Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01249/05
Data do Acordão:03/08/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
REVERSÃO DE EXECUÇÃO.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
Sumário:É a oposição à execução, e não a impugnação judicial, o meio processual adequado para o executado por reversão discutir em juízo o despacho determinativo dessa reversão, imputando-lhe vício de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais.
Nº Convencional:JSTA00062883
Nº do Documento:SA22006030801249
Data de Entrada:12/12/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART97 ART151 ART204 ART276.
CPTRIB91 ART355.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC501/05 DE 2005/06/29.; AC STA PROC1229/04 DE 2005/05/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG1044-1045.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA)
1.1. A..., residente em ..., recorre do despacho da Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que indeferiu liminarmente a petição de impugnação judicial que deduziu contra execução fiscal contra si mandada reverter enquanto responsável subsidiário.
Formula as seguintes conclusões:
«1.
Conclui a decisão de que ora se recorre que os factos alegados pelo impugnante, ora Recorrente, na sua petição inicial não integram fundamento de Impugnação judicial, sendo o meio próprio para reagir contra o despacho de reversão em sede de processo executivo a oposição à execução, razão pela qual rejeita a petição inicial apresentada pelo ora Recorrente.
2.
Não pode o Recorrente concordar com tal decisão, já que o que está em causa na presente impugnação judicial, e constitui o respectivo fundamento, é a verificação da legalidade de um determinado acto da Administração Fiscal – despacho de reversão – e não de qualquer aspecto da execução fiscal na sua globalidade. Isto é, a presente impugnação judicial fundamenta-se, tal como ficou amplamente explicitado na petição inicial oportunamente apresentada, na ausência e vício da fundamentação (ou seja, na ilegalidade) do acto da Administração Fiscal de determinação da reversão.
3.
Conclui, assim, o ora Recorrente, que o tribunal a quo terá, provavelmente, construído a sua decisão com base num erro de apreciação no que respeita ao verdadeiro fundamento da impugnação judicial apresentada, já que considerou que o Impugnante, ora Recorrente, pretendia pôr em causa a execução fiscal, o que não se verifica, uma vez que o que se pretendia pôr em causa era a legalidade da um determinado acto isolado da Administração Fiscal (decisão de reversão). Ora, a legalidade dos actos da Administração Fiscal é, nos termos da lei, apreciada em sede de impugnação judicial, e não em sede de oposição à execução. Senão vejamos:
4.
Estabelece o art. 23°, n.° 2 da LGT que a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos devedores solidários. Também o n.° 4 deste artigo estabelece que a reversão é precedida da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação. Ora, entende o Recorrente que a reversão em apreço não foi precedida da declaração fundamentada dos respectivos pressupostos.
5.
E isto porque, resulta da lei (art. 23°, n.° 2 LGT) que é pressuposto da reversão que os bens penhoráveis do devedor principal sejam, efectivamente, insuficientes para a liquidação das dividas. Ora, no que a esta matéria diz respeito, verifica-se uma manifesta falta de fundamentação da declaração de reversão, não se prova a insuficiência dos bens penhoráveis da executada principal. Ao invés, é reconhecida pela própria Administração Fiscal a existência, a favor do executado principal, de um crédito de IVA só por si suficiente para satisfazer o pagamento das quantias reclamadas, o que demonstra a falta de fundamentação da declaração de reversão no que respeita à eventual insuficiência dos bens da executada principal.
6.
Conclui-se, então, que a declaração dos pressupostos e extensão da reversão aqui em causa padece de uma total ausência de fundamentação, ao contrário do que impõe a lei.
7.
A falta de fundamentação deste acto da administração fiscal acarreta a sua nulidade, sendo esse o pedido que está na base da impugnação fiscal apresentada pelo ora Recorrente, isto é, a declaração de nulidade do acto da Administração Fiscal de determinação da reversão contra o ora Recorrente por manifesta falta de fundamentação.
8.
Tendo em conta o pedido que está na base da impugnação judicial apresentada pelo Recorrente – declaração de nulidade do acto da administração fiscal de reversão da execução contra o Recorrente – e analisando o que estabelece a lei nesta matéria, entende o Recorrente que a impugnação fiscal é, claramente, o meio adequado ao efeito pretendido, e não a oposição à execução.
9.
E isto porque o pedido de declaração de nulidade de um determinado acto da administração fiscal por falta de fundamentação não cabe em qualquer um dos casos previstos no n.° 1 do art. 204° do CPPT como constituindo fundamento para a oposição à execução, nem mesmo na alínea i), cuja abertura e amplitude terão, necessariamente, de ser apreciadas ao abrigo da racio, concepções jurídicas e intenções que estão na base dos fundamentos estabelecidos no art. 204° do CPPT para reagir a uma execução fiscal, todos eles intimamente relacionados com a natureza processual da execução. Com efeito, a alínea i) do n° 1 do art. 204 do CPPT só poderá ser entendida como um fundamento de carácter residual relativamente aos fundamentos plasmados nas alíneas anteriores, com eles intimamente relacionado, e nunca como meio processual autónomo para pôr em causa a legalidade de um acto isolado da Administração Fiscal que lesa os interesses e direitos do ora Recorrente e de que este toma conhecimento, pela primeira vez, através da nota de citação inserida, por opção da Administração Fiscal, num processo executivo.
10.
Assim, e como têm, aliás, entendido os nossos Tribunais, no caso da oposição à execução fiscal, só são admissíveis como causas de pedir os factos subsumíveis a qualquer uma das alíneas do art. 204º, n.° 1 do CPPT. Ora a causa de pedir, bem como o pedido, da impugnação judicial apresentada pelo ora Recorrente não integra factos subsumíveis em qualquer uma das alíneas do n° 1 deste art. 204º.
11.
Ao invés, tal pedido integra o elenco de situações que constituem fundamento de impugnação judicial, nos termos do disposto no art. 99° do CPPT, que estabelece que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente, a ausência ou vicio da fundamentação legalmente exigida (art. 99°, c) do CPPT). Aliás, têm também entendido os nossos Tribunais que as decisões preferidas pelos agentes da Administração Fiscal no âmbito de uma execução que ponham em causa direitos ou interesses legítimos do executado são passíveis de recurso judicial para o Tribunal Administrativo e Fiscal competente.
12.
Cumpre, ainda referir o disposto no n.° 2 do art. 97º da Lei Geral Tributária: A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo. Ora, concedendo o ora Recorrente que a matéria aqui em apreço se reveste de alguma delicadeza e ambiguidade, permite-se o mesmo concluir que, em última instância, e dado que a Lei não refere expressamente qual o meio concretamente adequado para reagir contra a legalidade da decisão da AF de determinar uma reversão, deve recair sobre o interessado a opção pelo meio que considera mais adequado para impugnar o acto que o afecta e fazer valer a sua pretensão. Mais ainda se tivermos em conta que o mecanismo da impugnação judicial permite ao interessado dispor de um prazo consideravelmente mais favorável.
13.
Interpretar o artigo 204° do CPPT no sentido de impedir o interessado de optar pelo meio processual que melhor se adequa às suas pretensões, sem que tal imposição se encontre expressamente prevista na lei, e impor-lhe o recurso a um único meio processual, com contornos menos favoráveis, constitui uma interpretação inconstitucional por clara violação ao seu direito de acesso aos tribunais e aos seus direitos de defesa constitucionalmente consagrados.
14.
Posto tudo isto, conclui-se ser a impugnação judicial o meio idóneo e adequado para reagir contra o acto da administração fiscal – despacho de reversão não devidamente fundamentado – aqui em causa, ao contrário do que conclui a decisão ora recorrida.
15.
Sendo a impugnação judicial o meio idóneo e adequado para reagir contra o despacho de reversão aqui em apreço, tendo o ora Recorrente legitimidade para tanto, e tendo a impugnação judicial sido apresentada em tempo, não haverá motivo para rejeitar a petição inicial, devendo, antes o processo seguir os seus termos normais até à prolação da decisão final.
16.
Deste modo, permite-se o Recorrente discordar da decisão de que ora recorre, requerendo a admissão do presente recurso e, subsequentemente, a revogação da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, com a consequente admissão da petição inicial e prosseguimento dos autos até final.
Termos em que espera o Recorrente ver concedido o provimento ao presente recurso».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento, conforme doutrina e jurisprudência que refere.
1.4. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2. No despacho impugnado houve-se por provado o seguinte:
«a)
A execução fiscal em causa nos autos tem o n.° 2119200101002147 e apensos e foi instaurada no Serviço de Finanças de Torres Novas, de ...., conf. inf. de fls. 14 dos autos.
b)
Ainda a fls. 14 consta o despacho de reversão contra o aqui impugnante (e outros), por reversão.
c)
A fls. 7 dos autos consta a nota de citação em 07.04.2005 na pessoa do aqui impugnante, por reversão, no processo supra referido e na qualidade de responsável subsidiário para pagamento da quantia exequenda, no montante de € 12.933,00.
d)
A petição inicial da presente impugnação deu entrada neste TAF em 08/06/2005».
***
3.1. Uma vez mais é este Tribunal solicitado a pronunciar-se sobre a questão de definir o meio processual de que deve usar o executado por reversão que pretende a nulidade ou a anulação do despacho dela determinativo, por ilegal.
Face à recorrência do tema, retoma-se aqui o que se escreveu no acórdão de 29 de Junho de 2005, proferido no recurso nº 501/05, em que, aliás, a argumentação do recorrente, ainda que mais concisa, era semelhante àquela com que agora nos confrontamos.
Nesse aresto, depois de se sublinhar que a questão tem merecido tratamento uniforme por parte do Tribunal, transcreveu-se o seguinte trecho do acórdão de 12 de Maio de 2005, proferido no recurso nº 1229/04:
«(...) como este S.T.A. vem decidindo, o despacho de reversão da execução não é passível de impugnação judicial, mas sim de oposição à execução fiscal (v. entre outros, os Acs. S.T.A. de 4/11/98, rec. 22728, 24/1/01, rec. 25701 e 7/5/03, rec. 159/03, relatado pelo ora relator).
Neste, a este propósito, referiu-se o seguinte:
“Porém, a impugnação apenas é admitida, como decorre do art. 97º. nº 1 do citado compêndio normativo, nas situações previstas nas suas alíneas a) e g).
Significa isto que o revertido pode deduzir impugnação judicial, com fundamento em qualquer ilegalidade, porém, apenas naquelas situações; nelas não se inclui, todavia, o despacho que ordena a reversão da execução.
De concluir é, pois, que do despacho que ordena a reversão não cabe impugnação judicial.
Por outro lado, face ao disposto no artº 204º nº 1 al. b) do C.P.P.T., desde logo resulta que, quando o revertido pretenda discutir a responsabilidade pelo pagamento da divida, o meio próprio é a oposição.
O que também resulta do art. 151º daquele Compêndio normativo (C.P.P.T.), na medida em que o afastamento da responsabilidade da pessoa citada pelo pagamento da dívida traduz-se na ilegitimidade daquela face à instância executiva, constituindo um dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, o que, tudo, deve ser discutido em sede de oposição”.
Em suma, ao usar o meio processual impugnação judicial em vez da oposição à execução, cometeu o recorrido e então impugnante, erro na forma do processo».
3.2. O recorrente afirma que o que põe em causa com a impugnação judicial deduzida é a nulidade, por ilegalidades várias, do acto de reversão, e não a execução fiscal na sua globalidade; assim, a situação não cabe na previsão da alínea i) do nº 1 do artigo 204º do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT).
Mas já o artigo 151º nº 1 do CPPT afirma ser a oposição o meio processual adequado para questionar os pressupostos da responsabilidade subsidiária, ou seja, o meio para o revertido questionar a legalidade do despacho de reversão quanto à sua legalidade, designadamente, como aqui é o caso, a inexistência de bens do devedor originário.
É certo que, nos termos das alíneas c) e d) do artigo 99º do CPPT, a impugnação pode fundar-se em qualquer ilegalidade, designadamente, a «ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida» e a «preterição de outras formalidades legais». Sendo objectivo do recorrente demonstrar que o acto que determinou a reversão da execução contra si enferma de vício atinente à fundamentação, e que não foram cumpridas formalidades impostas pela lei, parece adequado, à luz das transcritas alíneas, usar a impugnação.
Mas o artigo 99º do CPPT não pode ser lido isoladamente.
O artigo 97º do diploma, ao enumerar os tipos de processos que se incluem no processo judicial tributário, refere-se, em várias alíneas, a impugnações: dos actos de liquidação de tributos, dos de fixação de matéria tributável, dos de fixação de valores patrimoniais, dos de indeferimento de reclamações graciosas, dos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade da liquidação, e das providências cautelares adoptadas pela Administração Tributária.
A impugnação dos despachos de reversão proferidos no processo de execução fiscal não cabe neste rol.
Surpreende-se, em tudo isto, alguma confusão terminológica de que o legislador não sai inocentado.
Na realidade, os actos praticados na execução fiscal pelo órgão que a dirige são judicialmente «impugnáveis», isto é, podem ser levados à discussão perante os tribunais, mas sem que essa sua «impugnação» se faça através do processo judicial tipificado denominado «impugnação judicial».
Em regra, esses actos são impugnáveis mediante a forma processual a que, hoje, o artigo 276º do CPPT chama «reclamação», e que, anteriormente, o artigo 355º do Código de Processo Tributário designava por «recurso judicial» (designação que, ainda assim, continua a ser usada nos artigos 62º nº 1 alínea g) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984, na redacção dada pelo artigo 1º de decreto-lei nº 229/96, de 29 de Novembro, 10º nº 1 do Regulamento de Custas nos Processos Tributários, e no já citado 97º nº 1 alínea n) do próprio CPPT).
Porém, no que toca ao despacho de reversão, alguma doutrina e a generalidade da jurisprudência têm entendido que o meio mais adequado, por melhor tutelar os interesses do revertido, não é aquela reclamação, mas a oposição à execução. Os argumentos em que se estriba este entendimento, que aqui nos dispensamos de referir por não ser questão que se imponha tratar no presente recurso, em que a alternativa colocada é entre a impugnação e a oposição, podem ver-se em JORGE LOPES DE SOUSA, CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO, 4ª edição, pág. 1044 a 1045.
A decisão recorrida integrou-se nesta corrente doutrinária e jurisprudencial, como, aliás, nela é referido.
3.3. Queixa-se o recorrente de que a interpretação da lei de que resulte o entendimento de que o meio processual adequado para fazer valer os seus direitos, num caso como o presente, é a oposição à execução, «constitui uma interpretação inconstitucional por clara violação do seu direito de acesso aos tribunais e aos seus direitos de defesa constitucionalmente consagrados» (conclusão 13.).
Mas não é por o processo seguir uma ou outra forma que deixam de ser apreciados os fundamentos alegados pelo interessado. Ao invés, é para melhor o possibilitar que se deve seguir a forma apropriada e não outra.
Improcedem, pelo exposto, as conclusões das alegações do recurso.
***
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar a decisão impugnada.
Custas a cargo do recorrente, com 1/6 (um sexto) de procuradoria.
***
Lisboa, 8 de Março de 2006. – Baeta de Queiroz (relator) – Pimenta de Vale – Lúcio Barbosa.