Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0325/20.9BESNT
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
AGRUPAMENTO DE EMPRESAS
SEGURANÇA
Sumário:I – À partida não existe incompatibilidade jurídica entre a candidatura de agrupamentos de empresas a concursos públicos para prestação de serviços de segurança privada e o regime jurídico do exercício da actividade da segurança privada.
II – A apreciação de alegadas práticas anti-concorrenciais por parte de agrupamentos de empresas tem de ser realizada casuisticamente e deve basear-se em provas trazidas aos autos.
Nº Convencional:JSTA00071145
Nº do Documento:SA1202105130325/20
Data de Entrada:04/01/2021
Recorrente:A……….., SA
Recorrido 1:ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, IP E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Legislação Nacional:ARTIGOS 146.º, n.º 2, al. c), do CCP, 4.º, n.º 1, 14.º n.ºs 1 e 2, 38.º, n.º 3, e 51.º, n.º 6, da Lei 34/2013, DE 16 DE MAIO E 9º DA LEI DA CONCORRÊNCIA
Legislação Comunitária:ARTIGO 101º DO TFUE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……….., SA (A……….., SA), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 10.12.2020, que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença do TAF de Sintra, de 24.07.2020, a qual, por sua vez, julgou a acção administrativa de contencioso pré-contratual por si intentada parcialmente procedente.

Na mencionada acção de contencioso pré-contratual foi demandada a ESPAP- Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP (ESPAP, IP) e indicadas como contra-interessadas a B…………, SA (B…., SA); a C………., SA (C……., SA), a D……….., SA (D…………, SA), a E……….., SA (E…………, SA), e a F………., SA (F………, SA).

A B……., SA, e a C………, SA, apresentaram candidatura ao concurso em agrupamento. Também a D………., SA, e a E………., SA, se agruparam apresentando uma candidatura conjunta.

Em causa está um concurso público limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança.

2. Inconformada, a A…………, SA, recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. alegações – sem paginação no processo físico):

I - A questão que se coloca na presente revista é a de saber se, face às especificidades resultantes do regime do exercício da atividade da segurança privada estabelecido pela Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, nomeadamente considerando os requisitos (no que toca a instalações e a meios) que são exigidos para a obtenção do alvará, a proibição absoluta da sua transmissibilidade e as condições a obedecer obrigatoriamente na execução dos serviços (nomeadamente a obrigatoriedade de vínculo direto entre a entidade prestadora dos serviços e a entidade adquirente), podem concorrer aos procedimentos de contratação pública empresas de segurança privada em agrupamento sem que este seja titular de alvará para esse exercício.

II. A questão é complexa exigindo a concatenação de dois diplomas, o Código dos Contratos Públicos e a Lei da Segurança Privada;

III. Apresenta novidade, não tendo ainda sido apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo;

IV. E é suscetível de se repetir em casos futuros, nomeadamente, sempre que sejam lançados concursos para a prestação de serviços de segurança privada.

V. Estão, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150º n.º 1 do CPTA, pelo que deverá a mesma ser admitida.

VI. Outra questão suscitada na presente revista é a de saber se, tendo em consideração o princípio da concorrência que proíbe toda e qualquer prática suscetível de impedir, restringir ou falsear a concorrência, empresas que atuam no mesmo mercado e que, por isso, competem entre si, se podem agrupar e apresentar proposta única a um procedimento de contratação pública com a inerente e inevitável troca que entre ambas ocorrerá de informações em matéria de preços, custos, margens, etc. permitindo que cada uma delas infira o comportamento da outra em futuros procedimentos a que concorram individualmente, adaptando o seu próprio comportamento futuro em função disso.

VII. Esta questão é igualmente uma questão nova e complexa na medida em que para a sua resolução é necessário analisar o CCP e o direito nacional e comunitário da concorrência;

VIII. E é igualmente suscetível de se repetir em casos futuros, nomeadamente, sempre que sejam lançados concursos para a prestação de serviços de segurança privada.

IX. Estão, por conseguinte, também quanto a esta questão, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150º do CPTA.

X. O ACE é uma pessoa coletiva distinta dos respetivos membros (cf. Lei n.º 4/73 Base IV).

XI. Os serviços de segurança privada não poderão ser prestados pelos membros do ACE porquanto a Lei da Segurança Privada impõe que o prestador dos serviços de segurança privada esteja vinculado diretamente à entidade adquirente desses serviços mediante contrato escrito (cf. artigo 38º n.º 3 da Lei da Segurança Privada) pelo que, sendo os contratos de prestação de serviços de segurança privada celebrados com o ACE, não podendo ser de outra forma porque é o ACE o cocontratante do Acordo Quadro, os serviços não poderão ser prestados pelos membros do ACE.

XII. Não sendo o ACE, ele próprio titular de alvará, não poderá prestar serviços de segurança privada.

XIII. Os alvarás de que sejam titulares os membros do ACE não se transmitem ao ACE (cf. artigo 51º n.º 6 da Lei da Segurança Privada) pelo que não sendo o ACE titular de alvará, não está legalmente habilitado a prestar serviços de segurança privada.

XIV. O ACE não poderá utilizar as instalações, a central de receção e monitorização de alarmes e o pessoal (e respetivos uniformes) dos seus membros para prestar os serviços de segurança privada.

XV. Do exposto decorre que, a manter-se o Acórdão recorrido:

- Ou os serviços de segurança privada serão prestados pelo ACE sem alvará e através do uso das instalações e meios materiais e humanos dos seus membros;

- Ou os serviços de segurança privada serão prestados pelos membros do ACE que não celebraram os contratos de prestação de serviços de segurança privada com as entidades adquirentes.

XVI. Em qualquer das situações, é violada a Lei da Segurança Privada.

XVII. A Lei da Segurança Privada impõe, assim, decisão contrária à que foi proferida pelo tribunal a quo.

XVIII. Não pode ser permitida a prestação de serviços de segurança privada em violação da Lei da Segurança Privada.

XIX. O artigo 54º do CCP não pode ser interpretado isoladamente sem ter em consideração a unidade do sistema jurídico e, concretamente, a Lei da Segurança Privada e as vinculações nela estabelecidas, devendo ser rejeitada toda e qualquer interpretação do artigo 54º do CCP que conduza a uma solução violadora da lei que seguramente não é o resultado pretendido pelo legislador (cf. artigo 9º do Código Civil).

XX. O artigo 54º do CCP tem, pois, de ser interpretado em harmonia com a Lei da Segurança Privada, não podendo ser permitido o acesso a concursos para a prestação de serviços de segurança privada por agrupamentos de empresas sem que tais agrupamentos estejam munidos do competente alvará, a aferir desde logo no momento da apresentação da candidatura ou da proposta (cf. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2011, págs. 490 a 496, Acórdãos Tribunal Central Administrativo Sul de 07-11-2013, proc. 10404/13 e de 11-07-2018, proc. 2574/17.8BELSB, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-05-2018, proc. 01093/17.7BEAVR).

XXI. As candidaturas apresentadas pelos Agrupamentos B…….- C…….. e D…….-E……… deveriam ter sido excluídas por aplicação analógica do artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP.

XXII. A decisão de qualificação dos Agrupamentos B…….- C……… e D……….- E……….. é ilegal por violação do disposto nos artigos 4º n.º 1, 14º n.º 1 e 2 e 51º n.º 6 da Lei 34/2013 e do artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP.

XXIII. E é, ainda, ilegal, por violação das mesmas disposições legais, a norma do programa do Concurso ínsita no artigo 10º n.º 1.

XXIV. Ao decidir em sentido contrário, violou o Acórdão recorrido as disposições dos artigos 4º n.º 1, 14º n.º 1 e 2, 38º n.º 3 e 51º n.º 6 da Lei 34/2013 e o artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP.

XXV. As normas de contratação pública de direito interno devem ser interpretadas de forma consistente com o direito europeu e com o princípio fundamental da concorrência.

XXVI. As normas concorrenciais europeias e nacionais opõe-se a práticas adotadas entre empresas concorrentes de troca de informações estratégicas, designadamente, mas não exclusivamente, relativa a preços, custos e margens.

XXVII. A adoção, no âmbito da contratação pública, de práticas anti concorrenciais, isto é, suscetíveis de impedir, limitar ou restringir a concorrência, constituirá violação direta do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9º da Lei da Concorrência.

XXVIII. Um dos comportamentos proibidos a que a Comissão Europeia alude expressamente nas suas Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado publicadas no Jornal Oficial C11 DE 14/01/2011 é a troca de informações entre empresas concorrentes (parágrafos 55 e seguintes).

XXIX. A participação num procedimento de contratação pública, de duas ou mais empresas concorrentes – isto é, empresas que atuam no mesmo mercado relevante – em regime de agrupamento, envolve a realização de práticas proibidas pelo que essa participação não pode ser permitida;

XXX. Sendo essa a única interpretação da Diretiva 2014/24 (respetivo artigos 2.º n.º 10 e 19.º n.º2) e do CCP (respetivo artigo 54.º) consentânea com o principio da concorrência.

XXXI. Com efeito, empresas concorrentes que integram um agrupamento para desta forma participarem num procedimento de contratação pública terão forçosamente que trocar entre si informações estratégicas para elaboração da proposta, nomeadamente, da proposta de preço.

XXXII. A apresentação de proposta em regime de agrupamento significa a troca de informações entre operadores económicos sobre preços e sobre a forma como tais preços são construídos, nomeadamente, que custos e margens são considerados para a sua formação.

XXXIII. Os membros dos Agrupamentos aqui em causa irão intercambiar informações sobre a sua política de preços, sobre os custos que consideram na formação dos preços, sobre a margem comercial a que atendem na construção dos preços, sobre eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que pratiquem e sobre quaisquer outros elementos relevantes no seu processo de formação dos preços.

XXXIV. E uma vez efetuada tal troca de informações, decidirão em conjunto os preços que irão propor, os custos que irão considerar e qual o valor dos mesmos, a margem comercial que irão praticar e os eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que irão praticar.

XXXV. E isto quer no presente concurso para a celebração do Acordo Quadro quer em todos os procedimentos que serão lançados ao seu abrigo. Decidindo coordenadamente qual a estratégia comercial que, a nível de preços, irão adotar em todos estes procedimentos.

XXXVI. A este propósito é de realçar que o Acordo Quadro poderá estar em vigor pelo prazo de quatro anos (artigo 3.º do Caderno de Encargos) e que os contratos celebrados ao seu abrigo podem ter um prazo de vigência até três anos (e podem produzir efeitos para além da vigência do Acordo Quadro desde que não excedam tal duração máxima de três anos (artigo 19.º do Caderno de Encargos).

XXXVII. Pelo que os operadores económicos que integram os Agrupamentos irão trocar frequentemente, e durante um período temporal longo, informações sobre a sua política de preços vigente em cada momento, sobre os custos que consideram na formação de preços, sobre a margem comercial a que atendem na construção de preços, sobre os eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que pratiquem e sobre quaisquer outros elementos relevantes no seu processo de formação de preços.

XXXVIII. O que permitirá que cada um infira o comportamento que o outro adotará em futuros procedimentos a que concorram individualmente, adaptando o seu próprio comportamento em função dessa antevisão;

XXXIX. O que, tudo, constitui violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9.º da Lei da Concorrência.

XL. Constitui causa de exclusão das propostas a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência (cf. artigo 70º n.º 2 alínea g) do CCP).

XLI. Esta é também uma causa de exclusão de candidaturas (cf. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2011, pág. 840).

XLII. As candidaturas apresentadas pelos Agrupamentos B…….- C………. e D………… - E………. deveriam ter sido excluídas por aplicação analógica do artigo 70º n.º 2 alínea g) do CCP.

XLIII. A decisão de qualificação dos Agrupamentos é ilegal por violação do disposto nos artigos 101º do TJUE, 9º, 68º n.º 1 al. a) e 69º n.º 2 da Lei 19/2012 e 70 n.º 2 al. g) do CCP e do princípio da concorrência.

XLIV. Ao decidir em contrário, violou o Acórdão recorrido os artigos 101º do TJUE, 9º, 68º n.º 1 al. a) e 69º n.º 2 da Lei 19/2012 e 70 n.º 2 al. g) do CCP e o princípio da concorrência”.

A final a ora recorrente pugna pela admissão da revista e pela integral procedência da mesma.

3. A ESPAP, IP, ora recorrida, apresentou as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões (cfr. contra-alegações – sem paginação no processo físico):

A. O recurso interposto pela Recorrente e nos termos das respectivas alegações não preenche nenhum dos requisitos de que a lei processual administrativa faz depender a admissibilidade do recurso excepcional de revista (artigo 150º, n.º 1, do CPTA).

B. No recurso, e no essencial, estão apenas em causa duas questões de direito perfeitamente adquiridas e pacíficas no direito da União Europeia, no direito interno, na jurisprudência e na doutrina.

C. Uma traduz-se na admissibilidade de agrupamentos em procedimentos de contratação pública, vigorando um princípio de liberdade de forma neste domínio, nenhuma excepção introduzindo a este princípio a Lei da Segurança Privada (Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio), ao contrário do alegado pela Recorrente.

D. A outra encontra-se prejudicada pela primeira, dado que, na perspectiva da Recorrente, a apresentação de candidatura ou de proposta por um agrupamento redundaria sempre numa vantagem concorrencial ilícita por parte dos respectivos membros ou na aquisição privilegiada de informação entre eles, que criaria um mecanismo indutor de condicionamentos e comportamentos dos operadores económicos em violação da Lei da Concorrência e dos princípios fundamentais do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

E. Esta alegação da Recorrente confronta-se igualmente com dados adquiridos e pacíficos no direito da União Europeia, no direito interno, na jurisprudência e na doutrina: não é a mera constituição de agrupamentos que, de per si, emerge como fenómeno violador das regras da concorrência, pois, caso assim fosse, então nunca seria possível a constituição de agrupamentos em procedimentos de contratação pública.

F. Mesmo que, porventura, o recurso venha a ser admitido, em caso algum este poderá proceder, desde logo por na Lei de Segurança Privada nada se descortinar em abono das alegações da Recorrente, quer quanto à inadmissibilidade de agrupamentos de operadores económicos titulares de alvará para o exercício da actividade de segurança privada; quer sobre a inadmissibilidade de uma modalidade jurídica de associação desses mesmo agrupamentos em sede de execução do contrato;

G. A Recorrente pretende um regime especial de contratação pública para a actividade de vigilância e segurança privada, regime que inexiste. Esse regime encontra-se, sim, na Diretiva 2014/24 e no Código dos Contratos Públicos. E nestes diplomas legais estabelecem o princípio geral de liberdade de forma e a possibilidade de instituir modalidades jurídicas de associação na execução de contratos, qualquer que seja a actividade em causa (Considerando 15 e artigo 19.º da Diretiva e artigo 54.º do CCP).

H. E, no caso dos autos, devem associar-se, nos termos das respectivas peças do procedimento e como o estabelece o citado artigo 182º do CCP, todos e apenas “os membros do agrupamento candidato” habilitados ao “exercício de uma atividade regulamentada”, isto é, habilitados ao exercício da actividade de segurança privada.

I. Sendo que a regra do artigo 54º do CCP apenas contempla duas excepções (as previstas no n.º 2 do artigo 117º, nos termos do qual “A entidade convidada não pode integrar um agrupamento quando a consulta prévia ou o ajuste direto seja adotado: a) Ao abrigo das alíneas c) e d) do artigo 19.º, das alíneas c) e d) do artigo 20.º e das alíneas b) e c) do artigo 21.º; ou b) Para a formação de um contrato ao abrigo de um acordo-quadro”.

J. Por sua vez, quanto ao argumento da violação das regras da concorrência que a Recorrente alega, a admitir-se a constituição de agrupamentos, uma tal alegação, para além de violar o direito legal à apresentação de candidaturas e propostas por agrupamentos, revela-se igualmente contra a reiterada e uniforme jurisprudência do TJUE, nos termos da qual a constituição de agrupamentos (assim como a subcontratação) traduz-se e concretiza um meio que permite aos operadores económicos aceder aos benefícios resultantes da execução de um contrato que, isoladamente, provavelmente não conseguiriam obter.

K. A proibição de constituição de agrupamentos constituiria um expediente de restrição da concorrência e um meio desproporcionado e ilegítimo, tanto mais que nenhum benefício resultaria dessa restrição para o interesse público (cfr. o Acórdão de 10-10-2013, Proc. C-94/12, o Acórdão de 7-4-2016, Proc. C-324/14, o Acórdão de 2-6-2016, Proc. C-27/15, o Acórdão de 4-5-2017, Proc. C-387/14 e o Acórdão de 5-4-2017, Proc. C- 298/15).

L. Em síntese, a interpretação da Recorrente é duplamente contra legem, sendo, consequentemente, inaceitável por qualquer entidade adjudicante, ora a ESPAP, e, máxime, por qualquer Tribunal”.

A final pugna pela improcedência da revista, a qual “i) Não deverá ser admitido por não estar reunido nenhum dos requisitos determinados na lei processual administrativa; ii) E a ser admitido deve improceder totalmente por os seus termos serem contra legem”.

4. As contra-interessadas, Agrupamentos B……., SA – C………, SA, e D………, SA – E………, SA, e F………., SA, não apresentaram contra-alegações.

5. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 11.03.2021, veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:
“(…)

Nos presentes autos – acção de contencioso pré-contratual –, a aqui Recorrente Srong impugnou a decisão de qualificação de candidatos no concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança, bem como a declaração de ilegalidade da norma do art. 10º, nº 1 do programa do concurso.
A principal questão que a Recorrente pretende ver discutida na presente revista, é a de saber se, face às especificidades do regime do exercício da actividade de segurança privada estabelecida pela Lei nº 34/2013, de 16/5, nomeadamente considerando os requisitos no que toca a instalações e a meios que são exigidos para a obtenção de alvará, a proibição absoluta da sua transmissibilidade e as condições a obedecer obrigatoriamente na execução dos serviços (nomeadamente a obrigatoriedade de vínculo directo entre a entidade prestadora dos serviços e a entidade adquirente), podem concorrer aos procedimentos de contratação pública empresas de segurança privada em agrupamentos sem que este seja titular de alvará para esse exercício.
Outra questão suscitada é a de saber se viola o princípio da concorrência, que empresas que actuam no mesmo mercado e que, por isso, competem entre si, se possam agrupar e apresentar proposta única a um procedimento de contratação pública.
Alega que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento do art. 54º do CCP (que tem de ser interpretado em harmonia com a Lei da Segurança Privada), pelo que deveriam ter sido excluídas as candidaturas apresentadas pelos Agrupamentos B…….. – C……… e D………. – E………, por aplicação analógica do art. 146, nº 2 alínea c) do CCP; havendo igualmente erro de julgamento sobre a legalidade da decisão de qualificação daqueles Agrupamentos, por violação do disposto nos arts. 4º, nº 1, 14º, nº 1 e 2 e 51º, nº 6 da Lei nº 34/2013 (Lei de Segurança Privada) e do art. 146º, nº 2, al. c) do CCP; e por violação do princípio da concorrência – art. 101º do Tratado de Funcionamento da União Europeia e das regras da Lei da Concorrência – Lei nº 19/2012, de 8/5 (arts. 9º, 68º, nº 1, al. a) e 69º, nº 2) e art. 70º, nº 2, al. g) do CCP.
O TAF na sentença que proferiu entendeu que a acção procedia, em parte, pelo que anulou o acto de qualificação proferido quanto à concorrente F………, SA, com a consequente condenação da Entidade Demandada a abster-se de avaliação e adjudicação da respectiva proposta.
No mais julgou que improcediam as ilegalidades imputadas pela autora, ora Recorrente, à decisão de qualificação dos restantes candidatos, constituídos em Agrupamentos.
O TCA confirmou esta decisão considerando, nomeadamente, quanto à qualificação dos concorrentes em agrupamentos que: “(…) o agrupamento ao candidatar-se ao procedimento, …, não constitui uma pessoa jurídica distinta dos seus membros, os quais já estão constituídos e mantêm a sua personalidade jurídica. Só quando o agrupamento formar uma associação, após a qualificação, passa a ter personalidade jurídica. Até lá os seus membros são pessoal e solidariamente responsáveis pelas obrigações que assumem ao candidatar-se (cfr art 54º, nº 3 e 4 do CCP), sendo respeitantes a cada um dos membros do agrupamento os documentos comprovativos do preenchimento dos requisitos de habilitação ou qualificação do grupo”. Concluiu que a sentença recorrida havia observado tanto a lei nacional – o CCP e a Lei de Segurança Privada -, como a lei comunitária. Igualmente julgou não violado o princípio da concorrência, referindo, nomeadamente, que: “(...), a participação de um agrupamento de empresas que atuam no mesmo mercado (agrupamento uniforme) no procedimento pré-contratual para prestação de serviços de segurança privada não é violador, sem mais, sem resultar comprovado que tal facto lhes concede uma vantagem real relativamente aos demais candidatos, do princípio da concorrência (previsto no art. 1º-A do CCP).
A prática mostra que o objetivo das empresas em se associarem com vista à apresentação de candidaturas e propostas é o de, em conjugação de esforços, pela economia de meios, financeiros, técnicos, de equipamentos, humanos, e de custos, lograrem obter o contrato sujeito à concorrência. Em contrapartida, também a entidade adjudicante, com a participação de agrupamentos de empresas nos procedimentos pré-contratuais, vê crescer a hipótese de conseguir contratos mais favoráveis do que aqueles que lhe proporiam candidatos isolados.
Ora, no caso, a recorrente não alega nem demonstra que as empresas que se apresentaram no procedimento em agrupamento o tenham feito para subverter as regras da concorrência, nem tal se evidencia dos factos provados”.
Assim, o acórdão decidiu não haver fundamento para excluir as candidaturas dos agrupamentos em causa, negando provimento ao recurso da autora (no que aqui interessa).
Ora, sobretudo a questão jurídica respeitante à especificidade do regime do exercício da actividade da segurança privada, estabelecida na Lei de Segurança Privada em articulação com o disposto no art. 54º do CCP, assume relevo jurídico, já que ultrapassa o interesse do caso concreto, tendo potencialidade para abranger muitos outros casos, na matéria complexa da contratação pública, não se conhecendo jurisprudência deste STA sobre a mesma.
Assim, apesar de as instâncias terem convergido na resposta que deram a essa e às restantes questões suscitadas pela Recorrente, é aconselhável a intervenção deste STA, para conhecimento das questões suscitadas, com afastamento da regra da excepcionalidade das revistas”.

6. A Digna Magistrada do MP junto deste Supremo Tribunal, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.


7. Sem vistos legais (cfr. arts. 36.º, n.os 1, al. c), e 2, do CPTA), vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações – sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos termos do art. 608.º, n.º 2, ex vi dos arts. 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC).
Analisadas as mesmas, o thema decidendum circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: (i) erro de julgamento, pois que os Agrupamentos B…….., SA – C…….., SA, e D…….., SA – E………. SA, deveriam ter sido excluídos com base no disposto no artigo 146.º, n.º 2, al. c), do CCP, dispositivo aplicado por via analógica; (ii) erro de julgamento materializado na violação do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 14.º n.os 1 e 2, 38.º, n.º 3, e 51.º, n.º 6, da Lei 34/2013, e no artigo 146.º n.º 2, al. c), do CCP, dada a ilegalidade da decisão de qualificação dos Agrupamentos B………, SA – C………, SA, e D………, SA – E………, SA; (iii) erro de julgamento relacionado com a interpretação e aplicação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9.º da Lei da Concorrência, uma vez que a troca de informações entre empresas concorrentes consubstancia uma prática anti-concorrencial – violadora, portanto, do princípio da concorrência; (iv) erro de julgamento dada a ilegalidade, “por violação das mesmas disposições legais, [d]a norma do programa do Concurso ínsita no artigo 10º n.º 1”.

2.2. Começando pelas duas primeiras questões – errada decisão de não excluir e concomitante errada decisão de qualificar os agrupamentos de empresas supra mencionados –, a argumentação de fundo da recorrente tem como referência genérica a ideia da necessária conjugação e compatibilização do regime previsto no Código dos Contratos Públicos (CCP), em particular na parte relativa aos concursos limitados por prévia qualificação, com o regime jurídico que consta da lei que regulamenta a actividade de segurança privada e as suas especificidades (Lei n.º 34/2013, de 16.05, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 46/2019, de 08.07 – regime do exercício da actividade de segurança privada e da organização de serviços de autoprotecção: Lei da Segurança Privada). Relativamente à actividade de segurança privada, trata-se de actividade económica condicionada à obtenção prévia de alvará (art. 14.º: “A autorização para a prestação de serviços de segurança privada é titulada por alvará”). Ora, argumenta a ora recorrente, “XIII. Os alvarás de que sejam titulares os membros do ACE não se transmitem ao ACE (cf. artigo 51º n.º 6 da Lei da Segurança Privada) pelo que não sendo o ACE titular de alvará, não está legalmente habilitado a prestar serviços de segurança privada”. Designadamente, “XIV. O ACE não poderá utilizar as instalações, a central de receção e monitorização de alarmes e o pessoal (e respetivos uniformes) dos seus membros para prestar os serviços de segurança privada”. Acresce a isto que “XI. Os serviços de segurança privada não poderão ser prestados pelos membros do ACE porquanto a Lei da Segurança Privada impõe que o prestador dos serviços de segurança privada esteja vinculado diretamente à entidade adquirente desses serviços mediante contrato escrito (cf. artigo 38º n.º 3 da Lei da Segurança Privada) pelo que, sendo os contratos de prestação de serviços de segurança privada celebrados com o ACE, não podendo ser de outra forma porque é o ACE o cocontratante do Acordo Quadro, os serviços não poderão ser prestados pelos membros do ACE”.

O entendimento das instâncias foi basicamente o mesmo, assentando, fundamentalmente, no seguinte raciocínio: quer o direito nacional quer o direito europeu admitem a possibilidade de candidataturas em agrupamento de empresas – mesmo tratando-se de um concurso limitado por prévia qualificação (cfr. os artigos 54.º e 178.º do CCP); o procedimento do concurso limitado por prévia qualificação é constituído por duas fases: a fase de apresentação das candidatura e qualificação dos candidatos e a fase da apresentação e análise das propostas e adjudicação (artigo 163.º do CCP); não é exigida qualquer formalização do agrupamento de empresas até à celebração do contrato, mantendo cada uma delas a sua personalidade jurídica (não obstante a lei exigir que, após a adjudicação e antes da celebração do contrato, seja necessária a adopção, pelo agrupamento adjudicatário, de uma particular modalidade de associação jurídica (que, in casu, é a forma de agrupamento complementar de empresas – ACE); os agrupamentos em causa associaram-se informalmente para a apresentação da candidatura; em face disso, o que se requer é que cada candidato, ainda que se apresente em agrupamento, seja possuidor de alvará próprio para exercer a actividade de segurança privada, pois, tal como assinalou a primeira instância, “se se impusesse ao agrupamento de concorrentes a titularidade de alvará, seria exigir a sua constituição prévia na modalidade jurídica e afastar a possibilidade (o direito) previsto no artigo 54.º, n.º 1 e 4 do CCP e afastar desde logo essa possibilidade a atividades reguladas, como o caso da segurança e vigilância, sem que o legislador o tivesse previsto”.
No que concerne especificamente ao acórdão recorrido, aí se pode ler que, “quando o objecto do procedimento seja o exercício de uma actividade regulamentada, de acesso condicionado, dependente da inscrição num registo profissional ou da titularidade de habilitações profissionais específicas – como no caso do exercício da actividade de segurança privada que carece de título, com a natureza de alvará – artigo 4.º, n.os 1 e 3, e 14.º da Lei de Segurança Privada – todos os membros do agrupamento têm de possuir o certificado ou título de habilitação – cfr. arts. 54.º, n.os 1, 3, 4, 81.º e 182.º, n.º 2 do CCP, artigo 6.º da Portaria n.º 372/2017, de 14.02 (define as regras e os termos de apresentação dos documentos de habilitação do adjudicatário no âmbito de procedimento de formação de contratos públicos) e art. 10.º, n.º 1 do PC”. “Este expediente jurídico assim disciplinado pela lei não exige que seja, neste caso, o agrupamento complementar de empresas o titular do alvará que os habilite para a execução do serviço. Com efeito, o agrupamento ao candidatar-se ao procedimento, como já dissemos, não constitui uma pessoa jurídica distinta dos seus membros, os quais já estão constituídos e mantêm a sua personalidade jurídica. Só quando o agrupamento formar uma associação, após a qualificação, passa a ter personalidade jurídica. Até lá, os seus membros são pessoal e solidariamente responsáveis pelas obrigações que assumem ao candidatar-se (cfr. 54.º, n.º 3 e 4 do CCP), sendo respeitantes a cada um dos membros do agrupamento os documentos comprovativos do preenchimento dos requisitos de habilitação ou qualificação ou qualificação do grupo”.

Como se pode constatar, estando em causa as alegadamente erradas decisões de não exclusão das candidaturas apresentadas pelos dois agrupamentos de empresas e de qualificação dos mesmos, a argumentação da recorrente foca-se já num momento posterior, em que uma hipotética adjudicação do acordo quadro de prestação de serviços de segurança privada a um deles obrigaria os membros do agrupamento adjudicatário a associarem-se na modalidade jurídica de ACE, com as dificuldades jurídicas que daí adviriam para a execução do contrato. Já as instâncias foram mais sensíveis ao que realmente aconteceu e focaram-se na primeira fase do procedimento – a fase da apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos –, apresentando os supra referidos argumentos. A abordagem das instâncias não deixa de ser correcta e os argumentos em que sustentam as respectivas decisões são juridicamente válidos, mas, em face da argumentação apresentada pela recorrente, haveria que ter ido mais longe.
No respeitante à abordagem da ora recorrente, além do que foi dito pelas instâncias, a mesma incorre em errada compreensão da figura do ACE. Nos termos da Base I.ª da Lei n.º 4/73, de 04.06.1973 (lei que estabelece as normas sobre a constituição e o regime dos agrupamentos complementares de empresas), “As pessoas singulares ou colectivas e as sociedades podem agrupar-se, sem prejuízo da sua personalidade jurídica, a fim de melhorar as condições de exercício ou de resultado das suas actividades económicas”. Segundo Coutinho de Abreu, o ACE configura um instrumento para os agrupados, “no essencial realizarem economias ou conseguirem vantagens económicas directamente produzíveis no património de cada um deles” (cfr. J. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, Coimbra, 2011, p. 33). Significa isto que o propósito do ACE é o de melhorar as condições de exercício ou de resultado das entidades agrupadas, pelo que não tem qualquer sentido exigir-se que ele, ainda que dotado de personalidade jurídica, tenha de ser titular de alvará para o exercício da actividade de segurança privada – muito menos, e por maioria de razão, deverá possuí-lo o agrupamento informal de empresas que apresentou candidatura conjunta com vista à celebração de um acordo quadro no sector da segurança privada, não obstante já nesta primeira fase o candidato ser o agrupamento. Não há dúvidas de que o ACE tem personalidade jurídica (Base IV.ª da Lei n.º 4/73). E, obviamente, a participação em agrupamento de candidatos não formalizado e temporário – o que constitui a regra – tem ou poderá ter repercussões a nível procedimental (o regime de responsabilidade solidária imposto aos membros do agrupamento concorrente no que se refere à manutenção da proposta apresentada) e processual (exigência legal de litisconsórcio necessário ativo no contencioso contratual), mas não, certamente, aquela que a recorrente pretende agora extrair. Qual seja, a de que o ACE tem, ele próprio, de ser titular de alvará para o exercício de actividade de segurança privada, o que implica, de forma mais genérica, que os agrupamentos de empresas não podem apresentar-se a concursos públicos destinados à celebração de contratos públicos para a prestação de serviços na área da segurança privada sob pena de exclusão. Basta, aliás, lembrar que “O agrupamento não tem de ser constituído por entidades que se dediquem à mesma atividade, nem tão pouco à atividade em que consiste a execução do contrato: assim, no procedimento para adjudicação de um contrato de serviços de limpeza pode agrupar-se uma empresa prestadora desses serviços e uma empresa de transporte de pessoas ou de comércio de detergentes (veja-se a referência do artigo 54.º, n.º 1, a «qualquer que seja a atividade exercida»)” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 4.ª ed., Coimbra, 2020, pp. 680-1).

Já quanto ao argumento, sintetizado na alegação XI., de que os “serviços de segurança privada não poderão ser prestados pelos membros do ACE porquanto a Lei da Segurança Privada impõe que o prestador dos serviços de segurança privada esteja vinculado diretamente à entidade adquirente desses serviços mediante contrato escrito (cf. artigo 38º, n.º 3 da Lei da Segurança Privada) pelo que, sendo os contratos de prestação de serviços de segurança privada celebrados com o ACE, não podendo ser de outra forma porque é o ACE o cocontratante do Acordo Quadro, os serviços não poderão ser prestados pelos membros do ACE”, também ele não pode proceder.
Diz o mencionado n.º 3 que “Os contratos de prestação de serviços das empresas de segurança privada são celebrados diretamente com o beneficiário dos serviços prestados, revestem a forma escrita e contêm os elementos previstos no n.º 1, bem como o preço e as condições de prestação dos mesmos”. É verdade que o contrato de prestação de serviços é celebrado entre o ACE e o beneficiário dos serviços prestados, mas daqui não decorre necessariamente que se tenha de chegar à conclusão a que chegou a recorrente. Tal como esta afirma, no caso concreto dos autos impõe-se a conjugação do CCP e da Lei da Segurança Privada. O primeiro, que admite a participação de agrupamentos de empresas em concursos públicos e que exige que os agrupamentos informais que apresentam candidatura conjunta a um concurso, caso lhes vejam ser adjudicado o contrato, terão de adoptar a forma jurídica de associação prevista no programa do procedimento antes da sua celebração (art. 54.º, n.º 4, do CCP), e a segunda, que contém a norma do n.º 3 do artigo 38.º. Ora, para que se possa concluir que a existência desta última norma implica que, no domínio dos contratos que têm por objecto a prestação de serviços na área da segurança privada, não pode aplicar-se o artigo 54.º do CCP, cumpre compreender qual a sua razão de ser, algo que a recorrente não faz. Seja como for, é oportuno relembrar que, como já resulta do anteriormente exposto, o ACE é invólucro puramente jurídico, sendo o somatório das próprias empresas. Não é, pois, uma entidade nova exterior a elas (v.g., não é um intermediário) que se interporia entre as mesmas e o beneficiário dos serviços prestados. Assim sendo, o n.º 3 do artigo 38.º deverá ser interpretado à luz do preceituado no artigo 54.º do CCP e da própria natureza jurídica da figura do ACE, não constituindo obstáculo à possibilidade de agrupamentos de empresas se apresentarem em procedimentos pré-contratuais que têm por objecto a prestação de serviços na área da segurança privada em que, caso lhes seja adjudicado o contrato, tenham de assumir a modalidade de associação jurídica de ACE.
Improcede, deste modo, o alegado erro de julgamento de direito relacionado com a não exclusão e consequente qualificação dos agrupamentos candidatos.

2.3. Passando agora à apreciação da questão da alegada violação do princípio da concorrência, como visto, a recorrente sustenta que a troca de informações entre empresas concorrentes consubstancia uma prática anti-concorrencial nos termos do artigo 101.º do TFUE. Igualmente desrespeitado, segundo a recorrente, é o artigo 9.º da Lei da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 08.05, com a útima versão dada pela Lei n.º 23/2018, de 05.06 – estabelece o novo regime jurídico da concorrência), com a epígrafe “Acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas”. Daí que se impusesse a exclusão dos agrupamentos de empresas que apresentaram candidatura conjunta no concurso público em causa nos presentes autos por aplicação do disposto no artigo 70.º, n.º 2, al. g), do CCP.
Resumidamente, alega a recorrente que as “empresas concorrentes que integram um agrupamento para desta forma participarem num procedimento de contratação pública terão forçosamente que trocar entre si informações estratégicas para elaboração da proposta, nomeadamente, da proposta de preço”. Mais, que “Os membros dos Agrupamentos aqui em causa irão intercambiar informações sobre a sua política de preços, sobre os custos que consideram na formação dos preços, sobre a margem comercial a que atendem na construção dos preços, sobre eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que pratiquem e sobre quaisquer outros elementos relevantes no seu processo de formação dos preços”. E que, “uma vez efetuada tal troca de informações, decidirão em conjunto os preços que irão propor, os custos que irão considerar e qual o valor dos mesmos, a margem comercial que irão praticar e os eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que irão praticar”. E, mais ainda, que isso “permitirá que cada um infira o comportamento que o outro adotará em futuros procedimentos a que concorram individualmente, adaptando o seu próprio comportamento em função dessa antevisão” (cfr. as conclusões XXXI, XXXIII, XXXIV e XXXVIII).
Fundamentalmente, a recorrente parece desenhar duas situações de prática anti-concorrencial: a de um eventual ou potencial conluio ou concertação entre os membros do agrupamento com vista a subverter as regras da concorrência, v.g., a cartelização de preços e a redução artificial do número de candidatos/concorrentes; e a da possibilidade da troca de informações permitir “que cada um infira o comportamento que o outro adotará em futuros procedimentos a que concorram individualmente, adaptando o seu próprio comportamento em função dessa antevisão”). Vejamos.

É sabido que a participação de agrupamentos de empresas no âmbito da contratação pública tem suscitado alguns receios relativamente à ocorrência ou potenciamento de eventuais práticas anti-concorrenciais. O legislador nacional, à semelhança do legislador europeu, foi sensível a esses receios e, por exemplo, consagrou no CCP a proibição da dupla participação (art. 54.º, n.º 2) e estabeleceu a exclusão das propostas como sanção a aplicar neste e noutros casos em que haja suspeitas de práticas anti-concorrenciais (cfr. arts. 146.º, n.º 2, al. b), e 70.º, n.º 2, al. g), do CCP; de acordo com este último, devem ser excluídas as propostas cuja a análise revele a “existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência”). Mas também é sabido que essa participação pode, por algum modo, ser benéfica para a concorrência, sendo certamente por isso que não está proibida na nossa ordem jurídica. A este propósito, afirma Pedro C. Gonçalves que “ao contrário do que sucede noutros sistemas (v.g., em França, artigo 51 do Code des Marchés Publics), em Portugal, o CCP não condiciona expressamente a constituição de agrupamentos em função do respeito pelas regras da concorrência. Não obstante, parece-nos que o princípio da concorrência (enquanto directriz que impõe a máxima abertura à concorrência e ao maior número de operadores) pode justificar a decisão de exclusão de agrupamentos que, comprovadamente, se constituam para abolir uma competição entre os respectivos membros, na hipótese de estes serem operadores concorrentes” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, ob. cit., p. 377).

No acórdão recorrido, depois de se concluir que não se está, nos presentes autos, em face de uma situação de dupla participação proibida pelo artigo 54.º, n.º 2, do CCP, afirma-se o seguinte: “Em suma, como decidido pela 1.ª instância, a participação de um agrupamento de empresas que actuam no mesmo mercado (agrupamento uniforme) no procedimento pré-contratual para prestação de serviços de segurança privada não é violador, sem mais, sem resultar comprovado que tal facto lhes concede uma vantagem real relativamente aos demais candidatos, do princípio da concorrência (previsto no art. 1.º-A do CCP)”. O acórdão recorrido tocou aqui num aspecto fundamental. Realmente, não existe uma presunção de prática anti-concorrencial associada à candidatura de agrupamentos de empresas. Por assim ser, a alegação da ocorrência de práticas anti-concorrenciais tem de vir acompanhada de provas concretas dessa ocorrência, não sendo claramente suficiente a afirmação de que as empresas que apresentaram candidatura conjunta trocaram informações entre eles ocasionando com isso o falseamento da concorrência. A jurisprudência do TJUE alude à necessidade de um controlo casuístico das práticas anti-concorrenciais, desde logo pelas próprias entidades adjudicantes (“É também no sentido da mobilização direta do princípio da concorrência que aponta a jurisprudência europeia, quando – em recusa dos sistemas de presunções inilidíveis em matéria de causas de exclusão dos concorrentes – aceita que a Administração Pública adjudicante verifique se, em concreto, ocorreram situações ou práticas suscetíveis de falsear a concorrência, para o efeito de determinar a exclusão de concorrentes” – cfr. Pedro Costa Gonçalves, ob. cit., p. 378). Ora, a recorrente nada apresenta de concreto que possa servir para apreciar, para efeitos de controlo, a existência de fortes indícios de prática anti-concorrencial (v.g., a prova de que cada uma das empresas do agrupamento candidato, por si só, tinha capacidade técnica e financeira para concorrer sozinha e para executar o contrato, caso este lhe fosse adjudicado). Mesmo a convocação das “Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado publicadas no Jornal Oficial C11 DE 14/01/2011” é vaga, remetendo-se para os “parágrafos 55 e seguintes” – o que, além do já exposto, nos dispensa de analisar a questão da aplicação das ditas orientações ao caso dos autos, tendo em consideração o enunciado na Orientação 15.ª (“O artigo 101.º só é aplicável aos acordos de cooperação horizontal susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros. Os princípios expostos nas presentes orientações relativos à aplicabilidade do artigo 101.º partem, por conseguinte, do pressuposto de que um acordo de cooperação horizontal é susceptível de afectar de forma significativa o comércio entre Estados-Membros”).
Resta sublinhar que, como alerta a recorrida, a lógica subjacente à argumentação da recorrente levaria a que, pura e simplesmente, os agrupamentos de empresas ficassem arredados dos concursos públicos (“E. Esta alegação da Recorrente confronta-se igualmente com dados adquiridos e pacíficos no direito da União Europeia, no direito interno, na jurisprudência e na doutrina: não é a mera constituição de agrupamentos que, de per si, emerge como fenómeno violador das regras da concorrência, pois, caso assim fosse, então nunca seria possível a constituição de agrupamentos em procedimentos de contratação pública”).
Em face do exposto, improcede a alegada violação do princípio da concorrência e dos artigos 101.º TFUE e 9.º da Lei da Concorrência.

2.4. Por fim, temos o erro de julgamento relacionado com a suposta ilegalidade do n.º 1 do artigo 10.º (“Preenchimento das condições de participação por agrupamentos candidatos”) do Programa do Concurso (“XXIII. E é, ainda, ilegal, por violação das mesmas disposições legais, a norma do programa do Concurso ínsita no artigo 10º n.º 1”). É este o respectivo conteúdo: “No caso de o candidato ser um agrupamento, considera-se que preenche os requisitos mínimos de participação no presente concurso se cada um dos seus membros detiver o alvará necessário à prossecução da tipologia de serviços do lote ou dos lotes aos quais pretende concorrer”. Da leitura do acórdão recorrido pode concluir-se que o mesmo julgou improcedente esta alegação com base, fundamentalmente, em duas razões que se complementam. Por um lado, porque, se se concluiu, a propósito das outras questões colocadas e relacionadas com a titularidade de alvará, que não havia violação dos preceitos convocados pela recorrente, também quanto a esta não há violação dos mesmos. Por outro lado, porque o conteúdo do n.º 1 do artigo 10.º é em tudo semelhante ao disposto no artigo 182.º do CCP, “que praticamente reproduz” (“Preenchimento dos requisitos mínimos por agrupamento de candidatos”). Atente-se no disposto neste artigo 182.º do CCP:

1 - Salvo se o programa do concurso dispuser diferentemente e sem prejuízo do disposto no número seguinte, no caso de o candidato ser um agrupamento, considera-se que preenche os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira, desde que, relativamente a cada requisito:
a) Algum dos membros que o integram o preencha individualmente; ou
b) Alguns dos membros que o integram o preencham conjuntamente, quando tal seja possível em função da natureza do requisito exigido.
2 - Quando os requisitos mínimos de capacidade técnica digam respeito a elementos de facto relativos ao exercício de uma atividade regulamentada, os membros do agrupamento candidato a que se referem as alíneas do número anterior devem ser entidades que prossigam aquela atividade”.

Trata-se de justificação acertada, que não merece censura e que aqui acompanhamos. Por assim ser, e sem necessidade de observações complementares, improcede esta última alegação do recorrente.



III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, consequentemente, em manter o acórdão recorrido, julgando improcedente a acção.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 13.05.2021
A presente decisão foi adoptada por unanimidade pelos Senhores Conselheiros Maria Benedita Urbano (Relatora), Jorge Artur Madeira dos Santos e Suzana Tavares da Silva, e vai assinada apenas pela Relatora, com o assentimento (voto de conformidade) dos Senhores Conselheiros adjuntos, de harmonia com o disposto no artigo 15-A (Recolha de assinaturas dos juízes participantes em tribunal colectivo) do DL n.º 10-A/2020, de 13.03 – preceito introduzido pelo DL n.º 20/2020, de 01.05.