Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0953/12
Data do Acordão:01/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
FACTO
GERENCIA
Sumário:I - Sendo o efetivo exercício de funções pressuposto da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.° da LGT, em face do disposto na parte final do nº 4 do artigo 23.° da mesma lei é necessário que do despacho de reversão conste a alegação de que o pretenso responsável exerceu efetivamente o cargo.
II - Não será, contudo, necessário, que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a Administração fiscal fundamenta a sua alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gestor, pois que um “non liquet” relativamente a essa questão será necessariamente valorado contra a administração tributária, dada a inexistência de presunção legal relativa a tal exercício.
Nº Convencional:JSTA000P15169
Nº do Documento:SA2201301230953
Data de Entrada:09/21/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – A……, com os demais sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº 3565200801052020, que por reversão contra si corre e foi originariamente instaurada contra à sociedade de B……. Lda, por dívidas relativas a IVA, referente ao exercício de 2003 no valor de € 14.031,89, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª) Por aplicação das disposições conjugadas dos artºs. 22°, n.º 4, 23°, n.º 4 e 70º da LGT, é possível constatar que com vista à fundamentação da decisão de reversão da execução contra o obrigado subsidiário, deverá a entidade decisora: i) de forma objetiva, e fundamentada demonstrar na própria decisão a qualidade de administrador de facto do oponente, invocando factos que demonstrassem o exercício efetivo do cargo; ii) apurar o grau de insuficiência do património da devedora originária, para satisfação da divida tributária; iii) determinar de forma exata o montante pelo qual o revertido será responsabilizado em sede de reversão.

2ª) Da fundamentação da decisão que determinou a reversão contra o Alegante, emerge o seguinte (cfr. al. G) da matéria de facto dada como provada):
«Não havendo bens da executada que respondam pelo pagamento da dívida, verificam-se assim as condições previstas no n.º 2 do artº. 153º do Código do Procedimento e Processo Tributário para a chamada à execução dos responsáveis subsidiários de acordo com a legislação vigente aquando do cargos e o momento de constituição de responsabilidade, contra estes a execução (...).
1. Relativamente ao facto tributário:

1.1. O facto tributário que está na génese de todas as certidões ocorreu na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 24°, os gerentes e administradores são subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade mediante prova de culpa da insuficiência do património da sociedade, por parte da Fazenda Nacional.

2. Relativamente à obrigação de pagamento:

2.1. Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu na vigência da LGT, assim, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artº 24°, os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas coletivas ou equiparadas, serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos da constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente temos que e (são) (solidariamente) responsável (eis) pelo pagamento das seguintes importâncias por dívidas de IVA: (...).
A……. responde pelo pagamento de € 36.997,79 relativo ao período da sua gerência.”

3ª) Da nota de citação, por via do qual se comunica a decisão de reversão ao aqui Alegante, apenas consta que: “Não havendo bens da executada que respondam pelo pagamento da dívida, verificam-se assim as condições previstas no n° 2 do artº. 153° do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) para a chamada à execução dos responsáveis subsidiários de acordo com a legislação vigente a quando do seu exercício do cargo e o momento da constituição de responsabilidade, revertendo contra estes a execução.”

4ª) A A.F., apurou o grau de insuficiência patrimonial da devedora originária, pois que, efetuadas as diligências necessárias conclui-se pela inexistência de património societário.

5ª) A A.F. também aquilatou do quantum de dívida cuja responsabilidade poderia imputar ao responsável subsidiário.

6ª) Ao contrário de quanto inculca a decisão a quo, não resulta de nenhum excerto da fundamentação do ato de reversão da execução fiscal que o Alegante, no período a que se reportam as dívidas em execução, ou no período em que correu o prazo para pagamento voluntário, exerceu de facto funções de gerente da sociedade devedora originária.

7ª) Em momento algum a A.F., enuncia, e elenca todo um conjunto de factos, que pela sua configuração, demonstrem de forma cabal que o Alegante no prazo legal de pagamento das dividas em execução, de facto, representava perante terceiros, que dava orientações a entidades subordinadas, ou que se assumia direitos e obrigações em nome da devedora originária.

8ª) É precisamente neste ponto que a decisão em recurso se encontra ferida de ilegalidade, na medida em que, ao contrário de quanto considerou nos pontos 9 e 10 do acervo probatório, em momento algum são invocados ou descritos factos demonstrativos do exercício efetivo da gerência por parte do aqui alegante, postergando, assim, o dever de prova (cfr. artº. 74°, n.º 1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts. 23°, n.º 4 e 77° da LGT).

9ª) A concretização da gerência de facto por parte do Alegante surge apenas em sede de contestação à oposição, onde a Fazenda Pública (cfr. pontos 17 e 19), alega e documenta a concretização de tais atos por parte do Alegante.

10ª) A fundamentação da decisão tem de ser contemporânea, no sentido de que, deve ser efetuada no momento em que a mesma é comunicada ao sujeito passivo administrado, não podendo a A.F. em momento posterior, no sentido de colmatar um lapso ou erro de procedimento, vir fundamentar uma decisão que já produziu efeitos na esfera de atuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa.

11ª) Uma fundamentação, realizada à posteriormente à comunicação da decisão ao sujeito administrado, não satisfaz os requisitos do dever geral de fundamentação, como é evidente, uma vez que o destinatário do ato não fica a saber que factos concretos determinaram a reversão.

12ª) As razões que o Tribunal a quo alegou na sua decisão para justificar a improcedência da oposição à execução, não constam da motivação do ato.

13ª) Salvo o devido respeito foram violados os artigos 268°, n.º 3 da CRP, arts. 214°, 125° e 123°, n.º 2 do CPA e arts. 22°, n.º 4, 23°, n.º 4 e 70° da LGT.

Julgando o recurso procedente, será feita justiça.

II. A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

III. Por acórdão de 31 de maio de 2012, o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

IV. O MºPº emitiu parecer no sentido no qual defende a improcedência do recurso, devendo manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

V. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

VI. Com interesse para a decisão, foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

1º) - Contra a Sociedade de B……., Lda, NIPC ……. foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Valongo 2 Ermesinde, o processo de execução fiscal n.º 3565200801052020, por dívidas de IVA do exercício de 2003.

2º) - Em cumprimento do mandato de penhora datado de 31.10.2008, não foram encontrados quaisquer bens pertencentes à executada originária – cfr. auto de diligências da mesma data.

3ª) - Por consulta à certidão da Conservatória do Registo Comercial de Valongo, verificou-se que desde 18.11.2002 e até à presente data, constou como gerente o ora Oponente.

4º) - Em face disso e, por não serem conhecidos bens à originária devedora, em 06.11.2008, foi proferido projeto de reversão contra o ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiário.

5º) - O projeto do despacho de reversão tem como fundamentos:

1. Relativamente ao facto tributário:
1.1. O facto tributário que está na génese deste processo executivo ocorreu na vigência da LGT, assim, nos termos da alínea a) do n°1 do artº. 24º., os gerentes e administradores serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade mediante prova de culpa da insuficiência do património da sociedade por parte da Fazenda Nacional

2. Relativamente à obrigação de pagamento:
2.1. Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu na vigência da LGT, assim, nos termos da alínea b) do n° 1 do artº 24°, os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas coletivas ou equiparadas, serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos de constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente ternos que é (são) (solidariamente) responsável (is) pelo pagamento das seguintes importâncias por dívidas de IVA:
C……. responde pelo pagamento de 14 031,89 euros, relativo ao seu período de gerência.
A……. responde pelo pagamento de 14 031,89 euros, relativo ao seu período de gerência – cfr. doc. de fls. 27 dos autos.

6º)- Em 10.11.2008 foi expedida notificação através de carta registada, para audição prévia, nos termos dos artigos 23°, n.° 4 e 60° da LGT, a qual foi recebida em 11.11.2008.

7º) - Em 05.03.2009 e, na ausência do exercício do direito de audição, foi proferido despacho de reversão contra o ora Oponente.

8º) - O mesmo foi citado pelo ofício n° 1233 do referido Serviço de Finanças, sendo o competente AR sido assinado em 12.03.2009.

9º)- O Oponente em 30.11.2006 vendeu um imóvel na qualidade de sócio gerente da executada - cfr. cópia de escritura de compra e venda junta aos autos.

10º) - O Oponente foi remunerado desde novembro de 2002 durante o período da sua gerência, como membro de órgão estatutário da executada - cfr. cópia de folhas de remunerações declaradas pela executada à Segurança Social.
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VII. A única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se o despacho de reversão da execução contra o recorrente se encontra ou não legalmente fundamentado.

Na verdade, o recorrente nem sequer alega não ter sido gerente da executada originária. Simplesmente entende que o despacho de reversão deveria ter indicado factos demonstrativos do exercício efetivo da gerência relativamente à sua pessoa (v. conclusão 7ª), pelo que, não os contendo, ocorre falta de fundamentação com violação do disposto nos artºs 23º, nº 4 e 77º da LGT (conclusão 8ª).

Diferente entendimento manifestou a decisão recorrida segundo a qual o despacho de reversão se encontrava devidamente fundamentado, dando ainda como provados os factos 9º e 10º do probatório supra, dos quais resulta a gerência de facto do oponente.

Vejamos então se a decisão recorrida deve ou não manter-se.

VII. O artº 24º, nº 1 da LGT, estabelece o seguinte:

“1- Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

Relevam ainda para a questão os artºs 22º, nº 4 e 23º, nºs 1, 2 e 4 do mesmo diploma que estabelecem, respetivamente, o seguinte:

“4- As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais”.

“1. A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
2. A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
4. A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”.

Temos então que constituem pressupostos da reversão:
1º) A fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal;
2º) A existência de responsabilidade subsidiária, de acordo com o artº 24º, nº 1 acima transcrito (para o caso que nos interessa).

Para efeitos desta responsabilidade exige-se o efetivo exercício da gerência, o que significa, de acordo com a jurisprudência uniforme dos tribunais tributários, que não pode ser responsabilizado aquele que apenas tiver exercido a gerência de direito, sem ter praticado atos materiais em que a gerência de uma empresa ou sociedade se traduz.

Porém, não é de exigir que a Administração Tributária descreva ou prove no despacho de reversão os factos materiais em que se traduz o exercício da gerência, tal como resulta do recente acórdão deste STA de 31.10.2012, proferido no Processo nº 580/12, em que se levantou a mesma questão e com conclusões e matéria de facto muito idênticas.

No referido aresto, ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“É manifesto que não há no despacho de reversão cuja fundamentação é sindicada nos presentes autos a invocação de factos concretos nos quais a Administração tributária alicerce a alegação relativa ao efetivo exercício de funções por parte do ora recorrente, alegação esta que, embora constante do despacho de reversão, quase surge despercebida, resultando tão só da referência ao período da sua gerência ou a quando do seu exercício do cargo.
Por outro lado, resulta claramente do disposto no n.° 4 do artigo 23.° da Lei Geral Tributária (LGT) que: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» (sublinhados nossos).
Ora, um dos pressupostos da responsabilidade tributária prevista no artigo 24.° da LGT é o exercício efetivo de funções no período de tempo a que respeita a dívida revertida, daí que não pode a Administração tributária deixar de alegar no próprio despacho de reversão que o efetivo exercício do cargo se verificou no período considerado.
Não nos parece porém, ao contrário do alegado, que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efetivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efetivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário.
No caso dos autos, encontra-se no despacho de reversão alegação quanto à gerência de facto”.

Concorda-se com o que ficou escrito no transcrito aresto, sendo certo que no projeto de reversão (depois convertido em despacho de reversão) se referia claramente que o oponente respondia pelo “pagamento de 14.031,89 euros relativo ao seu período de gerência”, período este apurado de acordo com a informação da respetiva Conservatória do Registo Comercial (v. fls. 26-vº, 27 e 30-vº).
É certo que nesta frase não se refere expressamente gerência de facto, mas, anteriormente, o despacho havia referido a norma legal aplicável na qual estava expressa a frase período de exercício do seu cargo. Deste modo, o despacho tem de ser interpretado no seu todo.

De qualquer forma, o recorrente não nega o exercício da gerência de facto, a qual foi confirmada na produção de prova e nem sequer se pronunciou sobre esta matéria no exercício do direito de audição, pelo que improcede o invocado vício do despacho de reversão.

Assim sendo, o recurso improcede.

VIII. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 23 de janeiro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Pedro DelgadoAscensão Lopes.