Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0325/20.9BESNT |
Data do Acordão: | 05/13/2021 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | MARIA BENEDITA URBANO |
Descritores: | CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL AGRUPAMENTO DE EMPRESAS SEGURANÇA |
Sumário: | I – À partida não existe incompatibilidade jurídica entre a candidatura de agrupamentos de empresas a concursos públicos para prestação de serviços de segurança privada e o regime jurídico do exercício da actividade da segurança privada. II – A apreciação de alegadas práticas anti-concorrenciais por parte de agrupamentos de empresas tem de ser realizada casuisticamente e deve basear-se em provas trazidas aos autos. |
Nº Convencional: | JSTA00071145 |
Nº do Documento: | SA1202105130325/20 |
Data de Entrada: | 04/01/2021 |
Recorrente: | A……….., SA |
Recorrido 1: | ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, IP E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | RECURSO DE REVISTA |
Objecto: | ACÓRDÃO DO TCA SUL |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL |
Legislação Nacional: | ARTIGOS 146.º, n.º 2, al. c), do CCP, 4.º, n.º 1, 14.º n.ºs 1 e 2, 38.º, n.º 3, e 51.º, n.º 6, da Lei 34/2013, DE 16 DE MAIO E 9º DA LEI DA CONCORRÊNCIA |
Legislação Comunitária: | ARTIGO 101º DO TFUE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1. A……….., SA (A……….., SA), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 10.12.2020, que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença do TAF de Sintra, de 24.07.2020, a qual, por sua vez, julgou a acção administrativa de contencioso pré-contratual por si intentada parcialmente procedente. Na mencionada acção de contencioso pré-contratual foi demandada a ESPAP- Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP (ESPAP, IP) e indicadas como contra-interessadas a B…………, SA (B…., SA); a C………., SA (C……., SA), a D……….., SA (D…………, SA), a E……….., SA (E…………, SA), e a F………., SA (F………, SA). A B……., SA, e a C………, SA, apresentaram candidatura ao concurso em agrupamento. Também a D………., SA, e a E………., SA, se agruparam apresentando uma candidatura conjunta. Em causa está um concurso público limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança. 2. Inconformada, a A…………, SA, recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. alegações – sem paginação no processo físico): “I - A questão que se coloca na presente revista é a de saber se, face às especificidades resultantes do regime do exercício da atividade da segurança privada estabelecido pela Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, nomeadamente considerando os requisitos (no que toca a instalações e a meios) que são exigidos para a obtenção do alvará, a proibição absoluta da sua transmissibilidade e as condições a obedecer obrigatoriamente na execução dos serviços (nomeadamente a obrigatoriedade de vínculo direto entre a entidade prestadora dos serviços e a entidade adquirente), podem concorrer aos procedimentos de contratação pública empresas de segurança privada em agrupamento sem que este seja titular de alvará para esse exercício. II. A questão é complexa exigindo a concatenação de dois diplomas, o Código dos Contratos Públicos e a Lei da Segurança Privada; III. Apresenta novidade, não tendo ainda sido apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo; IV. E é suscetível de se repetir em casos futuros, nomeadamente, sempre que sejam lançados concursos para a prestação de serviços de segurança privada. V. Estão, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150º n.º 1 do CPTA, pelo que deverá a mesma ser admitida. VI. Outra questão suscitada na presente revista é a de saber se, tendo em consideração o princípio da concorrência que proíbe toda e qualquer prática suscetível de impedir, restringir ou falsear a concorrência, empresas que atuam no mesmo mercado e que, por isso, competem entre si, se podem agrupar e apresentar proposta única a um procedimento de contratação pública com a inerente e inevitável troca que entre ambas ocorrerá de informações em matéria de preços, custos, margens, etc. permitindo que cada uma delas infira o comportamento da outra em futuros procedimentos a que concorram individualmente, adaptando o seu próprio comportamento futuro em função disso. VII. Esta questão é igualmente uma questão nova e complexa na medida em que para a sua resolução é necessário analisar o CCP e o direito nacional e comunitário da concorrência; VIII. E é igualmente suscetível de se repetir em casos futuros, nomeadamente, sempre que sejam lançados concursos para a prestação de serviços de segurança privada. IX. Estão, por conseguinte, também quanto a esta questão, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150º do CPTA. X. O ACE é uma pessoa coletiva distinta dos respetivos membros (cf. Lei n.º 4/73 Base IV). XI. Os serviços de segurança privada não poderão ser prestados pelos membros do ACE porquanto a Lei da Segurança Privada impõe que o prestador dos serviços de segurança privada esteja vinculado diretamente à entidade adquirente desses serviços mediante contrato escrito (cf. artigo 38º n.º 3 da Lei da Segurança Privada) pelo que, sendo os contratos de prestação de serviços de segurança privada celebrados com o ACE, não podendo ser de outra forma porque é o ACE o cocontratante do Acordo Quadro, os serviços não poderão ser prestados pelos membros do ACE. XII. Não sendo o ACE, ele próprio titular de alvará, não poderá prestar serviços de segurança privada. XIII. Os alvarás de que sejam titulares os membros do ACE não se transmitem ao ACE (cf. artigo 51º n.º 6 da Lei da Segurança Privada) pelo que não sendo o ACE titular de alvará, não está legalmente habilitado a prestar serviços de segurança privada. XIV. O ACE não poderá utilizar as instalações, a central de receção e monitorização de alarmes e o pessoal (e respetivos uniformes) dos seus membros para prestar os serviços de segurança privada. XV. Do exposto decorre que, a manter-se o Acórdão recorrido: - Ou os serviços de segurança privada serão prestados pelo ACE sem alvará e através do uso das instalações e meios materiais e humanos dos seus membros; - Ou os serviços de segurança privada serão prestados pelos membros do ACE que não celebraram os contratos de prestação de serviços de segurança privada com as entidades adquirentes. XVI. Em qualquer das situações, é violada a Lei da Segurança Privada. XVII. A Lei da Segurança Privada impõe, assim, decisão contrária à que foi proferida pelo tribunal a quo. XVIII. Não pode ser permitida a prestação de serviços de segurança privada em violação da Lei da Segurança Privada. XIX. O artigo 54º do CCP não pode ser interpretado isoladamente sem ter em consideração a unidade do sistema jurídico e, concretamente, a Lei da Segurança Privada e as vinculações nela estabelecidas, devendo ser rejeitada toda e qualquer interpretação do artigo 54º do CCP que conduza a uma solução violadora da lei que seguramente não é o resultado pretendido pelo legislador (cf. artigo 9º do Código Civil). XX. O artigo 54º do CCP tem, pois, de ser interpretado em harmonia com a Lei da Segurança Privada, não podendo ser permitido o acesso a concursos para a prestação de serviços de segurança privada por agrupamentos de empresas sem que tais agrupamentos estejam munidos do competente alvará, a aferir desde logo no momento da apresentação da candidatura ou da proposta (cf. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2011, págs. 490 a 496, Acórdãos Tribunal Central Administrativo Sul de 07-11-2013, proc. 10404/13 e de 11-07-2018, proc. 2574/17.8BELSB, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-05-2018, proc. 01093/17.7BEAVR). XXI. As candidaturas apresentadas pelos Agrupamentos B…….- C…….. e D…….-E……… deveriam ter sido excluídas por aplicação analógica do artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP. XXII. A decisão de qualificação dos Agrupamentos B…….- C……… e D……….- E……….. é ilegal por violação do disposto nos artigos 4º n.º 1, 14º n.º 1 e 2 e 51º n.º 6 da Lei 34/2013 e do artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP. XXIII. E é, ainda, ilegal, por violação das mesmas disposições legais, a norma do programa do Concurso ínsita no artigo 10º n.º 1. XXIV. Ao decidir em sentido contrário, violou o Acórdão recorrido as disposições dos artigos 4º n.º 1, 14º n.º 1 e 2, 38º n.º 3 e 51º n.º 6 da Lei 34/2013 e o artigo 146º n.º 2 alínea c) do CCP. XXV. As normas de contratação pública de direito interno devem ser interpretadas de forma consistente com o direito europeu e com o princípio fundamental da concorrência. XXVI. As normas concorrenciais europeias e nacionais opõe-se a práticas adotadas entre empresas concorrentes de troca de informações estratégicas, designadamente, mas não exclusivamente, relativa a preços, custos e margens. XXVII. A adoção, no âmbito da contratação pública, de práticas anti concorrenciais, isto é, suscetíveis de impedir, limitar ou restringir a concorrência, constituirá violação direta do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9º da Lei da Concorrência. XXVIII. Um dos comportamentos proibidos a que a Comissão Europeia alude expressamente nas suas Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado publicadas no Jornal Oficial C11 DE 14/01/2011 é a troca de informações entre empresas concorrentes (parágrafos 55 e seguintes). XXIX. A participação num procedimento de contratação pública, de duas ou mais empresas concorrentes – isto é, empresas que atuam no mesmo mercado relevante – em regime de agrupamento, envolve a realização de práticas proibidas pelo que essa participação não pode ser permitida; XXX. Sendo essa a única interpretação da Diretiva 2014/24 (respetivo artigos 2.º n.º 10 e 19.º n.º2) e do CCP (respetivo artigo 54.º) consentânea com o principio da concorrência. XXXI. Com efeito, empresas concorrentes que integram um agrupamento para desta forma participarem num procedimento de contratação pública terão forçosamente que trocar entre si informações estratégicas para elaboração da proposta, nomeadamente, da proposta de preço. XXXII. A apresentação de proposta em regime de agrupamento significa a troca de informações entre operadores económicos sobre preços e sobre a forma como tais preços são construídos, nomeadamente, que custos e margens são considerados para a sua formação. XXXIII. Os membros dos Agrupamentos aqui em causa irão intercambiar informações sobre a sua política de preços, sobre os custos que consideram na formação dos preços, sobre a margem comercial a que atendem na construção dos preços, sobre eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que pratiquem e sobre quaisquer outros elementos relevantes no seu processo de formação dos preços. XXXIV. E uma vez efetuada tal troca de informações, decidirão em conjunto os preços que irão propor, os custos que irão considerar e qual o valor dos mesmos, a margem comercial que irão praticar e os eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que irão praticar. XXXV. E isto quer no presente concurso para a celebração do Acordo Quadro quer em todos os procedimentos que serão lançados ao seu abrigo. Decidindo coordenadamente qual a estratégia comercial que, a nível de preços, irão adotar em todos estes procedimentos. XXXVI. A este propósito é de realçar que o Acordo Quadro poderá estar em vigor pelo prazo de quatro anos (artigo 3.º do Caderno de Encargos) e que os contratos celebrados ao seu abrigo podem ter um prazo de vigência até três anos (e podem produzir efeitos para além da vigência do Acordo Quadro desde que não excedam tal duração máxima de três anos (artigo 19.º do Caderno de Encargos). XXXVII. Pelo que os operadores económicos que integram os Agrupamentos irão trocar frequentemente, e durante um período temporal longo, informações sobre a sua política de preços vigente em cada momento, sobre os custos que consideram na formação de preços, sobre a margem comercial a que atendem na construção de preços, sobre os eventuais descontos, aumentos, reduções ou abatimentos que pratiquem e sobre quaisquer outros elementos relevantes no seu processo de formação de preços. XXXVIII. O que permitirá que cada um infira o comportamento que o outro adotará em futuros procedimentos a que concorram individualmente, adaptando o seu próprio comportamento em função dessa antevisão; XXXIX. O que, tudo, constitui violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9.º da Lei da Concorrência. XL. Constitui causa de exclusão das propostas a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência (cf. artigo 70º n.º 2 alínea g) do CCP). XLI. Esta é também uma causa de exclusão de candidaturas (cf. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2011, pág. 840). XLII. As candidaturas apresentadas pelos Agrupamentos B…….- C………. e D………… - E………. deveriam ter sido excluídas por aplicação analógica do artigo 70º n.º 2 alínea g) do CCP. XLIII. A decisão de qualificação dos Agrupamentos é ilegal por violação do disposto nos artigos 101º do TJUE, 9º, 68º n.º 1 al. a) e 69º n.º 2 da Lei 19/2012 e 70 n.º 2 al. g) do CCP e do princípio da concorrência. XLIV. Ao decidir em contrário, violou o Acórdão recorrido os artigos 101º do TJUE, 9º, 68º n.º 1 al. a) e 69º n.º 2 da Lei 19/2012 e 70 n.º 2 al. g) do CCP e o princípio da concorrência”. A final a ora recorrente pugna pela admissão da revista e pela integral procedência da mesma. 3. A ESPAP, IP, ora recorrida, apresentou as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões (cfr. contra-alegações – sem paginação no processo físico): “A. O recurso interposto pela Recorrente e nos termos das respectivas alegações não preenche nenhum dos requisitos de que a lei processual administrativa faz depender a admissibilidade do recurso excepcional de revista (artigo 150º, n.º 1, do CPTA). B. No recurso, e no essencial, estão apenas em causa duas questões de direito perfeitamente adquiridas e pacíficas no direito da União Europeia, no direito interno, na jurisprudência e na doutrina. C. Uma traduz-se na admissibilidade de agrupamentos em procedimentos de contratação pública, vigorando um princípio de liberdade de forma neste domínio, nenhuma excepção introduzindo a este princípio a Lei da Segurança Privada (Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio), ao contrário do alegado pela Recorrente. D. A outra encontra-se prejudicada pela primeira, dado que, na perspectiva da Recorrente, a apresentação de candidatura ou de proposta por um agrupamento redundaria sempre numa vantagem concorrencial ilícita por parte dos respectivos membros ou na aquisição privilegiada de informação entre eles, que criaria um mecanismo indutor de condicionamentos e comportamentos dos operadores económicos em violação da Lei da Concorrência e dos princípios fundamentais do Tratado de Funcionamento da União Europeia. E. Esta alegação da Recorrente confronta-se igualmente com dados adquiridos e pacíficos no direito da União Europeia, no direito interno, na jurisprudência e na doutrina: não é a mera constituição de agrupamentos que, de per si, emerge como fenómeno violador das regras da concorrência, pois, caso assim fosse, então nunca seria possível a constituição de agrupamentos em procedimentos de contratação pública. F. Mesmo que, porventura, o recurso venha a ser admitido, em caso algum este poderá proceder, desde logo por na Lei de Segurança Privada nada se descortinar em abono das alegações da Recorrente, quer quanto à inadmissibilidade de agrupamentos de operadores económicos titulares de alvará para o exercício da actividade de segurança privada; quer sobre a inadmissibilidade de uma modalidade jurídica de associação desses mesmo agrupamentos em sede de execução do contrato; G. A Recorrente pretende um regime especial de contratação pública para a actividade de vigilância e segurança privada, regime que inexiste. Esse regime encontra-se, sim, na Diretiva 2014/24 e no Código dos Contratos Públicos. E nestes diplomas legais estabelecem o princípio geral de liberdade de forma e a possibilidade de instituir modalidades jurídicas de associação na execução de contratos, qualquer que seja a actividade em causa (Considerando 15 e artigo 19.º da Diretiva e artigo 54.º do CCP). H. E, no caso dos autos, devem associar-se, nos termos das respectivas peças do procedimento e como o estabelece o citado artigo 182º do CCP, todos e apenas “os membros do agrupamento candidato” habilitados ao “exercício de uma atividade regulamentada”, isto é, habilitados ao exercício da actividade de segurança privada. I. Sendo que a regra do artigo 54º do CCP apenas contempla duas excepções (as previstas no n.º 2 do artigo 117º, nos termos do qual “A entidade convidada não pode integrar um agrupamento quando a consulta prévia ou o ajuste direto seja adotado: a) Ao abrigo das alíneas c) e d) do artigo 19.º, das alíneas c) e d) do artigo 20.º e das alíneas b) e c) do artigo 21.º; ou b) Para a formação de um contrato ao abrigo de um acordo-quadro”. J. Por sua vez, quanto ao argumento da violação das regras da concorrência que a Recorrente alega, a admitir-se a constituição de agrupamentos, uma tal alegação, para além de violar o direito legal à apresentação de candidaturas e propostas por agrupamentos, revela-se igualmente contra a reiterada e uniforme jurisprudência do TJUE, nos termos da qual a constituição de agrupamentos (assim como a subcontratação) traduz-se e concretiza um meio que permite aos operadores económicos aceder aos benefícios resultantes da execução de um contrato que, isoladamente, provavelmente não conseguiriam obter. K. A proibição de constituição de agrupamentos constituiria um expediente de restrição da concorrência e um meio desproporcionado e ilegítimo, tanto mais que nenhum benefício resultaria dessa restrição para o interesse público (cfr. o Acórdão de 10-10-2013, Proc. C-94/12, o Acórdão de 7-4-2016, Proc. C-324/14, o Acórdão de 2-6-2016, Proc. C-27/15, o Acórdão de 4-5-2017, Proc. C-387/14 e o Acórdão de 5-4-2017, Proc. C- 298/15). L. Em síntese, a interpretação da Recorrente é duplamente contra legem, sendo, consequentemente, inaceitável por qualquer entidade adjudicante, ora a ESPAP, e, máxime, por qualquer Tribunal”. A final pugna pela improcedência da revista, a qual “i) Não deverá ser admitido por não estar reunido nenhum dos requisitos determinados na lei processual administrativa; ii) E a ser admitido deve improceder totalmente por os seus termos serem contra legem”. Nos presentes autos – acção de contencioso pré-contratual –, a aqui Recorrente Srong impugnou a decisão de qualificação de candidatos no concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança, bem como a declaração de ilegalidade da norma do art. 10º, nº 1 do programa do concurso. 6. A Digna Magistrada do MP junto deste Supremo Tribunal, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
II – Fundamentação
1. De facto: Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC. 2.2. Começando pelas duas primeiras questões – errada decisão de não excluir e concomitante errada decisão de qualificar os agrupamentos de empresas supra mencionados –, a argumentação de fundo da recorrente tem como referência genérica a ideia da necessária conjugação e compatibilização do regime previsto no Código dos Contratos Públicos (CCP), em particular na parte relativa aos concursos limitados por prévia qualificação, com o regime jurídico que consta da lei que regulamenta a actividade de segurança privada e as suas especificidades (Lei n.º 34/2013, de 16.05, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 46/2019, de 08.07 – regime do exercício da actividade de segurança privada e da organização de serviços de autoprotecção: Lei da Segurança Privada). Relativamente à actividade de segurança privada, trata-se de actividade económica condicionada à obtenção prévia de alvará (art. 14.º: “A autorização para a prestação de serviços de segurança privada é titulada por alvará”). Ora, argumenta a ora recorrente, “XIII. Os alvarás de que sejam titulares os membros do ACE não se transmitem ao ACE (cf. artigo 51º n.º 6 da Lei da Segurança Privada) pelo que não sendo o ACE titular de alvará, não está legalmente habilitado a prestar serviços de segurança privada”. Designadamente, “XIV. O ACE não poderá utilizar as instalações, a central de receção e monitorização de alarmes e o pessoal (e respetivos uniformes) dos seus membros para prestar os serviços de segurança privada”. Acresce a isto que “XI. Os serviços de segurança privada não poderão ser prestados pelos membros do ACE porquanto a Lei da Segurança Privada impõe que o prestador dos serviços de segurança privada esteja vinculado diretamente à entidade adquirente desses serviços mediante contrato escrito (cf. artigo 38º n.º 3 da Lei da Segurança Privada) pelo que, sendo os contratos de prestação de serviços de segurança privada celebrados com o ACE, não podendo ser de outra forma porque é o ACE o cocontratante do Acordo Quadro, os serviços não poderão ser prestados pelos membros do ACE”. O entendimento das instâncias foi basicamente o mesmo, assentando, fundamentalmente, no seguinte raciocínio: quer o direito nacional quer o direito europeu admitem a possibilidade de candidataturas em agrupamento de empresas – mesmo tratando-se de um concurso limitado por prévia qualificação (cfr. os artigos 54.º e 178.º do CCP); o procedimento do concurso limitado por prévia qualificação é constituído por duas fases: a fase de apresentação das candidatura e qualificação dos candidatos e a fase da apresentação e análise das propostas e adjudicação (artigo 163.º do CCP); não é exigida qualquer formalização do agrupamento de empresas até à celebração do contrato, mantendo cada uma delas a sua personalidade jurídica (não obstante a lei exigir que, após a adjudicação e antes da celebração do contrato, seja necessária a adopção, pelo agrupamento adjudicatário, de uma particular modalidade de associação jurídica (que, in casu, é a forma de agrupamento complementar de empresas – ACE); os agrupamentos em causa associaram-se informalmente para a apresentação da candidatura; em face disso, o que se requer é que cada candidato, ainda que se apresente em agrupamento, seja possuidor de alvará próprio para exercer a actividade de segurança privada, pois, tal como assinalou a primeira instância, “se se impusesse ao agrupamento de concorrentes a titularidade de alvará, seria exigir a sua constituição prévia na modalidade jurídica e afastar a possibilidade (o direito) previsto no artigo 54.º, n.º 1 e 4 do CCP e afastar desde logo essa possibilidade a atividades reguladas, como o caso da segurança e vigilância, sem que o legislador o tivesse previsto”. Já quanto ao argumento, sintetizado na alegação XI., de que os “serviços de segurança privada não poderão ser prestados pelos membros do ACE porquanto a Lei da Segurança Privada impõe que o prestador dos serviços de segurança privada esteja vinculado diretamente à entidade adquirente desses serviços mediante contrato escrito (cf. artigo 38º, n.º 3 da Lei da Segurança Privada) pelo que, sendo os contratos de prestação de serviços de segurança privada celebrados com o ACE, não podendo ser de outra forma porque é o ACE o cocontratante do Acordo Quadro, os serviços não poderão ser prestados pelos membros do ACE”, também ele não pode proceder. Trata-se de justificação acertada, que não merece censura e que aqui acompanhamos. Por assim ser, e sem necessidade de observações complementares, improcede esta última alegação do recorrente.
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, consequentemente, em manter o acórdão recorrido, julgando improcedente a acção. Custas pela recorrente. Lisboa, 13.05.2021 |