Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0338/10
Data do Acordão:06/02/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
IVA
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
Sumário:O artigo 114.º n.º 1 do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a "falta de entrega da prestação tributária", não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido recebido ou retido.
Nº Convencional:JSTA000P11894
Nº do Documento:SA2201006020338
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente o recurso por si interposto do despacho do Director de Finanças de Lisboa, e a condenou na coima de € 30.000,00, por infracção p.p. nos artigos 26.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4 do RGIT, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso apresentado da douta decisão que julgando improcedente o recurso, manteve a decisão de aplicação da coima.
2) A finalidade da exigência de descrição sumária dos factos imputados ao arguido visa assegurar-lhe a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que pressupõe um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, sendo corolário da imposição constitucional de que nos processos contra-ordenacionais seja assegurado o direito de defesa ao arguido (art.º 32.º, n.º 10 da CRP).
3) Quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, a lei exige a explicitação destes elementos para que o arguido possa exercer a sua defesa no âmbito da fixação concreta do montante da penalidade, através de um contraditório que vise a diminuição da coima aplicada e, no caso, a indicação dos elementos que para tal devem ser convocados não é feita convenientemente, como se constata por exemplo quanto à condição económica que é totalmente desprezada e não valorada, ao que consta por desconhecimento. Por outro lado, afirma-se o carácter frequente da infracção, sem que a tal respeito, refira o que quer que seja.
4) Com efeito, é necessário descrever na decisão os elementos e as circunstâncias concretas que se consideraram para a fixação do montante da coima, nomeadamente, se a contra-ordenação foi cometida com dolo ou com negligência, se foi acidental ou é frequente este tipo de ocorrência, bem como quaisquer outras circunstâncias que tenham sido apuradas e possam influir no grau de culpa do arguido ou na graduação da coima, designadamente, a situação económica do agente.
5) No mesmo sentido, “a coima aplicada há-de sê-lo em função da gravidade objectiva e subjectiva da contra-ordenação, atendendo-se, designadamente, ao valor do imposto cujo recebimento tenha sido afectado pela infracção, ao prejuízo efectivo, a qualquer especial dever do arguido que tenha sido infringido, ao carácter acidental ou frequente da ilicitude, à situação económica do arguido e a quaisquer outras circunstâncias das quais se possa inferir a culpa do agente” (Soares Martinez, in Direito Fiscal, Coimbra, 1993).
6) Por outro lado, a decisão da coima sempre será nula, porquanto da decisão de aplicação de coima nem sequer consta que a recorrente tenha embolsado o IVA em causa.
7) O art.º 114.º, n.º 1 do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a «falta de entrega da prestação tributária», não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido recebido ou retido.
8) Da decisão de aplicação de coima nem sequer consta que a recorrente tenha embolsado o IVA em causa.
9) Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida errou no julgamento da questão.
A Exma. Procuradora da República junto do TT de Lisboa emite parecer no sentido de que a sentença recorrida se mostra correcta, devendo ser mantida na ordem jurídica.
A Mma. Juíza a quo sustenta a mesma na íntegra, por entender que não padece de quaisquer nulidades.
O Exmo. Magistrado do MP emite parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica, por não merecer qualquer reparo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
1. Em 27 de Novembro de 2004, foi levantado o auto de notícia de fls. 2 contra a recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos art.ºs 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT, porquanto, exercendo a actividade com a CAE 074872, e registada em IVA no regime normal de periodicidade mensal, não entregou simultaneamente com a declaração que apresentou fora do respectivo prazo legal, na data e para o período em causa, respectivamente em 08/11/2004 e 2004/09, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, no montante de EUR 178.112,96, tendo o termo do prazo para o cumprimento da obrigação ocorrido em 10 de Novembro de 2004.
2. A autuação deu origem ao procedimento contra-ordenacional com o número 3247200506002625 (cfr. fls. 2 dos autos).
3. Em 20 de Março de 2006, foi exarado despacho de fixação da coima, pelo Director de Finanças de Lisboa Adjunto, no qual se lê o seguinte (cfr. fls. 5-6 dos autos):
Decisão de fixação da coima
(…)
Descrição Sumária dos factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 178.112,96 Eur; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0 Eur; 3. Valor da prestação tributária em falta: 178.112,96 Eur; 4. Data de cumprimento da obrigação: 08/11/2004; 5. Período a que respeita a infracção: 2004/09; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 10/11/2004; os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punido(s) pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).

Normas InfringidasNormas Punitivas
CódigoArtigoCódigoArtigo
CIVAArt.º 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, al. a) CIVA – Apresentação dentro do prazo D.P. s/ meio de pagamento ou c/ pagamento insuficiente (M)RGITArt.º 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT – Falta entrega prest. Dentro do prazo (M)

Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável por força do art.º 3.º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur 30.000,00 e limite máximo o montante de Eur 30.000,00, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s). Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art.º 27.º do RGIT):


Requisitos/Contribuintes
AUTOSOURCE – Prestação de serviços, organização e administração de pessoal, Lda.
Actos de ocultaçãoNão
Benefício económico0,00
Frequência da práticaFrequente
NegligênciaSimples
Obrigação de não cometer a infracçãoNão
Situação económica e financeiraDesconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infracção< 3 meses

DESPACHO:
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no art.º 79.º do RGIT, aplico ao arguido a coima de Eur 33.480,00 cominada no(s) art.º(s) 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT, com respeito pelos limites do art.º 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas nos termos do n.º 2 do Dec.-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para efectuar o pagamento voluntário da coima ou deduzir recurso judicial no prazo de 20 dias, sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Reformatio in Pejus (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).
(…)
4. A recorrente foi notificada da decisão referida no ponto anterior (cfr. fls. 7 e 49 dos autos)
5. Na sequência do que, em 4 de Outubro de 2006, deu entrada na Repartição de Finanças do 2.º Bairro de Lisboa o recurso de fls. 9-12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. carimbo aposto a fls. 10 dos autos).
6. Em 17 de Outubro de 2006, foi exarada nos autos informação pelos Serviços de Finanças de Lisboa 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e na qual se propõe a anulação do processado posteriormente à decisão de fixação da coima (cfr. fls. 22 dos autos).
7. Na mesma data foi exarado despacho de concordância com a informação referida no ponto anterior pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 (cfr. fls. 23 dos autos).
8. Em 18 de Outubro de 2006, foi exarado despacho pelo Chefe do serviço de Finanças de Lisboa 2, por delegação de competências, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 26 a 30 dos autos).
9. Em 25 de Outubro de 2006, a recorrente foi notificada do teor do despacho identificado no ponto anterior (cfr. fls. 31 e A/R a fls. 32 dos autos).
10. Em 16 de Novembro de 2006, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 2 o recurso de fls. 34-37 dos autos (cfr. carimbo aposto a fls. 34 dos autos).
11. Em 15 de Fevereiro de 2007, foi emitida informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 50-51 dos autos).
12. Em 15 de Fevereiro de 2007, foi exarado despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, com o seguinte teor (cfr. fls. 51 dos autos):
Concordo com a informação que antecede.
Assim, por estar ferido de invalidade, mais concretamente de anulabilidade por vício de incompetência relativa, o despacho datado de 2006/10/17 que revogou a decisão de fixação de coima proferida pelo Exmo. Sr. Director de Finanças de Lisboa, revogo o mesmo nos termos do que prescreve o artigo 141.º do CPA. Esta revogação goza, nos termos do artigo 145.º, n.º 2 do mesmo diploma, de efeito retroactivo. Por último, deve ser repristinada a decisão de fixação de coima proferida pelo Exmo. Sr. Director de Finanças de Lisboa a 2006/03/20, nos termos do que estipula o artigo 146.º do CPA, retomando os autos a sua normal tramitação posterior ao recurso apresentado pela arguida a 2006/04/07 e que, como já se disse, visa impugnar a decisão de aplicação de coima proferida pelo Exmo. Sr. Director de Finanças de Lisboa.
Logo, e em consequência, remetam-se os presentes autos à Direcção de Finanças de Lisboa para efeitos do que dispõe o artigo 80.º, n.º 3 do RGIT.
13. Em 14 de Maio de 2007, foi emitida informação pelos Serviços da Direcção de Finanças de Lisboa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 55-57 dos autos).
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TT de Lisboa que julgou improcedente o recurso apresentada pela ora recorrente do despacho do Director de Finanças de Lisboa que a condenou em coima pela prática de infracção p.p. pelos artigos 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT.
Continua a recorrente a sustentar nas alegações que agora apresenta, em sede de recurso jurisdicional, que a decisão que lhe aplicou a referida coima é nula, porquanto não descreve, ainda que sumariamente, quais os factos que lhe são imputados nem indica os elementos e as circunstâncias concretas que contribuíram para a fixação do montante da coima.
Por outro lado, também em seu entender, tal decisão sempre seria nula, porquanto da decisão de aplicação de coima não consta também que ela tenha embolsado o IVA em causa, sendo que o artigo 114.º, n.º 1 do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a falta de entrega da prestação tributária não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido recebido ou retido.
Vejamos. Considerando que a decisão de aplicação de coima à ora recorrente reunia os requisitos legais previstos nas alíneas b) e c) do artigo 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima), julgou a Mma. Juíza “a quo” improcedente o recurso dela interposto.
Inconformada com tal decisão contra ela vem a recorrente agora reagir, suscitando ainda uma outra questão que é a de se saber se para o preenchimento típico da infracção normativa que lhe é imputada e constante do n.º 1 do artigo 114.º do RGIT se torna ou não essencial o apuramento do efectivo recebimento do montante desse IVA.
Ora, não há dúvida que da descrição dos factos que são imputados à arguida, aqui recorrente, e transcritos no probatório, não consta que esta tenha efectivamente recebido o valor do IVA em causa facturado.
A essa questão tem vindo esta Secção do STA a pronunciar-se de forma pacífica e reiterada em termos que nos merecem total concordância – v., entre outros, os acórdãos de 28/5/2008, 11/2/2009, 2/12/2009 e de 21/4/2010, proferidos nos recursos n.ºs 279/08, 578/08, 887/09 e 85/10.
Dada a proficiente fundamentação que nele vem aduzida e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), limitar-nos-emos a acompanhar o que foi dito no acima citado acórdão proferido no processo n.º 279/08:
«No âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos art.ºs 19.° a 25.° do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido.
De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram.
O significado natural da expressão «deduzir» é o de «subtrair de um total» - Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 1 Volume, página 1081.
Como ensina BAPTISTA MACHADO, «nos termos do art.º 9.º, 3 (do Código Civil) o intérprete presumirá que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve será colhido, deve o intérprete preteri-lo.” - (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 189).
Assim, é de partir do pressuposto de que, com a utilização da expressão «prestação tributária deduzida» se pretendeu aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária (isto é, no caso, uma quantia de imposto, nos termos do citado art.º 11.º do RGIT) pelo sujeito passivo através de uma subtracção de uma quantia global e essa quantia deduzida tem de ser entregue à administração tributária.
É o que sucede, por exemplo, nas situações de retenção na fonte previstas no art.º 71.º do CIRS, de rendimentos sujeitos a taxas liberatórias, em que a retenção do imposto na fonte é efectuada pelo sujeito passivo a título definitivo, que são enquadráveis no n.° 1 do art.º 114.°.
Há ainda dedução por conta de prestação tributária (por conta do imposto), enquadrável na primeira parte do n.° 3 do art. 114.°, nos casos em que a retenção na fonte não é feita a título definitivo, mas sim por conta do imposto devido a final, como sucede, por exemplo, nas situações previstas no art. 98.° do CIRS. (Estabelece-se neste artigo o seguinte:
Nos casos previstos nos artigos 99.° a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem).
No caso do IVA, há obrigação de os sujeitos passivos procederem à sua liquidação e adicionarem o valor do imposto liquidado ao valor das mercadorias ou prestação de serviços, incluindo-o na factura ou documento equivalente, para efeitos da sua exigência aos adquirentes das mercadorias ou aos utilizadores dos serviços (arts.º 35.º e 36.°, n.° 1, do CIVA).
Nas situações em que não se está perante um acto isolado (como sucede no caso em apreço) o art.º 26.°, n.° 1, do CIVA impõe a de entrega do montante do imposto apurado (o “imposto exigível”) no momento da apresentação das declarações a que se refere o art.º 40.° do mesmo Código (----------), independentemente de ter sido efectuado pelos adquirentes de bens ou utilizadores de serviços o pagamento da quantia facturada.
O regime do art.º 71.º, n.°s 8 e 9, relativamente à possibilidade de dedução de imposto respeitante a créditos incobráveis ou de pagamento retardado confirma que a obrigação de pagamento do imposto pelo sujeito passivo não depende de ter sido paga a quantia liquidada pelo adquirente de bens ou utilizador de serviços.
Nestas situações, o imposto que deve ser entregue não é o imposto que foi liquidado, mas sim o eventual saldo positivo a favor da administração tributária que se registe após confrontação do volume global do imposto liquidado (recebido ou não) e do imposto que foi pago pelo sujeito passivo aos seus fornecedores ou prestadores de serviços (art.ºs 19.° a 25.° do CIVA).
Poderão, no entanto, ver-se no âmbito do IVA situações de dedução do imposto pelo sujeito passivo, no sentido literal atrás referido, nos casos em que o imposto liquidado nas facturas é recebido pelo sujeito passivo daqueles a quem vende mercadorias ou presta serviços: neste caso, ao total recebido, o sujeito passivo tem de abater a imposto pago e entrega-lo administração tributária, nos casos em que o saldo é favorável a esta, no período em causa.
Mas, esta situação só pode ocorrer nos casos em que o sujeito passivo tenha recebido efectivamente o imposto daqueles a quem vendeu mercadorias ou prestou serviços, o que não sucedeu no caso em apreço.
No entanto, as situações deste tipo, em que o sujeito passivo receber de terceiros IVA que liquidou e não o entregar à administração tributária, havendo obrigação de entrega por se comprovar que há um saldo positivo a favor desta no confronto da globalidade do imposto liquidado e pago pelo sujeito passivo em determinado período, são especialmente previstas não nos n.°s 1 e 2, mas sim na parte final do n.° 3 do art.º 114.° do RGIT, que, refere a prestação tributária «que tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja». (Neste sentido, relativamente ao art.º 29.° do RJIFNA, cujos três primeiros números têm teor idêntico aos correspondentes números do art.º 114.° do RGIT, pode ver-se F. PINTO FERNANDES e J. CARDOSO DOS SANTOS, Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras Anotado e Comentado, páginas 174-175. Interpretando também com este sentido as expressões idênticas que constavam do art.º 24.°, n.°s 1 e 2, do RJIFNA, respeitante ao crime de abuso de confiança fiscal, podem ver-se ALFREDO JOSÉ DE SOUSA Infracções Fiscais (Não Aduaneiras), 3 edição, páginas 108-109, e NUNO de SÁ GOMES, Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal, 2000, páginas 261-262.
No mesmo sentido, a propósito das expressões idênticas utilizadas no art.º 105.º do RGIT, pode ver-se SUSANA AIRES DE SOUSA, Os Crimes Fiscais, página 124.). Porém, também aqui, como resulta do texto deste n.° 3 do art.º 114.° do RGIT, apenas é sancionado como contra-ordenação o comportamento de quem tem obrigação de liquidar na sequência de recebimento da quantia do imposto. (Excluindo as situações de autoliquidação em que não há recebimento do imposto do âmbito da expressão idêntica que constava do art.º 24.°, n.° 2, do RJTFNA, pode ver-se ALFREDO JOSÉ DE SOUSA Infracções Fiscais (Não Aduaneiras), 3.ª edição, páginas 109-110).
A conduta de quem não entrega IVA liquidado nas facturas mas não recebido dos adquirentes das mercadorias ou utilizadores de serviços estava expressamente punida no art. 950 do CIVA, em que se previa como transgressão «a falta de entrega ou a entrega fora dos prazos estabelecidos de todo ou parte do imposto devido».
Porém, este art.º 95.º, inserido no Capítulo VIII do CIVA, está expressamente revogado pela alínea c) do art.º 2.° da Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho.
Por outro lado, as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114.° do RGIT, têm um evidente alcance restritivo em relação à expressão «imposto devido», que era utilizada no referido art. 950 do CIVA, pois as primeiras apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global».
Assim, no caso em apreço, não constando da descrição sumária dos factos da decisão que aplicou a coima o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, está afastada a possibilidade de preenchimento da hipótese do art.º 114.°, n.° 2, do RGIT (que se reporta à conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo).
E, assim sendo, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se estaria cumprido o requisito definido na parte final da alínea c) do artigo 79.º do RGIT (artigo 660.º, n.º 2 do CPC).
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em:
a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a decisão recorrida;
b) Conceder provimento ao recurso judicial e anular a decisão administrativa de aplicação da coima;
c) Ordenar a remessa do processo ao Tribunal recorrido, a fim de ser enviado ao Serviço de Finanças, para dar seguimento ao processo contra-ordenacional em conformidade com o preceituado no artigo 63.º n.º 3 do RGIT.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Junho de 2010. – António Calhau (relator) - Miranda de Pacheco - Pimenta do Vale.