, muito menos que ambas se teriam apercebido da conversa e tivessem a firme certeza de que tais palavras não foram proferidas pelo arguido.

65º Pelo que solicita a Vossa Exa a audição das referidas testemunhas que abaixo se indicam, nos termos do disposto no artigo 61º nº1 do Estatuto Disciplinar da Função Pública.

[…] a presente decisão ser declarada nula, nos termos do disposto no artigo 379º nº1 alínea c) do CPP.

Caso assim não se considere deve o presente recurso ser procedente por provado e em consequência serem admitidas as provas agora juntas e no fim da realização das mesmas, ser o arguido absolvido da prática da infracção de que foi condenado»;

18- Em 25.07.2011 o Comandante Distrital do Comando de Leiria da PSP exarou o seguinte despacho:

«No seguimento do recurso apresentado pelo Chefe nº ………… - A……….., do Despacho punitivo datado de 24.06.2011, em que lhe foi aplicada a pena de 40 dias de suspensão, no âmbito do processo disciplinar ……….. que lhe foi organizado, não vislumbro, por ora, razões que fundamentem a alteração/anulação, mesmo.

[…]

Sublinha-se ainda que o Despacho punitivo acolheu o Relatório do Instrutor de folhas 164 a 165, o qual por sua vez remete para todos os documentos supra indicado. Sem embargo, vem agora o arguido oferecer aos autos outros meios de prova e solicitar a audição de duas novas testemunhas, ao abrigo do artigo 61º, nº1 do Estatuto Disciplinar da Função Pública.

A Lei nº58/2008 de 09.09 [EDTQEFP], prevê a apresentação de outros meios de prova, no seu artigo 61º, nº1: «com o requerimento de interposição do recurso, o recorrente pode requerer novos meios de prova ou juntar documentos que ele entenda convenientes desde que não pudessem ter sido requeridos ou utilizados em devido tempo».

Com fundamento nas disposições conjugadas do artigo 66º do RD/PSP, com nº1, artigo 61º, do EDTQEFP, admito as provas ora apresentadas e autorizo a inquirição das duas testemunhas indicadas, para que se possa dar cumprimento ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 91º do RD/PSP, que determina o envio do recurso ao escalão imediato, acompanhado de informação justificativa da confirmação, revogação ou alteração da pena»;

19- Em 26.03.2012, respectivamente pelas 10h30 e 11h20, procedeu-se à diligência de inquirição das testemunhas ………… e ………….;

20- A 30.03.2012, foi elaborada Adenda ao Relatório pelo Instrutor, donde se retira o seguinte:

«[…] Tendo em conta o disposto nas considerações supra, os depoimentos das testemunhas indicadas pelo arguido, não surtiram o efeito que presumivelmente este pretendia, antes pelo contrário, tiveram um resultado completamente oposto, ou seja, estes depoimentos vieram confirmar um dos artigos da acusação, no caso, o artigo 4º.

Assim, não existindo mais diligências a efectuar, e tratando-se de um recurso, entendo que este processo se encontra pronto para ser remetido ao escalão superior»;

21- A 10.04.2012, foi exarado, na referida Adenda ao Relatório do Instrutor, despacho pelo Comandante Distrital de Leiria da PSP com o seguinte teor: «Concordo com o presente relatório e acolho o proposto […]»;

22- Por ofício datado de 10.04.2012, deu-se conhecimento à Defensora do autor do seguinte:

«[…] [Das diligências de inquirição das duas testemunhas] não resultou dado susceptível de alterar a decisão do Exmo Sr. Comandante Distrital da PSP de Leiria, de 24.06.2011, que lhe aplicou a pena de 40 dias de suspensão, pelo que na presente data vai o processo ser remetido ao GDD/PSP, para decisão superior».

23- Em 07.03.2013, foi elaborada a informação nº2012GDD02747 do Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional da PSP, com assunto «RECURSO HIERÁRQUICO INTERPOSTO PELO CHEFE ………. – A……… [IMPROVIMENTO], da qual se retira a seguinte parte:

«[…] 13. Estando sobejamente demonstrada a existência de conduta que preenche os pressupostos de infracção disciplinar e verificando-se que a decisão recorrida ponderou devidamente as circunstâncias constantes do artigo 43º do RD/PSP, bem como as circunstâncias que militavam a favor do arguido, entende-se que a pena aplicada é justa, adequada e proporcional à falta cometida, sendo por conseguinte de manter.

14. Face ao exposto, proponho a V. Ex.a que nos termos e com os fundamentos constantes da presente informação:

a) Seja negado provimento ao recurso interposto Chefe ………, A………., do CD de Polícia de Leiria, mantendo-se o despacho punitivo da pena disciplinar de 40 dias de suspensão, do Comandante daquele Comando;

b) Seja enviado o presente processo disciplinar ao referido Comando, acompanhado da presente informação/proposta;

c) Que o mesmo Comando notifique o arguido e a sua advogada do despacho que concedeu negou provimento ao recurso, ao qual deve ser entregue, no acto, cópia da presente informação/proposta;

d) Seja devolvido a este Gabinete o respectivo processo disciplinar, já com a Informação/Proposta e o duplicado da notificação integrados, numerados e rubricados, após o decurso do prazo previsto no artigo 93º do RD/PSP»;

24- Na informação referida no ponto anterior, a 07.01.2013 foi exarado despacho do Director Nacional da PSP com o seguinte teor:

«Concordo.

Nos termos e com os fundamentos da presente informação/Proposta, nego provimento ao recurso»;

25- A 23.01.2013, o Instrutor elaborou o «Mandado de Notificação» com o seguinte teor:

«................., Subcomissário desta Polícia de Segurança Pública e Chefe das Secções de Instrução de Processos e de Gestão e Atendimento do Núcleo de Deontologia e Disciplina deste Comando Distrital de Leiria, nos termos dos artigo 57º e 89º do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei nº7/90 de 20.02 e em conformidade com o artigo 66º e 68º do Código de Procedimento Administrativo, mando que seja notificado no prazo previsto no artigo 69º do mesmo Código o Chefe ………., A………., do efectivo da Divisão da PSP de Leiria, Esquadra da ……….., na qualidade de arguido no processo disciplinar ………….., do conteúdo do ofício nº245/GDD/2013 de 15.01.2013 e da Informação/Proposta nº 2012GDD02747 de 07.02.2013, do Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional da PSP, que contém Despacho de Sua Excelência o Director Nacional da PSP, de negação do provimento ao recurso hierárquico interposto pelo Chefe A……….., confirmando o Despacho do Senhor Comandante Distrital da PSP de Leiria, da pena disciplinar de 40 dias de suspensão, cujas cópias de tais documentos lhe serão entregues e fazem parte da presente notificação.

Mais se informa que, da presente Informação/Proposta cabe recurso, querendo, a interpor por simples requerimento, com a alegação, ainda que sumária, dos respectivos fundamentos [artigo 90º, do RD/PSP].

O recurso é dirigido a Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Administração Interna no prazo de 10 dias após a notificação feita em último lugar e deve ser entregue na Direcção Nacional da PSP [nº1, do artigo 91º, do RD/PSP], sob pena de publicação da decisão em Ordem de Serviço, com produção de efeitos no dia imediato [artigo 57º, do RD/ PSP].

O prazo é contado nos termos do artigo 72º, do CPA, sendo considerado dia útil a tolerância de ponto»;

26- Em 11.02.2013, o autor assinou a seguinte certidão, constante do verso do auto referido no ponto anterior: «Certifico que hoje, pelas 10H20 notifiquei o indivíduo retro mencionado, a quem fiz a entrega de um envelope contendo informação/Proposta nº2012GDD02747, do Gabinete de Deontologia e Disciplina»;

27- Em 25.02.2013, deu entrada no Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP de Leiria, requerimento de recurso hierárquico apresentado pelo autor da decisão referida no ponto anterior dirigido ao Secretário de Estado do Ministério da Administração Interna, no qual se peticiona da seguinte forma: «Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser procedente por provado e em consequência ser arquivado por a conduta do arguido não representar qualquer ilícito disciplinar»;

28- Em 02.10.2013, foi produzida informação dirigida ao Director Nacional da PSP pelo Gabinete de Assuntos Jurídicos da Direcção Nacional da PSP, onde se propõe o seguinte: «Pelo exposto, proponho a Vossa Exa. que, confirmando a decisão punitiva, determine o envio do processo disciplinar …………., com a presente Informação/Proposta, já integrada, e o recurso para apreciação e decisão de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, ao abrigo do Despacho nº8142-A/2013 [2ª série], de Delegação de competências proferido por Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, em 20.06.2013, e publicado no Diário da República, II série, nº118, de 21.06.2013»;

29- Nessa informação, foi exarado Despacho do Director Nacional da PSP com o seguinte teor:

«Concordo.

Remeta-se ao Senhor Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna»;

30- Em 05.12.2013, a Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna produziu o parecer nº1075-iD/2013, sobre o assunto «PROCESSO DISCIPLINAR COM RECURSO HIERÁRQUICO RESPEITANTE AO CHEFE DA PSP ……….. – A……….», donde se retira o seguinte:

«V- Conclusões

1. O processo disciplinar em que é arguido A……….. não padece de qualquer nulidade insuprível, tendo-lhe sido plenamente garantido o direito de audiência e defesa.

2. As infracções disciplinares constantes do libelo acusatório estão provadas no processo disciplinar [prova: a dos autos].

3. Face a todos os elementos constantes dos-autos, a pena de quarenta dias de suspensão considera-se adequada às infracções praticadas pelo arguido, face à gravidade objectiva e subjectiva dos ilícitos disciplinares cometidos.

TERMOS EM QUE,

Caso Vossa Excelência se digne concordar com o que antecede poderá, ao abrigo do Despacho nº8142-A/2013, de 20.06.2013, publicado no DR II Série, nº118, de 21.06.2013, indeferir o presente recurso hierárquico e, consequentemente:

- Manter inalterada a pena aplicada ao recorrente, A……….., de 40 dias de suspensão; […]»;

31- Em 07.03.2014, foi exarado, no parecer referido no ponto anterior, despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna com o seguinte conteúdo:

«Visto. Concordo.

Proceda-se conforme o proposto.»

32- A 20.03.2014, foi elaborado «Mandado de Notificação» pelo instrutor com o seguinte teor:

«…………….., Comissário desta Polícia de Segurança Pública e Chefe das Secções de Instrução de Processos e de Gestão e Atendimento do Núcleo de Deontologia e Disciplina deste Comando Distrital de Leiria, nos termos dos artigos 57º e 89º do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei nº7/90 de 20.02 e em conformidade com o artigo 66º e 68º do Código de Procedimento Administrativo, mando que seja notificado no prazo previsto no artigo 69º do mesmo Código.

O Chefe …………, A………, do efectivo da Esquadra da ………., na qualidade de arguido no processo disciplinar ………….., que por seu despacho de 07-03-2014, Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, negou provimento ao recurso hierárquico por si interposto, conforme fotocópia autenticada do ofício 1545/2014, de 10.03.2014, do Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna e do Parecer nº1075-ID/2013, da Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso do MAI, que consubstancia o referido Despacho, num total de 14 folhas. Cumpra-se, observando todas as formalidade legais e entregue-se ao notificado cópia autenticada do citado oficio 1545/2014 e do Parecer n°1075-ID/2013 e passe-se de tudo certidão.»

33- Em 28.03.2014, o autor assinou a seguinte certidão, constante do verso do auto referido no ponto anterior: «Certifico que hoje, pelas 08H30, notifiquei o indivíduo retromencionado, a quem li o presente mandado e de cujo conteúdo ficou ciente, entregando-lhe uma via, bem como cópias autenticadas do ofício e do Parecer mencionado, num total e 14 folhas»;

34- Em 25.03.2014, foi dado conhecimento do teor da referida decisão à defensora do autor.

III. De Direito

1. A factualidade provada diz-nos que, em várias ocasiões do ano de 2007, A……….- «chefe da PSP» - injuriou um devedor da sua mulher, razão pela qual veio a ser criminalmente condenado por sentença do Tribunal Judicial de Soure - datada de 23.09.2009 - confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - de 17.03.2010 - transitado em julgado a 20.04.2010 [pontos 1 e 12 do provado].

Essa sua conduta determinou também a abertura de «procedimento disciplinar» contra ele - em 20.12.2007 - no qual, após se aguardar a decisão definitiva do processo criminal, foi deduzida acusação que lhe foi notificada em 22.03.2011 [pontos 2, 4, 13 e 14 do provado].

Em 24.06.2011 foi-lhe aplicada - pelo Comandante Distrital da PSP de Leiria - a pena disciplinar de suspensão por 40 dias, e, tendo ele deduzido recurso hierárquico desta decisão, foi-lhe negado provimento - e a pena disciplinar aplicada confirmada - por despacho do Secretário de Estado Adjunto do MAI, de 07.03.2014 - notificado à defensora do arguido em 25.03.2014, e, a ele mesmo, em 28.03.2014 [pontos 16, 17, 31 a 34 do provado].

Tendo impugnada judicialmente esta decisão disciplinar punitiva, o autor obteve decisão favorável das instâncias, as quais, embora com fundamentos diferentes, convieram no entendimento de que ocorreu a prescrição do respectivo procedimento disciplinar, o que tornava ilegal a sua punição.

A 1ª instância entendeu que não obstante o procedimento disciplinar ter sido instaurado em tempo - sendo, assim, observado o prazo de 3 anos, bem como o prazo de 3 meses, previstos nos nºs 1 e 3 do artigo 55º do «Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública» [RD/PSP aprovado pela Lei nº7/90, de 20.02, aplicável a este caso, e que foi entretanto revogado pela Lei nº37/2019, de 30.05] - o mesmo viria a prescrever nos termos do artigo 6º, nºs 6 e 7, do «ED/2008» [Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei nº58/2008, de 09.09, que foi entretanto revogada pela Lei 35/2014, de 20.06, conhecida como «Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas»], que considerou serem aplicáveis por força da remissão feita pelo artigo 66º do «RD/PSP», e de acordo com os quais o procedimento disciplinar «prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final» [nº6], ressalvada a possibilidade de suspensão [nº7].

Assim, o TAF, tendo constatado que o procedimento disciplinar se iniciou a 20.12.2007, e esteve suspenso até 20.04.2010 - pelo decurso do processo criminal -, concluiu que, quando a 07.03.2014 foi proferida a decisão disciplinar final, já haviam decorrido - desde 20.04.2010 - mais de 18 meses. E, nessa base, «anulou» o despacho de 07.03.2014 [ponto 31 do provado] que aplicou a pena disciplinar de 40 dias de suspensão ao autor.

A 2ª instância entendeu que não era aplicável aos procedimentos disciplinares, da PSP, o «ED/2008», e, louvando-se essencialmente na doutrina emergente de acórdão deste Supremo Tribunal, de 28.06.2018 [Rº0299/18], declarou que o «prazo máximo de prescrição do procedimento disciplinar» era, no caso, de 4 anos e meio, correspondente ao prazo de 3 anos - previsto no «nº1 do artigo 55º do RD/PSP» - acrescido de metade - nos termos do «nº3 do artigo 121º do Código Penal», aplicável ex vi «nº2 do artigo 55º do RD/PSP» - e que tal prazo não se suspendeu com o decurso do processo criminal por tal não resultar do nº5 do artigo 55º do RD/PSP.

Nestes termos, concluiu que entre 20.12.2007 [ponto 2 do provado] e 07.03.2014 [ponto 31 do provado] decorreram mais do que os referidos 4 anos e meio, o que significa a prescrição do procedimento disciplinar invocada pelo autor. Razões pelas quais negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo MAI.

Este discorda novamente e, em sede de revista, imputa erros de julgamento de direito ao acórdão da 2ª instância. A seu ver, as regras de prescrição previstas no «artigo 55º do RD/PSP» só respeitam ao acto sancionatório primário e não ao acto que decidiu o recurso hierárquico, e, para além disso, o procedimento disciplinar esteve legitimamente suspenso durante a pendência do processo criminal sobre os mesmos factos, como decorre do nº3 do artigo 37º do RD/PSP. Ao assim não ter entendido, o acórdão recorrido errou no seu julgamento.

2. Constatamos, pois, que o ora recorrente não põe em causa o entendimento, vertido no acórdão recorrido, e ancorado pelo menos em 2 acórdãos deste Supremo Tribunal - AC STA de 28.06.2018, in Rº0299/18, e AC STA de 31.01.2019, in Rº01558/17 -, do qual resulta que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar é, no presente caso, de quatro anos e meio, por conjugação do artigo 55º, nº1, do RD/PSP, com o artigo 121º, nº3, do CP.

Não se mostra útil, assim, problematizar o que é pacífico nesta sede de revista, e que, aliás, se encontra suportado por jurisprudência, recente, deste Tribunal.

Deste modo, assente tal prazo, resulta que a «prescrição do procedimento disciplinar» foi julgada procedente no acórdão recorrido unicamente por aí se ter entendido que esse prazo de prescrição não foi suspenso pelo decurso do processo criminal, por isso «não resultar do nº5, do artigo 55º, do RD/PSP».

Assim sendo, como é, a questão decisiva a abordar nesta revista é precisamente a que se consubstancia em saber se ocorreu ou não essa suspensão, uma vez que a resposta positiva à mesma resolve totalmente, em sentido negativo, o litígio sobre a prescrição do procedimento disciplinar.

Na verdade, seja a decisão punitiva final consubstanciada pelo acto primário, isto é, pela decisão de 24.06.2011 do Comandante Distrital da PSP de Leiria - ponto 16 do provado - ou pelo acto secundário, ou seja, pelo despacho, de 07.03.2014, do «Secretário de Estado Adjunto do MAI» - ponto 31 do provado -, o certo é que, tendo o procedimento disciplinar estado suspenso durante a tramitação do processo criminal nem num caso nem no outro teria ocorrido a referida prescrição.

Senão vejamos.

3. No que concerne ao «termo inicial» da contagem desse prazo de prescrição constata-se que o acórdão recorrido - e também a sentença do TAF - o fixou em 20.12.2007 [2 do provado], ou seja, por referência à data do despacho de abertura do processo disciplinar exarado pelo Comandante Distrital da PSP de Leiria. E a fixação deste «termo inicial» é pacífica nos autos.

Mas o acórdão recorrido, embora discordasse da sentença do TAF quanto à duração do prazo de prescrição do procedimento disciplinar entendeu que tal prazo - de «quatro anos e meio» - não se suspendeu em consequência do decurso do processo criminal, uma vez que o artigo 55º, nº5, do RD/PSP, não suportará tal interpretação.

O recorrente - MAI - insurge-se contra este entendimento, argumentando que o nº3 do artigo 37º, do RD/PSP, prevê expressamente esta causa de suspensão ao estipular que «Sempre que o repute conveniente, a autoridade com competência disciplinar para punir pode determinar a suspensão do procedimento até que se conclua processo criminal pendente».

É certo que da factualidade provada, única a que este tribunal de revista se deve ater [150º, nº3, do CPTA], não consta qualquer despacho da autoridade com competência disciplinar para punir a determinar a suspensão do procedimento até se concluir o processo criminal. Mas nela constatamos que em 20.12.2007, quando o Comandante Distrital da PSP de Leiria ordenou a instauração de procedimento disciplinar, já decorria o inquérito criminal [ponto 1 do provado], e que, a partir de então, iam sendo solicitadas informações a tribunal, pela PSP, sobre o estado do processo criminal contra o ora recorrido [pontos 9 a 12 do provado]. Ora, isto só poderá significar que o procedimento disciplinar foi efectivamente suspenso até se concluir o respectivo processo criminal pendente.

E assim, assiste razão ao recorrente - MAI -, na medida em que o acórdão recorrido não atentou no preceituado no nº3 do artigo 37º, do RD/PSP, que fundamenta e legitima a efectiva suspensão ocorrida no procedimento disciplinar, a qual se verificou entre a data do despacho que ordenou a instauração do procedimento disciplinar - 20.12.2007 - e a do trânsito em julgado da decisão criminal - 20.04.2010.

Deverá, assim, ser julgado procedente este «erro de julgamento de direito» apontado pelo recorrente - MAI - ao acórdão recorrido.

4. Ressuma do exposto que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, de 4 anos e meio, esteve suspenso entre 20.12.2007 e 20.04.2010 [pontos 2 e 12 do provado], e, tendo iniciado a sua contagem nesta última data, viu-se interrompido a 22.03.2011 [ponto 14 do provado] em virtude da notificação da acusação ao arguido [artigo 55º, nº4, do RD/PSP], razões pelas quais não estava esgotado aquando da decisão punitiva de 24.06.2011, nem da decisão do recurso hierárquico de 07.03.2014.

E, impondo-se como certa esta conclusão, resulta supérflua, ou revestida de interesse meramente académico, a abordagem da questão relativa à identificação do termo final da contagem do prazo de prescrição de quatro anos e meio. Seja um - 24.06.2011 - seja outro - 07.03.2014 - o resultado prático é o mesmo: - o prazo de prescrição do procedimento disciplinar ainda não tinha decorrido.

5. Deverá, por conseguinte, ser «concedido provimento» ao recurso de revista, o qual, tal como a anterior apelação, tinha por objecto - exclusivamente - a questão da prescrição do procedimento disciplinar.

Isto, porém, não acarreta sem mais o julgamento de improcedência da respectiva acção, uma vez que a sentença do TAF identificou uma outra questão cujo conhecimento ficou prejudicado pelo julgamento de procedência da prescrição do procedimento disciplinar. É ela, nas palavras da sentença, a seguinte: - «Saber se estão verificados os pressupostos para a anulação ou substituição da decisão punitiva por inexistência dos pressupostos de facto em que a mesma assenta».

Assim, a revogação do acórdão recorrido implicará a «baixa dos autos à 1ª instância», para aí se completar a apreciação da causa de pedir da acção administrativa especial.

IV. Decisão

Nos termos do exposto, decidimos conceder provimento à revista, revogar o acórdão recorrido, e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Coimbra, para aí ser conhecida a questão remanescente.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2020. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.