Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0227/18.9BEVIS
Data do Acordão:05/04/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
CLASSIFICAÇÃO DE IMÓVEL
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
CADUCIDADE
COMUNICAÇÃO
Sumário:I - Deve ser indeferida a realização da perícia requerida pela parte se as questões indicadas para integrar o seu objeto não são questões de facto ou não são pertinentes para a decisão a proferir;
II - Não há erro na classificação de um prédio como terreno para construção se para ele foi solicitada e concedida licença de construção ou admitida comunicação prévia, ainda que não tenham sido pagas as taxas devidas pelo levantamento do alvará ou título equivalente, a construção não tenha sido iniciada e o prédio continue a ser utilizado para exploração agrícola;
III - Não padece de falta de fundamentação o ato de avaliação que, indicando as coordenadas de localização do imóvel, atribua o coeficiente de localização que resulta de portaria.
Nº Convencional:JSTA000P29335
Nº do Documento:SA2202205040227/18
Data de Entrada:04/13/2021
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……., S.A., contribuinte fiscal n.º …., com sede em ….., 3505-… Viseu, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão interlocutória que indeferiu a perícia requerida nos presentes autos de impugnação judicial dos atos de avaliação do imóvel inscrito na matriz predial da Freguesia de Fragosela sob o artigo urbano …., que correram termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

1 - O objeto da realização da prova pericial é pertinente e fundamental na apreciação do ato impugnado.

2 - Pois, o objetivo da perícia é apurar no local, por inspeção direta e por recurso a peritos, se o prédio em causa é um terreno rústico, ou se é um terreno para construção, e em caso afirmativo, apurar se existe alguma construção, e em caso negativo, apurar os elementos (áreas, coeficientes de localização, afetação, vetustez, conforto e qualidade) para a quantificação do valor e ainda apurar as condições para ser classificado como “outros”.

3 - Que no entender da recorrente, são questões de facto, sobre os quais os peritos devem realizar a prova requerida.

4 - A realização da prova pericial é o meio de prova na descoberta da verdade material.

5 - A prova pericial deve ser considerada aos autos, cf. Art.º 388º e 389º do Código Civil.

6 - Foram assim violadas as normas constantes dos Artigos 108º, n.º 3 e 116º do CPPT.

7 - A rejeição da realização da prova pericial dificulta a recorrente de fazer prova nomeadamente sobre a classificação do prédio em causa, com a consequente errónea quantificação e excesso da capacidade contributiva.

8 - A recorrente, face à douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, fica coarctada na sua posição processual em clara violação do princípio da igualdade das partes na sua acepção substancial, violando-se desta forma também o Art.º 4º do atual CPC.

Pediu fosse a douta decisão recorrida revogada e substituída por outra que admitisse a realização da requerida prova pericial.

A Fazenda Pública não contra-alegou.

O recurso foi admitido com subida nos autos e com o recurso que fosse interposto da decisão final. Foi-lhe ainda atribuído efeito devolutivo.

No prosseguimento dos autos, veio a mesma Recorrente a recorrer da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a referida impugnação judicial.

Com a interposição deste recurso apresentou também alegações e formulou as seguintes conclusões:

I - A prova testemunhal requerida devia ter sido admitida pelo tribunal a quo (ao abrigo das disposições conjugadas dos Art.º 392º do C.Civil e Art.º 118º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).

II - A perícia requerida deveria ter sido realizada, visto que se revelava um meio de prova essencial e necessário, dado que, no caso, eram imprescindíveis conhecimentos especiais, técnicos, para aferir o caso concreto, ao abrigo do disposto no Art.º 116º do CPPT e Art.º 388º e 389º do C. Civil.

III - O prédio em causa nos autos não é um terreno para construção à luz dos princípios da igualdade, equidade horizontal e capacidade contributiva, conforme o disposto nos Art.º 13º, 104º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e 4º, n.º 5 e 55º da Lei Geral Tributária (LGT), e Art.º 6º, n.º 3 do CIMI.

IV - O terreno está e continua a estar reservado a exploração agrícola, pois encontra-se implantado no mesmo uma vinha, cf. resulta do facto provado em O do probatório da sentença recorrida,

V - Pois a recorrente desistiu de construir o lar, conforme resulta dos factos provados na sentença recorrida, nomeadamente em L: “(…) jamais pagou as taxas urbanísticas, desistiu de fazer o lar”.

VI - Até à data da impugnação ainda não tinha sido iniciada, nem concluída, qualquer construção, cf. como consta em N dos factos provados da sentença recorrida.

VII - Existe errónea classificação do prédio como terreno para construção, pelo facto da presunção estabelecida no n.º 3 do Art.º 6º do CIMI, da mera potencialidade de construção, com base numa licença de construção, ter sido destruída, por caducidade, devido ao não pagamento das taxas, da desistência de construção e da manutenção da afetação à atividade rural, conforme Art.º 73º da LGT.

Por outro lado;

VIII - Quanto ao vício de violação da lei e manifesto excesso da capacidade contributiva, na avaliação do terreno em causa;

IX - A douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento, pois;

X - A avaliação impugnada enferma de violação da lei, por violação da capacidade contributiva, porquanto, ao contrário do que sucede no caso da avaliação dos prédios da espécie “Outros”, a que se refere o Art.º 46º do CIMI, em que há uma remissão expressa para as regras gerais do Art.º 38º, no caso dos terrenos para construção, a avaliação é feita nos estritos termos do Art.º 45º do CIMI, com o consequente afastamento dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, segundo o entendimento que tem vindo a ser sufragado pela jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.

XI - Pois, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3, do Art.º 45º do CIMI.

XII - E, na determinação do VPT dos terrenos para construção, há que observar o disposto no Art.º 45º do CIMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (Cq).

XIII - O Art.º 45º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do VPT dos terrenos para construção.

XIV - O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do VPT contidos na expressão matemática do Art.º 38º do CIMI com que se determina o VPT dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação, não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).

XV - Subsidiariamente, existe vício de falta de fundamentação, na aplicação do coeficiente de localização de 0,70, ao terreno em causa, cf. Art.º 77º, da LGT, 153º, do CPA e 268º, n.º 3, da CRP.

XVI - No caso em análise, não se encontram explicadas que características em concreto do terreno em questão terão contribuído para que lhes tivesse sido atribuído um coeficiente de localização de 0,70.

XVII - Do que fica dito, resulta, salvo melhor opinião, que a avaliação em apreciação não explicita as características dos imóveis, elencadas nas alíneas a) a d) do n.º 3 do Art.º 42º do CIMI, que contribuíram para a fixação do coeficiente de localização em 0,70.

XVIII - Estamos assim perante o vício de insuficiência de fundamentação e de violação do Art.º 42º, n.º 3, alíneas a) a d), do CIMI.

XIX - O mesmo se diga quanto ao percentual de 15% atribuído ao valor dos terrenos, em relação ao valor das edificações passíveis de neles serem construídas.

XX - Pelo que deve ser decretada, sem mais, a anulação do ato tributário recorrido.».


Pediu fosse revogada a sentença recorrida e fosse a mesma substituída por outra que, apreciando os vícios e erros alegados, anulasse o ato de avaliação.

Mais uma vez, a Fazenda Pública, não contra-alegou.

Este recurso foi admitido, mas para o Tribunal Central Administrativo Norte, tendo-lhe sido atribuída subida imediata nos próprios autos e tendo-lhe sido fixado efeito devolutivo.

Por decisão sumária, a Ex.ma Senhora Desembargadora Relatora ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo, por entender que a admissão deste recurso para aquele outro Tribunal resultou de um lapso da primeira instância.

Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer que, dado o seu manifesto interesse para a decisão, aqui se transcreve parcialmente:

«(…) Os quesitos apresentados para efeitos de realização da prova pericial ( anexados à PI) foram os seguintes:

“1. – Diga se o prédio em causa é um terreno rústico?

2. – Diga se o prédio em causa é um terreno para construção?

3. – Diga se existe no terreno em causa alguma construção?

4. – Se não diga que elementos pode descrever sobre o terreno em causa?

5. – Diga quais as condições para ser classificado como “outros”

Como consta do douto despacho recorrido a prova pericial tem por finalidade a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.

Ora, a apreciação da factualidade constante dos quesitos formulados são susceptíveis de ser percepcionados pelo julgador, não exigindo conhecimentos especiais.

Aliás, analisada a sentença sob recurso, o que se verifica é que os factos constantes dos quesitos que a Recorrente pretendia provar com a perícia foram dados como provados na douta sentença recorrida.

Em consequência, embora seja da competência do TCA o recurso que tem por objecto “ … decisão sobre a realização de diligências de prova e a sua escolha, sobre a pertinência e a utilidade daquela diligência de prova para a descoberta da verdade, situa-se no âmbito da actividade jurisdicional destinada à fixação da matéria de facto, consubstanciando uma actividade que não tem a ver com a interpretação de qualquer norma legal, mas que exige apenas a aplicação de regras da experiência e poderes de cognição no domínio da matéria de facto “(cfr. douto Acórdão do STA de 12-02-2015, 01090/12), no caso em apreço, torna-se inútil a remessa àquele Tribunal, devendo ser negado provimento ao recurso do interlocutório.

Quanto ao recu[r]so interposto da sentença que julgou a impugnação improcedente:

De acordo com as conclusões do recurso, começa a Recorrente por afirmar que “A prova testemunhal requerida devia ter sido admitida pelo tribunal a quo (ao abrigo das disposições conjugadas dos Art.º 392º do C.Civil e Art.º 118º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).

Sobre tal matéria, invoca o Recorrente no ponto 5 das suas Alegações de recurso que “entende a recorrente que a prova testemunhal era o meio para demonstrar cabalmente o alegado nos autos” e no ponto 16 “… Entende a recorrente que, se as provas testemunhal e pericial tivessem sido admitidas e realizadas, os factos dados como não provados na sentença recorrida teriam sido julgados como provados…” .

O douto despacho proferido em 28-05-2019, considerou desnecessária a produção da prova testemunhal “ … Tendo em conta a factualidade alegada, os documentos juntos aos autos e considerando as soluções possíveis de direito, afigura-se ser desnecessária a produção de prova testemunhal porquanto a factualidade subjacente ao litígio e necessária à prolação da decisão se encontra incontrovertida e apoiada em prova documental já junta aos autos, sendo a questão a apreciar apenas de direito…”.

Como se escreveu, nomeadamente, no douto Acórdão do STA proferido em 17-02-2016,081/16:

“I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do art. 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 201º e segs. do CPC, ou do artº 195º do mesmo compêndio normativo (alegada nulidade que influi decisivamente no exame e decisão da causa) na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção (artº 113º nº 1 do CPPT); pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório. (assim se decidiu no Ac. deste STA de 27/11/2013 tirado no rec. 01159/09).”

Apesar da Recorrente invocar que a prova testemunhal “era o meio para demonstrar cabalmente o alegado nos autos” e que “se a prova testemunhal tivesse sido admitida e realizada, os factos dados como não provados na sentença recorrida teriam sido julgados como provados” não indica que factualidade, em concreto, assumiria pertinência como provada, através da prova testemunhal.

Por outro lado, o certo é que analisada a sentença recorrida não se vislumbra terem sido dados como não provados factos por alegado incumprimento do ónus probatório da Recorrente.

Tendo em conta a forma como o Recorrente configurou a acção, a factualidade subjacente ao litígio e necessária à prolação da decisão reconduz-se a prova documental pelo que se nos afigura ter sido correta a decisão de considerar desnecessária a produção da prova testemunhal.

Questão distinta será a de saber se a matéria constante do probatório é ou não suficiente para permitir um correcto julgamento do litígio.

Como resulta da matéria fáctica assente o prédio em causa era rústico e foi inscrito oficiosamente em 25 de Janeiro de 2016 como terreno para construção porque foi verificada a existência de um projeto para a construção de um lar e creche, em resultado de um pedido de licenciamento recepcionado na Câmara Municipal de Viseu em 17-07-2007, cujo licenciamento foi aprovado em 27/04/2009 e notificado ao requerente em 07/05/2009 sendo que já em 22-04-2008 tinha sido aprovado pelo Instituto da Segurança Social - Centro Distrital de Viseu, o projeto de arquitetura relativo à construção do Lar da 3.ª Idade e Creche, decisão que foi notificada ao sujeito passivo em 13-05-2008 ( cfr. B. a F. do probatório).

E, na sequência, daquela inscrição oficiosa tal prédio foi avaliado como terreno para construção, de acordo com G. a M. do probatório.

É certo, que no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, devem, de acordo com o artº 6º, nº 3 do CIMI, ser considerados como tal os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo.

No entanto, no caso em apreço, tendo em conta a data que mediou entre a aprovação do licenciamento (2009) e a data da inscrição oficiosa (2016) e resultando provado, não terem sido pagas quaisquer taxas urbanísticas nem ter sido executada nenhuma edificação no imóvel, mantendo-se o imóvel sempre afecto à produção de vinho entre outras plantações, em face a do teor dos artigos 71º a 76º do RJUE, para um correcto julgamento impunha-se que constasse do probatório informação actualizada da respectiva CM sobre o efectivo estado da licença para construção, nomeadamente, à data da inscrição oficiosa do imóvel como terreno para construção pois só assim seria possível saber se a pretensão da Recorrente fora ou não anulada por falta de pagamento da respectiva taxa ou se, pelo contrário, tal licença se mantinha activa à data da inscrição oficiosa.

Assim, salvo melhor juízo, a douta sentença recorrida padece de défice instrutório, devendo

ordenar-se a baixa do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto nos termos supra referidos, após a realização das diligências probatórias necessárias e posterior decisão da causa.

Pelo exposto, emito parecer no sentido de dever:

- ser negado provimento ao recurso interlocutório;

- ser concedido provimento ao recurso interposto da sentença, ordenando-se a baixa do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto nos termos supra referidos, após a realização das diligências probatórias necessárias e posterior decisão da causa.».

Foram dispensados os vistos legais, pelo que cumpre decidir.


◇◇◇

2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância.

◇◇◇

3. Nos autos, foram interpostos dois recursos para o Supremo Tribunal Administrativo: o recurso de uma decisão interlocutória que indeferiu a realização da prova pericial requerida com vista a demonstrar que o prédio avaliado não é um «terreno para construção» e o recurso da decisão final que julgou improcedente a impugnação judicial da avaliação desse prédio como «terreno para construção».

Como bem refere a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer (que acima transcrevemos), merece prioridade o conhecimento do recurso do despacho interlocutório, porque a eventual decisão e provimento desse recurso implica a anulação do processado ulterior e, por conseguinte, também da sentença subsequente.

Está em causa nesse recurso o indeferimento do requerimento de prova pericial, formulado na parte final da douta petição inicial para reposta aos seguintes quesitos:

1. – Diga se o prédio em causa é um terreno rústico?
2. – Diga se o prédio em causa é um terreno para construção?
3. – Diga se existe no terreno em causa alguma construção?
4. – Se não diga que elementos pode descrever sobre o terreno em causa?
5. – Diga quais as condições para ser classificado como “outros”

O despacho interlocutório recorrido tem o seguinte teor:

A prova pericial por finalidade a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial [cfr. art.º 388.º do CC] e só pode versar factos que sejam imediatamente percetíveis aos peritos.

Os quesitos indicados para este meio probatório pela Impugnante constituem questões de direito que incumbe ao Tribunal aquilatar e não aos peritos.

Efetivamente, saber se o prédio em causa deve ser qualificado como prédio rústico, terreno para construção, ou as condições para ser classificado como "terreno - outros" são questões de direito e não a apreciação de factos.

Acresce que saber se o imóvel se encontra edificado ou o que nele se encontra (im)plantado não carece de especiais conhecimentos que o Tribunal não possa lobrigar.

Em face do exposto, indefiro a peticionada prova pericial.

Notifique.

A Recorrente não concorda com tal decisão por entender, na essência, que as questões que suscitou são questões de facto (pelo que a prova é legal) e que está em causa apurar os elementos necessários para a qualificação do prédio e para a quantificação do seu valor (pelo que a prova é pertinente e necessária) – conclusões 1 a 4.

Ademais, considera que a rejeição da prova dificulta o seu direito à prova e coarta a sua posição processual, em clara violação do princípio da igualdade das partes – conclusões 7 e 8.

Comecemos pelas questões de saber se o objeto da prova é legal e se a prova requerida é pertinente ou necessária.

Como se sabe (e resulta do artigo 475.º do Código de Processo Civil), a perícia incide sobre questões de facto.

Ora, a questão de saber se o prédio em causa é um terreno rústico (1.º quesito) ou um terreno para construção (2.º quesito) não é uma questão de facto.

Porque para responder a esta questão não basta indagar se um determinado facto ocorreu: importa também interpretar determinadas regras de direito.

Na verdade, não conseguimos aferir se determinado prédio deve ser classificado como prédio rústico ou como terreno para construção sem primeiro consultar e interpretar as normas que dispõem sobre o que se deve entender por «prédios rústicos» ou por «terrenos para construção» - artigos 3.º e 6.º, n.º 3, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

Assim, ao integrar no objeto da perícia a questão de saber se um determinado prédio é (deve ser classificado como) um prédio rústico ou uma espécie de prédio urbano, a Recorrente está remeter para o perito a resposta a uma verdadeira questão de direito.

Por maioria de razão, constitui verdadeira questão de direito a de saber quais as condições para determinado terreno deve ser classificado como um prédio urbano da espécie «outros» (5.º quesito).

Porque a responder a essa questão não importa narrar nem valorar factos. Importa apenas consultar e interpretar a lei e o n.º 4 do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis em particular.

Assim sendo, o Mm.º Juiz a quo teve toda a razão ao concluir que nestes quesitos se encerram verdadeiras «questões de direito que incumbe ao Tribunal aquilatar e não aos peritos». Porque a função do perito é narrar, interpretar e valorar factos, e não a de julgar as questões de direito. O perito não é um árbitro e não se substitui ao juiz na sua função de dizer o direito.

Já serão verdadeiras questões de facto as de saber se existe no terreno alguma construção ou de saber qual é a sua verdadeira composição (3.º e 4.º quesitos).

Em contrapartida, as questões neles suscitadas não têm nenhum relevo para a decisão a proferir.

Não tem nenhum relevo para a decisão a proferir sobre a classificação do prédio, porque decorre dos autos que a administração não o classificou como terreno para construção por nele existir alguma construção ou por ter determinadas características físicas, mas por ter sido autorizada pela edilidade uma construção.

Não tem nenhum relevo para a proferir a propósito da avaliação do prédio, porque decorre dos autos que não está nem nunca esteve em causa o apuramento dos dados quantitativos que concorreram para a sua avaliação, mas saber se determinados coeficientes, em si mesmos, concorrem para essa avaliação.

E, assim sendo, embora as questões suscitadas nestes dois quesitos (o 3.º e o 4.º) sejam legais, não são pertinentes.

E sendo estas as (duas) únicas questões que restavam do objeto da prova proposto pela ora Recorrente, é de concluir que é a própria diligência que não é pertinente. O que, por si só, sustenta a legalidade do seu indeferimento, mesmo dentro dos parâmetros legais do processo civil – ver o artigo 476.º, n.º 1, do Código respetivo.

Sempre se dirá que o Mm.º Juiz a quo também teve toda a razão ao concluir que as questões suscitadas nestes quesitos não reclamam conhecimentos técnicos especializados, nem se justifica que sejam confiadas a um perito. E a Recorrente também não alega nada que contraponha a esta conclusão.

E, assim sendo, a realização da perícia também não seria necessária. Pelo que teria que ser indeferida a coberto do artigo 116.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Passemos, então, para a questão de saber se a rejeição da prova, nestas circunstâncias, dificulta o direito da Recorrente de fazer a prova e coarta a sua posição processual, em clara violação do princípio da igualdade das partes – conclusões 7 e 8.

Parece-nos evidente que não.

Por um lado, o direito à prova não é absoluto e não é incompatível com a imposição de certos limites que, estando previstos na lei, sejam materialmente justificados e respeitem o princípio da proporcionalidade – ver, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 13 de abril de 1988 e de 13 de julho de 2004 (acórdãos n.ºs 86/88 e 504/04, respetivamente).

Ora, é materialmente justificado e proporcionado que o esforço instrutório do tribunal seja reconduzido às provas e aos meios de prova que sejam necessários ou pertinentes para a decisão. Aliás, a realização de provas desnecessárias e impertinentes redundaria na realização e atos inúteis e, por isso, até proibidos por lei.

Por outro lado, a limitação das provas admissíveis às que sejam necessárias e pertinentes não é suscetível de contender com a posição substancial da Recorrente, visto que que o indeferimento das provas desnecessárias e impertinentes também não pode afetar o reconhecimento dos direitos que a Recorrente se arroga no processo.

De todo o exposto decorre que este recurso não merece provimento.

4. Passemos à análise do recurso da decisão final que julgou improcedente a impugnação judicial da avaliação do prédio como «terreno para construção».

Está em causa saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu incorreu em erro de julgamento ao concluir pela validade da inscrição do prédio e da sua avaliação como «terreno para construção».

A Recorrente entende, quanto à classificação do prédio, que nunca poderia ter sido como tal classificado, porque nunca nele foi construído nenhum imóvel e porque a Recorrente desistiu de nele construir (conclusões “III” a “VII”).

E entende, quanto à avaliação do prédio, que os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto não relevam para a determinação do valor patrimonial tributário dos «terrenos para construção» (conclusões “VIII” a “XIV”).

No mais, insiste que existe insuficiência de fundamentação na aplicação do coeficiente de localização (conclusões “XV” a “XVIII”) e no percentual da área de implantação (conclusão “XIX”).

Tem precedência lógica a questão de saber se há erro na classificação do prédio, porque da resposta a esta questão depende o enquadramento das regras de avaliação aplicáveis.

Antes, porém, importa fazer uma referência aos fundamentos do recurso enunciados nas conclusões “I” e “II”.

Neles pretende a Recorrente ver reconhecido pelo tribunal de recurso que a prova testemunhal requerida deveria ter sido admitida e que a perícia requerida deveria ter sido realizada.

Quanto à questão de saber se a perícia requerida deveria ter sido realizada, o tribunal de recurso já se pronunciou no ponto anterior e no âmbito do recurso oportunamente interposto do despacho interlocutório que a indeferiu, nada havendo agora a acrescentar.

Quanto à questão de saber se a prova testemunhal requerida deveria ter sido admitida, há que referir que a mesma foi indeferida por despacho do Mm.º Juiz de 28 de maio de 2019, de que a Recorrente foi oportunamente notificada e de que não recorreu. Sendo que de tal decisão também caberia recurso autónomo, pelo que sobre ela se formou caso julgado no processo.

Fica a questão e saber se, não obstante, o tribunal de primeira instância deveria ter ouvido oficiosamente as testemunhas, no âmbito dos seus poderes inquisitórios. E se, por conseguinte, incorreu em erro de julgamento na própria decisão final ao julgar irrelevantes factos que nela não tenha considerado.

Mas esta questão não distingue das demais suscitadas no recurso, porque só é possível concluir-se pela insuficiência instrutória depois de se concluir que a instrução era necessária para responder a essas questões.

Pelo que não existe fundamento para dela conhecer autonomamente. Devendo, em vez disso, relegar-se o seu conhecimento para o momento em que forem apreciados os demais fundamentos do recurso.

Comecemos, então, pela questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro no julgamento da questão da classificação do prédio.

5. Está em causa, nesta parte, saber se um prédio pode ser classificado como «terreno para construção», apesar de nunca nele ter sido iniciada qualquer construção e continuar afeto à produção agrícola (alíneas “N” e “O” dos factos provados).

A esta questão respondemos afirmativamente. Isto é, que um terreno pode ser classificado como terreno para construção apesar de esta nunca ter sido iniciada e ainda que continue a ser utilizado para exploração agrícola.

Fundamentalmente, porque se considera terreno para construção aquele que tenha sido destinado a edificações e não aquele em que as edificações tenham já sido iniciadas. E nada obsta a que um terreno para construção seja explorado como um terreno agrícola enquanto não for iniciada a exploração a que foi destinado.

É isso que resulta do artigo 6.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis ao dispor que se consideram terrenos para construção aqueles em que tenha sido concedida licença para construir e aqueles que como tal tenham sido declarados no título aquisitivo.

Pois que, ao assim dispor, o legislador está a referir-se às duas formas de destinar um prédio à construção: a destinação objetiva (quando resultar objetivamente da licença, que é prévia à construção) e a destinação subjetiva (quando resultar da declaração do proprietário de que pretende construir).

A Recorrente objeta, a este propósito, que atender à potencialidade saída de uma licença de construção resulta numa interpretação formalista e não leva em conta a substância dos factos tributários. E que ofende os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

Não se consegue acompanhar o seu entendimento. Porque a licença para construir não é uma mera formalidade: é o ato constitutivo do direito a construir, que nasce ex novo no património do proprietário e que modifica substancialmente a sua situação jurídica e económica, valorizando esse património e, por conseguinte, a sua capacidade de contribuir.

A Recorrente contrapõe também que não se consagra ali senão uma presunção da potencialidade construtiva (subentendendo-se na sua alegação que a falta de pagamento das taxas devidas pela licença e a subsistência das plantações agrícolas infirma essa presunção).

Também não se consegue acompanhar este raciocínio. As presunções são as ilações tiradas de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. E, no caso, não há nenhum facto desconhecido a deduzir e nem a Recorrente o identifica. A destinação do prédio a construção é um facto conhecido porque foi declarado e publicitado perante a autoridade pública pelo próprio proprietário. E a potencialidade de construção é um facto conhecido porque resulta da própria licença.

E não cessa apenas porque o proprietário não pagou as taxas da licença e desistiu de construir. Desistir de construir não significa desistir da afetação do terreno a construção e da sua valorização como terreno para construção com licença a pagamento.

A Recorrente contrapõe, ainda, que a licença de construção foi «destruída, por caducidade, devido ao não pagamento das taxas» (ver a segunda parte da “VII” conclusão).

No entanto, a questão da caducidade nunca antes tinha sido suscitada e, por isso, nunca foi apreciada pelo tribunal de primeira instância. Nem no julgamento de facto, nem no julgamento de direito.

Por outro lado, a caducidade da licença prevista no artigo 71.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, tem natureza sancionatória, obrigando a uma atuação administrativa destinada a averiguar as causas da inércia do particular. Pelo que não opera ope legis.

E a Recorrente nunca alegou que o Município tivesse emitido algum ato administrativo onde declarasse a caducidade da licença. E não poderia deixar de o fazer, porque se tratava de um facto essencial para a sua pretensão. E de que, por isso o tribunal de primeira instância não poderia conhecer oficiosamente.

Parece, em todo o caso, que o que a Recorrente quer dizer agora é o mesmo que disse no artigo 16.º da douta petição inicial: que a falta de pagamento das taxas urbanísticas é «condição necessária para o terreno subsistir, para construção».

Ora, esta afirmação não tem base legal de sustentação, nem a Recorrente invoca nenhuma disposição legal que o sustente. Por um lado, a lei faz depender a qualificação do terreno para construção da concessão da licença ou da admissão da comunicação prévia (e não do pagamento das taxas). Por outro lado, o pagamento das taxas não está relacionado com o licenciamento propriamente dito mas com a emissão do alvará (ou de título equivalente), que não é condição de existência ou de validade da licença, mas da sua eficácia – ver o artigo 74.º daquele diploma.

A tudo acresce que a caducidade da licença não retroage os seus efeitos, em princípio, ao momento em que ela foi concedida. Pelo que a questão da caducidade não releva propriamente para a questão de saber se foi legal a classificação do prédio, quando reportada ao momento em que a licença foi concedida, mas com a questão de saber se houve, ulteriormente, alguma transformação do prédio que implicasse a alteração da sua classificação, nos termos e para os efeitos dos artigos 101.º e 106.º, alínea h), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

Pelo que o recurso não merece provimento por aqui.

6. Quanto à avaliação propriamente dita:

Alega e conclui a Recorrente que a avaliação enferma do vício de violação da lei por não ter sido feita nos estritos termos do artigo 45.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, com consequente afastamento dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e de conforto (conclusões “VIII” a “XIV”).

Analisada a douta sentença recorrida, verifica-se que o tribunal de primeira instância nunca apreciou essa questão. E a Recorrente também nunca lhe imputou a nulidade por omissão de pronúncia.

O que sucede porque essa questão também nunca tinha sido suscitada em primeira instância. A questão suscitada nos artigos 30.º a 33.º da douta petição não tem a ver com os factores a ter em conta na avaliação dos terrenos para construção, mas com os fatores que deveriam ter sido considerados no pressuposto de que o prédio devesse ser classificado na espécie «outros». Questão cujo conhecimento tinha ficado prejudicado por se ter entendido que o prédio reuniu as condições para ser classificado como «terreno para construção».

Assim sendo, a questão agora suscitada nos pontos 57 a 83 das doutas alegações de recurso e nas conclusões “VIII” a “XIV” deve ser considerada uma questão nova que não é de conhecimento oficioso.

E as questões novas que não sejam de conhecimento oficioso não podem ser conhecidas em primeira mão pelo tribunal de recurso, porque a sua função é a de rever decisões e não a de criar novas decisões.

Pelo que esta questão não pode ser aqui apreciada.

O mesmo se diga da questão da falta de fundamentação da avaliação, quando reportada ao percentual de 15%, a que alude a conclusão “XIX”, já que esta questão também nunca foi suscitada junto do tribunal de primeira instância que, por isso, também não a apreciou.

Resta-nos a questão da falta de fundamentação da avaliação, na aplicação do coeficiente de localização de 0.70.

Mas esta questão tem sido decidida pelo Supremo Tribunal Administrativo no mesmo sentido da decisão recorrida, como decorre dos acórdãos de 6 de outubro de 2010, de 28 de Setembro de 2011, de 16 de novembro de 2011, de 23 de novembro de 2011, de 7 de dezembro de 2011, de 12 de janeiro de 2012, de 7 de março de 2012, de 16 de maio de 2012, de 10 de abril de 2013 (recursos n.ºs 0510/10, 0188/11, 0814/11, 0515/11, 0948/11, 01043/11, 01100/11, 0278/12, 0368/13, este último também citado na sentença recorrida). Aliás, o entendimento sufragado nestes arestos encontra-se estabilizado pela intervenção do Pleno da Secção, no acórdão de 2 de maio de 2012 (recurso n.º 0307/11).

Assim sendo, resta-nos remeter para a fundamentação deste último aresto e, com base nela, negar provimento ao recurso, também nesta parte.


◇◇◇

7. Preparando a decisão, formula-se as seguintes conclusões, que valerão também como sumário do acórdão:

I. Deve ser indeferida a realização da perícia requerida pela parte se as questões indicadas para integrar o seu objeto não são questões de facto ou não são pertinentes para a decisão a proferir;

II. Não há erro na classificação de um prédio como terreno para construção se para ele foi solicitada e concedida licença de construção ou admitida comunicação prévia, ainda que não tenham sido pagas as taxas devidas pelo levantamento do alvará ou título equivalente, a construção não tenha sido iniciada e o prédio continue a ser utilizado para exploração agrícola;

III. Não padece de falta de fundamentação o ato de avaliação que, indicando as coordenadas de localização do imóvel, atribua o coeficiente de localização que resulta de portaria.


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8. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento aos recursos.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelas mesmas razões invocadas na sentença recorrida.

Lisboa, 4 de maio de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.