Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01409/14
Data do Acordão:10/01/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
LIGAÇÃO ACTUAL E EFECTIVA A PORTUGAL
ÓNUS DE PROVA
Sumário:Na acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos artigos 9º, alínea a), e 10º, da Lei Orgânica nº2/2006, de 17.10, e 56º do DL nº237-A/2006, de 14.02, cabe ao Ministério Público a prova dos fundamentos da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
Nº Convencional:JSTA00069357
Nº do Documento:SA12015100101409
Data de Entrada:01/19/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC.
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - NACIONALIDADE.
Legislação Nacional:LEI ORGANICA 2/2006 ART9 ART10 ART3.
DL 237-A/06 ART56 ART22 ART57.
CCIV66 ART342 ART343.
LEI 37/81 DE 03/10.
LEI 25/94 DE 19/08.
DL 322-A/01 DE 14/12.
DL 194/03 DE 23/08.
LEI ORGÃNICA 1/2004 DE 2004/01/15.
LEI ORGÂNICA 1/2013 DE 2013/07/29.
LEI ORGÂNICA 8/2015 DE 2015/06/22.
LEI ORGÂNICA 9/2015 DE 2015/07/29.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0103/14 DE 2014/06/19.; AC STA PROC032/15 DE 2015/05/21.; AC STA PROC01548/14 DE 2015/05/28.; AC STA PROC01053/14 DE 2015/06/18.
Referência a Doutrina:MOURA RAMOS - DO DIREITO PORTUGUÊS DA NACIONALIDADE 1992 PAG151.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO [MP] interpõe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCA/S], em 11.09.2014, que revogou a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa [TAC/L], de 31.01.2014, que julgou procedente a «oposição» que deduziu à «aquisição da nacionalidade portuguesa» por parte do réu A……………..

Conclui assim as suas alegações:

1- Pretende-se, com este recurso de revista, impugnar o douto acórdão do TCA/S, proferido em 11.09.2014, que apreciando a sentença do TAC/L, nos termos em que ela foi impugnada pelo recorrente, decidiu revogá-la, julgando improcedente a «oposição» deduzida à «aquisição da nacionalidade portuguesa» por parte do recorrente;

2- No caso em apreço, estamos perante o contencioso da nacionalidade, cujo procedimento e acções de «oposição à aquisição de nacionalidade» são muito frequentes, e com implicações de grande relevância na vida comunitária, social e familiar, pelo que a matéria assume importância fundamental;

3- Por outro lado, subsistem dúvidas no tratamento da questão processual ora em apreço, bem patentes na falta de unanimidade dos juízes que intervieram no acórdão recorrido, como resulta do voto de vencido lavrado a folhas 204, cujo teor aqui se reproduz;

4- Em consequência, estão verificados os requisitos do artigo 150º, nº1, do CPTA, que prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito»;

5- Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o douto acórdão recorrido fez errada interpretação das normas jurídicas aqui aplicáveis, não subsumindo correctamente os factos ao direito, e errando na conclusão que retirou da factualidade assente, padecendo até de contradição, pois, e por um lado, afirma ser insuficiente a factualidade dada por provada para demonstrar uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa, e, por outro lado, conclui pela improcedência da presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa;

6- Com efeito, da conjugação dos artigos 56º, nº2, e 57º, nºs 1 e 7, do RN, aprovado pelo DL nº237-A/2006, de 14.12, resulta que continua o interessado a ter necessidade de pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, depreendendo-se, pois, que será a partir dessa pronúncia que o Conservador poderá aquilatar da existência ou da inexistência de ligação à comunidade nacional, e, no caso de indícios da inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da competente acção de oposição;

7- As alterações introduzidas à LN pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04, e o actual texto do RN, aprovado pelo DL nº237-A/2006, de 14.12, não passaram a prever qualquer presunção legal de que qualquer cidadão estrangeiro que seja filho, ou case, com um cidadão português, passa a deter uma efectiva ligação à comunidade portuguesa como foi isso mesmo já decidido pelo TCA em diversos arrestos, designadamente nos acórdãos nº4125/08, de 21.10.2008, nº3697/08, de 13.11.2008, nº4150/08, de 19.11.2009, nº488/09, de 26.05.2011 ou nº5367/09, de 19.11.2009;

8- Tais considerações servem para justificar que a acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa pode e deve ser qualificada como uma «acção de simples apreciação negativa», competindo ao requerente do pedido de nacionalidade fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa, como resulta dos artigos 342º e 343º, nº1, do Código Civil [ver, designadamente, acórdãos do TCA Sul de 02.10.2008, nº04125/08, e 02.04.2014, nº10952/14];

9- Aliás, a prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente efectuada com base em factos pessoais, e, consequentemente, tem de ser feita através de factos próprios do requerente do pedido de nacionalidade portuguesa, pois foi ele quem invocou tal direito;

10- Como bem se refere no douto AC do TCA/S de 02.04.14, nº10952/14, «…se se entendesse que tal prova não competia apenas àquele que se arroga o direito, mas antes, pela negativa, à Conservadora dos Registos Centrais ou ao Estado, estar-se-ia a exigir que estes últimos demonstrassem factos que só aquele que se arroga o direito conhece e pode provar. Trata-se de uma prova impossível ou extremamente difícil de fazer, trata-se de prova diabólica e, portanto, legalmente inadmissível»;

11- Como resulta dos artigos 22º e 56º, nº2, do RN, nas suas sucessivas redacções, deverá ser comprovada a ligação efectiva à comunidade nacional;

12- Constitui jurisprudência assente a de que «A conclusão pela existência ou não de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação de um conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicílio, da estabilidade da fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da actividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspectos familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou factores susceptíveis de revelar a efectiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram - ou deixem de concorrer» [ver AC do STJ de 06.07.2006, nº06B1740];

13- A factualidade apurada e dada por assente no acórdão recorrido, aliás, como no mesmo expressamente se afirma, a folha 193, não é suficiente para se afirmar que o recorrente possui já uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa;

14- Ora, não evidenciando a factualidade provada uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, pois não releva, só por si, a prova do casamento com uma cidadã portuguesa, nem a existência de filhos em comum, de nacionalidade portuguesa, e o conhecimento da língua portuguesa, o acórdão recorrido deveria ter concluído pela inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa por parte do réu e julgar procedente a presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa;

15- Concluindo como concluiu, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 22º e 56º do RN, o artigo 9º da LN, bem como os artigos 342º e 343º do CC;

16- Termos em que deverá ser admitido o presente recurso de revista, e revogado o acórdão ora recorrido, julgando-se procedente a presente acção de oposição deduzida à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte de A……………………

2. O recorrido não apresentou contra-alegações.

3. O recurso de revista foi «admitido» [formação de apreciação preliminar – artigo 150º, nº5, do CPTA] nos seguintes termos:

[…]

«3- A problemática que o MP pretende submeter ao presente recurso de revista prende-se com a aplicação do disposto no artigo 9º, nº1, alínea a), da Lei nº37/81, de 03.10, na redacção introduzida pela Lei nº2/2006, de 17.04, Lei da Nacionalidade, e no artigo 56º, nº2, alínea a), do DL nº237-A/2006, de 14.12, Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. As instâncias deram solução oposta à questão de saber sobre quem recai o ónus da prova da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional [ou dos respectivos factos caracterizadores].

Perante a mesma questão, solucionada então em sentido inverso ao do acórdão ora recorrido, admitiu-se revista excepcional no acórdão de 25.10.2014, Rº01053/14, com a fundamentação seguinte:

O TAC radicou em que a alegação do Ministério Público não lograra “demonstrar a inexistência de ligação efectiva da Ré à comunidade portuguesa” e julgou improcedente a acção. Já o TCA concluiu não haver factos provados indicadores de ligação efectiva “à nação e sociedade portuguesa” e, revogando a sentença, julgou procedente a acção. Há, portanto, um problema jurídico de alcance geral: saber se para a procedência de acção de oposição é necessário estar demonstrada a inexistência de ligação efectiva ou apenas não estar demonstrada a ligação efectiva.

Este problema tem tido apreciação no TCA/Sul, e foi objecto de apreciação, neste STA, no acórdão, também em revista, de 19.6.2014, processo 103/14. No presente processo, tal como nesse último, as instâncias, perante a mesma factualidade, chegaram a decisão diversa. E essas decisões, segundo se aparenta, não resultaram determinantemente de diferentes ilações de facto, mas, antes, de entendimento jurídico divergente perante o problema assinalado. Ora, os processos contenciosos em matéria de aquisição de nacionalidade por efeito da vontade são frequentes, e ainda não existe nessa matéria jurisprudência abundante deste STA, que possa servir de orientação para os envolvidos.

Assim, trata-se de matéria que assume importância fundamental.

Mantém-se esta ponderação, pelo que se consideram preenchidos os requisitos para admissão do recurso excepcional de revista exigidos pelo nº1 do artigo 150º do CPTA.

[…]

4. Colhidos os «vistos» legais cumpre apreciar e decidir o objecto da revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos dados como provados pelas instâncias:

A) A……………… [doravante apenas requerido] nasceu a 06.07.1974, em Caracas, República Bolivariana da Venezuela, filho de B……….. e de C……………. [folhas 14 a 23 dos autos];

B) Em 11.05.2000, o requerido, em Caracas, Venezuela, contraiu casamento com a cidadã portuguesa D……………, natural de Caracas, Venezuela [folhas 24 e 26 dos autos];

C) O casamento referido em B) foi transcrito a 16.10.2007 [folha 24 dos autos];

D) No dia 29.02.2012, na Conservatória dos Registos Centrais, mediante impresso próprio, o requerido, residente em …………., …………, ……………, prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 3º da Lei nº37/81, de 03.10, onde declarou, designadamente que «tem ligação à comunidade portuguesa» [folhas 12 e 13, dos autos];

E) Com base na declaração dita em D) foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o processo nº9622/12, onde se verificou a existência de facto impeditivo à aquisição da nacionalidade portuguesa - inexistência de ligação efectiva à aquisição da nacionalidade portuguesa [folhas 92 e 93 dos autos];

F) Em 20.04.2006, em Buenos Aires, Argentina, nasceu E……………… filha de D…………….. e do requerido, à qual foi atribuída a nacionalidade portuguesa, conforme registo lavrado em 01.04.2009 [ver folha 48];

G) Em 05.12.2007, em Buenos Aires, Argentina, nasceu F………….., filho de D………… e do requerido, ao qual foi atribuída a nacionalidade portuguesa, conforme registo lavrado em 01.04.2009 [ver folha 50];

H) O requerido correspondeu-se com a Conservatória dos Registos Centrais [CRC] através de mensagens de correio electrónico, escritas em língua portuguesa, enviadas em 07.12.2012, 26.12.2012, 27.12.2012 e 03.01.2013, nos termos constantes de folhas 57, 77, 79 e 89, respectivamente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

E é tudo quanto a factos.

III. De Direito

1. A…............, nascido na Venezuela em 1974, casou em 2000 com uma cidadã portuguesa, de naturalidade venezuelana, têm uma filha e um filho, nascidos em 2006 e 2007, com nacionalidade portuguesa, e a família, assim constituída, vive em França [ver pontos A) B) C), F) e H), do provado].

Em 2012, e na constância desse matrimónio, declarou junto da CRC que queria adquirir a nacionalidade portuguesa, e que «tinha ligação à comunidade portuguesa», tendo-se correspondido por várias vezes com essa entidade sempre em língua portuguesa [pontos D) e H) do provado].

Vislumbrando a possibilidade de «inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional», a CRC comunicou ao MP, que intentou a presente acção para efeito de «oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa» por parte do dito A…………. [ponto E) do provado, e teor dos autos].

Nesta acção - intentada ao abrigo dos artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade [LN] e 56º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa [RN] - o autor MP articula que a «ligação à comunidade portuguesa» que é invocada pelo requerente tem apenas por base o seu casamento com uma portuguesa, sendo certo, diz, que «nunca trabalhou nem residiu» no nosso país. E, sublinhando que o requerente da nacionalidade «não forneceu quaisquer elementos que comprovem ou indiciem a sua ligação à comunidade portuguesa», conclui que o processo pendente na CRC «deve ser arquivado», com fundamento na «inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional».

A 1ª instância [TAC/L] deu-lhe razão. E, fundamentalmente, porque entendeu que competia ao réu – requerente da nacionalidade – fazer prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa, e não ao autor MP fazer prova da sua inexistência, o que não aconteceu, diz, uma vez que o réu se limitou a declarar, junto da CRC, que tinha tal «ligação», mas sem aduzir quaisquer factos concretos, e pessoais, que o ilustrassem.

A 2ª instância [TCA/S] revogou esta decisão, e julgou improcedente a «oposição» deduzida pelo autor MP. Fê-lo, essencialmente, com fundamento no arrazoado jurídico vertido em acórdão deste Supremo Tribunal: AC STA de 19.06.2014, e proferido no processo nº103/14.

É desta última decisão que vem interposto este recurso de revista pelo autor da acção [MP] que lhe imputa «erro de julgamento de direito». A seu ver, é errado entender-se que deve ser o autor da oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade a alegar e a provar factos que permitam ao juiz concluir pela «inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional», porque isso viola os artigos 9º da LN, 22º e 56º do RN, e 342º e 343º do CC, para além de não ser a melhor interpretação do regime legal aplicável.

2. A questão fulcral que se nos propõe é a de saber se para a procedência da acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa é necessário estar demonstrada a «inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional» ou apenas não estar demonstrada essa ligação efectiva.

Isto significa que, face à factualidade provada na respectiva acção de oposição, no primeiro caso, o juiz, para julgar procedente a acção, deverá poder concluir pela «inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional» por parte do réu, e no segundo caso bastar-lhe-á, para o mesmo efeito, que não possa concluir a favor da «existência» dessa ligação.

Ou seja, ao nível da articulação e prova dos factos necessários ao julgamento da procedência da acção de oposição, no primeiro caso, o ónus cabe ao autor, MP, já no segundo caso, o ónus caberá ao réu, que o poderá ter feito enquanto requerente, junto da respectiva entidade administrativa, ou agora, no processo judicial.

Importará, pois, tomar posição sobre uma tese de fundo: a do referido ónus da articulação e prova. E daí extrair as necessárias conclusões para o caso litigado nestes autos, mediante a qualificação jurídica da situação de facto apurada.

3. É verdade que a resposta a essa tese de fundo já foi dada por este Supremo Tribunal nomeadamente no aresto citado pela 2ª instância [AC do STA de 19.06.2014, in Rº0103/14], tendo essa linha jurisprudencial continuado durante o ano de 2015 [ver AC do STA de 21.05.2015, Rº032/15; AC STA de 28.05.2015, Rº01548/14; e AC do STA de 18.06.2015, Rº01053/14].

No presente caso, a declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa foi feita pelo aí requerente, e aqui réu, em 29.02.2012, ou seja, numa altura em que o «regime jurídico da aquisição de nacionalidade portuguesa» estava fixado pela LN até à sua quarta alteração [LN aprovada pela Lei nº37/81, de 03.10, alterada pela Lei 25/94, de 19.08, pelo DL nº322-A/2001, de 14.12, na redacção dada pelo DL nº194/2003, de 23.08, pela Lei Orgânica 1/2004, de 15.01, e pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04. Desde esta quarta alteração, a LN já foi alterada pela Lei Orgânica nº1/2013, de 29.07, pela Lei Orgânica nº8/2015, de 22.06, e pela Lei Orgânica nº9/2015, de 29.07], e pelo RN [aprovado pelo DL nº237-A/2006, de 14.12].

Ou seja, regime jurídico perfeitamente idêntico ao que foi apreciado e aplicado nos arestos deste Supremo Tribunal que deixamos referenciados e relativos aos anos 2014 e 2015 [Diga-se, em abono da verdade, que as quinta, sexta e sétimas alterações feitas à LN, pelas Leis Orgânicas nºs 1/2013, 8/2015 e 9/2015, em nada contendem com o regime jurídico em causa].

De acordo com essa linha jurisprudencial, a que aderimos, a leitura sequencial e integrada do texto dos artigos 3º e 9º da LN na sua versão original e nas que lhes foram dadas na segunda [Lei nº25/94] e na quarta alterações [Lei Orgânica nº2/2006], impõe a conclusão de que na «acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa», intentada ao abrigo do artigo 56º do RN, cabe ao MP provar que o interessado «não tem qualquer ligação efectiva à comunidade nacional». Se o não fizer, a oposição deverá ser julgada improcedente.

Efectivamente, na sua versão original, dizia o artigo 3º, nº1, que «O estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento», e dizia o artigo 9º que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade, «a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional».

A partir da alteração efectuada pela Lei nº25/94, de 19.08, esse artigo 3º, nº1, passou a reservar essa possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento ao estrangeiro «casado há mais de três anos com nacional português», e foi alterada ainda a redacção da alínea a) do artigo 9º no sentido de constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade, «A não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional».

Por fim, na sequência de uma política mais inclusiva, na linha de compromissos internacionais e europeus assumidos pelo Estado Português [designadamente os que são resultantes da «Convenção Europeia sobre Nacionalidade», que Portugal ratificou em 2000], e na tentativa de uma maior promoção do valor constitucional da unidade familiar, embora sem retirar ao Estado mecanismos legais destinados a evitar que estrangeiros sem qualquer ligação efectiva à comunidade nacional pudessem oportunisticamente vir a ser portugueses, a Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04, mantendo o nº1 do artigo 3º, introduzido em 1994, alterou o artigo 9º nomeadamente no sentido de constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa «a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional».

Esta alteração, feita à alínea a) do artigo 9º, destinou-se a cumprir «objectivo» ínsito na «exposição de motivos» que integra a «Proposta de Lei nº32/X» - que esteve na origem da «Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04 - e que consistia na «e) Alteração do procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, invertendo-se o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9º que passa a caber ao Ministério Público».

Resulta óbvio, pois, que o ónus claramente pertencente ao interessado durante a vigência da alteração feita à LN em 1994, passou a pertencer ao MP a partir da alteração feita ao artigo 9º da LN em 2006. E é este, como vimos, o regime aplicável ao presente caso.

Assim, o «estar casado há mais de três anos com nacional português» constitui «pressuposto de facto» necessário à potencialidade constitutiva da «declaração de aquisição da nacionalidade portuguesa» pelo estrangeiro interessado, sendo esta última «elemento determinante» da aquisição [ver, a respeito, Moura Ramos, Do Direito Português da Nacionalidade, 1992, página 151].

Por sua vez, a oposição deduzida pelo MP com base na «inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional» funciona como mecanismo legal de salvaguarda, permitindo ao Estado precaver-se contra declarações meramente oportunistas, e surge como um «impedimento» ao efeito constitutivo da declaração feita, na constância do matrimónio, por estrangeiro «casado há mais de três anos com nacional português».

E desta forma, note-se, a acção em causa se distancia do universo das «acções de simples apreciação negativa», e se concilia com a regra do «ónus da prova» previsto no artigo 342º, nº2, do CC.

Nem os artigos 22º e 56º do RN, invocados pelo recorrente, se opõem a esta conclusão. Aliás, o artigo 22º, referente à «naturalização de estrangeiros que sejam descendentes de nacional português», não respeita ao objecto do litígio em causa, e o artigo 56º, referente, esse sim, à acção em causa, nada diz que possa abalar a tese interpretativa e aplicativa adoptada.

Este último está, até, em sintonia com o que é dito no nº7 do artigo 57º do RN, segundo o qual «Sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser».

Ora, nada pode estar mais de acordo com a interpretação aqui adoptada.

4. Fixada a tese de fundo, importa avaliar juridicamente, à luz dela, a situação de vida que nos é revelada pelos factos provados.

Ao autor, MP, cabia articular e provar factos com base nos quais devesse o juiz poder concluir que o réu, interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa, não tem qualquer ligação efectiva à comunidade nacional [artigo 9º, alínea a), da LN].

Ora, ponderando o que consta do provado é verdade que escasseiam factos de que possamos concluir pela existência dessa ligação efectiva, mas o certo é que faltam totalmente factos que imponham a sua inexistência. E é, tal como vimos, isto que releva.

5. Deverá, portanto, ser negado provimento ao recurso de revista, e mantido, em conformidade, o que foi decidido no acórdão recorrido, do TCA/S.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento a este recurso de revista, e, em conformidade, manter o acórdão recorrido.

Sem custas – artigo 4º, nº1 alínea a), do RCP.

Lisboa, 1 de Outubro de 2015. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa ReisAna Paula Soares Leite Martins Portela (Voto a decisão com exceção do penúltimo parágrafo em que existe uma pronúncia sobre a escassez ou não de facto donde se possa concluir pela ligação efetiva, de acordo com projeto 203/15 desta data deste STA.