Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0610/11
Data do Acordão:09/21/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
CÚMULO JURÍDICO
Sumário:I – Tendo o contribuinte praticado várias contra-ordenações fiscais, deve ser punido com uma coima única, nos termos do artigo 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias [segundo a redacção do artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009)].
II – A aplicação da pena única em cúmulo jurídico não dispensa, antes exige a aplicação de penas parcelares a cada uma das infracções praticadas.
Nº Convencional:JSTA000P13253
Nº do Documento:SA2201109210610
Recorrente:MINISTÉRIO PUBLICO
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso de contra-ordenação nº 411/10.3 BELLE
Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
1- RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO, não concordando com a decisão judicial proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em recurso de decisão de aplicação de coima, onde é arguida A…, L.DA, contribuinte n.° … e com os demais sinais constantes dos autos, na qual foi decidido julgar procedente o recurso e aplicar à arguida a coima de 2.500,00€, em substituição da coima aplicada pela Administração Fiscal, interpôs o presente recurso jurisdicional, para o TCA – Sul, o qual por acórdão de 10/05/2011 se declarou incompetente em razão da hierarquia após o que os autos foram remetidos a este STA.
São as seguintes as conclusões do recurso:
1 - Em caso de concurso de contra-ordenações a decisão de fixação da coima única deve primeiramente individualizar cada uma das coimas concretamente aplicadas a cada uma das contra-ordenações e só depois proceder ao respectivo cúmulo, com obediência às regras previstas nos n°s l, 2 e 3 do art. 25.° do RGIT.
II - A decisão ora recorrida não fixou a coima aplicável em concreto a cada uma das contra-ordenações e fixou a coima única em montante inferior ao limite mínimo da mais elevada das coimas (2.784,34 €), pelo que violou o disposto no art. 25.° n.° l e n.° 3 do RGIT.
III - Deve a cada uma das contra-ordenações ser fixada em concreto a coima de 500 € a 2.787,34 €, fixando-se a coima única no montante de 3.000 €, por força do disposto no art. 25.° do RGIT.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que tenha em conta as conclusões acima enunciadas como é de justiça. »
Não foram apresentadas contra-alegações.
II-FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal deu como provados os seguintes factos:
A) A ora arguida foi sujeita a uma inspecção tributária com incidência aos anos de 2005, 2006 e 2007, cujo relatório de inspecção se encontra junto a fls 6 a 22, dos autos e, consta do ponto IV ter havido omissão de proveitos que constituem de acordo com o ponto VII a prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos art°s 114° e 119° do RGIT (fls 12, dos autos);
B) No acordo obtido na reunião de peritos realizado em 3 de Dezembro de 2009 foi considerado alterar os valores inicialmente fixados em IRC para € 28.160,95 no exercício de 2005 e para efeitos de IVA alterar também os valores do ano de 2005 para € 13.921,70 e a corrigir no 4° trimestre tal como proposto no relatório de inspecção (fls 46 e 47, dos autos);
C) Com fundamento no relatório de inspecção tributária à arguida e designadamente nos ponto IV e VII, foi levantado auto de noticia e expedida notificação em carta registada e onde consta com interesse para a decisão da causa (fls 31, dos autos):
CIRC Art° 17 n° 3 b) CIRC - Omissões e inexactidões praticadas na contabilidade de modo a não reflectir todas as operações e variações patrimoniais RGIT Art° 119 n° 1 e 26 n° 4 do RGIT - Omissões e inexactidões praticadas nas declarações e outros doc. Fiscalmente relevantes
Período de tributação: 2005
Data da infracção: 2006-05-30
Mínimo: €500,00
Máximo: € 15.000,00
Art° 86 CIVA, 87 e 88 LGT - Falta de entrega de prestação tributária
Art° 114 n° 2 e 26 n° 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (M)
Período: 200512
Data da infracção: 2006-02-14
Mínima: €5,368,54
Máximo: €26842,71
D) Em 28 de Abril de 2010 foi lavrada a seguinte INFORMAÇÃO (fls 34, dos autos):
Infracção: Art° 86 CIVA, 87 e 88 LGT Falta de entrega de prestação tributária
Negligência Simples
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 meses
Situação Económica e Financeira Baixa
Beneficio Económico 0,00
Actos de Ocultação Não
Frequência da prática Frequente
Obrigação de não cometer infracção Não
Infracção: Art° 17 n° 3 b) CIRC - Omissões e inexactidões praticadas na contabilidade de modo a não reflectir todas as operações e variações patrimoniais
Negligência Simples
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 meses
Situação Económica e Financeira Baixa
Beneficio Económico 0,00
Actos de Ocultação Não
Frequência da prática Frequente
Obrigação de não cometer infracção Não
E) Em 28 de Abril de 2010 foi proferida Decisão de Aplicação da Coima (fls 35 e 36, dos autos):
"Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: verificou-se a omissão de proveitos conforme ponto IV do relatório de inspecção em anexo, os quais se dão por provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 05/07, constituindo contra-ordenação (ões).
Normas Infringidas
IRC: art° 17° n° 3 b) CIRC - CIRC - Omissões e inexactidões praticadas na contabilidade de modo a não reflectir todas as operações e variações patrimoniais RGIT Art° 119 n° 1 e 26 n° 4 do RGIT - Omissões e inexactidões praticadas nas declarações e outros doc. fiscalmente relevantes
Período de tributação: 2005
Data da infracção: 2006-05-30
IVA: Art° 86 CIVA, 87 e 88 LGT - Falta de entrega de prestação tributária
Art° 114 n° 2 e 26 n° 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (M)
Período: 200512
(...)
Medida da coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 500,00 e limite máximo o montante de Eur. 26.542,71, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s).
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Art° 27 do RGIT):
Actos de Ocultação Não
Beneficio Económico 0.00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Rec. 04645/11
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 meses
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGTT aplico ao arguido a coima de Eur. 7.100,00 cominada no(s) Art(s)° Art° 119° n° 1 e 26° n° 4°, 114° n° 2 e 26° n° 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 51,00) nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro.
(...)"
F) Para as infracções que resultaram na aplicação à arguida de contra-ordenações respeitante ao ano de 2006 e, decorrente da mesma inspecção tributária, foi considerada que a frequência da prática era acidental (fls 51 a 53, dos autos que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais);
G) O presente recurso deu entrada em 25 de Maio de 2010 (carimbo aposto no rosto de fls 39, dos autos).
A convicção do Tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados.
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.»
DECIDINDO NESTE STA
Vistas as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto e âmbito, o presente recurso tem por fundamento exclusivo matéria de direito.
A questão a decidir prende-se com a necessidade ou não de individualizar as penas aplicadas a cada contra-ordenação para depois aplicar o cúmulo jurídico.
Considerou a decisão recorrida o seguinte:
“(…) O recurso é interposto considerando a arguida que o limite máximo a considerar para o IVA é de 13.921,70€, pois que foi este o valor considerado e acordado na reunião de peritos.
Com efeito, o valor a considerar para determinar o máximo a aplicar à arguida é o valor considerado pela arguida e não o considerado pela Administração fiscal. Assim a moldura penal (para o IVA) seria, nos termos dos artigos 114° n° 2 e 26° n° 4 do CIVA de €2.784,34 (limite mínimo = €13.921,70 x 20%) e €13.921,70 (limite máximo).
Assim temos:
Moldura contra-ordenacional de IRC €500,00 (limite mínimo) e €15.000,00 (limite
máximo)
Moldura contra-ordenacional de IVA €2.784,34 (limite mínimo) e €13.921,70 (limite
máximo).
Pelo que a moldura do concurso de contra-ordenações a considerar seria entre 500,00€ (o limite mínimo do IRC) e €13.921,70 (limite máximo do IVA).
Na determinação da coima a aplicar e, de acordo o art° 27° do RGIT considerou a AF:
Actos de Ocultação Não
Beneficio Económico 0.00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 meses
Insurge-se a arguida com o facto de, neste processo de infracções relativas a 2005 ter sido considerado a prática frequente de infracções já que em relação a 2006 e 2007 foi considerado uma prática acidental.
Ora, se considerarmos que as contra-ordenações de 2005, 2006 e 2007 são resultado de uma mesma inspecção não há qualquer fundamento para considerar uma contra-ordenação do período de 2005 como frequente e as relativas a 2006 e 2007 como acidentais.
Nesta parte também haverá que dar razão à arguida considerando que sendo as infracções detectadas numa mesma inspecção tributária não há qualquer fundamento para considerar a que em termos temporais seria a primeira infracção a praticar seja qualificada como frequente e as posteriores como acidentais.
Considerando a moldura contra-ordenacional abstracta e ter do presentes os critérios de determinação da medida da coima constantes do art° 27 do RGIT e atenta a factualidade dada como assente na decisão recorrida, designadamente o facto como acidental o cometimento da infracção tem-se como ajustada à situação a coima de 2.500,00€ pela infracção praticada pela arguida.
III - DECISÃO
Pelo exposto julgo procedente o recurso e aplico à arguida a coima de 2.500,00€, em substituição da coima aplicada pela Administração Fiscal. Sem custas. Registe e Notifique”
Quid Júris?
Adiantamos já que a decisão de 1ª Instância não se pode manter.
Só faz sentido aplicar o cúmulo jurídico em caso de concurso de contra-ordenações se, em primeiro lugar, for individualizada cada uma das coimas concretamente aplicadas a cada uma das contra-ordenações. Tal resulta do disposto no artº 25º do RGIT que define as regras e limite da pena única a aplicar. Ora, se a pena única a aplicar está balizada pelos limites máximos e mínimos das penas das contra-ordenações em concurso, imperioso é que conheçamos esses limites sem o que não podemos aferir da justeza e legalidade da pena única aplicada.
O quadro legislativo é o seguinte:
Sob a epígrafe “Concurso de contra-ordenações”, o artigo 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, preceituava que «As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente».
No entanto, por força do artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro [Orçamento do Estado para 2009], o mesmo artigo 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias passou a ter a seguinte redacção:
1. Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.
2. A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3. A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.
Ou seja, como se escreveu no ac. 21/01/2009 tirado no recurso nº 0928/08, com a Lei do Orçamento para 2009, operou-se a alteração da regra de cúmulo das coimas aplicáveis. A anterior regra de cúmulo material foi substituída por uma regra de cúmulo jurídico. Determina-se agora que quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima única com o valor máximo da soma das coimas aplicadas, desde que este não ultrapasse o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso e o valor mínimo correspondente ao valor da mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.
O regime assim introduzido apresenta-se abstractamente mais favorável aos contribuintes.
E, por isso, o regime do (novo) artigo 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias deverá ser aplicado retroactivamente aos processos contra-ordenacionais pendentes, se da sua aplicação ao caso concreto redundar uma sanção mais favorável para o acoimado.
Na verdade, o artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Aplicação da lei criminal”, preceitua, no seu n.º 4, que «Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais grave do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido».
E o princípio constitucional da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido tem expressa consagração no Código Penal - aplicável também às contra-ordenações fiscais, por força da remissão do artigo 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações [Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro], e do artigo 3.º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Com efeito, o n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal estatui que «Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior».
No sentido do aresto citado vide também o Ac. deste STA de 09/09/2009 tirado no recurso 0631/09.
No nosso caso, foram praticadas, segundo revela a decisão recorrida, duas contra-ordenações, a saber:
Inexactidão praticada na declaração - prevista e punida nas disposições conjugadas dos artºs 17º nº 3 al. b) do CIRC, art 119º nº 1 e artº 24º nº 2 e 26º nº 4 do RGIT- cujo montante mínimo é de 500€ e máximo de 15.000€, perante o agravamento previsto no artº 26º nº 4 do RGIT.
Falta de entrega da prestação tributária no prazo legal - prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artºs 86º do CIVA, 87º e 88º da LGT, artº 114º nº 2 e 26º nº 4 do RGIT cujo montante mínimo é de 2.784,34€ e máximo de 13.921,70€ perante o agravamento previsto no artº 26º nº 4 do RGIT.
Cumprirá ao Tribunal de 1ª Instância determinar a concreta pena a aplicar a cada uma delas (sob pena de não se ordenando a baixa dos autos se suprimir um grau de jurisdição) após o que fixará a pena única tendo como limites os impostos pelo artº 25º do RGIT supra referido na sua nova redacção.
Nesta conformidade, impõe-se a revogação da decisão recorrida e a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para os apontados efeitos.
4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e em ordenar a baixa do processo à 1ª instância para que aí seja proferida nova decisão que discrimine as penas parcelares aplicáveis a cada uma das contra-ordenações, e tenha em conta o regime previsto no artigo 25.º do RGIT na redacção dada pelo artigo 113.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
Sem Custas.
Lisboa 21 de Setembro de 2011. – Ascensão Lopes (relator) – Casimiro Gonçalves – Pedro Delgado.