Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:078/12
Data do Acordão:05/15/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INCONSTITUCIONALIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:I – A alegação de inconstitucionalidade das normas do CPPT que permitem a prática de atos no processo judicial de execução fiscal por órgãos de natureza administrativa, designadamente o ato de citação, consubstancia fundamento legítimo de oposição à execução fiscal.
II – A norma do CPPT que atribui competência ao órgão de execução fiscal para ordenar a citação, não é inconstitucional, pois não atribui aos órgãos da administração competências que a Constituição da República Portuguesa reserva aos tribunais.
III – Se, relativamente à alegada não autorização de cobrança da taxa de promoção, a sentença de primeira instância não fez qualquer explicitação dos factos que se deviam ter de considerar como relevantes e provados, nomeadamente para apreciação deste fundamento de oposição este Tribunal de recurso não dispõe, de base factual para decidir o recurso jurisdicional quanto a este fundamento.
Nº Convencional:JSTA000P15719
Nº do Documento:SA220130515078
Data de Entrada:01/26/2012
Recorrente:A........., LDA
Recorrido 1:INST DA VINHA E DO VINHO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – A………, Lda., com os demais sinais dos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal nº 2704201001007130, instaurada pela Fazenda Publica por dividas ao IVV referente a taxas de promoção dos meses de outubro a dezembro de 2009, cujo montante ascende a € 47.015,08 ao qual acresce custas e juros de mora, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A). O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução, por erro na forma de processo e, uma vez que, alegadamente, não foi invocado nenhum dos fundamentos elencados no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

B). A pretensão da A……… de oposição à execução da respeita o elenco taxativo do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, bem como a pretensão por si deduzida tem viabilidade e concludência, razão pela qual não é manifesta a sua improcedência.

C). Na petição de oposição à execução foram invocados, em suma, os seguintes vícios: (i) a inconstitucionalidade orgânica e material das normas do CPPT que determinam a prática de funções jurisdicionais pelo Serviço de Finanças no âmbito da execução fiscal, em especial, o n.º 1 do artigo 188.º do CPPT; (ii) a cobrança de uma taxa não autorizada/inexistente nas leis em vigor; (iii) a pendência de processo contencioso com efeito suspensivo.

D). O primeiro dos vícios apontados pela A……… na sua petição de oposição é enquadrável na última alínea do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT: a inconstitucionalidade invocada consubstancia fundamento que, desde logo, não envolve a apreciação da legalidade da liquidação da quantia exequenda, nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título, sendo provada, simplesmente, a partir de documentos - in casu, pelo documento de citação da A……… para a execução fiscal -, sendo certo que afeta a eficácia do ato de citação e consequente exigibilidade da dívida exequenda.

E). O segundo dos fundamentos invocados na petição de oposição que dá causa aos presentes autos, que se prende com a inexistência da taxa em questão nas leis em vigor/não autorização da cobrança da mesma taxa, tem cabimento expresso na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

F). É ilegal a cobrança coerciva de uma quantia proveniente de uma taxa inexistente ou cuja cobrança não se encontra autorizada.

G). O IVV pretende fazer-se pagar de uma taxa cuja cobrança se encontra suspensa por decisão comunitária.

H). Nos termos do n.º 3 do art.º 88º do Tratado CE (TCE), o Estado Português encontra-se inibido de executar qualquer auxílio que esteja a ser objeto de um processo de apreciação pela Comissão até à emissão, por aquela entidade, de uma decisão final de aprovar (ou não) o auxílio em causa - cf. art.º 88.º, n.º 3, in fine, do TCE -, conforme sucede com o auxílio que a taxa de promoção em causa financia.

I). A própria Comissão «recorda a Portugal o efeito suspensivo do n.º 3 do art.º 88.º do Tratado CE e remete para o art.º 14.º do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho que dispõe que os auxílios ilegais poderão ser reembolsados pelos seus beneficiários» - cf. considerando n.º 147 do processo C 43/2004, junto aos autos como documento n.º 1 com a contestação apresentada pelo próprio IVV.

J). Até que a decisão final seja proferida pela Comissão quanto ao auxílio do período em questão, tanto esse auxílio, como o seu incidível modo de financiamento - a taxa de promoção - não podem ser postos em execução, o que equivale a dizer que a sua cobrança não está, ao momento da liquidação, autorizada, e que os diplomas nos quais essa liquidação se baseia são de considerar, de momento, juridicamente inexistentes.

K). A A……… pode invocar em juízo o efeito direto da proibição de execução constante do n.º 3 do art.º 88.º do TCE, para com isso fundamentar a ilegalidade da cobrança deste tributo, o que fez nos presentes autos.
L). O IVV, ao solicitar a instauração de processo de execução fiscal, e a Administração Tributária, ao instaurá-lo, estão simultaneamente a violar uma norma de direito comunitário e a aplicar legislação que à data tem forçosamente de se considerar juridicamente inexistente (ou, pelo menos, como não estando a produzir efeitos, o que será equiparado à inexistência).

M). Tais factos constituem manifestos fundamentos de oposição à execução, enquanto atinentes com a ilegalidade abstrata do tributo, nos termos do disposto no artigo 204°, n.º 1, alínea a), do CPPT.

N). Este fundamento de oposição à execução não deverá ser julgado improcedente, atento, inclusivamente, o próprio teor das decisões comunitárias juntas aos autos pelo IVV com a sua contestação (cf. docs. 1 e 2 juntos aos presentes autos com a contestação do IVV), decisões nas quais o Tribunal a quo sustenta, precisamente, o indeferimento ou improcedência de tal fundamento - cfr. página 6 da sentença proferida nos presentes autos.

O). Em julho de 2010, foi com efeito proferida uma decisão pela Comissão Europeia no âmbito do procedimento de apreciação de auxílio estatal, decisão que foi junta pelo IVV como documento n.º 2 com a contestação apresentada nos presentes autos. Todavia, para além do próprio teor da decisão em questão e para além de tal decisão ser uma decisão condicional e de não ter ainda transitado em julgado (em face do recurso interposto pela República Portuguesa, junto como doc. n.º 3 pelo IVV),

P). Será relevante notar que essa decisão limita-se ao exame da aplicação da taxa de promoção a partir da sua entrada em vigor e até 31 de dezembro de 2006 (cfr. ponto 133 da referida decisão, junta como doc. n.º 2 pelo IVV), data em que entraram em vigor novas orientações comunitárias para ao auxílios estatais,

Q). Sendo certo que, por um lado, a Comissão ainda não proferiu decisão relativamente à aplicação da taxa de promoção para além dessa data e, por outro lado, os presentes autos respeitam a uma execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da taxa de promoção relativa ao período de outubro a dezembro de 2009, período, portanto, desde logo não abrangido pela decisão referida!

R). Não poderá proceder, portanto, o entendimento de que o fundamento de estarmos perante a cobrança de uma taxa não autorizada/inexistente nas leis em vigor é improcedente por ter sido já proferida decisão final no aludido procedimento comunitário.

S. No que respeita à pendência de processo contencioso com efeito suspensivo - fundamento que não foi apreciado pelo Tribunal a quo -, a jurisprudência e a doutrina têm vindo a entender que, nas situações em que a exigibilidade da dívida seja afetada por qualquer motivo não definitivo, mas meramente temporário, esse motivo possa ser invocado em sede de oposição à execução, que terá por objeto, então, a suspensão da execução ( vide, Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Anotado, 5ª Edição, 2007, Vislis Editores, pág. 371; Carlos Paiva, in O Processo de execução Fiscal, 1ª Edição, 2008, Almedina, pág. 117; ac. STA de 13/12/2000, proc., nº 25610; Ac. TCA Sul, proc. nº 6016/01).

T). Tanto a doutrina, como a jurisprudência, enquadram tal fundamento na disposição residual da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

U). A pendência de processo contencioso com efeito suspensivo invocada na petição inicial constitui, igualmente, fundamento legal e legítimo de oposição à execução, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

V). Não é manifesta a improcedência deste fundamento - que não foi, sequer, apreciado na sentença ora posta em crise - porquanto se encontra pendente processo de impugnação das liquidações em causa (processos n.°5 27/10.4BEVIS e 143/10.2BEVIS) e o pedido de dispensa de prestação de garantia.

W). Não se verifica, in casu, qualquer erro na forma de processo, nem improcedência dos fundamentos alegados, devendo, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, com as demais consequências legais.

X). A sentença recorrida viola o disposto no artigo 204.º, n.º 1, alíneas a) e i), do CPPT e art.º 88°, n.º 3, do TCE.

Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.

II. Foram apresentadas contra-alegações pelo Instituto do Vinho e da Vinha, com as seguintes conclusões:
A) A ora Recorrente requereu ao Tribunal que declarasse extinto o processo de execução fiscal n.º 2704 2010 01007130 instaurado no serviço de finanças de Viseu para cobrança coerciva de € 47.015,08 devidos ao IVV alegando, entre outros vícios, a inconstitucionalidade material e orgânica das normas do CPPT que autorizam a prática de atos de execução fiscal por órgãos de natureza administrativa e a não autorização de cobrança da taxa de promoção em crise.

B) A sentença recorrida indeferiu acertadamente aquela pretensão, considerando que «a Oponente não alega nenhum dos fundamentos previstos no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» — cfr. sentença recorrida (cit).

C) Os atos de natureza materialmente jurisdicional indicados no CPPT são a decisão (i) dos incidentes, (ii) dos embargos, (iii) da oposição à execução, (iv) dos recursos de atos praticados pelo órgão de execução, a verificação e graduação dos créditos e, por fim, (v) da anulação da venda — cfr. artigo 15l.°, n.º 1 do CPPT, pelo que a instauração da execução fiscal e a citação do executado não consubstanciam atos materialmente jurisdicionais, ao contrário do que alega a Recorrente.

D) Quer o STA, quer o Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da admissibilidade constitucional da atribuição de competências para a prática de atos de natureza não jurisdicional por parte da Administração fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal - cfr. Acórdãos do STA de 19 de fevereiro de 1992, proferidos nos recursos n.º 13763 e 13830, de 29 de abril de 1992, proferido no recurso n.º 14123 e de 23 de setembro de 1992, proferido no recurso n.º 14344 e do Tribunal Constitucional n.º 465/91, de 1 de dezembro de 1991 e n.º 331/92, de 1 de outubro de 1992, posição que foi ainda reafirmada pelo mesmo Tribunal nos Acórdãos n.º 152/02, de 17 de abril de 2002 e n.º 263/ 02, de 18 de junho de 2002.

E) A instauração pela Recorrente da presente ação de oposição à execução, com base exclusivamente no facto de existir uma investigação da Comissão a aspetos parcelares da taxa de promoção, não se encontrando, consequentemente, vedada ou suspensa a sua cobrança, não pode ser tida senão como a despropósito e totalmente improcedente.

F) Um auxílio não notificado à Comissão Europeia e objeto de investigação por parte daquela Instituição é tido como um «auxílio ilegal» apenas na aceção da alínea 1), do artigo 1.º do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, não exprimindo qualquer juízo quanto à incompatibilidade com o Direito Comunitário.

G) A Comissão, na decisão adotada em 20 de julho de 2010 e notificada ao IVV (ora Recorrido) em 28 de setembro de 2010 concluiu pela compatibilidade da taxa de promoção cobrada pelo 1VV, pelo que manifestamente não se o fundamento previsto no artigo 204.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, ao contrário do alegado pela Recorrente.

III. O MP emitiu parecer de fls.285 dos autos, no qual defende:
«a) aquisição oficiosa pelo STA de informação sobre a posição da Comissão Europeia respeitante à aplicação das taxas após 31 dezembro 2006;
b) suspensão da instância até ao conhecimento da decisão adotada pelo Comissão Europeia (arts. 276º nº1 al. c) e artº 279º nº1 CPC/art. 2º al. e) CPPT).»

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. A decisão recorrida não fixou probatório.

VI. Cumpre agora decidir.

De acordo com a conclusão da alínea C) das alegações da recorrente, são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:

a) A inconstitucionalidade orgânica e material das normas do CPPT que determinam a prática de funções jurisdicionais pelo Serviço de Finanças no âmbito da execução fiscal, em especial, o n.º 1 do artigo 188.º do CPPT;

b) A cobrança de uma taxa não autorizada/inexistente nas leis em vigor;

c) A pendência de processo contencioso com efeito suspensivo.

Ora, todas estas questões já foram suscitadas e decididas neste STA no recurso nº 064/12 de 16/05/2012, tendo tal aresto sido subscrito por todos os juízes que constituem a formação dos presentes autos, sem qualquer voto de vencido.

Assim, sendo, iremos aqui reproduzir o que naqueles acórdão ficou escrito.

Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica e material das normas do CPPT que determinam a prática de funções jurisdicionais pelos Serviços de Finanças no âmbito da execução fiscal, mais especificamente o nº 1 do artigo 188º do CPPT que atribui ao órgão de execução fiscal o poder para ordenar a citação do executado, a recorrente apenas diz que esse fundamento se enquadra na aliena i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT e que, por isso, não há erro na forma de processo.
Acontece que, sobre esse fundamento, a sentença recorrida, invocando o acórdão do STA de 16/6/2004 proferido no recurso nº 367/04, pronunciou-se sobre o mérito, dizendo que “o ato de dar a conhecer ao executado a interposição contra ele da execução ou a chamá-lo ao processo, não implica qualquer decisão relativa à composição do litígio ou do conflito de interesses existente». Ao pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade material da norma que dá poderes ao órgão de execução fiscal para ordenar a citação, vendo aí uma atuação meramente administrativa, desprovida de caráter jurisdicional, a sentença pressupõe que esse fundamento pode ser incluído no âmbito da oposição, e por isso, não lhe pode ser feita a censura que a recorrente lhe dirige.
Quando a sentença se refere à existência de erro na forma de processo, fá-lo apenas para responder à conclusão que a oponente retira no artigo 20º da petição da alegada inconstitucionalidade. Com efeito, após invocar a inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 188º do CPPT, a oponente alega que dela resulta a nulidade do mandado de citação emitido pela chefe do serviço de finanças e, consequentemente, da citação efetuada, posto que efetuada por quem, não tem constitucionalmente competência para tanto. Ora, se pretendia alegar a nulidade da citação, diz a sentença, que deveria ter dirigido tal pedido ao órgão de execução fiscal e não ao tribunal através da oposição.
E nenhum reparo se pode fazer a este julgamento.
De acordo com a corrente jurisprudencial reiterada e uniforme deste Tribunal, a propósito da arguição e conhecimento das nulidades processuais decorrentes das falta ou nulidade da citação em processo de execução fiscal, tem que se reconhecer que a falta de citação não se presta a servir de fundamento à oposição. Não só não cabe no âmbito da alínea i) do nº 1 do artº. 204º do CPPT, por não ser um ato predestinado à extinção da execução, como está fora do alcance do nº 1 do artigo 151º do CPPT, por não ser tratar de uma questão jurídica controvertida. Com efeito, diz-se no Acórdão do Pleno da Secção de 28/2/04, no recurso nº 0803/04, que «o facto de a alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT não rechaçar, perentoriamente, a consideração da nulidade do citação como fundamento de oposição à execução, não significa que este meio processual seja o próprio para a invocar. Isto porque a nulidade da citação consubstancia uma nulidade do processo executivo, e as nulidades devem ser invocadas e apreciadas no processo em que ocorreram, tendo em vista a sua sanação e o prosseguimento do processo. Ao passo que a oposição à execução persegue a extinção do processo ou, pelo menos – em casos restritos – a sua suspensão», Jurisprudência esta que tem vindo a ser seguida de forma unânime em decisões posteriores (cfr. ac. do STA de 2/4/08, rec. nº 0953/07, de 25/3/09, rec. nº 0923/08, de 3/11/2010, rec. nº 0586/10, de 10/3/2011, rec. nº 042 e de 25/5/2011, rec. nº 0817/11). Por outro lado, diz-se nos acórdãos do STA de 2/4/2008 (rec. nº 0953/07) e de 25/3/09 (rec. nº 093/08) que «o sentido desta norma do art.º 151.º é o de atribuir ao tribunal o conhecimento de todas as questões de caráter jurisdicional, deixando às autoridades administrativas apenas as tarefas conexionadas com os fins da execução fiscal que não envolvam a resolução de questões jurídicas controvertidas. No entanto, se se tratar de nulidade por omissão da prática de um ato que deveria ser praticado, deverá entender-se que não se está ainda perante uma questão controvertida, pelo que a sua prática deverá ser requerida ao órgão da execução fiscal, só havendo possibilidade de solicitar a intervenção do tribunal, através de uma reclamação nos termos do art.º 276.º, se for indeferido o respetivo requerimento».
A recorrente não impugnou diretamente a decisão de fundo quanto ao juízo sobre a constitucionalidade da norma que permite ao órgão de execução fiscal ordenar a citação do executado. Em todo o caso, a posição que se tomou na sentença recorrida sobre essa questão corresponde à que vem sendo defendida pela jurisprudência, com a qual se concorda. Ora, é jurisprudência pacifica que a natureza judicial do processo de execução fiscal não contende com a prática, pelos órgãos da administração tributária, de atos de natureza não jurisdicional, não sendo como tal, inconstitucionais as normas que atribuem competência ao órgão da administração tributária a prática de atos que nada têm que ver com o exercício de competências dos tribunais. Para esta jurisprudência a natureza judicial do processo de execução fiscal não impede a prática, pelos órgãos da administração tributária, de atos de natureza não jurisdicional, não sendo inconstitucionais as normas que atribuem competência ao órgão de execução fiscal para a prática de atos de natureza não jurisdicional, designadamente para o ato de citação.
Como se decidiu no acórdão de 26/4/2012, proferido no processo nº 1088/11, onde a recorrente invoca a mesma questão, a competência atribuída por este normativo aos órgãos da administração tributária é precisamente a competência para a prática de atos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal. Como aí se refere «a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, tem-se pronunciado, de forma consolidada e de há longo tempo, no sentido de que não contende com a natureza judicial do processo executivo fiscal o facto de a citação ser ordenada pelo chefe da repartição de finanças, já que tal despacho não se insere nos despachos jurisdicionais, não tendo por finalidade a composição de qualquer litígio (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.02.2008, recurso 999/07, de 16.06.2004, recurso 367/04, de 02.05.2001, recurso 25027, e de 19-2-92, recursos ns. 13763 e 13830.) E instado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da atribuição de competência à Administração Tributária para instauração e prática de atos no processo de execução fiscal o Tribunal Constitucional vem também entendendo que a decisão de instauração não envolve um juízo definitivo sobre a exequibilidade do título ou sobre a verificação dos pressupostos da ação executiva, não havendo nesse ato qualquer composição de interesses, pelo que ele não tem natureza jurisdicional – conferir neste sentido acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 331/92, de 21/10/1992, n.° 152/2002, de 17-4-2002, publicado no Diário da República, II Série, de 31-5-2002, e n.° 263/02, de 18-6-2002, publicado no Diário da República, II Série, de 13-11-2002».

Quanto ao terceiro fundamento invocado:
A recorrente invoca ainda a pendência de processo contencioso com efeito suspensivo. Quanto a esta questão ela é enquadrável no âmbito da alínea i) do nº 1 do artº 204º do CPPT, e ainda nesse processo pode ter sido ou não, prestada garantia ou penhorados bens que garantam a divida exequenda.
Mas verifica-se que na petição inicial de oposição não foi alegado que existiam pendentes impugnações com efeito suspensivo (sublinhado nosso). Apenas se noticia a interposição de impugnações. E, no articulado dessa peça, a recorrente defende que, tal como resulta do nº 4 do artigo 103º do CPPT para a impugnação judicial, também em sede oposição pode ser formulado pedido de prestação de garantia e, por igual razão, também pode ser deduzido o pedido de dispensa de garantia. E no pedido, além da extinção da execução pediu subsidiariamente que fosse deferido o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Portanto, a oposição à execução, nesta parte, não deriva do facto de ter sido instaurado um processo de execução fiscal após ter sido prestada garantia e antes da impugnação judicial estar decidida. A pretensão do oponente circunscreve-se apenas ao pedido de dispensa de prestação de garantia que, no seu entender, pode ser efetuado na ação de oposição à execução.
É certo que se for instaurada execução fiscal quando está pendente a impugnação judicial com garantia já prestada ou estando por decidir o pedido de prestação formulado nesse processo, a execução será ilegal, podendo o executado deduzir oposição, que será enquadrável na alínea i) do artigo 204º do CPPT. E atualmente, após a redação dada ao nº 4 do artigo 103º do CPPT pela Lei nº 15/2001 de 5/6, e em conjugação com o nº 1 do artigo 183º, a prestação de garantia pode ser efetuada no próprio processo de impugnação. Ora, se a impugnação da liquidação tem efeitos suspensivo, em consequência da garantia nela prestada, a execução fiscal não pode ser instaurada.
Mas não foi esse o fundamento da presente oposição, como de resto já foi decidido em casos iguais entre as mesmas partes recentemente julgados neste Tribunal, nos acórdãos de 14/23/2012, rec. nº 1053/11 e de 26/4/2012, rec. nº 1088/11, em que a questão suscitada é em tudo idêntica a esta. Também aí a recorrente alegou a pendência de processo contencioso com efeitos suspensivo, mas não era essa a realidade que resultava dos autos, nomeadamente da petição inicial de oposição.
A pretensão da recorrente formulada na petição inicial não é sequer a suspensão da execução com fundamento na inexigibilidade temporária da dívida, como sustenta em sede de recurso. Nos casos excecionais em que a oposição pode ter em vista a suspensão da execução é preciso alegar e demonstrar que a exigibilidade da dívida exequenda está temporariamente afetada, nomeadamente por suspensão legal, judicial ou administrativa da eficácia da liquidação. Mas o que oponente pretendeu foi que o tribunal declarasse a dispensa de garantia para efeitos de suspensão de execução, o que bem diferente.
Sobre essa pretensão, decidiu-se no despacho liminar que o oponente deveria apresentar tal pedido no processo executivo, o que está de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 170º do CPPT que atribui ao órgão de execução fiscal, e não ao tribunal, o poder de decidir sobre essa pretensão.
Tal despacho foi objeto de recurso interlocutório apreciado supra.

A mesma recorrente suscita ainda como segundo fundamento na sua ordem de exposição a questão da inexistência da taxa em questão nas leis em vigor, decorrente da não autorização da cobrança da mesma taxa.
Argumenta-se no recurso que a ilegalidade invocada na petição de oposição não é a ilegalidade do ilícito tributário ou da liquidação da taxa de promoção (…) mas sim, a ilegalidade abstrata de tributo em causa.
E isto porque o IVV pretende fazer-se pagar de uma taxa cuja cobrança se encontra suspensa por decisão comunitária.
Com efeito sustenta a recorrente que, nos termos do n.° 3 do art° 88 do Tratado CE (TCE), o Estado Português se encontra inibido de executar qualquer auxílio que esteja a ser objeto de um processo de apreciação pela Comissão até à emissão, por aquela entidade, de uma decisão final de aprovar (ou não) o auxílio em causa, conforme sucede com o auxílio que a taxa de promoção em causa financia.
E que a própria Comissão «recorda a Portugal o efeito suspensivo do nº 3 do art. o 88° do Tratado CE e remete para o art. o 14. o do Regulamento (CE) n. o 659/1999 do Conselho que dispõe que os auxílios ilegais poderão ser reembolsados pelos seus beneficiários», chamando à colação o considerando n° 147 do processo C 43/2004, junto aos autos como documento n° 2 com a contestação apresentada pelo IVV.
Assim conclui que até que a decisão final seja proferida pela Comissão quanto ao auxílio do período em questão, tanto esse auxílio, como - o seu incindível modo de financiamento - a taxa de promoção - não podem ser postos em execução, o que equivale a dizer que a sua cobrança não está, ao momento da liquidação, autorizada, e que os diplomas nos quais essa liquidação se baseia são de considerar, de momento, juridicamente inexistentes.
Contra o assim alegado responde a entidade recorrida, sustentado nas suas contra-alegações que a Comissão, na decisão adotada em 20 de julho de 2010 e notificada ao IVV (ora Recorrido) em 28 de setembro de 2010 concluiu pela compatibilidade da taxa de promoção cobrada pelo IVV, pelo que manifestamente não se verifica o fundamento previsto no artigo 204.°, nº 1, alínea a) do CPPT, ao contrário do alegado pela Recorrente»
Sobre tal fundamento decidiu-se na sentença recorrida, de uma forma sumária, que “Sobre a pretensa não autorização de cobrança da taxa de promoção e sua ilegalidade a resposta também se impõe com clareza pois resulta, para além do mais, do enfoque argumentativo apresentado pelo IVV, veja-se supra, no relatório, o referido na al. e), na síntese de argumentos que esgrimiu. Enfoque que tem suporte documental, o constante de fls. 75 a 88. Pelo contrário, a versão apresentada pela Oponente outro suporte não tem que não seja o de uma argumentação que traduz uma leitura muito “especial” de normas e procedimentos comunitários, leitura que não tem qualquer aderência à efetiva realidade verificada”.
Como salienta o Ac. deste STA de 26/12/2012 tirado no recurso 1088/11-30 onde foi suscitada a mesma questão pela mesma recorrente, este fundamento de oposição é, em tese, subsumível à al. a) do nº 1 do referido normativo, na medida em que diz respeito à ilegalidade abstrata do tributo, ou seja, não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto mas na própria lei cuja aplicação é feita.
E, como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, vol. III, pag. 446, cabem neste conceito de ilegalidade abstrata todos os casos de atos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares.
A decisão recorrida, que assim não decidiu, não pode, pois, ser confirmada, pelo que deverá, nesta parte, ser revogada.

Da impossibilidade de conhecimento em substituição.
Face ao provimento do recurso nesta parte e à consequente revogação da decisão recorrida suscita-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, deste fundamento de oposição relativo à alegada não autorização de cobrança da taxa de promoção.
Sucede que a sentença de primeira instância não fez qualquer explicitação dos factos que se deviam ter de considerar como relevantes e provados, nomeadamente para apreciação deste fundamento de oposição.
Também este Tribunal de recurso não dispõe, de base factual para decidir o recurso jurisdicional, uma vez que, face ao alegado pela recorrente e pelo recorrido, ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida, nem nesta sede se pode estabelecer, por o Tribunal carecer de poderes de cognição em sede de facto.
Há, assim, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspeto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto (arts.729º e 730° do Código de Processo Civil)”.

Não temos razões para seguir entendimento diferente em caso exatamente idêntico.

VII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, mantendo-se o julgamento de improcedência da oposição quanto ao primeiro e terceiro fundamentos de recurso e ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância, para que, após ampliação da base factual nos termos atrás descritos, se conheça do mérito do segundo fundamento de oposição invocado.

Custas pela recorrente e recorrido (que contra-alegou neste Supremo Tribunal e decaiu em parte) na proporção de 2/3 e 1/3 respetivamente.

Lisboa, 15 de maio de 2013. – João António Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.