Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0878/10
Data do Acordão:03/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IVA
RECTIFICAÇÃO
PRAZO
DUPLICAÇÃO DE COLECTA
Sumário:I - A rectificação facultativa de IVA relativo ao ano de 1993, por iniciativa do contribuinte, tem de respeitar o prazo de um ano previsto no n.º 3 do artigo 71.º do CIVA (actual artigo 78.º).
II - A duplicação de colecta ocorre quando da aplicação do mesmo preceito legal por mais de uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária em concreto.
III - Tal não acontece quando as primeiras liquidações incidiram sobre a transferência interna de viaturas automóveis do activo permutável de uma empresa para o seu activo imobilizado e as segundas liquidações tiveram por objecto a venda dessas viaturas a clientes.
Nº Convencional:JSTA00066838
Nº do Documento:SA2201103020878
Data de Entrada:11/11/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA84 ART71 N3.
CPPTRIB99 ART205 N1.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 5ED ANOTAÇÃO3 AO ART205.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, S.A. melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios referente ao ano de 1993, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso visa a revogação da douta sentença recorrida apenas na parte em que a mesma não anulou as liquidações de IVA e correspondentes juros compensatórios efectuadas pela AT relativamente ao que por esta foi designado por Correcções indevidas de IVA efectuadas pela empresa a seu favor.
De facto:
2. Ao contrário do que entendeu a Meritíssima Juiz de 1ª Instância, ao caso não é aplicável o que previa o Decreto-Lei nº 504-G/85, de 30 de Dezembro, em vigor ao tempo dos factos a que se referem os autos - 1993.
3. E também não é aplicável o que estatuía o art. 71° do Código do IVA.
4. Com efeito, no caso dos autos do que verdadeiramente se tratou foi de duplicação de colecta, traduzida, por um lado, nas liquidações de IVA que a impugnante, ora recorrente, efectuou quando afectou ao seu activo imobilizado as viaturas que adquiriu para comercialização e que havia relevado no seu activo permutável, conforme o previsto na alínea g) do nº 3 do art. 3° do respectivo Código, e, por outro lado, nas liquidações do mesmo imposto a que procedeu na altura em alienou as ditas viaturas.
5. Dada a ilegalidade da referida duplicação de colecta, a ora recorrente anulou as segundas liquidações através do seu assento” nº 100134 de 31/10/93.
6. Salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida devia ter aceite este procedimento da recorrente e, em face disso, ter julgado a impugnação totalmente procedente.
7. Porque não foi assim que decidiu, a douta sentença recorrida violou, entre outros, o disposto no Decreto-Lei nº 504-G/85, de 30 de Dezembro, e no art. 71° do Código do IVA.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência parcial de liquidações de IVA e juros compensatórios (ano 1993) nos montantes de 35 926 711$00 e 24 321 021$00, respectivamente
FUNDAMENTAÇÃO
1.A transferência de viaturas adquiridas para comercialização do activo permutável para o activo imobilizado do sujeito passivo é considerada transmissão onerosa, sujeita à incidência de IVA, na medida em que deduziu o imposto suportado (art.3° n°3 al.g) CIVA; petição inicial art.43°)
O tribunal recorrido entendeu que a posterior liquidação do IVA nas vendas das viaturas era indevida porque a transmissão estava isenta, invocando o regime do DL nº 504- G/85,30 Dezembro e a norma constante do art.9° n°33 CIVA, em consonância com o entendimento da administração tributária (cf. informação fls.39/40)
A manifesta insuficiência da matéria de facto provada recomendaria a sua ampliação para formação de base suficiente para a decisão de direito, após indagação sobre os factos relevantes para a aplicação do regime do DL nº 504-G/85,Novembro, contestada pela recorrente (art.729° n°3 CPC/art.2° al. e) CPPT).
2.Não obstante, no caso concreto a ampliação da matéria de facto revela-se inútil porquanto a rectificação por inexactidão na liquidação de IVA nas facturas que titularam as vendas das viaturas é insusceptível de produzir uma regularização a favor do sujeito passivo, em consequência de
a)decurso do prazo peremptório de um ano
b)ausência de prova de conhecimento da rectificação pelos adquirentes ou de que foram reembolsados do imposto (art.71° n°s 3 e 5 CIVA).
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada (constante da sentença) deve ser confirmada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
- A administração fiscal efectuou correcções em sede IVA, referente ao ano de 1993, de acordo com o relatório cuja cópia consta dos autos a fls. 38 a 49 dos autos e cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido - a correcção de IVA em falta, reportado ao valor de aquisição de telemóveis, foi efectuada no montante de Esc. 11.033.701$00, foi corrigido o IVA indevidamente regularizado pela impugnante no montante de Esc. 12.493.010$00 e corrigido o IVA no valor de Esc 12.400.000$00, por se reportar a IVA deduzido relativamente a despesas de publicidade que não foram aceites como custos fiscais no exercício de 1993.
- A impugnante exerce a actividade de comércio de viaturas das marcas … e …, efectuando, também, serviços de assistência técnica nas mesmas.
- A impugnante outorgou em contratos de publicidade, na forma escrita (cfr. fls. 92) ou oral, com a B…, com C…, com o D…, com o E… e com o F... - cfr. fls. 77 a 83 dos autos.
- A publicidade era efectuada por colocação de painéis/placards nos campos ou recintos desportivos - indoors e outdoors - com mensagens imputadas aos produtos comercializados pela impugnante e anúncios nas camisolas dos jogadores.
- A aqui impugnante havia contabilizado todos os pagamentos efectuados aos clubes e associações desportivas, correspondentes ao preço dos serviços de publicidade. A estes serviços correspondem recibos (cfr. fls. 77 a 83) de igual valor ao dos cheques emitidos pela impugnante.
- A A…, S.A, no âmbito da actividade que desenvolve, todos os anos faz publicidade, de acordo com as decisões dos administradores da sociedade, sendo esta publicidade imposta pelas marcas que a impugnante comercializa.
- Os termos da estratégia de publicidade constam do contrato de exclusividade celebrado entre a G… (…) e a aqui impugnante - cfr. fls. 240 a 339 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos.
- A autora apostou na publicidade a nível local por se revelar menos dispendiosa e mais eficaz na captação de clientes.
- No âmbito da fiscalização levada a cabo pela administração fiscal, todos os elementos solicitados, quer verbalmente quer por escrito, foram fornecidos pela aqui impugnante no prazo concedido.
- Os pagamentos da prestação dos serviços de publicidade e os documentos a eles inerentes foram efectuados segundo as regras vigentes.
- A impugnante não comercializa telemóveis, nem o realizou no ano de 1993.
- Em 1992 e 1993, a impugnante fez uma campanha para os carros … série ..., que consistia em oferecer um telemóvel aquando da venda do automóvel.
- Em 31/10/1993, a impugnante anulou, através do “assento” n.º 100134, IVA liquidado no montante de Esc. 14.469.494$00, por considerá-lo indevidamente liquidado na venda de viaturas ligeiras, do imobilizado corpóreo, durante os exercícios de 1988 a 1992.
- Os procedimentos no âmbito do IVA adoptados pela impugnante, relativamente à afectação de viaturas do activo permutável para o activo imobilizado, consubstanciavam-se na liquidação de IVA, conforme previsto pela alínea g) do n.º 3 do artigo 3.° do CIVA.
- Quando a impugnante procedia à venda das mesmas viaturas, voltava a liquidar IVA.
5- A sentença, no segmento sob recurso, julgou improcedente a impugnação judicial que fora deduzida contra a liquidação de IVA efectuada pela Administração Fiscal em resultado da correcção desse imposto indevidamente regularizado pelo impugnante no montante de Esc.12.493.010$00.
Para tanto, considerando embora que as liquidações de IVA na venda das viaturas em causa tinham sido indevidas, uma vez que anteriormente já tinha sido liquidado IVA pela transferência interna das mesmas viaturas do activo permutável para o activo imobilizado, o certo é que não efectuara as anulações de IVA a seu favor dentro do prazo legal de um ano estabelecido no artigo 71.º, n.º 3 do CIVA (em vigor à data a que se reportam o factos-1993) e daí que não lhe fosse lícito recorrer à anulação como forma de recuperar o imposto indevidamente liquidado.
Insurgindo-se contra o assim decidido, a ora recorrente vem, em resumo, defender que ao caso não se aplicaria o regime constante do DL n.º 504-G/85, de 30/12, ao invés que se entendera na sentença, assim como o prazo de um ano previsto para a rectificação de facturas no n.º 3 do artigo 71. do CIVA, já que não se tratava de uma rectificação, mas tão só “ de anulação de uma situação de duplicação de colecta que havia ocorrido com as segundas liquidações e, era ilegal”.
Vejamos.
Ninguém controverte que eram indevidas as segundas liquidações de IVA efectuadas na venda das viaturas, seja qual for o regime que se entenda aplicável.
Em face disso, torna-se irrelevante apurar se a essas vendas era aplicável o regime para a transmissão de bens em segunda mão previsto no DL n.º 504-G/85, para o que, de resto, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, a matéria de facto assente na sentença se mostra insuficiente.
No essencial, a recorrente vem defender que no caso em apreço se estaria perante uma situação de duplicação de colecta, donde decorreria que, perante essa ilegalidade, a anulação que efectuara das segundas liquidações não tinha que observar o prazo de um ano previsto no n.º 3 do artigo 71.º do CIVA.
Todavia, não lhe assiste razão em tal entendimento.
Com efeito, a duplicação de colecta pressupõe a unicidade do facto tributário, o que manifestamente não ocorre no caso.
Como decorre do estabelecido no n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, a duplicação de colecta acontece quando da aplicação do mesmo preceito legal por mais que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta - vide anotação 3 a esse artigo por Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição.
Ora, facto é que as primeiras liquidações incidiram sobre a transferência interna das viaturas do activo permutável para o activo imobilizado, ao passo que as segundas liquidações, tiveram por objecto a venda dessas viaturas a clientes.
Conclui-se, deste modo, que incidindo sobre diferentes factos tributários, das sucessivas liquidações de IVA efectuadas não resultaram duplicações de colecta, donde a decorrência de que as rectificações efectuadas pela recorrente tinham necessariamente de respeitar o prazo de um ano previsto no n.º 3 do artigo 71.º do CIVA, o que não sucedeu no caso “sub judicio”.
Assim sendo, de manter será a improcedência da impugnação judicial da liquidação decidida na sentença sob recurso.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a sentença na parte recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 50%.
Lisboa, 2 de Março de 2011. – Miranda de Pacheco (relator) – Dulce Neto – António Calhau.