Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:076/09
Data do Acordão:05/27/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
TEMPESTIVIDADE DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - O prazo de dedução de impugnação judicial é um prazo de caducidade, peremptório, e de conhecimento oficioso.
II - Deduzida fora de prazo, a impugnação judicial deverá ser alvo de indeferimento liminar.
III - Verificada a extemporaneidade da petição, em fase não inicial do processo, impõe-se ao juiz a absolvição do réu do pedido (equivalente à improcedência da acção).
Nº Convencional:JSTA00065758
Nº do Documento:SA220090527076
Data de Entrada:01/22/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DE LISBOA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART123 N1 A.
CCIV66 ART333.
CPC96 ART145 ART493.
CPA91 ART133 N2 B.
L 1/87 DE 1987/01/06 ART1 ART4 N1 G.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…, SA” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em que, «por manifesta ilegalidade da sua interposição», «rejeita-se a presente impugnação».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
1. A Recorrente apresentou a sua defesa em tempo dado que a nulidade é invocável a todo o tempo, tal como expressamente consagra o n.° 3 do art. 102 do CPPT;
2. Em termos tributários, pode definir-se a taxa como uma prestação pecuniária, imposta coactiva ou autoritariamente pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; ligada à utilização individualizada, pelo contribuinte, solicitada ou não; de bens públicos ou semi-públicos; com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte. (ver definição adoptada pelo Ac. STA de 16.06.99 tirado no âmbito do Recurso n.° 23175);
3. Aplicando ao caso em apreço a definição exposta, conclui-se que não estamos perante uma taxa uma vez que a mesma pressupõe uma utilização individualizada dos bens semipúblicos, que não ocorre no mesmo;
4. É errada e falaciosa a definição de utilização individualizada sufragada pela douta sentença recorrida: “... consubstancia uma utilização individualizada deste, pois, mantendo a impugnante essa utilização, não será possível a utilização desse espaço para outras finalidades de interesse público...”;
5. Se qualquer utilização do subsolo, na medida em que exista, impossibilita a utilização desse mesmo espaço para outras finalidades - dogma da física que não vemos como negar - daí não se infere automaticamente uma utilização individualizada. Se fosse o Estado a utilizar esse mesmo subsolo não se trataria de uma utilização individualizada. O critério só pode ser o do propósito com que se ocupa a referida área;
6. Ora, finalidades de interesse público. Eis a questão. Descortinamos dois interesses públicos. O primeiro, nacional, sufragado pelo Estado Central, entidade máxima para tal efeito - falamos da inequivocamente fundamental opção económica geoestratégica do fornecimento de energia através de gás natural - o segundo, local, que se consubstancia na obtenção de receita;
7. Parece claro qual deva prevalecer. Mas, então, não é aceitável o argumento de que o subsolo não pode ser afecto ao interesse público se, como se demonstrou, é exactamente esse o papel que está actualmente a desempenhar;
8. No caso em apreço existe mesmo desvio de poder, uma vez que o fim a ser prosseguido é claramente um interesse público secundário desvirtuando a razão pela qual o legislador atribui semelhante capacidade ao Município;
9. Caso se entenda possível o apuramento do valor da taxa sempre estaremos perante uma grosseira violação do princípio da igualdade e do p. da proporcionalidade o que resulta claro por oposição ao tratamento dado aos verdadeiros utilizadores da rede, os Munícipes;
10. No caso dos autos não existe uma utilização de bens dominiais para satisfação de necessidades individuais da Recorrente mas sim perante uma ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público;
11.O bem público é, pois, utilizado na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas, sem que se possa individualizar quem, e em que medida, pode individualmente usufruir das utilidades dessa ocupação;
12. Não existindo uma contrapartida individualizada para a Recorrente do pagamento daquelas “taxas”, as quantias que a CML pretende cobrar a esse título extravasam claramente os limites legais daquela figura, tratando-se de um imposto dissimulado e inadmissível na nossa ordem jurídica na medida em que se encontra vedado aos Municípios, face à Constituição, e à lei, criar impostos, sendo de se considerar nulas as liquidações efectuadas;
13. Ainda que se conclua, o que se faz por mero dever de patrocínio, que existe a dita individualização o mesmo nunca poderá ser dito quanto à divisibilidade do benefício levando à impossibilidade de liquidação do tributo;
14.Admitindo o poder do Município para tributar a utilização do domínio público, importa averiguar em que situações é que o pode fazer, e, no que é, e como funciona, esse mesmo domínio público;
15. Ora, não existe regime geral do domínio público que defina legalmente as especificidades da propriedade pública. Assim sendo, pode-se optar por uma aplicação cega do art. 1344° CC, entre outros regimes jurídico-privados, como se decidiu na douta sentença recorrida, ou, como tem vindo a fazer a mais variada doutrina, tentar descortinar um vero regime que permita compreender as características deste instituto.
16. Partamos da concepção tripartida que serviu, historicamente, para explicar a propriedade privada de acordo com a qual é livre o uso, disposição e fruição do quid subjacente ao direito.
17. Ora, a propriedade pública, não é, regra geral, e neste caso concreto, susceptível de disposição, além de que, a faculdade do uso foi, por expressa disposição do Estado Concedente no contrato de Concessão, entregue à concessionária.
18. Fica desde logo em crise o nexo de uma suposta capacidade de fruição, a existir, ser autonomizável do uso e disposição, e se ter mantido na esfera do Município;
19.Demonstrada a falácia da construção jurídica adoptada pelo Meritíssimo Juiz resta agora encontrar regime mais conforme ao ordenamento jurídico e apurar qual, afinal, o critério de afectação do domínio público. Desde já se antecipando que tal critério só pode ser o da funcionalidade;
20. O Decreto-Lei 182/2003, de 16 de Agosto, refere que as estradas são domínio público municipal. Por mera aplicação do art. 1344.° CC, crê-se que também o subsolo merece igual destino. Nada mais errado. A delimitação do domínio público deve ser feita a partir da função a que está adstrita! Assim, deve ser adoptada uma posição que permita a diferenciação vertical do domínio público.
21. Enquanto a estrada responde às necessidades públicas de circulação pedestre e automóvel, atribuição da Autarquia, e é, portanto, domínio público Municipal, já o subsolo ao servir para a distribuição de gás natural será domínio público do Estado;
22. Refira-se que, e não concedendo, ainda que se perfilhe a opinião de que a propriedade se mantém no Município, é imperioso concluir que entre esta e a sua afectação houve uma dissociação a favor do Estado, não restando ao Município qualquer poder que não esta, releve-se a expressão claramente inadequada, “nua propriedade”;
23. Há pois que atender à caracterização deste domínio público e à utilização do mesmo para as funções em causa para que se afira da possibilidade de cobrança de tributos pela utilização do mencionado domínio público;
24. A sujeição dos bens ao regime da dominialidade, caracterizada pelos princípios da inaliabilidade, imprescritibilidade, da impenhorabilidade e, claramente, da incomercialibilidade, visa garantir a afectação desses bens à satisfação das necessidades em causa. Se na propriedade privada vinga a ideia do aproveitamento do bem de acordo com a sua destinação económica, na propriedade pública é incontornável a instrumentalidade em função da satisfação da utilidade pública;
25. Uso da propriedade pública apenas pode ter uma destinação económica quando tal uso não se destina a qualquer utilidade pública mas antes a um benefício directo e exclusivo dum particular;
26.Nesse caso existiria uma destinação anormal do bem público que, por natureza deve estar afecto ao uso comum, associado à função de utilidade pública. Quando o bem público é utilizado em benefício de todos ou da colectividade, então tal utilização rege-se pelo princípio da liberdade e da gratuitidade.
27.Estamos perante um uso comum directo mas mediato do domínio público por todos os cidadãos: directo porque cada indivíduo pode tirar proveito pessoal da coisa pública; mediato porque o aproveitamento da coisa se faz por meio da prestação de um serviço público.
28.Assim sendo, não é possível a tributação desta utilização do bem público. Não sendo possível a taxação desta utilização, não previu, obviamente, o legislador ou o contrato de concessão qualquer isenção.
29.As taxas cobradas pelos municípios violam, assim, o artigo 19°, alínea c) da Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto, pois esta norma, ao prever a cobrança de taxas por “ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal”, pressupõe que se trate de uma utilização do domínio público que, de acordo com o regime vigente, seja susceptível de ser taxada.
30. Por outro lado, e conforme foi alegado, a ilegalidade do tributo - admitindo que seja uma taxa - e consequente nulidade, resulta da desconformidade do mesmo e das normas que o instituem com o contrato de concessão celebrado entre o Estado e a Recorrente e, bem assim com a Lei de Bases em que o mesmo assentou;
31. As Bases da Concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.° 33/91, de 16 de Janeiro, consagram na nossa ordem jurídica a assunção pelo Estado da responsabilidade pela instalação e funcionamento do serviço público de distribuição de Gás Natural;
32. O Estado para prosseguir as atribuições a seu cargo dispõe da prerrogativa de usar os bens do domínio público, já que por definição este compreende os bens afectos, por lei, a fins de interesse público, mormente o subsolo que subjaz às vias públicas municipais;
33. Tendo o Estado optado pela concessão do serviço público de distribuição de gás natural a uma entidade privada, transferiu para esta não só um conjunto de direitos e de obrigações, como também um conjunto de prerrogativas de autoridade de que dispõe para prosseguir essa atribuição - cfr. art. 23.°, al. c) do Decreto-Lei n.° 374/89, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 8/2000, de 8 de Fevereiro;
34. Com efeito, de acordo com a Base XVII das Bases anexas ao Decreto-Lei n.° 33/91, “a concessionária terá direito de utilizar o domínio público para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão, nos termos da legislação aplicável”;
35. O Estado transferiu para a concessionária, ora Recorrente, a prerrogativa de utilização de bens do domínio público [tout court] - ou seja, quer tais bens sejam do Estado, quer sejam do Município -, na medida em que tal seja necessário para a implantação e exploração do serviço público de gás natural;
36. Em virtude do contrato de concessão e da aprovação do traçado e do projecto da rede de gás natural, a CML ficou privada dos poderes de administração e disposição sobre a porção do subsolo da via pública considerada necessária à instalação das infra-estruturas adequadas ao estabelecimento da concessão, uma vez que aquela ficou afecta a um uso público que se enquadra nas atribuições do Estado;
37. Apenas o Estado, enquanto entidade concedente, pode definir, por força da lei que aprovou as Bases da Concessão, as condições em que o concessionário poderá exercer o direito que lhe é atribuído por aquelas bases de implantar no domínio público, qualquer que ele seja, a rede de gás natural;
38. Pelo exposto, não pode a CML, sob pena de invasão das atribuições do Estado concedente, pretender regular as condições do uso pelo concessionário do subsolo das vias públicas municipais considerado necessário à implantação da rede de gás natural de Lisboa. Assim, o acto de liquidação das taxas reclamadas é nulo, por violação do disposto no art. 133.°, n.° 2, al. b) do Código de Procedimento Administrativo;
39. A Recorrente, por instalar redes de distribuição, conservar as mesmas e distribuir o bem essencial gás, obteve do Estado - entidade que está legalmente adstrita ao dever de assegurar bens essenciais à população - uma concessão, uma autorização, sendo a contrapartida que obteve desse contrato a possibilidade de obter uma compensação directa dos consumidores;
40.O Estado poderia ter optado por remunerar directamente o concessionário ao invés de permitir a cobrança directa junto dos consumidores deste bem público (remuneração indirecta). Acaso tivesse optado pela primeira via, decerto nem se discutiria se haveria utilização individualizada pois não existiria também o argumento de com isso se exercer uma actividade privada como qualquer outra, afinal facturada directamente ao cliente, à semelhança de uma comum empresa particular;
41.O que afinal parece não ter sido compreendido é a dualidade de vestes com que se apresenta um concessionário: na relação com o Estado concedente apresenta-se como (mero) particular; já na relação com qualquer outra entidade apresenta-se como um sujeito com características do concedente (na estrita proporção do necessário para a realização das finalidades delegadas).
42.Conclui-se que a Natureza de concessionária em prossecução de um serviço público impede a sua tributação como se de um normal particular se tratasse devendo consequentemente operar-se a extensão da isenção de taxas à concessionária. Mais,
43. As taxas que o Município pretende cobrar à Recorrente ascendem ao montante de €1.016.051,32€! Como se demonstrará, trata-se de um valor perfeitamente alheado da realidade, sem qualquer fundamento prático e portanto mero laivo de discricionariedade. Importa, porém, questionar que valor devem ter essas taxas;
44. A manifestação do princípio da igualdade tem, na sua vertente tributária, duas variáveis, a saber, o princípio da capacidade contributiva, para os impostos e o princípio da equivalência, para as taxas. Assim, se os impostos se baseiam numa pura manifestação de riqueza, já as taxas estão intimamente ligadas ao sinalagma que as legitima;
45.Não se pretende discutir, aqui, se se trata de uma equivalência jurídica ou económica, nem nos causa estranheza a apologia da primeira. Simplesmente para sufragar tais posições, e, como é pré-decorrência lógica, há que quantificar o dito sinalagma num valor que, depois, e só então, se conclui ter ou não ter que coincidir à risca com o valor final da taxa;
46. Ora, o valor pode ser calculado por dois métodos, o dos custos e o do benefício;
47. O cálculo dos custos não oferece grande discussão, cabendo ao Município demonstrar que efectivamente neles incorre, por exemplo devido à realização de fiscalizações. Com base nessa informação pode o particular defender-se tentando alegar que, face, a um determinado valor a quantia estipulada para taxa é manifestamente desproporcional;
48. O benefício no caso deve ser entendido como algo de objectivo e não subjectivo como se dependendo de cada sujeito que o goza sob pena de se resvalar para análise da capacidade contributiva de cada sujeito. O que se procura aferir é o valor que tem, em abstracto, a utilização do subsolo, o que normalmente se apura por comparação com os valores de mercado;
49. Ora, não há, no caso em apreço, valor de referência passível de ser apurado, ex vi avaliação do benefício através da análise dos preços de mercado, a partir do qual se possa fazer um juízo de manifesta desproporcionalidade e assim, consequentemente, fica demonstrada a falência desse critério nas presentes circunstâncias;
50. Assim, há Municípios que fixam o valor devido em 1 cêntimo, outras 10, e outras ainda 1 € por m. Conclui-se, pois, pela completa arbitrariedade. Qual será o critério é algo rodeado de mistério. Se tomássemos como premissa o valor do solo então seria mais caro em Lisboa do que em Braga, ou na Lapa do que no Campo Grande, o que não parece lógico;
51. Se, como é razoável, se tomar como padrão o benefício em abstracto da satisfação da necessidade, constatar-se-á, que, perante a disparidade de valores, temos forçosamente que concluir que essa satisfação vale mais se perante um munícipe de Sintra do que Lisboa ou do Barreiro, algo, por natureza inadmissível;
52. Porém, é o que sucede de facto. Está-se, pois, perante uma grosseira violação do princípio da igualdade (art. 13° CRP).
53.Entende ainda a Recorrente estar violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 268° CRP), e o Princípio da Boa Fé (art. 266, CRP) pelo qual se deve pautar a Administração na sua relação com os administrados;
54. Refira-se que serão esses mesmos particulares quem, em última análise, irá suportar as ditas taxas através da sua repercussão em termos de preço já que, a aceitar-se a sua liquidação, o equilíbrio económico-financeiro do contrato estará comprometido. Assim, o Estado Concedente, em sede do novo contrato de concessão previu a possibilidade de alteração do valor da tarifa em função do pagamento das ditas taxas;
55.Eis como se prova por A+B que o contrato de concessão originário deve ser interpretado como não pretendendo que a concessionária suporte taxas. Se não, cogitemos em pormenor. Se num primeiro momento se define um dado valor x, e num momento posterior se permite a aplicação de um valor superior: x+y, sendo y = montante derivado de taxas, cedo se conclui que y não estava previsto como custo na equação inicial;
56. É gritante a incoerência de bens públicos no seu uso comum implicarem custos para a colectividade.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser acatado e julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta sentença recorrida.
1.3 A recorrida Fazenda Pública contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões.
1. A procedência ou improcedência da excepção de extemporaneidade, que constitui o objecto do presente recurso, depende da existência de um vício invalidante do acto de liquidação que, a verificar-se, determinará a sanção jurídica aplicável in casu- nulidade ou anulabilidade.
2. A utilização que a recorrente faz do subsolo satisfaz, desde logo, as suas necessidades individuais, enquanto empresa que assim assegura um factor de produção; mediatamente, satisfaz, ainda, a necessidade colectiva de dispor, nos locais de consumo, do gás que ela distribui e comercializa.
3. O tributo em questão implica a utilização do domínio público municipal em proveito próprio da concessionária, configurando, assim, uma verdadeira taxa.
4. O elemento distintivo entre taxa e imposto é a existência ou não de sinalagma.
5. O sinalagma reconduz-se a três modalidades típicas: (1) a actividade administrativa de prestação de um serviço, (2) a utilização do domínio público e (3) a remoção de um limite imposto à livre actividade dos particulares.
6. A Recorrente - concessionária - erra na qualificação do tributo devido pela ocupação da via pública com tubagens no subsolo, porque utiliza, em proveito próprio, o subsolo do domínio público municipal.
7. Quando o uso privativo do domínio público, incluindo o subsolo, é consentido a pessoas determinadas, com base num título jurídico individual, como sucede com a Recorrente, que do mesmo retira uma especial vantagem no exercício da actividade que prossegue, impõe-se que a regra da gratuitidade da utilização comum do domínio público ceda perante a regra da onerosidade.
8. A Recorrente erra quando considera que a ocupação e utilização dos bens dominiais em apreço se destina apenas à satisfação de necessidades colectivas e não à satisfação das respectivas necessidades individuais, enquanto empresa concessionária.
9. É que, paralelamente com as utilidades colectivas proporcionadas pela existência de uma rede de gás natural, que a concessionária assegura, no cumprimento das obrigações assumidas no âmbito do contrato de concessão, é esta mesma concessionária quem beneficia directamente da ocupação do domínio público municipal.
10. A Recorrente dispôs-se a desenvolver uma actividade económica lucrativa e, para o efeito, reuniu e organizou meios que lhe permitiram obter uma concessão de serviço público. É da prestação desse serviço que se propõe conseguir os seus ganhos.
11. O tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessa ocupação e utilização em benefício da Recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás.
12. A Jurisprudência mais recente considera que o tributo em apreço consubstancia uma verdadeira taxa, mesmo quando o sujeito passivo da obrigação tributária reveste a qualidade de concessionário de serviço público.
13. O tributo em apreço configura uma verdadeira taxa, cuja criação/exigibilidade não estava, por natureza, sujeita ao princípio de reserva de lei formal, consagrado no n°. 2, do artigo 103° e na alínea i), do artigo 165°, da C.R.P..
14. O Município de Lisboa está legalmente autorizado a cobrar taxas pela ocupação do domínio público, incluindo o subsolo, direito esse que apenas cede em face de normas de isenção que expressamente afastem a respectiva obrigação de pagamento.
15. Não existe norma que isente a recorrente da obrigação tributária em apreço.
16. Os actos de liquidação sub judice têm a sua base legal:
a) no n°. 4, do artigo 238°, da C.R.P., que determina que “as autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei”;
b) na alínea c), do artigo 11°, da L.F.L. aprovada pela Lei nº. 1/87, de 6 de Janeiro;
c) na alínea 1), do n°. 2, do artigo 39°, da Lei n°. 100/84, de 29 de Março, que atribui competência à Assembleia Municipal para “estabelecer, nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos” e, ainda,
d) no artigo 22° da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para o ano financeiro de 1996.
17. Os actos de liquidação em apreço limitaram-se a aplicar a lei vigente à data da ocorrência dos factos tributários, não padecendo, assim, de qualquer vício.
18. Não se verifica a nulidade prevista na alínea b), do n°. 1, do artigo 133°, do C.P.A., pois o tributo em questão resulta de deliberação do órgão legalmente competente para o efeito - Assembleia Municipal.
19. Não basta a Impugnante invocar a existência de uma hipotética nulidade para que a impugnação seja admitida a todo o tempo, uma vez que o julgador não está vinculado à qualificação jurídica que as partes entendam dar aos factos em apreço.
20. É que a hipotética invalidade do acto de liquidação do tributo em apreço - que não se verifica - sempre constituiria erro sobre os pressupostos de direito e, em consequência, não seria determinante da nulidade do acto de liquidação, mas tão só da respectiva anulabilidade.
21. A impugnação dos actos anuláveis está sujeita aos prazos previstos na lei processual aplicável, in casu, ao artigo 123°, do Código de Processo Tributário.
22. O princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268°, nº. 4, da Constituição da República Portuguesa, não possibilita a sua efectivação anárquica, antes está sujeito a regras, como, por exemplo, o uso do meio processual adequado ou o estabelecimento de prazos para esse exercício.
23. A douta sentença recorrida não barrou o acesso a uma decisão de mérito em virtude de uma questão formal.
24. Caducando o direito à impugnação, nos termos previstos no artigo 123°, do C.P.T., dá-se por verificada a alegada excepção peremptória, a qual conduz à absolvição do pedido, nos termos do n°. 3, do artigo 493°, do C.P.C., aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto na alínea f), do artigo 2°, do C.P.T..
25. Bem decidiu a douta sentença recorrida, em face do quadro normativo aplicável, pela extemporaneidade da presente impugnação judicial.
Nestes termos se conclui, invocando o douto suprimento de V.Exªs, pela manutenção da douta sentença recorrida, para que assim se faça a já costumada JUSTIÇA.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
A questão objecto do presente recurso respeita, à caducidade do direito de impugnar por parte da impugnante e ora recorrente A… e à natureza do tributo por via da caracterização e valor do contrato de concessão.
Alega a recorrente que apresentou a sua defesa em tempo dado que a nulidade é invocável a todo o tempo, tal como expressamente consagra o n.º 3 do art.º 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
E invoca concretamente a nulidade do acto tributário com fundamento na ilegalidade do tributo por violar o contrato de concessão e a Lei de Bases em que esse contrato assentou e a consequente invasão das atribuições do Estado, geradora de nulidade, por via do disposto no art. 133.º, n. 2, alínea b), do CPA.
Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Em primeiro lugar porque não ocorre a invocada nulidade.
Como se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo 07.07.2008, recurso 1034/07 (in www.dgsi.pt), que tratou caso em tudo idêntico aos presentes autos, e cuja jurisprudência subscrevemos, «é de qualificar como taxa, por ter natureza sinalagmática, o tributo liquidado por um município como contrapartida pela utilização do subsolo com tubos e condutas uma vez que o seu montante se destina a pagar a utilização individualizada do subsolo onde as mesmas foram colocadas».
Não sendo nulo o acto tributário de liquidação com fundamento na ilegalidade do tributo por violar o contrato de concessão e a Lei de Bases em que esse contrato assentou e a consequente invasão das atribuições do Estado, à face do disposto no artº 133º, nº 2, al. b) do CPA.
Depois porque, ainda que assim não se entenda, os actos de liquidação que aplicam normas inconstitucionais, enquanto integram vício de violação da lei por erro nos pressupostos de direito, não são nulos, mas meramente anuláveis - vide, neste sentido, Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 26/6/95, in rec. n º 6.483; do Plenário deste STA de 30/5/01, in rec. nº 22.251, desta Secção do STA de 10/1/07, recurso 459/06, e de 07.07.2008, recurso 1034/07 (in www.dgsi.pt).
Daí que e conclua, e sintonia com a decisão recorrida e jurisprudência citada, que sendo os vícios apontados ao acto impugnado sancionados, apenas, pela regra geral da anulabilidade e não se verificando o invocado vício de nulidade, se mostra caducado o direito de impugnar por ter sido esgotado o prazo a que alude o artº 123º, nº 1 al. a) do Código de Processo Tributário.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo ser confirmado o julgado recorrido.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, e da contra-alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber da verificação, ou não, da caducidade do direito de deduzir impugnação judicial – o que pressupõe previamente apurar se a liquidação impugnada sofre, ou não, do vício de nulidade (invocável a todo o tempo). 2.1. Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
a) A impugnante é concessionária, em regime de exclusivo de serviço público, da rede de distribuição de gás natural em Lisboa;
b) A impugnante foi notificada pela CML para liquidar taxas de ocupação de vias públicas, respeitantes ao ano de 1996 e com data limite de pagamento a 30.06.1996, no valor global de Esc. 203.700.000$00.
2.2 De acordo com o disposto no artigo 123.º do Código de Processo Tributário – aqui aplicável em razão do tempo –, a impugnação judicial será apresentada, em regra, no prazo de 90 dias a partir do termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos [cf. alínea a) do seu n.º 1].
O prazo de propositura da impugnação judicial é um prazo substantivo, de caducidade, de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, por estarem em causa direitos indisponíveis da Fazenda Pública – cf. o artigo 333.º do Código Civil.
É também um prazo peremptório, pelo que o seu decurso opera a extinção do direito de praticar o acto respectivo – cf. o artigo 145.º do Código de Processo Civil.
O carácter oficioso do conhecimento da caducidade quer dizer que o Tribunal pode, e deve, conhecer da caducidade do prazo de interposição da impugnação, se dispuser dos elementos de facto que lhe permitam concluir que a impugnação judicial foi deduzida fora do prazo legal – a não ser, obviamente, que sobre essa questão da caducidade tenha havido já decisão expressa com trânsito em julgado.
Recebido o processo o juiz rejeitará a impugnação, se ela tiver sido deduzida fora de prazo.
Verificada, porém, a extemporaneidade da petição inicial da impugnação judicial indevidamente recebida, deve o juiz abster-se de conhecer do pedido nela formulado, e absolver o réu do pedido, nos termos do artigo 493.º do Código de Processo Civil [cf. a alínea f) do artigo 2.º do Código de Processo Tributário] – daqui resultando um efeito equivalente à improcedência do pedido.
2.3 No caso sub judicio, a impugnante, ora recorrente – tal como havia alegado já nos artigos 30.º e 31.º da sua petição inicial – conclui que «o acto de liquidação das taxas reclamadas é nulo, por violação do disposto no art. 133.º, n.º 2, al. b) do Código de Procedimento Administrativo», pois que «não pode a CML, sob pena de invasão das atribuições do Estado concedente, pretender regular as condições do uso pelo concessionário do subsolo das vias públicas municipais considerado necessário à implantação da rede de gás natural de Lisboa» [cf. conclusão 38.].
A sentença recorrida ponderou, porém, que a impugnante, ora recorrente, muito embora não enuncie na sua petição inicial «os concretos termos em que considera ter operado a nulidade, limitando-se para o efeito tão-só a invocar o art° 133°/2-b) em causa, resulta da leitura do referido articulado e do contexto descrito na p.i. que a impugnante parece ter querido significar que a emissão das liquidações em análise nos presentes autos efectuada pela CML, quando o deveria ter sido pelo Estado-concedente, configurou a falta de um elemento essencial que terá inquinado aqueles actos do vício de nulidade, atenta a gravidade da falta verificada». Mas – pondera ainda a sentença recorrida – «assiste à impugnada CML a competência legal para emitir as liquidações ora em apreciação visando a cobrança das taxas por ocupação do domínio público, inexistindo assim falta de qualquer elemento essencial na prática dos referidos actos susceptível de implicar a respectiva nulidade que, aliás, a impugnante também não invoca».
Julgamos que a sentença recorrida, no essencial, decidiu bem.
Com efeito, de acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 133.º, invocada pela ora recorrente, em conjugação especialmente com a alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, os actos dos órgãos das autarquias locais, que sejam estranhos às atribuições destas, são nulos.
Sucede, porém, que os municípios «têm património e finanças próprios», e o regime de autonomia financeira das autarquias locais assenta, designadamente, nos poderes dos seus órgãos de elaborar, aprovar e alterar planos de actividades e orçamentos; de elaborar e aprovar balanços e contas; de dispor de receitas próprias, ordenar e processar as despesas e arrecadar as receitas que por lei forem destinadas às autarquias; e de gerir o património autárquico – tudo de harmonia com o artigo 1.º da Lei n.º 1/87 de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais) [revogada pelo n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 42/98 de 6 de Agosto], aqui aplicável ratione tempore. E constituem receitas do município, entre outras, o produto da cobrança de taxas por licenças concedidas pelo município – cf. a alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º da mesma Lei das Finanças Locais.
Pelo que, não constituindo a liquidação da taxa em causa acto estranho às atribuições do Município liquidador [nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do Código de Procedimento Administrativo], improcede o argumento da ora recorrente, aduzido desde a petição inicial, de que é nulo o acto de liquidação da taxa impugnada.
E, assim, não se vê no acto de liquidação impugnado vício de nulidade que pudesse ser impugnável a todo o tempo.
Razão por que devemos concluir com a sentença recorrida que, «não se verificando o invocado vício de nulidade, caducou há muito o direito de a impugnante vir impugnar os actos de liquidação (…) atento o disposto no art.º 123.º/1-a) do CPT, diploma aplicável ao tempo».
Na verdade, a impugnação judicial, tendo sido apresentada no dia 9-6-2004 [cf. carimbo de entrada na petição inicial, a fls. 3], foi francamente deduzida fora do prazo legal de 90 dias – cf. ainda o que se assenta na alínea b) do probatório.
Estamos, deste modo, a dizer, em resposta à questão decidenda, que não ocorre no caso vício integrante de nulidade da liquidação impugnada, e que, sendo assim, se verifica a caducidade do direito de deduzir impugnação judicial.
E, então, havemos de convir, em súmula, que o prazo de dedução de impugnação judicial é um prazo de caducidade, peremptório, e de conhecimento oficioso.
Deduzida fora de prazo, a impugnação judicial deverá ser alvo de indeferimento liminar.
Verificada a extemporaneidade da petição, em fase não inicial do processo, impõe-se ao juiz a absolvição do réu do pedido (equivalente à improcedência da acção).
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 27 de Maio de 2009. Jorge Lino (relator) – Isabel Marques da Silva – Pimenta do Vale.