Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0241/12
Data do Acordão:10/10/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SANAÇÃO
DEFICIÊNCIA
PODERES DO JUIZ
CONVITE
Sumário:I - De acordo com o artº 508º, ns. 2 e 3 do Código de Processo Civil o juiz deve convidar os intervenientes a suprirem irregularidades das peças processuais que apresentaram, designadamente quando careçam de requisitos legais ou não tenha sido apresentado documento essencial, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício ou apresentação.
II - Quando as dívidas exequendas dizem respeito a IMI e a certidão de dívidas emitida pelo órgão da execução fiscal para efeitos de reclamação de créditos não é clara quanto à identificação dos imóveis sobre que incidiu esse imposto, pode e deve o julgador, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos artigos 809.° e 265.°, n.º 2, do Código de Processo Civil e também de acordo com o artº 508º, ns. 2 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 2.°, alínea e) e 246.° do CPPT, promover as diligências necessárias para clarificar a situação, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete.
Nº Convencional:JSTA00067816
Nº do Documento:SA2201210100241
Data de Entrada:03/05/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:INST DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2011/10/31 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART240 N2 ART246 ART2 E.
CPC96 ART265 N2 ART508 N2 N3 ART809.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0243/11 DE 2011/06/29
Referência a Doutrina:LOPES DO REGO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLI PAG429.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A Fazenda Publica, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 31 de Outubro de 2011, proferida nos autos de verificação e graduação de créditos apensos a execução fiscal nº 3611200501016636, instaurada contra a sociedade A…… Lda, melhor identificada nos autos, por dividas de IMI referente aos anos de 2006 e 2007.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
« a) Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida em primeira instância, no âmbito dos presentes autos, na parte em que não reconheceu que os créditos exequendos, resultantes de Imposto Municipal sobre Imóveis, gozassem de privilégio creditório imobiliário:
b) Salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão recorrida, entendemos que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço:
c) Dispõe o art.º 13º n.º 1 do CPPT, corporizando o principio do inquisitório que enforma todo o processo tributário, que: “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”.
d) In casu, desconhecendo se as dívidas exequendas respeitariam, ou não, ao imóvel penhorado nos autos de execução fiscal a que se refere o presente processo, a decisão de que os créditos exequendos de IMI não gozam de privilégio creditório imobiliário, enferma de erro de facto e de direito.
e) Face à deficiência de prova, incumbia, salvo o devido respeito, à Meritíssima Juiz - no âmbito dos poderes que lhe são conferidos nos termos do art.º 13° n.º 1 do CPPT - realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, não bastando, deste modo, a mera constatação de que se desconhecem os factos relevantes para a decisão.
d) E tanto mais assim deveria ser, porquanto, terá de se atender ao facto de os créditos exequendos não carecerem de ser reclamados.
g) Pelo que, deveria ter sido solicitada essa informação ao órgão da execução fiscal onde corre termos o respectivo processo de execução fiscal;
h) Ao não ter sido efectuada essa solicitação verificou-se um défice instrutório, que influi na decisão da causa.
i) Na verdade, caso dúvidas existissem quanto à origem dos créditos exequendos referentes a IMI, deveria o Tribunal a quo, atentos os princípios do inquisitório, da cooperação e da descoberta da verdade requerer que a Administração Fiscal procedesse à junção de documentos que identificassem as dívidas de IMI, o que não se verificou.
j) Os créditos por dívidas de IMI gozam de privilégio imobiliário, por força do disposto nos artigos 122.º n.º 1 do CIMI e 744º n.º 1 do CC.
k) Resulta do probatório que a penhora do imóvel foi efectuada em 02.10.2008, pelo que, beneficiam de privilégio creditório os créditos de IMI, respeitantes ao imóvel penhorado, inscritos para cobrança nos anos de 2006, 2007 e 2008.
I) Encontrando-se nestas condições os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006 e 2007, inscritos para cobrança em 2007 e 2008, discriminados na certidão de dívidas junta aos presentes autos. Devem os mesmos ser graduados de acordo com o privilégio creditório de que beneficiam.
m) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, merecendo, por isso, ser revogada.»

2 – Não houve contra alegações.

3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«Questão a decidir:
Se, a sentença recorrida, fez uma errada interpretação da lei ao não realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, nos termos do art. 13.° n.º 1 do C.P.P.T., quanto aos Créditos exequendos de IMI serem respeitantes ao imóvel penhorado nos autos, relativamente aos quais alega gozarem de privilégio imobiliário especial, nos termos do art. 122.° nº 1 do CIMI e 744.° nº 1 do CC?
O que se põe em causa é o decidido quanto aos créditos exequendos de IMI, relativamente ao que se decidiu no sentido de não lhes ser reconhecer o dito privilégio por não resultar documentado que dissessem respeito ao imóvel penhorado nos autos.
Concorda-se que se devia ordenado à A.F., a fim de que procedesse ainda em prazo a fixar, não inferior a 10 dias, à junção de certidão discriminativa do imóvel a que esses impostos respeitassem.
Com efeito, tal é de determinar, atento o privilégio de que os mesmos podem gozar, e no considerando que tal à partida não era exigível.
Certo é que tal convite é o que se encontra previsto quanto a documento que falte juntar ao requerimento executivo, conforme previsto no art. 812º n.º 2 do C.P.C., sendo essa a forma adequada a suprir a insuficiência que veio a ser detectada face aos vários créditos reclamados.
Tal impor-se-á, uma vez que está em causa não apenas a existência de garantia real, mas a do dito privilégio, conforme alegado na motivação de recurso apresentada, o que na dúvida será ainda oportuno considerar.
Concluindo, quer parecer que é de julgar o recurso provido, revogando-se o decidido, uma vez que não é de manter a verificação e graduação de créditos tal como foi efectuada.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) O Banco BPI, S.A. - Sociedade Aberta, é detentor do crédito garantido por hipoteca registada em 07/03/2003, sobre o imóvel penhorado no processo de execução de que o presente constitui apenso, no montante € 5.043,77 (cfr. fls. 39 a 67 dos autos e fls.108 a 110 do PEF).
B) Os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., relativos a contribuições e juros no valor total de € 208.828,84, estão titulados pela certidão de fls. 70 e 71.
C) Os créditos reclamados pela Fazenda Pública estão titulados pela certidão de fls. 24 a 37 dos autos e dizem respeito a:
- IMI de 2007, inscrito para cobrança em 2008, respeitante ao imóvel penhorado na execução;
- IRS de 2005 e 2006;
- IRC de 2005 e 2007.
D) Os créditos exequendos respeitam a:
- IRS dos anos de 2004, 2005 e 2006;
- IRC de 2002 e 2004;
- IMI de 2006 e 2007;
- Coimas - conforme documentos de fls. 2, 268, 270, 272, 274, 276, 278, 280 a 303 e 305 do PEF.
E) Em 02/10/2008, foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “F”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ……, n°…, ……, ……, Reboleira, destinada a comércio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Reboleira sob o art. 607 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o no 64/19850912-F (cfr. fls. 108 a 110, 114 e 115 do processo de execução fiscal).

6. A única questão colocada sob apreciação é a de saber se a decisão recorrida enferma erro de julgamento por não ter admitido e graduado o crédito exequendo referente a IMI (2006 e 2007), com o argumento de falta de prova documental (nos autos) do referido crédito sobre o imóvel penhorado e vendido na execução fiscal. Com base em tal argumentação a Mmª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou que o IMI inscrito para cobrança não goza do privilégio imobiliário previsto nos termos das disposições conjugadas do artº 122º do CIMI e os art°s 735º e 744º ambos do CCivil, mas apenas goza da garantia conferida pela penhora.
Inconformada com o decidido, a ora recorrente sustenta que a Mmª Juiz, dentro dos seus poderes de direcção, não promoveu todas a diligências consideradas úteis para o apuramento da verdade, havendo um défice instrutório, nos termos do nº3 do artº 265º do CPC aplicável ex vi do disposto nos artº 2º al. e) e o artº 246º do CPPT.

Cremos que a razão está com a Fazenda Pública.
Vejamos.
No caso subjudice os autos de reclamação de créditos correm por apenso aos autos de execução fiscal nº 3611200501016636 e aps., dos serviços de finanças de Amadora-3, para cobrança coerciva de dívidas referentes a IRS, IRC, IMI e coimas.
Resulta do probatório que em 02/10/2008, foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “F”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ……, n°……, ……, ……, Reboleira, destinada a comércio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Reboleira sob o art. 607 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o no 64/19850912-F (cfr. fls. 108 a 110, 114 e 115 do processo de execução fiscal).
Do processo de execução fiscal apenso constam apenas as seguintes certidões de dívida referentes a IMI: certidão de dívida referente ao processo de execução fiscal nº 3611200701032879, sendo a quantia exequenda de 277,58€, referente ao IMI do ano de 2006, (fls. 273 e 274); certidão de dívida referente ao processo de execução fiscal nº 3611200801063251, sendo a quantia exequenda de 297,41€, referente ao IMI do ano de 2007, (fls. 304 e 305).
A Fazenda Pública reclamou uma dívida de IMI do ano de 2007, referente ao prédio penhorado, no montante de 297,40 € e juros de mora, em execução no processo executivo nº 3611200801115600 (cf. fls. 80), crédito esse que foi admitido e graduado na sentença recorrida (cf. fls. 97 e segs.)
Ora nos termos do nº 2 do artº 240º do Código de Procedimento e Processo Tributário o crédito exequendo não carece de ser reclamado, sendo incluído na graduação de créditos e graduado no lugar que lhe compete da mesma forma que o são os créditos reclamados
Sucede que não resulta de qualquer uma daquelas certidões (nº 3611200701032879 e nº 361120070103251) referentes aos créditos exequendos de IMI (2006 e 2007), a identificação ao imóvel a que se reportam tais dívidas, nomeadamente se são relativas ao imóvel penhorado nos autos e identificado no probatório (artº 607 da matriz predial urbana da freguesia da Reboleira).
Sendo certo que a Fazenda Pública reclamou uma dívida de IMI do ano de 2007, referente ao prédio penhorado, no montante de 297,40 € e juros de mora, mas em execução no processo nº 3611200801115600 ( cf. fls. 80),
E, como vimos, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não reconheceu privilégio aos créditos exequendos de IMI por não resultar documentado que dissessem respeito ao imóvel penhorado nos autos.
Mas aqui não andou bem a sentença recorrida.
Como refere a recorrente e acentua o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, a Mª Juiz da primeira instância poderia e deveria ter ordenado à Administração Fiscal que procedesse, em prazo não inferior a 10 dias à junção de certidão comprovativa do imóvel a que esses impostos respeitassem.
É o que resulta das normas do processo civil relativas à sanação de deficiências e irregularidades, aplicáveis por força do artº 246º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Assim de acordo com o artº 508º, ns. 2 e 3 do Código de Processo Civil o juiz deve convidar os intervenientes a suprirem irregularidades das peças processuais que apresentaram, designadamente quando careçam de requisitos legais ou não tenha sido apresentado documento essencial, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício ou apresentação.
Este normativo surge, aliás, como decorrência do princípio da sanabilidade oficiosa da falta de pressupostos processuais, consagrado no artº 265º, nº 2 do Código de Processo Civil (Cf., neste sentido, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1, pág. 429.).
Em todo caso seria também o que se impunha ao julgador no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos arts. 809 e 265º nº 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto nos arts. 2º, al. e) e 246º do Código de Procedimento e Processo Tributário. (Também neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.06.2011, recurso 243/11, in www.dgsi.pt.)
Do exposto resulta que o tribunal, a quem incumbia fazer verificação e graduação de créditos, deveria ter convidado a Fazenda Pública para que procedesse, em prazo não inferior a 10 dias à junção de certidão comprovativa do imóvel ou imóveis a que respeitassem os créditos exequendos de IMI (2006 e 2007).
A sentença recorrida, que assim não entendeu não pode, portanto, manter-se.
Haverá, pois, que dar provimento ao recurso,

VI. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando o julgado recorrido, e ordenar a baixa dos autos à primeira instância, afim de se determinarem as diligências necessárias com vista à junção de documento em que se identifiquem os imóveis (ou imóvel) a que respeitam os créditos exequendos de IMI (2006 e 2007).

Sem custas.
Lisboa, 10 de Outubro de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Francisco Rothes.