Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01003/12.8BEBRG
Data do Acordão:11/04/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
REVISÃO DE PREÇOS
REGIME LEGAL IMPERATIVO
CLAUSULA ILEGAL
CONTA DA EMPREITADA
RECLAMAÇÃO DA CONTA
ABUSO DE DIREITO
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Sumário:I – Decorre imperativamente da lei (art. 382º nº 1 do Código dos Contratos Públicos e art. 1º nº 1 do DL 6/2004, de 6/1) a “revisão ordinária de preços” nos contratos de empreitadas de obras públicas.
II – Consequentemente, não pode uma entidade pública – obrigada, na sua atuação, ao respeito pela legalidade - fazer constar dos documentos do concurso, nem do subsequente contrato, uma cláusula (“contra legem”) que afaste essa revisibilidade, sob pena de ter-se a mesma por não escrita, nos termos do art. 51º do CCP.
III – Assim como não pode configurar a aceitação de uma tal cláusula de irrevisibilidade pelos concorrentes como “condição” de participação no concurso ou de adjudicação do contrato, sendo certo que, por seu lado, os concorrentes, ou o concorrente adjudicatário, não podem, renunciar eficazmente “ex ante” (isto é, durante o procedimento concursal ou na celebração do contrato) a essa “revisão ordinária de preços”.
IV – Não viola as regras da boa-fé nem atua em abuso de direito um empreiteiro contraente que reclama da conta da empreitada executada com fundamento na não consideração, nessa conta, da revisão ordinária dos preços da empreitada, ainda que do caderno de encargos do procedimento pré-contratual e do contrato figurasse uma cláusula de irrevisibilidade, pois que esta tem-se como não escrita, por contrária a norma imperativa do CCP, pelo que a aceitação pelo empreiteiro dessa cláusula era totalmente ineficaz, não podendo, assim, relevar como alegada contradição de comportamento relativamente à sua atuação posterior.
V – Ao reclamar da conta da empreitada, com tal fundamento, nos termos do art. 401º do CCP, o empreiteiro fá-lo adequada e tempestivamente, ou seja, no momento e moldes para tanto legalmente previstos.
Nº Convencional:JSTA00071294
Nº do Documento:SA12021110401003/12
Data de Entrada:06/29/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE CELORICO DE BASTO
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CCP ART51 ART382 N1 ART401
DL 6/2004 DE 6 JANEIRO ART1 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. “A…………, S.A.” intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF/Braga), a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO DE CELORICO DE BASTO pedindo que este fosse condenado a:

«a) proceder à revisão de preços, em virtude da variação, para mais, dos custos da mão-de-obra, materiais e equipamentos de apoio, relativamente ao mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas;
b) pagar à Autora o montante de € 61.610,62, acrescido do respetivo IVA, referido no artigo 25 supra, devida a título de revisão de preços, por aplicação da fórmula tipo pra obras da mesma natureza ou que mais se aproxima do objeto da empreitada em causa;
c) a quantia de € 6.747,42, referida no artigo 73 supra, referente aos juros de mora vencidos, devidos pelo atraso no pagamento das quantias que perfazem aquele montante de € 61.610,62, calculados desde as respetivas datas de vencimento até 28/05/2012;
d) os juros vincendos sobre o montante de € 61.610,62 mencionado na anterior alínea b), calculados à taxa legal, a partir de 29/05/2012 e até efetivo e integral pagamento;
e) nas custas e procuradoria condigna».

O TAF/Braga, por sentença de 19/6/2020 (cfr. fls. 694 e segs. SITAF) julgou a ação totalmente procedente e, consequentemente, condenou o Réu Município:

«a) A pagar, à Autora, a quantia de 53.247,51€;
b) A pagar à Autora os juros de mora vencidos e vincendos, sobre as quantias em dívida que perfazem o valor referido na alínea a), desde a data em que as mesmas deviam ter sido pagas, nos termos dos artigos 17.º e 18.º do decreto-lei n.º 6/2004, de 06/01, até efetivo e integral pagamento».

No seguimento de recurso interposto desta sentença pelo Réu Município, o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), proferiu, em 19/2/2021, o Acórdão ora recorrido, que confirmou a sentença de 1ª instância, assim negando provimento ao recurso jurisdicional (cfr. fls. 964 e segs. SITAF).


2. Novamente inconformado, o Réu Município de Celorico de Basto interpôs recurso de revista deste Ac.TCAN, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1009 e segs. SITAF):

«I. A Natureza do “regime da revisão de preços
a) O ora Recorrente ao invocar, na conclusão 7.ª do recurso para o TCA Norte, a al. b) do art. 129.º do C.C.P. apenas quis demonstrar que o próprio Código admite a irrevisibilidade dos preços nos contratos celebrados por ajuste direto, o que retira a natureza de “ordem pública” atribuída ao regime ordinário de revisão de preços do art. 382.º desse Código.
b) Não tem, assim, sentido o que consta do acórdão recorrido quanto à não aplicação dessa norma ao caso dos autos, já que a finalidade dessa invocação não era a sua aplicação direta.

II. As cláusulas 26.ª e 2.ª do Caderno de Encargos
c) Por outro lado, o acórdão recorrido refere que há contradição entre a cláusula 26.ª do Caderno de Encargos (de que não há lugar a revisão de preços) da sua cláusula 2.ª (que omite o Dec. Lei n.º 34/2009, de 6 de fevereiro).
d) Porém, da matéria de facto provada consta a aplicação desse diploma - regime simplificado (urgente) por ajuste direto para modernização do PARQUE ESCOLAR - que consta do Convite, cujo “procedimento é fundamentado no artigo 115.º do Código dos Contratos Públicos...
e) Ora, o convite desempenha as funções que, noutros procedimentos, são objeto do programa de procedimento, definindo os termos a que obedece a formação do contrato até à sua celebração.
f) Não há, assim, qualquer contradição entre as duas cláusulas, quanto ao facto de o Dec. Lei n.º 34/2009 não constar da cláusula 2.ª, o que não impede a sua aplicação ao caso dos autos.

III. A (eventual) obrigatoriedade da revisão de preços nos contratos de empreitada de obras públicas – art. 382º do C.C.P.
g) O acórdão recorrido entendeu que, ao abrigo do art. 382.º do C.C.P., a revisão ordinária de preços é obrigatória nos contratos de empreitada de obras públicas (cf. art. 271.º e 280.º do Código Civil).
h) Para o efeito, apoiou-se no Acórdão do TCA Sul de 5 de junho de 2012 – Proc. n.º 08906/02.
i) Porém, este acórdão foi proferido no âmbito do art. 199.º do Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de março, tendo este diploma sido revogado pelo art. 13.º, n.º 1, al. c), do Dec. Lei n.º 18/2008, de 28 de janeiro, pelo que à data do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu (5/09/2009) já não estava em vigor, o mesmo acontecendo com o Dec. Lei n.º 6/2004 (relativo ao cálculo da revisão de preços), que restringe a sua vigência à do Dec. Lei n.º59/99.
j) Assim, o acórdão recorrido enferma de manifesto erro.
l) Aliás, se à data de 1999 poderia justificar uma regra de revisão de preços para equilíbrio financeiro das partes, o mesmo não se dirá em tempos de conjetura deflacionista (com juros negativos dos empréstimos), como é o caso atual, que subsiste há mais de uma década.
m) A revisão de preços tem, assim, caráter excecional, só se justificando para contratos de longa duração de execução, o que não é o caso do contrato de empreitada em apreço que foi fixado no prazo de 360 dias contados de modo contínuo, considerando-se, assim, incluídos todos os dias decorridos, incluindo os sábados, domingos e feriados, a contar da consignação de trabalhos, que teve lugar em 5/11/2009 e o pedido da Autora de prorrogação do prazo para 4/03/2011, foi concedido, por despacho de 9/3/2009, “sem direito a qualquer reposição do equilíbrio financeiro”. (cf. pontos 2, com referência aos documentos juntos pela Autora na petição inicial e 10, respetivamente, da matéria de facto provada).
n) Assim, o Réu teve o cuidado, por força do Dec. Lei n.º 34/2009, de fixar um prazo curto, não alterável, “sem direito a qualquer reposição do equilíbrio financeiro”, pelo que a Autora, ao aceitar a referida cláusula sobre a não admissão da revisão de preços contratuais e ao vir alegar, posteriormente, a sua ilegalidade está a violar, entre outros, o princípio da intangibilidade das propostas.

IV. A revisão ordinária de preços como norma de direito obrigatória e de ordem pública
o) Os art. 271.º e 280.º do Código Civil não são aplicáveis aos contratos administrativos, porque este código só é aplicável subsidiariamente (n.º 4 do art. 280.º do C.C.P.) e do art. 280.º [283º], n.º 1 do C.C.P. consta que os contratos administrativos só serão nulos se a nulidade do ato procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa vir a sê-lo (invalidade derivada ou consequencial).
p) Ora, para que o programa do procedimento em causa fosse declarado nulo era necessário que a lei cominasse expressamente essa forma de invalidade (cf. art. 138.º, n.º 1 do C.P.A. de 1991 e art. 161.º, n.º 1, do C.P.A. atual), pelo que a não aplicação do art. 382.º do C.C.P. não suscita qualquer nulidade, mas, quando muito, numa mera anulabilidade (cf. art. 135.º e 136.º do C.P.A. de 1991 e art. 163.º do C.P.A. atual), que não foi pedido nem judicialmente declarada.
q) Assim, o acórdão recorrido ao considerar a nulidade do contrato de empreitada enferma de manifesto erro.
r) O art. 382.º do C.C.P., ao preceituar que o preço fixado no contrato é obrigatoriamente revisto, sem prejuízo do disposto nos art. 282.º, 300.º e 341.º do mesmo Código, criou uma situação de imprevisão em relação ao art. 300.º, no qual se dispõe que sem prejuízo do disposto no art. 382.º, “só há lugar à revisão de preços se o contrato o determinar e fixar os respetivos termos, nomeadamente, o método de cálculo e a periodicidade”.
s) Dessa mútua exclusão não é possível concluir, de acordo com a boa hermenêutica jurídica, que o art. 382.º do C.C.P. se possa considerar como uma norma de natureza obrigatória e de “ordem pública”.
t) Segundo o art. 9.º do Código Civil, o pensamento legislativo deve ter em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada que, no presente caso, é de deflação económica.
u) Estamos, assim, no domínio dos direitos disponíveis em que o direito a essa revisão se insere no princípio da liberdade contratual e, portanto, renunciável, sob pena de violação do princípio da igualdade, pois não se vislumbra razão material bastante para distinguir, nesse aspeto, entre o contrato de empreitada de obras públicas e o regime geral dos contratos administrativos (cf. entre outros, João Baptista Machado, obra citada) e, consequentemente, a renúncia a esse regime.
v) Por outro lado, a irrevisibilidade do constante do Caderno de Encargos e do “contrato de empreitada”, está em consonância com a 2.ª parte do art. 382.º do C.C.P., quando preceitua que o preço é revisto “nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com a lei”.
x) A Autora ao ter aceite o Caderno de Encargos, com a cláusula 26.ª violou frontalmente as regras da boa-fé (art. 6.º-A do C.P.A. e art. 266.º, n.º 2 da C.R.P.) quando, após a execução do contrato de empreitada, requereu a “revisão de preços”.

V. Os artigos 100.º e 101.º do C.P.T.A.
aa) O acórdão recorrido também entendeu que o art. 51.º, n.º 3 do C.P.T.A. não impedia que a Autora pudesse impugnar o ato final do procedimento; e que esta solução está de harmonia com a Diretiva “recursos”.
ab) Porém, se a Autora não concordava com a cláusula 26.ª do Caderno de Encargos, devia ter impugnado os atos conformadores do respetivo procedimento no prazo de um mês, a contar da sua notificação, sob pena de caducidade (arts. 100.º e 101.º do CPTA), conforme jurisprudência pacífica à data dos factos (a título meramente exemplificativo, referem-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27/01/2011, processo n.º 0850/10; do STA de 26/08/2009, processo n.º 0471/09; e do TCA Sul de 20/03/2012, processo n.º 8271/11) e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (em “Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos”, 3.ª Edição, p. 602 e 4.ª edição, pág. 798).
ac) Não obstante, certo é que no caso sub judice, estamos perante uma cláusula (potencialmente inválida) prevista num documento conformador e integrador de um procedimento concursal, designadamente, no Caderno de Encargos, pelo que estamos necessariamente inseridos no contencioso pré-contratual - artigos 100.º e seguintes do C.P.T.A..
ad) Nos termos do artigo 101.º do C.P.T.A., os processos do contencioso pré-contratual tem caráter urgente e “devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto”.
ae) Ora, a Autora teve conhecimento da cláusula 26.ª do Caderno de Encargos quando foi convidada a apresentar proposta (em 2009) e, novamente, quando celebrou o contrato com o Réu (no mesmo ano), sendo certo que aceitou expressamente a referida cláusula e nunca pôs em causa a legalidade da mesma.
af) Acontece que, mesmo tendo perfeito conhecimento da existência da cláusula 26.ª e da sua potencial invalidade, a Autora iniciou a obra, deixou a mesma decorrer até ser finalizada, recebeu todos os pagamentos devidos pelo réu, e, somente decorridos mais de três anos a contar do respetivo conhecimento, é que veio impugnar a referida cláusula, o que constitui um manifesto abuso de direito e notória má fé.
ag) “O prazo previsto no artigo 101.º do CPTA aplica-se à impugnação de atos administrativos relativos à formação dos contratos referidos no artigo 100.º, n.º 1 do mesmo Código, independentemente de os vícios que os inquinem gerarem nulidade ou mera anulabilidade dos mesmos”. - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/05/2012, processo n.º 038/13 (sublinhado e negrito nosso).
ah) Pelo que a Autora detinha do prazo de um mês para impugnar seja o Caderno de Encargos, seja o ato de adjudicação, seja o ato de aprovação da minuta do contrato, seja o próprio contrato de empreitada, seja ainda o ofício do Réu onde este comunicou não existir lugar à revisão de preços, sob pena de caducidade do seu direito.
ai) Uma vez que a Autora propôs a presente ação decorridos mais de 3 anos sobre o conhecimento da cláusula 26.ª do Caderno de Encargos e a sua potencial invalidade, o presente processo é manifestamente extemporâneo, estando o direito de ação da Autora, à data do início dos presentes autos, caducado.

VI. A cláusula 26.ª do Caderno de Encargos como “condição” da adjudicação do contrato de empreitada
aj) A referida cláusula 26.ª do Caderno de Encargos, ao não admitir a revisão de preços, constitui uma condição do ato de adjudicação e, consequentemente, da celebração do contrato de empreitada.
ak) Assim, o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento quando entenda que “não está em causa a exclusão da recorrida de qualquer procedimento”, esquecendo a conexão existente entre a condição de não admissão de preço e o ato de adjudicação, sem a qual esta não teria sido efetuada nem o contrato celebrado nos termos em que o foi.

VII. Normas violadas e sua interpretação (n.º 2 do art. 639.º do C.P.C.):
1. al. b), do art. 129.º do C.C.P., quando interpretado, na sua dimensão de “ajuste direito” sem revisão de preços, para retirar a natureza de “ordem pública” ao artigo 382.º do C.C.P.
2. O Dec. Lei n.º 34/2009, de 6 de fevereiro, quando se entenda que a sua não inclusão na cláusula 26.ª do Caderno de Encargos possa constituir uma contradição com a cláusula 26.ª (revisão de preços) do mesmo Caderno de Encargos.
3. O art. 382.º do C.C.P. quando interpretado em função da doutrina e jurisprudência de diplomas revogados.
4. Os art. 271.º e 280.º do Código Civil quando aplicáveis a contratos administrativos e os art. 138.º, n.º1 do CPA de 1991 e art. 161.º, n.º1 do C.P.A. atual.
5. A interpretação do art. 382.º do C.C.P. quando em confronto com o art. 300.º do mesmo Código tendo em conta (art. 9.º do Código Civil) a unidade do sistema jurídico e o princípio da liberdade contratual em tempo de deflação económica.
6. A violação do princípio da boa-fé pela Autora (art. 6.º-A do C.P.A. de 1991 e art. 266.º, n.º2 da CRP).
7. O art. 51.º, n.º 3 do C.P.T.A. em confronto com o regime especial de ajuste direto do Dec. Lei n.º 34/2009,
8. Os arts. 100.º e 101.º do C.P.T.A., no que toca à caducidade de impugnação.

Termos em que, com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido, com as legais consequências.

REQUER – que, atendendo à sua importância fundamental e futura uniformidade jurisprudencial, o Senhor Presidente deste Supremo Tribunal determine que, neste julgamento, intervenham todos os senhores juízes desta Secção, para se pronunciarem sobre a questão de saber se o art. 382.º do C.C.P., consagra um regime obrigatório e de “ordem pública” de revisão de preços nos contratos de empreitada de obras públicas».

3. A Autora, Recorrida, apresentou contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1033 e segs. SITAF):

«A) Quanto à irrevisibilidade dos preços nos contratos celebrados por ajuste direto, não há duvidas que quanto ao decreto-lei n.º 6/2004, de 06/01, não tendo sido revogado, mantém-se a sua aplicação ao decreto-lei n.º 18/2008, de 29/01; ou seja, a sua aplicação, ao contrário do que refere o Recorrente, não se restringe ao decreto-lei n.º 59/99, de 02/03.
B) Além disso, diga-se ainda, quanto ao art.º 129.º, al. b) do CCP, que o Recorrente cita para justificar a razão pela qual, na sua ótica, não existe a mencionada irrevisibilidade do preço nos contratos celebrados mediante o recurso ao ajuste direto, a obrigatoriedade de revisão de preços apontada, quer na sentença do tribunal de primeira instância, quer no acórdão respeitante à sentença recorrida, diz respeito exclusivamente aos contratos de empreitadas de obras públicas, independentemente do tipo de procedimento de adjudicação adotado. Por sua vez, o art.º 129.º do CCP insere-se na Secção III do CCP, intitulada “Ajuste directo simplificado” – que se inicia no artigo 128º do Código dos Contratos Públicos e que se aplica a contratos de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços cujo preço contratual não seja superior a (euro) 5 000, ou no caso de empreitadas de obras públicas, a (euro) 10 000. Pelo que não tem aqui aplicação esta norma, considerando o tipo e o valor do contrato em apreço, 2.488.997,16 €, que não afasta assim a aplicação do art.º 382.º do CCP quanto aos restantes contratos de empreitada de obras públicas e a imperatividade desta norma.
C) No que respeita à contradição entre as cláusulas 26.ª e 2.ª do Caderno de Encargos, temos que concordar com o Acórdão recorrido, porquanto na primeira cláusula se prevê a irrevisibilidade do preço, e na segunda se prevê já a aplicação ao presente contrato da legislação e regulamentação aplicável, nomeadamente no que respeita, de entre o demais, à revisão de preços (al. d) da Cl.ª 2.ª do Caderno de Encargos), sendo certo que, de entre essa legislação se destaca o DL n.º 6/2004, de 6 de Janeiro, que, ao contrário do que pugna o Recorrente, não foi revogado pelo CCP.
D) Além disso, o tribunal recorrido, ao contrário do que refere o Recorrente, não entende existir a mencionada contradição por falta de referência ao DL n.º 34/2009, de 6 de fevereiro, mas antes à legislação aplicável em matéria de revisão de preços, designadamente o DL n.º 6/2004, de 6 de Janeiro.
E) Quanto à aplicação pelo acórdão recorrido ao presente caso do citado no acórdão do Acórdão do TCA Sul de 5 de junho de 2012 – Proc. n.º 08906/02, diga-se que, quer o art.º 199.º do Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de março, quer o art.º 382.º do CCP, preveem que a revisão de preços, no contrato de empreitadas de obras públicas tenha que ser obrigatoriamente revisto; assim como ambos preveem que tal revisão deve ser efetuada nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com o disposto em lei, e que, não estando a fórmula da revisão de preços determinada no contrato, deverá aplicar-se a fórmula tipo estabelecida para obras da mesma natureza.
F) Assim, independentemente da revogação do Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de março, a que se seguiu o Dec. Lei n.º 18/2008, de 28 de janeiro, o certo é que, em ambos se previa a mesma solução para a revisão de preços nos contratos de empreitadas de obras públicas, e nesse sentido, nada obsta à aplicação ao presente caso concreto do Acórdão do TCA Sul de 5 de junho de 2012 – Proc. n.º 08906/02, como o fez, a nosso ver bem, o Tribunal Central Administrativo do Norte no acórdão recorrido.
G) Ademais, também não assiste razão ao Recorrente quando refere que apenas faz sentido vigorar este regime obrigatório da revisão de preços numa conjuntura económica inflacionista, pois que, embora tenha sido essa a razão para a sua criação, a verdade é que o legislador tomou a opção de a manter válida na nossa ordem jurídica interna como forma precisamente de evitar injustos e excessivos sobrelucros, quer a favor do contraente particular, quer do contraente público.
H) O Recorrente ao referir que não têm aqui aplicação os arts. 271.º e 280.º do Código Civil, por este diploma ser de aplicação subsidiária em matéria de direito administrativo, devendo aplicar-se antes aqui o disposto no art.º 283.º, n.º 1 do C.C.P., parte de uma premissa errada, desde logo porque o art.º 283.º, n.º 1 do CCP refere-se à nulidade de contratos administrativos fundados em atos procedimentais inválidos, e no presente caso, o ato procedimental em que o contrato em apreço assentou não foi declarada nulo.
I) Estamos antes aqui perante uma situação em que o contrato é válido, assentou num ato procedimental válido (razão pela qual a adjudicação não foi impugnada pela Recorrida), porém, contém uma cláusula que é nula por violação de uma norma de carácter público e imperativo, prevista no art.º 382.º do CCP, e que, portanto, não tem qualquer eficácia entre as partes. Nulidade esta, essa sim, que é imposta pela aplicação subsidiária dos arts.º 271.º e 280.º do Código Civil e que não concorrem, de forma alguma, com o disposto no art.º 283.º do CCP, que diz respeito à invalidade derivada dos contratos de empreitadas de obras públicas de atos procedimentais igualmente inválidos.
J) O art.º 280.º, n.º 4 do CCP a aplicação subsidiária do direito civil às relações jurídicas contratuais administrativas, bem como se prevê no art.º 285.º, n.º 3 do mesmo diploma que “Todos os contratos públicos são suscetíveis de redução e conversão, nos termos dos arts.º 292.º e 293.º do Código Civil, independentemente do desvalor jurídico”.
K) O mesmo se diga quanto ao entendimento do Recorrente, relativamente à não aplicação do art.º 382.º do C.C.P. não suscitar qualquer nulidade, mas, quando muito, numa mera anulabilidade, que não foi pedida nem judicialmente declarada, pois que, não estamos no presente caso perante uma invalidade consequente/derivada de um ato procedimental inválido, e só aí faria sentido exigir-se que, para a declaração de nulidade do contrato, o ato procedimental em que o mesmo tenha assentado tivesse sido, também ele, declarado também nulo, ou pudesse ainda sê-lo.
L) Refere ainda o Recorrente que, de acordo com o que dispõe o art.º 382.º do CCP, “o preço só é obrigatoriamente revisto “nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com o disposto em lei”. Porém, não é esta a interpretação a retirar do texto desta norma, na qual se diz antes que, o preço fixado no contrato é obrigatoriamente revisto, nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com o disposto em lei; e acrescenta ainda, no seu ponto 2, que não estando fixada contratualmente a fórmula tipo estabelecida para a revisão de preços, é aplicável a fórmula tipo estabelecida para obras da mesma natureza constante da lei. No caso, não tendo sido fixada contratualmente essa fórmula, ter-se-ia, como se teve, que lançar aqui mão do regime constante do decreto-lei n.º 6/2004, de 06/01, que estabelece o regime de revisão de preços das empreitadas de obras públicas e de obras particulares e de aquisição de bens e serviços, cuja revogação, ao contrário do decreto-lei n.º 59/99, de 02/03 (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas), não consta do artigo 14.º do decreto-lei n.º 18/2008, de 29/01, que aprovou o CCP, nem de qualquer outra disposição legal.
M) Ademais, própria Cláusula 2.ª do Caderno de Encargos remete para a legislação complementar respeitante à revisão de preços.
N) Além disso, quanto ao entendimento de que o art.º 382.º do C.C.P., ao preceituar que o preço fixado no contrato é obrigatoriamente revisto, sem prejuízo do disposto nos art.ºs 282.º, 300.º e 341.º do mesmo Código, criou uma situação de imprevisão em relação ao art.º 300.º, no qual se dispõe que sem prejuízo do disposto no art.º 382.º, “só há lugar à revisão de preços se o contrato de o determinar e fixar os respetivos termos, nomeadamente, o método de cálculo e a periodicidade”, devemos notar que o art.º 300.º se insere no Capítulo III da Parte II do CCP, relativa ao Regime Substantivo dos Contratos Administrativos. Por sua vez, o art.º 382.º do CCP insere-se na Secção VI do Capítulo I do Título II do CCP, ou seja, insere-se na parte do CCP relativa, especificamente, às empreitadas de obras públicas.
O) Pelo que, estando-se no caso em apreço perante um contrato de empreitadas de obras públicas, é o art.º 382.º e não o art.º 300.º que devemos aplicar.
P) Quanto a esta questão ainda, veja-se ainda anotação ao artigo 382.º do Código dos Contratos Públicos, de Jorge Andrade - Silva, J. A. (2009). Código dos Contratos Públicos: comentado e anotado, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, pág. 892 - na qual se refere, de entre o demais, que também o artigo 300.º estabelece que o seu comando é estabelecido sem prejuízo do artigo 382.º o que parece só ter sentido útil se significar que, para o contrato de empreitada de obras públicas, é obrigatória a revisão de preços independentemente do que o contrato sobre isso dispuser, e nesse sentido, a referência que no n.º 1 deste preceito é feita aos termos contratualmente estabelecidos não se reporta ao direito à revisão de preços, mas aos termos, método de cálculo e periodicidade em que tem lugar. O que resulta até do disposto no n.º 2, que estabelece um regime supletivo quanto à fórmula de cálculo e também do disposto no artigo 393.º, cujo regime parece subentender que há sempre lugar à revisão de preços, o que também se pode dizer do n.º 2 do artigo 399.º.
Q) Já quanto à invocada caducidade do direito da Recorrida impugnar a Cl.ª 26.ª do Caderno de Encargos, fundada no que dispõem os arts.º 100.º e ss. do CPTA, entendemos que não estamos perante a impugnação do ato de adjudicação, tanto mais que a empreitada foi adjudicada à Recorrida. Ou seja, não estamos perante uma ação de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitadas de obras públicas.
R) Pelo que, e como tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - amplamente citada na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a pág. 20 da mesma - seria desprovido de sentido prático exigir dos concorrentes a quem foi adjudicada determinada empreitada impugnar o ato de adjudicação, com fundamento da ilegalidade das normas do concurso que julgassem ilegais/nulas.
S) Neste sentido, vejam-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20/11/2012, processo n.º 0750/12,05/02/2013, processo n.º 0925/12; de 23/05/2013, processo n.º 0301/13, e de 22/01/2016, bem como os acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Norte de 30/11/2012, processo nº 00028/12.8BEMDL e de 22/01/2016, processo n.º 02322/14.4BEPRT-A, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
T) Neste segmento, o mesmo se diga quanto à invocada caducidade do direito de instaurar a ação administrativa relativamente a vícios do contrato, nos termos do art.º 40.º e 41.º, n.º 2 do CPTA. Não assiste também nesta parte qualquer razão ao Recorrente.
U) Assim, como refere o douto acórdão recorrido – a pág. 20 do mesmo: “Destas regras aplicáveis ao contencioso pré-contratual por força do art. 100º, n.º 1 do CPTA resulta, a nosso ver, que o regime do art. 100º, n.º 2 do CPTA “… também são susceptíveis de impugnação directa …” as normas do Programa de Concurso, é uma faculdade e não um ónus, cujo não exercício afaste a impugnação dos actos finais com fundamento na violação de tais normas”, chamando-se aqui à colação os arts.º 51.º, n.º 3 e 52.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA,
V) Analisadas estas normas, bem como o art.º 101.º, n.º 2 do CCP, teremos que, mais uma vez, concordar na integra com o teor do acórdão recorrido, segundo o qual - a pág 20 do mesmo: “Havendo já um acto impugnável (contido num acto normativo) o legislador afasta quaisquer efeitos preclusivos da falta de impugnação da norma. Assim, por maioria de razão devem afastar-se os efeitos preclusivos se esse ato normativo não encerra já um ato administrativo. A realidade que leva o legislador a afastar os efeitos preclusivos é a de que a impugnabilidade imediata dos actos procedimentais, ou normativos, não afasta a impugnabilidade dos actos finais. Ou seja, a ideia do legislador é a de que os actos anteriores a uma decisão final - mesmo que sejam impugnáveis por força das regras sobre a impugnabilidade dos actos - podem ser, em regra, duplamente impugnados. Só não é assim, nos casos expressamente previstos no art. 51º, n.º 3 do CPTA ou, por remissão desse preceito, os casos expressamente previstos em lei especial. Daí que a falta de lei expressa prevendo o ónus, deve levar a uma interpretação do art. 100º, 2 do CPTA de acordo com a regra geral, isto é, a dupla impugnabilidade” (neste mesmo sentido, v. um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-12-2011, proferido no proc. 0800, e disponível em www.dgsi.pt).
W) Assim, o art.º 101.º do CPTA invocado pelo Recorrente não tem a virtualidade de afastar a aplicação do n.º 3 do art.º 51.º do mesmo diploma.
X) Pelo que, também nessa medida, e ao contrário do que afirma o Recorrente, o acórdão recorrido também não violou qualquer princípio de boa fé, nos termos previstos no art.º 6.º-A do C.P.A. de 1991 e art.º 266.º, n.º 2 da CRP, desde logo porque a Recorrida não adotou qualquer comportamento anterior que pudesse criar no Recorrente uma convicção de que a mesma aceitaria que lhe fosse aplicada uma cláusula do contrato ferida de nulidade.
Y) A Recorrida limitou-se a “lançar mão” da possibilidade que tinha de impugnar esta cláusula, por esta ser contrária à lei e, portanto, nula. Possibilidade essa que, como se viu, se encontra prevista nos arts. 51.º e 52.º do CPTA. Antes dessa impugnação a Recorrida não adotou qualquer comportamento que pudesse criar no Recorrente a convicção de que não faria a mesma, bem pelo contrário.
Z) A Recorrida intentou a ação aqui em apreço precisamente porque, tendo deduzido reclamação contra a conta final da empreitada com fundamento – entre outros - na omissão da mesma quanto ao valor devido ao empreiteiro a título de revisão de preços – viu esta sua reclamação indeferida pelo Recorrente.
AA) Ora, se a Recorrida reclamou da conta final da empreitada também com fundamento na omissão da mesma quanto ao valor que lhe era devido a título de revisão de preços, é óbvio que não aceitou a irrevisibilidade do preço, nem nunca demonstrou tal aceitação perante o Recorrente.
BB) Por seu turno, também não assiste qualquer razão ao Recorrente quanto argumenta no sentido de que existe uma conexão entre o ato de adjudicação e a declaração de nulidade da Cl.ª 26.º do Caderno de Encargos, porquanto, considerando que esta cláusula é nula por violar uma norma imperativa do CCP, a mesma seria considerada nula independentemente da interessada a quem tivesse sido adjudicada a empreitada.
CC) No presente caso, e ao contrário do que refere o Recorrente, obrigar a Recorrida a essa impugnação não faria sentido, face ao facto de o contrato em apreço ter sido adjudicado à mesma, que por essa razão não o impugnou.
DD) E certo é que, o facto de o Caderno de Encargos conter uma cláusula nula, porque contrária à lei, nunca alteraria o âmbito subjetivo desta adjudicação, pois que em nada alteraria os pressupostos em que a empreitada foi adjudicada à Recorrida ou a proposta que a mesma apresentou para a mesma.
EE) Pelo que, a impugnação desta cláusula em fase anterior não teria qualquer efeito prático sobre a adjudicação da empreitada em apreço.

TERMOS em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente/Réu Município, com as consequências legais, assim se fazendo a devida JUSTIÇA».

4. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 9/6/2021 (cfr. fls. 1069/1070 SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…)
A autora e aqui recorrida accionou o município recorrente para obter a condenação judicial do réu a pagar-lhe determinada quantia, e os correspondentes juros, em resultado da revisão dos preços de uma empreitada de obras púbicas — embora o caderno de encargos, por ela admitido, contivesse uma cláusula (a 26.’) que excluía tal revisão.
A acção procedeu nas instâncias que, encarando a revisão de preços como obrigatória— e, até, «de ordem pública» — à luz do art. 382° do CCP, consideraram nula aquela cláusula 26.º e afastaram outras objecções que o município esgrimira contra o peticionado.
Na sua revista, o recorrente insiste na validade da sobredita cláusula; e, para a hipótese de assim não se entender, acrescenta que ela — afinal, condicionante da adjudicação e credora de respeito por contraentes de boa-fé — se convalidou por não ter sido oportunamente impugnada.
Parece excessivo dizer-se — como fez o TCA — que a revisão de preços em empreitadas é uma questão «de ordem pública» — até porque isso briga com a antiga tradição jurídica neste domínio. O que, todavia, não exclui que uma tal revisão não possa ser obrigatória, «ex vi legis».
A respeito disso, o art. 382° do CCP estabelece que — «sem prejuízo» do que se dispõe noutros indicados preceitos — o preço das empreitadas «é obrigatoriamente revisto nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com o disposto em lei», Ora, esta fórmula — para além de remeter para o art. 3000, que também começa com a expressão «sem prejuízo», que reenvia para o mesmo art. 382° e que limita a revisão de preços aos casos em que o contrato a preveja — comporta alguma equivocidade.
Concede-se que o artigo, ao falar em «termos contratualmente estabelecidos» — a que, todavia, se segue uma copulativa — parece apontar mais para o método a observar na revisão de preços do que para a própria previsão ou possibilidade dela. Mas o assunto não é absolutamente líquido.
O exposto sugere que a mencionada «quaestio juris» — que é o primeiro ponto de fricção entre as partes e o tema fundamental da revista — reclama, apesar da unanimidade das instâncias, uma nova e superior elucidação. Até porque, tratando-se de um problema facilmente replicável, é necessário que o Supremo defina directrizes actualizadas na matéria.
Ademais, a questão subsidiariamente colocada na revista — e cuja cognoscibilidade depende do desfecho da anterior — também se afigura relevante (…)».

5. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA (cfr. fls. 1077 SITAF), não se pronunciou.

6. Colhidos os vistos, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Constitui objeto do presente recurso apreciar se, como alega o Município Réu, ora Recorrente, o TCAN errou no seu julgamento efetuado no Acórdão aqui impugnado, nomeadamente decidir:
- Se decorre imperativamente da lei (Código dos Contratos Públicos) a revisão ordinária de preços nos contratos de empreitadas de obras públicas;
- Em caso afirmativo, se tal imperatividade pode/deve ser afastada pela circunstância de os documentos do concurso (Caderno de Encargos) terem previsto expressamente a sua não aplicação, de o empreiteiro ter aceitado os termos de tal Caderno de Encargos, e de o mesmo não ter, oportunamente, impugnado essa norma.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. As instâncias deram como relevantemente provados os seguintes factos:

1) A Autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica, entre outras actividades, à indústria de construção civil e obras públicas, actividade que desempenha com regularidade e fim lucrativo [facto não controvertido].
2) No seguimento de procedimento de ajuste directo, lançado nos termos do disposto no decreto-Lei n.º 18/2008, de 29/01 e no decreto-Lei n.º 34/2009, de 06/02, o Réu deliberou adjudicar à Autora, de harmonia com a proposta por esta apresentada, a execução da empreitada «Construção do Centro Escolar da ……… – Celorico de Basto» [facto não controvertido e cfr. docs. 1, 2, 3 e 4 (Convite, Caderno de Encargos, Lista de Preços Unitários e Contrato de empreitada), juntos com a Petição Inicial, a fls. 25 a 123 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
3) Em 05/09/2009, foi celebrado o contrato referente à empreitada a que se refere no ponto anterior [facto não controvertido e cfr. doc. 4., junto com a Petição Inicial, a fls. 120 a 123 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais].
4) Na mesma data referida no ponto anterior, teve lugar a consignação dos trabalhos [facto não controvertido e cfr. doc. 6, junto com a Petição Inicial, a fls. 131 do processo físico, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
5) O contrato de empreitada referido em 3), tinha por objecto a execução de todos os trabalhos conducentes à construção dos edifícios que constituem o Centro Escolar da ……..., em Celorico de Basto, de acordo com o projecto, e demais elementos da solução da obra integrados no caderno de encargos, e tinha o valor de €2.488.997,16, acrescido de IVA à taxa de 5% [facto não controvertido e cfr. docs. 1, 2, 3 e 4, juntos com a Petição Inicial, fls. 25 a 123 do processo físico e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
6) O prazo de execução do contrato referido em 3) era de 360 dias, a contar da data de consignação da obra [facto não controvertido e cfr. docs. 1, 2, 4 e 5 (Plano de Trabalhos, o programa de mão-de-obra, o programa de equipamentos e o plano de pagamentos), a fls. 25 a 130 do processo físico, juntos com a Petição Inicial, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
7) A contagem do prazo referido no ponto anterior, foi feita de modo contínuo considerando-se incluídos todos os dias decorridos, incluindo sábados, domingos e feriados [facto não controvertido e cfr. docs. 1, 2 e 4, juntos com a Petição Inicial, a fls. 25 a 123 do processo físico, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
8) Em 04/12/2009, pelo Presidente da Câmara do Réu, foi proferido despacho que aprovou o Plano de Segurança e Saúde apresentado pela Autora, despacho esse comunicado à Autora nessa mesma data [facto não controvertido e cfr. doc. 7 (Ofício do Dono da Obra com Ref.ª 8804/2009, datado de 04/12/2009), junto com a Petição Inicial, a fls. 132 do processo físico, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devido efeitos legais].
9) Em 05/11/2010, a Autora, enviou comunicação ao Réu, em que solicitou a prorrogação do prazo de execução da obra, com fundamento em condições atmosféricas adversas [cfr. doc. junto com a contestação, a fls. 471 do processo físico, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
10) Na sequência da comunicação referida no ponto anterior, o Réu remeteu comunicação, para a Autora, com o seguinte teor:
«Em resposta à vossa carta em epígrafe, referindo que de acordo com o despacho do Sr. Presidente, datado de 9 de Março, a prorrogação de prazo requerida foi concedida, sem direito a qualquer reposição do equilíbrio financeiro». [cfr. doc. 9, junto com a Petição Inicial, a fls. 146 do processo físico, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
11) Em cumprimento do contrato de empreitada a que se refere no ponto 3), a Autora executou os trabalhos adjudicados, tendo o Réu procedido à elaboração dos seguintes autos de medição:
a) Auto n.º 01, com a data de 25/03/2010;
b) Auto n.º 02, com a data de 11/05/2010;
c) Auto n.º 03, com a data de 31/05/2010;
d) Auto n.º 04, com a data de 30/06/2010;
e) Auto n.º 05, com a data de 29/07/2010;
f) Auto n.º 06, com a data de 30/08/2010;
g) Auto n.º 07, com a data de 30/09/2010;
h) Auto n.º 08, com a data de 30/09/2010;
i) Auto n.º 09, com a data de 29/10/2010;
j) Auto n.º 10, com a data de 29/10/2010;
k) Auto n.º 11, com a data de 29/11/2010;
l) Auto n.º 12, com a data de 29/11/2010;
m) Auto n.º 13, com a data de 03/01/2011;
n) Auto n.º 14, com a data de 03/01/2011;
o) Auto n.º 15, com a data de 03/02/2011;
p) Auto n.º 16, com a data de 02/03/2011;
q) Auto n.º 17, com a data de 02/03/2011;
r) Auto n.º 18, com a data de 31/03/2011;
s) Auto n.º 19, com a data de 31/03/2011;
t) Auto n.º 20, com a data de 29/04/2011;
u) Auto n.º 21, com a data de 29/04/2011;
v) Auto n.º 22, com a data de 13/06/2011;
w) Auto n.º 23, com a data de 13/06/2011;
x) Auto n.º 24, com a data de 30/06/2011;
y) Auto n.º 25, com a data de 10/08/2011;
z) Auto n.º 26, com a data de 12/10/2011.
[facto não controvertido e cfr. docs. 11 a 36, juntos com a Petição Inicial, a fls. 148 a fls. 438 do processo físico, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
12) Na sequência da elaboração, dos autos de medição, a que se refere no ponto anterior, a Autora emitiu, e entregou ao Réu, as facturas a seguir descriminadas, e das quais o Réu não apresentou qualquer reclamação:
a) Factura n.º 2010/78, emitida em 26/03/2010, com vencimento em 25/05/2010;
b) Factura n.º 2010/125, emitida em 11/05/2010, com vencimento em 10/07/2010;
c) Factura n.º 2010/137, emitida em 31/05/2010, com vencimento em 30/07/2010;
d) Factura n.º 2010/166, emitida em 28/06/2010, com vencimento em 27/08/2010;
e) Factura n.º 2010/236, emitida em 31/07/2010, com vencimento em 29/09/2010;
f) Factura n.º 2010/249, emitida em 31/08/2010, com vencimento em 30/10/2010;
g) Factura n.º 2010/292, emitida em 14/10/2010, com vencimento em 13/12/2010;
h) Factura n.º 2010/293, emitida em 14/10/2010, com vencimento em 13/12/2010;
i) Factura n.º 2010/311, emitida em 31/10/2010, com vencimento em 30/12/2010;
j) Factura n.º 2010/312, emitida em 31/10/2010, com vencimento em 30/12/2010;
k) Factura n.º 2010/323, emitida em 29/11/2010, com vencimento em 28/01/2011;
l) Factura n.º 2010/324, emitida em 29/11/2010, com vencimento em 28/01/2011;
m) Factura n.º 2011/1, emitida em 03/01/2011, com vencimento em 04/03/2011;
n) Factura n.º 2011/2, emitida em 03/01/2011, com vencimento em 04/03/2011;
o) Factura n.º 2011/21, emitida em 03/02/2011, com vencimento em 04/04/2011;
p) Factura n.º 2011/35, emitida em 02/03/2011, com vencimento em 01/05/2011;
q) Factura n.º 2011/36, emitida em 02/03/2011, com vencimento em 01/05/2011;
r) Factura n.º 2011/54, emitida em 31/03/2011, com vencimento em 30/05/2011;
s) Factura n.º 2011/55, emitida em 31/03/2011, com vencimento em 30/05/2011;
t) Factura n.º 2011/71, emitida em 06/05/2011, com vencimento em 05/07/2011;
u) Factura n.º 2011/72, emitida em 06/05/2011, com vencimento em 05/07/2011;
v) Factura n.º 2011/98, emitida em 14/06/2011, com vencimento em 13/08/2011;
w) Factura n.º 2011/99, emitida em 14/06/2011, com vencimento em 13/08/2011;
x) Factura n.º 2011/110, emitida em 30/06/2011, com vencimento em 29/08/2011;
y) Factura n.º 2011/133, emitida em 11/08/2011, com vencimento em 10/10/2011;
z) Factura n.º 2011/166, emitida em 13/10/2011, com vencimento em 12/12/2011.
[facto não controvertido e cfr. docs. 11 a 36, juntos com a Petição Inicial, a fls. 148 a fls. 438 do processo físico e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
13) Em 10/08/2011, a execução da obra encontrava-se integralmente concluída e recepcionada provisoriamente [facto não controvertido e cfr. doc. 10 (Auto de recepção provisória), a fls. 147 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devido efeitos legais].
14) Em 21/10/2011, o Réu enviou, à Autora, através de ofício com Ref.ª 5644/2011, a conta final da empreitada, comunicando-lhe que poderia assinar, ou deduzir reclamação [facto não controvertido e cfr. doc. 37, junto com a Petição Inicial, a fls. 439 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
15) Na sequência da comunicação referida no ponto anterior, a Autora apresentou reclamação contra a conta final aí mencionada, com fundamento na omissão da mesma, quanto ao valor devido a título de revisão de preços [facto não controvertido e cfr. doc. 38, a fls. 444 a 450 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
16) Em 22/02/2012, na sequência da comunicação referida no ponto anterior, o Réu remeteu comunicação para a Autora, com o seguinte teor:
«(…)
«Conforme decorre do estipulado na cláusula 26.ª do Caderno de Encargos, e no ponto 6 do contrato, não há lugar à revisão de preços do contrato.
(…)»
[facto não controvertido e cfr. doc. 39, a fls. 451 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
17) No caderno de encargos do contrato de empreitada referido em 3), consta a seguinte cláusula:
«Cláusula 2.ª
Disposições por que se rege a empreitada
1- A execução do contrato de empreitada obedece:
a) Às cláusulas do Contrato e ao estabelecido em todos os elementos e documentos que dele fazem parte integrante;
b) Ao Decreto-lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro (Código dos Contratos Públicos, doravante “CCP”;
c) Ao decreto-lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, e respectiva legislação complementar;
d) À restante legislação e regulamentação aplicável, nomeadamente no que respeita à construção, à revisão de preços, às instalações do pessoal, à segurança social, à higiene, segurança, prevenção e medicina no trabalho e à responsabilidade civil perante terceiros;
e) Às regras da arte.
(…)»
[facto não controvertido e cfr. doc. 2 (Caderno de Encargos), junto com a Petição Inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
18) No caderno de encargos referido no ponto anterior, consta a seguinte cláusula:
«Cláusula 26.ª
Revisão de preços
Não há lugar a revisão dos preços contratuais, como consequência da alteração dos custos de mão-de-obra, de materiais ou de equipamentos de apoio durante a execução da empreitada».
[facto não controvertido e cfr. doc. 2 (Caderno de Encargos), junto com a Petição Inicial, a fls. 32 a 49 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
19) Na condição sexta do contrato de empreitada referido no ponto 3), consta que «O cálculo da revisão de preços é o estabelecido no Caderno de Encargos» [cfr. doc. 4 (contrato de empreitada), junto com a Petição Inicial, a fls. 120 a 123 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
20) O valor de capital decorrente da revisão de preços é de €53.247,51 (cinquenta e três mil duzentos e quarenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos) [Facto não controvertido, cfr. ata da audiência final a fls. 667 do SITAF, e doc. 40 junto com a Petição Inicial a fls. 452 a 462 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].

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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. No presente recurso de revista, o Réu/Recorrente Município de Celorico de Basto insurge-se contra o Ac.TCAN por este, confirmando a decisão de 1ª instância, do TAF/Braga, ter dado razão à Autora quanto à imperatividade legal da aplicação do regime da revisão ordinária de preços nos contratos de empreitada de obras públicas, como o aqui em causa.

Não tem, porém, razão, já que essa imperatividade resulta claramente do disposto no nº 1 do art. 382º do CCP (inserto no Capítulo I, “Empreitadas de obras públicas”, do Título II, “Contratos administrativos em especial”), o qual determina, sob a epígrafe “Revisão ordinária de preços”, que «(…) o preço fixado no contrato para os trabalhos de execução da obra é obrigatoriamente revisto (…)».

Esta norma inicia-se com o inciso «sem prejuízo do disposto nos artigos 282º, 300º e 341º», mas tal apenas quer significar que a imperatividade da aplicação a esses contratos do regime da “revisão ordinária de preços” não afasta - «não prejudica» - as regras aplicáveis aos contratos administrativos em geral pelas 3 normas mencionadas, isto é, relativas à “reposição do equilíbrio financeiro do contrato” (art. 282º), à “revisão de preços” (art. 300º) - neste caso excecionada, para os contratos de empreitadas de obras públicas, por aquela norma especial do art. 382º -, e à “partilha de benefícios” (art. 341º).

A referida norma do nº 1 do art. 382º do CCP termina com o inciso «nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com o disposto na lei», querendo significar que, sendo a “revisão ordinária de preços” de aplicação imperativa nos contratos em causa, a mesma efetua-se nos termos previstos no contrato e de acordo com o disposto na lei. Não significa, de modo nenhum, que, neste tipo de contratos, possa ser contratualmente afastada a sua aplicação (como sucedeu no caso dos presentes autos).

Se assim fosse, como defende o Recorrente, ficaria sem sentido a determinação de que o preço fixado «é obrigatoriamente revisto nos termos contratualmente estabelecidos», devendo, então, ter-se diferentemente determinado que o preço fixado «é revisto nos termos contratualmente estabelecidos».

Aliás, a ser como o Recorrente defende – não imperatividade da “revisão ordinária de preços” em contratos de empreitada de obras públicas – ficaria sem sentido algum a própria norma especial do art. 382º do CCP, que apenas existe para excecionar, neste tipo de contratos, o regime geral do art. 300º. Aplicar-se-ia, então, o regime desta norma: «só há lugar à revisão de preços se o contrato o determinar».

Não é, portanto, assim. Nos contratos, como o aqui em causa, de empreitada de obras públicas, o art. 382º do CCP determina a obrigatoriedade da revisão de preços, a efetuar-se nos termos previstos contratualmente e de acordo com o disposto na lei, e, na falta dessa previsão contratual, nos termos estabelecidos legalmente para obras da mesma natureza.

Os termos legais em questão são os constantes do DL nº 6/2004, de 6/1, o qual, não tendo sido revogado (cfr. art. 14º do DL 18/2008, de 29/1, que aprovou o CCP), se mantém em vigor, devendo entender-se como efetuadas para o CCP as menções nele efetuadas para o antecedente DL 59/99, de 2/3 (revogado “Regime jurídico das empreitadas de obras públicas”).

Na verdade, a imperatividade da revisão de preços em contratos de empreitadas de obras públicas já resultava, em termos idênticos aos do atual nº 1 do art. 382º do CCP, do nº 1 do art. 199º do DL 59/99, de 2/3, e, mesmo anteriormente, também em termos idênticos, dos antecedentes Regimes Jurídicos de Empreitadas de Obras Públicas – cfr. art. 179º nº 2 do DL nº 405/93 e art. 175º nº 2 do DL nº 235/86, de 18/8.

E, desde então, a reforçar tal imperatividade, também o DL nº 348-A/86, de 16/10 (estabelecendo o regime de revisão de preços das empreitadas de obras públicas) – diploma que apenas viria a ser revogado e substituído, sobre a mesma matéria, pelo aludido DL nº 6/2004, de 6/1 – prescrevia, nos nºs 1 e 3 do seu art. 1º que:
«1. O preço das empreitadas e fornecimento de obras que corram, total ou parcialmente, por conta do Estado, de associação pública, de instituto público, de autarquias locais, de empresas públicas de economia mista e concessionárias do Estado ou de outras entidades públicas fica sujeito a revisão (…);
3. A revisão será obrigatória e efectuada nos termos prescritos em cláusulas insertas nos contratos e, em qualquer caso, com observância do disposto no presente diploma».
O aludido DL nº 6/2004, de 6/1, veio prescrever, de modo semelhante ao DL 348-A/86, de 16/10, por si revogado e substituído, em termos que reforçam a imperatividade prevista no art. 199º nº 1 do DL nº 59/99 e, hoje, no art. 382º nº 1 do CCP.

Efetivamente, na sua redação original, de 2004, e uma vez que então se encontrava em vigor o DL nº 59/99, o DL nº 6/2004 veio expressar, nos nºs 1 e 2 do seu art. 1º, que:
«1. O preço das empreitadas de obras públicas a que se referem o DL nº 59/99, de 2/3, e o DL nº 223/2001, de 9/8, fica sujeito a revisão (…);
2. A revisão será obrigatória, com observância do disposto no presente diploma e segundo cláusulas específicas insertas no caderno de encargos e nos contratos (…);
3. No caso de eventual omissão do contrato e dos documentos que o integram relativamente à fórmula de revisão de preços, aplicar-se-á a fórmula tipo para obras da mesma natureza ou que mais se aproxime do objecto da empreitada».

A redação do nº 1 do art. 1º deste DL nº 6/2004, de 6/1, veio a ser alterada pelo DL nº 73/2021, de 18/8, passando o mesmo a prever que:
«1. O preço contratual das empreitadas de obras públicas a que se refere o artigo 97º do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao DL nº 18/2008, de 29/1, na sua redação atual (CCP), fica sujeito a revisão (…);».

Nestes termos, contrariamente ao alegado pelo Município Recorrente, dúvidas não há que a “revisão ordinária de preços” em contratos de empreitadas de obras públicas é imperativa e mantém-se imperativa, como claramente resulta hoje do art. 382º nº 1 do CCP e do art. 1º nºs 1 a 3 do DL nº 6/2004, apenas podendo os documentos concursais e os contratos prever a fórmula da sua realização, mas já não – contrariamente ao sucedido no presente caso – estabelecer a sua inaplicabilidade.

Deste modo, uma cláusula, como a utilizada no presente caso (cláusula 26ª do Caderno de Encargos), prescrevendo que “não há lugar a revisão dos preços contratuais” (transposta para o contrato, condição 6ª, aí se estipulando que “o cálculo da revisão de preços é o estabelecido no Caderno de Encargos”), é uma cláusula que contraria frontalmente norma legal imperativa.

Aliás, este é um entendimento estabilizado na doutrina.

Em anotação ao art. 300º do CCP («Revisão de preços») («Sem prejuízo do disposto nos artigos 282º, 341º e 382º, só há lugar vá revisão de preços se o contrato o determinar e fixar os respectivos termos nomeadamente o método de cálculo e a periodicidade»), refere Gonçalo Guerra Tavares, in “Comentário ao CCP”, Almedina, Janeiro/2019, págs. 708 e segs.:

«A revisão de preços tem origem “ex contratu” e não “ex lege”. É isso mesmo que se estabelece, como regra, neste artigo 300º do Código, prescrevendo-se que só há revisão de preços se o contrato o determinar expressamente, fixando os respectivos termos.
A referida regra comporta excepções, expressamente previstas nos artigos 282º, 341º e 382º do Código.
A primeira situação em que pode haver revisão de preços independentemente de previsão contratual ocorre no caso de reposição do equilíbrio financeiro do contrato nos termos do disposto no artigo 282º do Código.
Também poderá haver lugar a revisão de preços independentemente de previsão contratual nas parcerias público-privadas, nos termos previstos no artigo 341º do CCP, quando ocorrer um acréscimo anormal e imprevisível de benefícios financeiros para o cocontratante.
Por último, tal como decorre do disposto no artigo 382º do Código e no Decreto-Lei nº 6/2004 (de 6 de Janeiro), nas empreitadas de obras públicas há sempre revisão ordinária e obrigatória de preços».

E o mesmo Autor, na mesma obra, em anotação ao art. 382º (págs. 877/878), adita:
«Nas empreitadas de obras públicas há sempre revisão ordinária e obrigatória de preços, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 6/2004, não carecendo a mesma de previsão expressa no contrato.
Por outro lado, dado o carácter obrigatório da revisão de preços por força do disposto no mencionado Decreto-Lei nº 6/2004, entendemos não ser admissível uma renúncia do empreiteiro adjudicatário à revisão de preços, através do estabelecimento de uma cláusula de irrevisibilidade dos preços no próprio contrato (nesse mesmo sentido, Pedro Melo, “O Direito das Obras Públicas”, pp. 522 a 525).
A revisão faz-se, em princípio, de acordo com a fórmula de cálculo estabelecida no contrato.
Caso o contrato não estabeleça uma cláusula com o método de cálculo específico para a revisão de preços, aplica-se a fórmula tipo prevista no artigo 6º do Decreto-Lei nº 6/2004. Em todo o caso, devem ser sempre observadas as regras específicas previstas no mencionado diploma legal».

Por sua vez, o citado Autor Pedro Melo, na indicada obra “O Direito das Obras Públicas”, in “Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. IV” (Coord., Paulo Otero e Pedro Gonçalves), Almedina, Maio/2012, págs. 522 e segs., expressa:
«(…) 9.1 Relativamente à matéria atinente à revisão ordinária de preços, importa mencionar, desde logo, que não se registam alterações substanciais, pelo contrário, entre o (actual) artigo 382º do CCP e o (pretérito) artigo 199º do DL nº 59/99: a revisão ordinária de preços é obrigatória.
O que está em causa neste mecanismo é a revisão de preços no âmbito do desenvolvimento normal do CEOP; ou seja, está aqui em causa a possível modificação de preços do CEOP motivada pelo aumento corrente dos factores de produção empregues numa empreitada e não, portanto, a modificação de tais preços resultante de um qualquer evento anormal e/ou imprevisível que atinja tal contrato.
(…) Uma questão que se pode suscitar a respeito deste assunto, consiste em saber se, apesar do que prescreve o CCP (e, já anteriormente, prescrevia o DL nº 59/99), é legalmente admissível estatuir, no âmbito de um CEOP, uma cláusula que estipule que o preço desse contrato é irrevisível.
(…) Em relação a este tipo de estipulação contratual, há quem entenda que o mesmo é admissível, porquanto o empreiteiro pode renunciar à revisão de preços, dado estar em causa um direito subjectivo, logo, um direito disponível (portanto, um direito de que o seu titular pode livremente dispor).
Nesta perspectiva, advoga-se, o que não é admissível à luz dos preceitos legais invocados, é que o dono da obra estabeleça no caderno de encargos uma cláusula de irrevisibilidade do preço do contrato.
Ainda segundo este raciocínio, o dono da obra não pode fixar uma cláusula de irrevisibilidade do preço da empreitada no caderno de encargos, mas o empreiteiro pode renunciar à revisão de preços dos trabalhos a executar (porque este direito é um direito disponível, diz-se).
Discordamos desta interpretação. Na realidade, consideramos que o centro de gravidade desta problemática está indevidamente colocado: é que, sendo a imperatividade destas normas absolutamente manifesta, parece-nos incorrecto o argumento de que o direito do empreiteiro, no que concerne à revisão de preços, é disponível e que, por conseguinte, pode ser convencionado o seu afastamento do programa contratual gizado.
Isto porque, sublinhamos, sendo a regra legal em apreço imperativa, não está na disponibilidade das partes contemplá-la, ou afastá-la do CEOP, nem, de resto, conformá-la de modo diverso daquele que resulta da respectiva estatuição legal (em abono deste entendimento veja-se o disposto no artigo 51º do CCP).
Por outras palavras, sendo a norma legal em alusão de carácter marcadamente injuntivo, as partes de um CEOP estão vinculadas a observá-la.
Note-se que não é invocável o disposto no artigo 300º do CCP (incluído na parte geral do regime dos contratos administrativos), pois que, no âmbito de um CEOP, deve atender-se à regra especial, de obrigatoriedade da revisão ordinária de preços, prevista no artigo 382º do mesmo diploma.
Ademais, importa considerar o disposto no DL nº 6/2004, que explicitamente integra no seu âmbito objectivo de aplicação os contratos de empreitadas de obras públicas, e que, de igual modo, aponta no sentido da imperatividade da revisão ordinária de preços.
(…) Isto dito, e avançando no nosso raciocínio, admitimos que é possível destrinçar entre uma renúncia “ex ante” à revisão de preços e uma renúncia “ex post facto” a esse mecanismo contratual (portanto, já na pendência do CEOP); ou seja, entre uma renúncia anterior ou coeva com a celebração do contrato e uma renúncia à revisão de preços que ocorra durante a plena vigência do CEOP.
Efectivamente, ao passo que a renúncia à revisão de preços do CEOP em momento anterior ou simultâneo com a celebração do contrato (a situação comum), não deve ser, em nossa opinião, considerada válida (pelas razões acima enunciadas), já a renúncia durante a execução desse mesmo contrato será, para nós e por princípio, lícita.
É que, nesta última situação, o empreiteiro poderá considerar que, não obstante lhe assista o direito a rever os preços da mão-de-obra ou dos materiais e equipamentos a utilizar na empreitada, tal revisão poderá ser dispensada sem que isso constitua uma dificuldade desproporcionada e lesiva em termos da sua expectativa inicial ao celebrar o CEOP. Mas, note-se bem, são casos distintos, uns e outros».

Também Luiz S. Cabral de Moncada, in “O Contrato Administrativo e a Autoridade da Administração”, “Quid Juris?”, Abril/2021, pág. 263:
«Na empreitada de obra pública e de acordo com o art. 382º, o preço é mesmo obrigatoriamente revisto (por força da lei) mas os termos desta revisão são os estabelecidos pelo contrato só intervindo certos critérios legais de revisão do preço – constantes do Decreto-Lei nº 6/2004, de 6/1, extensivo aos contratos de aquisição de bens e serviços – na falta de “estipulação contratual”».

Ainda Jorge Andrade da Silva, in “CCP Anotado e Comentado”, Almedina, Julho/2021, 9ª edição revista e atualizada, págs. 1008 a 1011:
«(…) o Anteprojeto deste CCP, para esta disposição [art. 382º], previa uma disposição com o nº 3 do seguinte teor: “Independentemente do procedimento adoptado para a formação do contrato, os concorrentes podem, nas suas propostas, renunciar, total ou parcialmente, à revisão”. Também esta disposição não passou no texto definitivo. Sem embargo, estamos no domínio dos direitos disponíveis e, portanto, aquele direito é renunciável. Só que, em nosso entender, essa renúncia declarada na fase da formação pelo concorrente é irrelevante ou mesmo ilegal dada a imperatividade do regime da revisão obrigatória dos preços, pelo que se tem de considerar como não escrita não tendo influência na tramitação procedimental e na adjudicação. Durante a sua execução já o empreiteiro é livre de renunciar à revisão. Por outro lado, parece constituir entendimento geral o de que a entidade adjudicante não pode validamente estabelecer no caderno de encargos uma cláusula de irrevisibilidade do preço, pois que este preceito impõe a revisibilidade. Consequentemente, também não poderá, em caso algum, tal renúncia constituir “atributo da proposta” para efeitos de avaliação e valoração daquela, para efeitos de adjudicação.
(…) O regime legal da revisão ordinária de preços foi estabelecido pelo Decreto-Lei nº 6/2004, de 6 de janeiro.
Na data em que estas linhas são escritas [Julho/2021], está para aprovação um projeto de decreto-lei de alteração daquele diploma legal [viria a ser o Decreto-Lei nº 73/2021, de 18/8, já supra referido]».

10. Temos, pois, como assente – contrariamente ao alegado pelo Recorrente -, a imperatividade/injuntividade da obrigatoriedade do mecanismo da revisão ordinária de preços no âmbito dos contratos de empreitadas de obras públicas, o que resulta claramente quer do disposto no art. 382º do CCP quer no art. 1º do DL nº 6/2004.

E, consequentemente, da invalidade de uma cláusula, como a utilizada no presente caso, constante do caderno de encargos e/ou do contrato, prevendo uma irrevisibilidade ordinária dos preços, em frontal ofensa a tais normas imperativas/injuntivas.

Como também, pela mesma razão, temos por assente a ineficácia de uma eventual “renúncia” do empreiteiro – ao menos “ex ante” ou, mesmo, contemporânea da celebração do contrato.

Sendo assim, não tem sentido a invocação, pela Recorrente, de uma suposta atuação “em abuso de direito” (“venire contra factum proprium”) por parte do empreiteiro ao vir exigir, agora, em sede de execução (pagamento) do contrato, uma quantia a título de “revisão ordinária de preços” quando, anteriormente, aquando da sua participação concursal e, depois, aquando da celebração do contrato, “aceitou” a não aplicação, no caso, da “revisão de preços”, a ele tendo, pois, tacitamente “renunciado”.

Porém, sendo essa suposta “renúncia”, por parte do empreiteiro, em tais momentos, totalmente ineficaz por contrária a lei imperativa, por ser a própria cláusula de irrevisibilidade em questão, prevista no caderno de encargos e no contrato, inválida por frontal ofensa a norma legal imperativa, está fora de causa a relevância da conduta “ex post” do empreiteiro como podendo qualificar-se como “em abuso de direito”. É que o “venire contra factum proprium” pressupõe que a conduta antecedente (alegadamente contraditada por atuação posterior “abusiva”) era livre e legalmente permitida, em suma válida. O que aqui, como vimos, não sucede.

E torna-se evidente que, a este propósito, não tem também razão o Município Recorrente quando defende que o ato de adjudicação estava dependente de uma “condição”: a aceitação da cláusula de não irrevisibilidade; e que, portanto, o contrato só foi adjudicado à Autora/recorrida por esta ter aceite aquela “condição”.

É que, como é óbvio, uma entidade pública não pode subordinar a adjudicação de um contrato administrativo à aceitação, por parte dos concorrentes, e especificamente do concorrente vencedor, de uma cláusula frontalmente ofensiva de norma legal imperativa (isto é, de uma “condição” «contra legem»). Desde logo, porque tal ofenderia o princípio de legalidade a que a Administração Pública está sujeita no desenvolvimento da sua atividade (cfr. art. 3º do CPA e art. 266º nº 2 da CRP).

11. Argumenta, também, o Recorrente que, entendendo que a cláusula de irrevisibilidade constante do art. 26º do Caderno de Encargos era inválida, teria a Autora/Recorrida que ter impugnado tal documento do concurso, ao abrigo do disposto no art. 103º do CPTA e no prazo de caducidade previsto (de um mês, art. 101º), o que, não tendo sucedido, teria tido como consequência a sanação dessa eventual invalidade.

E, do mesmo modo, teria a Autora/Recorrida de ter impugnado, em prazo, a correspondente cláusula contratual, o que também não fez, importando considerar – segundo diz – que está em causa mera anulabilidade, como decorre do regime regra constante do nº 1 do art. 284º do CCP («Os contratos celebrados com ofensa de princípios ou norma injuntivas são anuláveis»).

Mas não tem a Recorrente, também aqui, qualquer razão.

Desde logo, a Recorrente esgrime o entendimento errado de que a impugnação dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual prevista no art. 103º do CPTA é uma obrigação e não uma faculdade, pelo que a sua não utilização impediria qualquer posterior impugnação de ato com fundamento em invalidade de disposição contida no programa do concurso – designadamente, o ato de adjudicação ou, mesmo, uma consequente cláusula contratual.

Que a solução é, precisamente, a inversa, dizem-no os próprios autores Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, invocados pela Recorrente, in “Comentário ao CPTA”, Almedina, 5ª edição, 2021 (anotação 6 ao art. 103º, a págs. 876/877):
«(…) Trata-se, na verdade, de uma faculdade, cujo não exercício não preclude a possibilidade – “rectius”, o ónus – da impugnação dos atos administrativos que venham a dar aplicação concreta ao que naqueles documentos se encontra determinado.
(…) A possibilidade de impugnação direta dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual, constituindo uma modalidade inovadora de tutela preventiva, em aplicação da Diretiva recursos, dirigida a procurar evitar a prática de atos administrativos lesivos no decurso do procedimento, não arreda, pois, o princípio geral da impugnabilidade dos atos de aplicação ou de execução de normas regulamentares ilegais, fundado no pedido de apreciação “incidental” da ilegalidade das normas aplicadas».

Mas esta questão é, porém, inconsequente, uma vez que o que aqui está em causa não é uma questão de contencioso pré-contratual, mas sim uma controvérsia, em sede de execução do contrato, entre o empreiteiro e o dono da obra relativamente à conta da obra executada, especificamente quanto à possibilidade de aplicação, ou não, de “revisão ordinária de preços” do contrato.

É certo que tal controvérsia tem origem numa cláusula – inválida (como já vimos) – inserta no caderno de encargos e no contrato. Porém, carecendo de sentido a impugnação do ato de adjudicação por parte da Autora (pois que esta era a adjudicatária) e não se divisando, aquando da celebração do contrato pela Autora/adjudicatária, um então real e atual interesse desta na impugnação do contrato ou da cláusula em causa (já que era obviamente impossível saber, então, e de antemão, da concreta necessidade de revisão dos preços de um contrato ainda por executar), o litígio centra-se, pois, exclusivamente, no momento e a propósito do apuramento da conta da empreitada.

12. Como vimos, argumenta, também, o Município Recorrente que o contrato estaria sanado uma vez que, estando em causa uma invalidade determinante de mera anulabilidade, nos termos do nº 1 do art. 284º do CCP («Os contratos celebrados com ofensa de princípios ou norma injuntivas são anuláveis»).

Mas não tem razão, por dois motivos: em primeiro lugar, e desde logo, porque sempre estaria em causa uma invalidade determinante de nulidade da cláusula em questão (do caderno de encargos e contratual); em segundo lugar, e relevantemente só por si, porque, em qualquer caso, está em causa, como se viu, uma reação do empreiteiro contra a posição do dono da obra a propósito da conta final do contrato executado - reação que foi exercida nos termos e no momento apropriados, legalmente previstos.

Vejamos estas duas questões.

Embora seja certo que o nº 1 do art. 284º prevê o regime regra da anulabilidade em consequência de ofensa de princípios ou norma injuntivas, o CCP prevê casos específicos de nulidade. E, com relevo para a situação aqui em discussão, o seu art. 51º determina – como já notara, a propósito, o Autor Pedro Melo supra citado – que «as normas constantes do presente Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes».

Sobre o art. 51º do CCP refere Pedro Costa Gonçalves (in “Direito dos Contratos Públicos”, 4ª ed., a págs. 647 e segs.) que este preceito:
«parece ter o propósito de fornecer um critério prático para a resolução imediata, não judicial, de uma antinomia (normativa) entre as normas legais do Código e as disposições das peças do procedimento, no sentido de, neste caso, determinar a aplicação preferencial da norma legal, impondo a não aplicação da disposição ilegal da peça do procedimento.
(…) Quer dizer, o preceito agora em análise importa uma restrição ao imperativo que impende sobre a entidade adjudicante de, durante a formação do contrato (mas também no momento da execução, quando esteja em causa a “eficácia posterior”) observar ou respeitar as cláusulas constantes das peças procedimentais».

E segundo Jorge Andrade da Silva (in “CCP Anotado e Comentado”, Almedina, 9ª ed., 2021, a pág. 250):
«(…) resulta do preceito [art. 51º] que são inválidas quaisquer prescrições das peças do procedimento que contrariem as normas imperativas do CCP sobre a formação e execução dos contratos. (…) Essa invalidade traduz-se, sempre e em qualquer caso, na sua nulidade, sendo, portanto, substituídas pelas violadas disposições do CCP».

E como explicita, relativamente a esta norma do art. 51º do CCP, Margarida Olazabal Cabral (in “O Concurso Público no CCP”, Estudos de Contratação Pública, Vol. I, Almedina, 2008, a pág. 223):
«(…) dela resulta que o legislador não quis apenas traçar o caminho ao aplicador mas quis, para além disso, fulminar com a nulidade qualquer veleidade deste de ir por rumos distintos».

Seja, porém, como for, a verdade é que – relevantemente, só por si, como acima já frisámos - a Autora/Recorrida (empreiteira) reagiu, adequada e tempestivamente, contra a oposição do Município Recorrente (dono da obra) de ver admitida, na conta final do executado contrato de empreitada, a revisão ordinária de preços, fazendo-o nos termos e momento apropriados, previstos no nº 1 do art. 401º do CCP; e sustentando, adequadamente, que a oposição do dono da obra (a ver incluída na conta final a revisão ordinária dos preços) era inválida por basear-se numa cláusula inaplicável, por ter de considerar-se substituída pelo disposto – “prevalecentemente” - no nº 1 do art. 382º do CCP, como impõe o art. 51º do mesmo CCP – cfr. facto 15 da matéria de facto dada como provada pelas instâncias (supra, ponto 8).

*

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Negar provimento ao presente recurso jurisdicional de revista deduzido pelo Réu/Recorrente “Município de Celorico de Basto”, mantendo, assim, o Ac.TCAN recorrido.

Custas a cargo do Réu/Recorrente.

D.N.

Lisboa, 4 de novembro de 2021 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.