Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0479/07
Data do Acordão:10/24/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IRC
FACTURAS FALSAS
CONTABILIDADE ORGANIZADA
PROVA
PRESUNÇÃO DE FACTO
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Os poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo, nos processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários de 1.ª instância, são limitados a matéria de direito (art. 21.º, n.º 4, do ETAF de 1984).
II - A formulação de juízos sobre pontos da matéria de facto que não reclama a interpretação de qualquer norma legal nem faz apelo à sensibilidade jurídica dos julgadores, exigindo apenas a aplicação de regras da vida e da experiência, insere-se no âmbito dos poderes de cognição dos tribunais com poderes para fixação da matéria de facto, não sendo possível aos tribunais com meros poderes de revista fazer a sua apreciação.
III - Por força do princípio da unidade do sistema jurídico, que impõe que se pressuponha a coerência valorativa do ordenamento jurídico, as regras sobre a repartição do ónus da prova no procedimento tributário têm de ser aplicadas também nos processos judiciais em que é apreciada a legalidade das decisões tomadas naqueles procedimentos.
IV - O art. 78.º do CPT, ao estabelecer casos de cessação da presunção de veracidade dos dados e apuramentos resultantes de contabilidade ou escrita organizada segundo a lei comercial ou fiscal, tem ínsita a determinação de que nesses casos em que cessa a presunção é sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos sobre que se gerarem dúvidas.
V - Entre estas situações de inversão do ónus da prova no procedimento tributário inclui-se a de existirem indícios fundados de que a contabilidade ou escrita não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, regra esta que tem de ser harmonizada com a do art. 121.º do CPT, de forma a entender-se que, quando existam esses indícios, não se está perante situação de «dúvida fundada» que justifique a anulação do acto de liquidação.
Nº Convencional:JSTA00064630
Nº do Documento:SA2200710240479
Data de Entrada:05/28/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA NORTE.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CPC96 ART712 ART722.
ETAF84 ART21 N4.
CPTRIB91 ART78 ART121.
CPPTRIB99 ART121.
CCIV66 ART9 ART350.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA IN RLJ ANO122 PAG220.
ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL PAG432.
VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 2ED PAG269.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, LDA, impugnou no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga uma liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativa ao ano de 1993.
Aquele Tribunal julgou procedente a impugnação.
A Fazenda Pública interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga para o Tribunal Central Administrativo, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação,
Inconformada, a Impugnante interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A – A matéria dada como provada no acórdão recorrido é claramente insuficiente para se concluir pela existência de operações simuladas e pela falsidade das facturas em apreço.
B – Além disso existe documentação abundante no processo, nomeadamente facturas de exportação, documentos de transporte e documentação bancária. ave demonstra que não houve simulação, mas sim operações verdadeiras. com mercadoria real, que foi exportada, transportada, recepcionada no estrangeiro e paga através da banca à Recorrente.
Senhores Conselheiros
Não ignoreis esta prova, como fez o TCA.
C – Se existiu tal mercadoria, e se ela foi comprovadamente exportada e paga, como pode alguém sustentar que há indícios sérios de operação simulada? E como é que se recusa a dedução dos custos realizados para a sua confecção? Terá a mercadoria conseguido confeccionar-se a si própria?
D – Esse Supremo Tribunal pode atender a essa prova dado tratar-se de matéria alegada pela Recorrente que não foi contraditada pela Recorrida, constante de documentos juntos com a PI, sendo susceptível de fundamentar decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, e encontrando-se no processo todos os elementos probatórios que a basearam.
E – De qualquer modo os vagos indícios existentes nos autos não permitiam afastar a presunção de veracidade do art. 78º do CPT, que aproveita a Recorrente atento o modo irrepreensível como tem organizada a sua contabilidade e escrituração.
F – Até porque as presunções só podem ser afastadas mediante prova em contrário (art. 949º do C. Civil) e o TCA reconheceu expressamente que não tinha provas da simulação, mas apenas meros indícios.
G – O mesmo se diga quanto ao regime do art. 121 º do CPT – que podia e devia ter sido aplicado em favor da ora Recorrente – pois da análise da prova disponível nos autos não podia resultar uma certeza de simulação, como o Tribunal foi focado a reconhecer, o que impunha a anulação do acto impugnado.
O acórdão recorrido violou assim o disposto nos artigos 23º do CIRC, 24º/1, 78º, 120º/a), 121º e 286º/1/f) do CPT, e 2º, 18º, e 103º da CRP.
Revogando-o, pois, e substituindo-o por outro que anule a liquidação impugnada, com as legais consequências, far-se-á JUSTIÇA.
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
a) A matéria dada como provada no acórdão recorrido é suficiente para constituir indícios sérios de que as facturas em causa não traduzem operações reais;
b) A documentação invocada pela recorrente provará que a recorrente efectuou vendas mas não provam que comprou a B… e C… as mercadorias correspondentes às facturas em causa;
c) As circunstâncias inerentes às referidas facturas – tendo em conta a ausência de actividade dos que as passaram e quanto à inexistência de prova relativa ao local onde teriam sido entregues as matérias primas a trabalhar e por quem, são matéria cuja prova pertencia à recorrente provar adequadamente o que não fez;
d) Existindo fortes indícios de não se terem verificado as transacções, não existe qualquer dúvida fundada a seu favor, porque a dedução de IVA não pode ser aceite em tais circunstâncias duvidosas, antes devendo ser liquidado imposto nos termos do art. 19º, nº 3 do CIVA;
e) E nenhum efeito útil - presunção a favor da recorrente - pode decorrer da contabilidade estar muito bem organizada quando a Administração Fiscal invoca indícios fundados de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva precisamente porque alguns dos seus documentos (muito bem organizados...) não traduzem operações realmente ocorridas;
f) Nem cabe nos poderes de cognição do STA efectuar os julgamentos e factos solicitados neste recurso, interposto nos termos do ETAF aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, cujo artigo 21º, 4 dispunha que, em processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários de 1.ª instância, a Secção de Contencioso Tributário do STA só conhece de matéria de direito.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Como se constata das conclusões das alegações de recurso de fls. 372 e segs. a recorrente A…, Lda. vem pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pela instância recorrida, alegando abundante matéria de facto em ordem a concluir que «a matéria dada como provada no acórdão recorrido é claramente insuficiente para se concluir pela existência de operações simuladas e pela falsidade das facturas em apreço» e que ficou criada a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário (artº 121º do Código de Processo Tributário), o que não é admissível neste tipo de recurso que tem o mesmo alcance que a que a lei processual civil atribui ao recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
E que, no caso, estamos perante um recurso de decisão tomada pelo Tribunal Central Administrativo Sul em segundo grau de jurisdição.
Pese embora o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção do D.L. n.º 229/96, de 29 de Novembro tenha extinguido, no contencioso tributário, o terceiro grau de jurisdição, o art. 120º daquele diploma legal passou a dispor que tal extinção "apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor".
Assim, relativamente aos processos iniciados anteriormente ao início de vigência (( ) Que ocorreu em 15.09.1997 – art. 114º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e Portaria nº 398/97 de 18 de Junho.
) do Decreto-lei nº 229/96, como no caso presente, mantém-se a possibilidade de recurso para a secção de contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisões do Tribunal Central Administrativo proferidas em segundo grau de jurisdição – vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, 4ª edição, pag.1077 e Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 08.10.2003, processo 0458/03, in www.dgsi.pt: «Das decisões do TCA proferidas em segundo grau de jurisdição em processos pendentes aquando da entrada em vigor do Decreto-lei nº 229/96 de 29/11, que deu nova redacção ao art. 120º do ETAF, continua a ser admissível o terceiro grau de jurisdição».
Porém, neste tipo de processos, inicialmente julgados pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o Supremo Tribunal Administrativo tem poderes de cognição limitados a matéria de direito.
Assim, incluindo as conclusões das alegações do recurso interposto para este Tribunal, de acórdão proferido no TCA que apreciou sentença proferida em 1.ª instância, matéria de facto não pode este Tribunal apreciar tal matéria factual excepto se se verificar ofensa de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.12.2003, processo 1091/03, in www.dgsi.pt.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.04.2002, processo 26679, in www.dgsi.pt: «mesmo entendendo-se que tal limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo tem o mesmo alcance que a que a lei processual civil atribui ao Supremo Tribunal de Justiça em recurso de revista, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa apenas poderá ser conhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo quando haja ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil)»
Necessário é, pois, que se invoque qualquer erro destes tipos.
Não é isso que sucede no caso subjudice, como decorre da análise das alegações de recurso, pelo que deverão improceder todas as suas conclusões já que relativas ao reexame da matéria de facto provada pelas instâncias.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente.
As partes foram notificadas deste douto parecer, apenas se tendo pronunciado a Impugnante defendendo, em suma, que o seu recurso jurisdicional versa matéria de direito.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1 – No ano de 1993, a impugnante, ora recorrida, exercia a actividade de “Confecção de outro vestuário exterior em série” CAE 018221 e estava registada em IRC.
2 – A impugnante não possuía pessoal ligado ao sector produtivo e recorria a subcontratos.
3 – Possuía contabilidade organizada, utilizando para a sua execução, meios informáticos, estando os documentos ordenados por ordem de recepção, segundo um número de registo contabilístico atribuído, estando conservados em boa ordem, sendo fácil quer a sua consulta, quer a sua identificação com os inerentes registos contabilísticos.
4 – Nesse ano, a impugnante contabilizou como custo, subcontratos, correspondentes às facturas nºs 213, 214 e 215, de 28.10.93, 26.11.93 e 28.12.93, respectivamente, nos montantes de 3.355.390$00, 2.490.400$00 e 2.112.840$00, emitidas por B… e ainda procedeu de igual forma em relação às facturas nºs 248, 268 e 289, de 29.10.93, 29.11.93 e 27.12.93, respectivamente, nos montantes de 3.650.100$00, 2.649.920$00 e 2.908.440$00, emitidas por C….
5 – A impugnante possuía, em arquivo, guias de transporte para os emitentes das facturas referidas em 4), de malha para confecção das peças de vestuário constantes das facturas emitidas e veio a efectuar a venda para o mercado exterior dessas mesmas peças conforme facturas de venda.
6 – Na morada constante como destino da mercadoria, nas referidas guias de transporte, não era exercida, à data, qualquer actividade pelos respectivos emitentes.
7 – O pagamento das citadas facturas foi efectuado em dinheiro, tendo para o efeito, a firma impugnante, levantado o dinheiro de valor ligeiramente superior àquelas, através de cheque, no mesmo dia, para reforço de caixa.
8 – Conforme se verifica do relatório de fls. 136 a 139, o emitente B…, embora se encontre colectado para efeitos de IVA, já não faz entrega de qualquer declaração periódica de IVA desde 91-12T, exclusive e já não exerce a actividade desde Outubro de 1991 como foi declarado ao agente da fiscalização pela proprietária das instalações onde era exercida a actividade em lugar de Cairdes, versão esta corroborada pela própria mãe do mesmo, residente no mesmo lugar e pela esposa.
9 – O emitente C… possuía o CAE 3213.0.0 – Fabricação de malhas e cessou a sua actividade em 1.11.90.
10 – Face ao constante dos nºs 5 a 9 do probatório e das diligências referidas no ponto 2.1 do relatório de fls. 136 a 139 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, a AF não aceitou como custo o valor das facturas referidas em 4) correspondentes aos subcontratos, de acordo com o disposto no art. 23 do CIRC.
11 – O emitente C… aderiu ao regime do DL 124/96, tendo nele declarado espontaneamente o valor do IVA liquidado nas facturas que emitiu para a impugnante, requerido o seu pagamento em 50 prestações mensais e pago 27 delas, estando, em 26.5.2000, na situação de incumprimento prolongado (cfr. fls. 299 a 305).
3 – O Tribunal Central Administrativo, apreciando o recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, alterou a matéria de facto, o que lhe era permitido pelo art. 712.º, n.º 1, do CPC, uma vez que constam dos autos todos os elementos probatórios.
O Supremo Tribunal Administrativo, no presente recurso jurisdicional, tem poderes de cognição limitados a matéria de direito, como resulta do art. 21.º, n.º 4, do ETAF de 1984.
Tem vindo este Supremo Tribunal Administrativo a entender que tal limitação dos seus poderes de cognição tem o mesmo alcance que a que a lei processual civil estabelece para o Supremo Tribunal de Justiça em recurso de revista, pelo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só poderá ser conhecido pelo Supremo quando haja ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722º, nº 2, do C.P.C.).
Para além disso, em sintonia com o defendido pelo Prof. ANTUNES VARELA em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º, página 220, é de entender que os juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) cuja emissão ou formulação se apoia em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, só podem ser apreciados pelos tribunais com poderes no domínio da fixação da matéria de facto. Os juízos sobre a matéria de facto que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador, que estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei são do conhecimento dos tribunais com meros poderes de revista.
Mas, já constitui matéria de direito saber a quem cabe o ónus da prova por ser questão que tem de ser apreciada à face da interpretação das normas legais.
É à luz destes princípios que há que apreciar o presente recurso jurisdicional.
Examinando o acórdão recorrido, constata-se que nele não se formulou um juízo afirmativo relativamente à falsidade das facturas que a administração tributária considerou falsas.
Na verdade, o Tribunal Central Administrativo concluiu apenas que «existem (...) sérios indícios de que as facturas em causa não consubstanciam quaisquer operações, pelo que está justificada a actuação da administração, e não tendo logrado a ora recorrida provar a veracidade das operações em causa, não podem os montantes dessas facturas ser considerados custos como bem propugna a AF».
Isto é, o Tribunal Central Administrativo não considerou provado que as facturas sejam falsas, mas sim que existem sérios indícios de que o sejam e, nessas condições, caberia à Impugnante o ónus de provar a veracidade das operações a que elas se reportam.
Assim, a questão de direito que se coloca, e que é a única que cabe apreciar a este Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos seus poderes de cognição, consiste em saber se, no circunstancialismo que resulta da matéria de facto fixada, o ónus da prova da veracidade das referidas facturas cabia à Impugnante.
Esta questão terá de ser apreciada à face dos arts. 78.º e 121.º do CPT, vigentes nos momentos em que ocorreram os factos que, de resto, no que aqui interessa, têm teor idêntico aos arts. 75.º, n.º 1, da LGT e 100.º do CPPT, que lhes sucederam.
Estabelece o art. 78.º do CPT que «quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».
Por sua vez, o n.º 1 daquele art. 121.º estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».
4 – No que concerne à presunção contida no art. 78.º do CPT tem de concluir-se que ela não vale no caso em apreço, à face do decidido pelo Tribunal Central Administrativo.
Na verdade, embora se trate de uma presunção legal para ela ser ilidida não é necessária prova em contrário (ao contrário do que sucede, em geral, com as presunções desse tipo em face do disposto no art. 350.º, n.º 2, do Código Civil), pois a parte final daquele art. 78.º estabelece, com carácter especial, o regime de ilisão da presunção ao estabelecer que ela cessa «se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».
No caso em apreço, o Tribunal Central Administrativo examinou o circunstancialismo que rodeou a emissão das facturas em causa nos seguintes termos:
Na presente situação, a AF chegou à conclusão, face aos factos que apurou e se levaram ao probatório que não se efectuaram as operações constantes das facturas.
E, na verdade, tal conclusão é justificada, pois estando provado que os emitentes das facturas já não exerciam a sua actividade, nessa data, um por a ter cessado em finais de 1990 e o outro por a ter deixado de exercer em 1991, não poderiam confeccionar as peças de vestuário que ali se referem por eles fornecidas à impugnante, nem poderiam ter recebido, no destino constante das guias de transporte, a malha para tais confecções, por não terem actividade nesse local. Não foi efectuada prova pela impugnante que demonstre a veracidade de tais operações. Acresce que o pagamento das referidas facturas foi contabilizado como efectuado em numerário e no último trimestre do ano, o que, tratando-se de elevados montantes que, no global, atinge cerca de 20 mil contos, não pode deixar de levantar fundadas suspeitas sobre a sua efectivação, por não se tratar de uma situação normal, suspeitas agravadas pelo facto de a impugnante ter alegado que se tratava de exigências dos clientes que não se mostra confirmado nos autos.
Ponderando este circunstancialismo relacionado com as facturas referidas, o Tribunal Central Administrativo concluiu que «existem (...) sérios indícios de que as facturas em causa não consubstanciam quaisquer operações».
A formulação deste juízo sobre a existência de indícios sérios da falsidade das facturas é um mero juízo de facto, pois para sua formulação não é necessário interpretar normas jurídicas ou fazer utilização da sensibilidade jurídica dos julgadores, mas apenas aplicação de regras da vida e da experiência comum.
Assim, por força da referida restrição do poderes de cognição deste Supremo Tribunal Administrativo, tem de ser acatado o decidido pelo Tribunal Central Administrativo neste juízo sobre a matéria de facto.
Consequentemente, tem de entender-se que não vale a referida presunção do art. 78.º do CPT, pois se verifica uma das situações em que a sua parte final determina a sua cessação, que é a de existirem «indícios fundados de que ela (a contabilidade) não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».
Embora esta regra esteja prevista para o procedimento tributário, ele é aplicável também no processo judicial, isto é, quem tem o ónus da prova no procedimento tributário também o terá de ter no processo judicial em que vai ser apreciada a decisão nele proferida.
Na verdade, a ponderação de interesses, baseada em regras da normalidade, que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que se tem de fazer no processo judicial, pelo que o critério de repartição deverá ser o mesmo, como impõe a coerência valorativa e axiológica imposta pelo princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primordial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil). Com efeito, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a administração tributária a praticar um acto de liquidação (que, à face deste critério, seria legal), para, depois, no processo judicial, inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto.
Assim, pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que vem invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificamos factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário. ( ( )Essencialmente neste sentido, já antes da LGT, pode ver-se VIEIRA DE ANDRADE, que afirma que «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos.» [A Justiça Administrativa (Lições), 2.ª edição, página 269]. )
Mas, pelas mesmas razões, também será de impor ao contribuinte, no processo judicial, o ónus da prova de factos quando ele lhe é imposto no procedimento tributário, designadamente, quando tal ónus lhe é imposto numa norma de carácter especial, como é o art. 78.º do CPT.
O alcance inequívoco da cessação da presunção quando se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que a contabilidade ou escrita não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, é o de determinar que, nessas situações, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias.
Sendo de aplicar esta regra também no processo judicial e harmonizando-a com a regra do n.º 1 do art. 121.º do CPPT será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que subsistam sobre a matéria de facto no processo judicial, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de justificarem a anulação do acto impugnado. Na verdade, o objectivo do n.º 1 do art. 121.º é fazer recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevem para quantificação da matéria tributável, pelo que, nas situações em que seja de concluir que a lei, em normas especiais, faz recair esse ónus sobre o contribuinte, não se estará, necessariamente, perante uma situação enquadrável na hipótese prevista naquela norma.
Do exposto resulta que, no caso em apreço, assente que a cessou a presunção prevista na primeira no art. 78.º do CPT por existirem indícios sérios de que, no que concerne às facturas em causa, a contabilidade do contribuinte não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, é sobre este que recai o ónus da prova realização das transacções contabilizadas com base nessas facturas.
Assim, tendo o Tribunal Central Administrativo, depois da ponderação da prova produzida, chegado a uma situação de dúvida sobre a correspondência entre o teor das facturas em causa e a realidade, essa dúvida tem de ser processualmente valorada contra a Impugnante, por ser quem tem o ónus da prova.
Na verdade, o funcionamento das regras do ónus da prova acontece apenas quando, depois de efectuada a actividade de fixação da matéria de facto, directamente e através da formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que interessem para a decisão da causa, situação em que por força daquelas regras se deve decidir os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. ( ( ) Sobre este ponto pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 432. )
Consequentemente, não se tendo demonstrado que as operações comerciais referidas nas facturas em causa se realizaram efectivamente, a impugnação teria de improceder, como bem decidiu o Tribunal Central Administrativo.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com procuradoria de 50 %.
Lisboa, 24 de Outubro de 2007. – Jorge de Sousa (relator) – Baeta de Queiroz – Pimenta do Vale.