Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:059/20.4BALSB
Data do Acordão:04/21/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
Sumário:Tendo os gastos com remunerações sujeitas a tributação autónoma concorrido para a determinação do lucro tributável do Requerente, inscritas no Balancete Analítico Global do Requerente reportado a 31.12.2013, não merece dúvida que foi no exercício de 2013 que os mesmos se repercutiram negativamente na receita fiscal, pelo que afectam a liquidação de IRC desse mesmo exercício.
Nº Convencional:JSTA000P27542
Nº do Documento:SAP20210421059/20
Data de Entrada:06/30/2020
Recorrente:BANCO Z........., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Banco Z……… S.A., pessoa coletiva número ………., com sede na Rua ………, n.º …….., Edifício ………, ………, Oeiras, 2770-……… Paço de Arcos, Requerente nos autos de processo arbitral n.º 615/2019-T, que correram termos no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, onde é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo sido notificado da decisão arbitral proferida no processo em referência, e com a mesma não se conformando, vem, nos termos do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência da decisão arbitral para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
É interposto recurso de dois dos três segmentos daquela decisão arbitral nos seguintes termos:
(i) Do segmento da decisão que julgou ser aplicável tributação autónoma, à taxa de 35%, sobre a compensação paga a um administrador do Recorrente, pela renúncia ao cargo antes do final do mandato (210.000€, acrescidos de juros compensatórios), porque a decisão contradiz o acórdão proferido pelo CAAD a 07-11-2017, no processo n.º 163/2017-T, no qual se julgou uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos;
(ii) Do segmento da decisão que julgou ser aplicável tributação autónoma, à taxa de 35%, sobre os bónus e outras remunerações variáveis pagas a administradores do Recorrente (41.245,40€, acrescidos de juros compensatórios) com referência ao exercício da sua contabilização, porque a decisão contradiz o acórdão proferido pelo CAAD a 22-12-2015, no processo n.º 204/2015-T, no qual se julgou uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos.

Alegou, tendo concluído:
Uniformização de jurisprudência com o Acórdão-Fundamento I
A) Tanto no caso objeto da decisão arbitral a quo como no caso do Acórdão- Fundamento I estava em causa a tributação autónoma, à taxa de 35%, da compensação paga a um administrador da Requerente que renunciou ao cargo antes do final do mandato.
B) No Acórdão-Fundamento I distinguiram-se as várias situações abrangidas pelo art.º 88º, nº13, al. a), tendo-se concluído que – enquadrando-se os gastos por rescisão na segunda parte daquela norma – dúvidas não subsistem de que se encontram excluídas de tributação autónoma as quantias que não excedam o valor das remunerações que seriam auferidas até ao final do mandato.
C) No caso da decisão arbitral a quo, quanto a essa questão, o tribunal concluiu que a quantia paga ao administrador que renunciou ao cargo não tinha caráter de indemnização (sendo supérfluo averiguar se excederia ou não o montante das remunerações que presumivelmente receberia até final do mandato), pelo que seria enquadrável na parte inicial do art.º 88º, nº 13, al. a), sujeita a tributação autónoma, à taxa de 35%.
Uniformização de jurisprudência com o Acórdão-Fundamento II
A) Tanto no caso objeto da decisão arbitral a quo como no caso do Acórdão-Fundamento II estava em causa o momento em que se tributa autonomamente o bónus e remunerações – exercício da contabilização ou exercício do pagamento.
B) No Acórdão-Fundamento II concluiu-se que, para efeitos de aplicação da tributação autónoma ao bónus dos administradores, releva o ano do pagamento do bónus, e não o ano em que foi contabilizado o respectivo gasto.
C) Na decisão arbitral a quo, quanto a essa questão, o tribunal concluiu ser de relevar para efeitos de aplicação da tributação autónoma sobre os bónus dos administradores, o ano em que foi contabilizado o gasto, e não o ano do pagamento dos mesmos.
A decisão recorrida adota pois, quanto às mesmas questões fundamentais de direito, entendimentos opostos aos dois Acórdãos-Fundamento, incorrendo assim em duas contradições que se pretendem dirimir com o presente recurso para uniformização de jurisprudência.
Por todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente anulação dos dois segmentos da decisão arbitral a quo aqui recorridos, substituindo-se a mesma e decidindo-se as questões controvertidas a favor da contribuinte, no mesmo sentido dos Acordãos-Fundamento.

Contra-alegou a Autoridade Tributária e Aduaneira, concluindo:
I. O Recorrente não se conforma com a decisão arbitral proferida no processo n.º 615/2019-T, na parte que determinou a legalidade das correções à matéria coletável respeitantes a: 1. Tributação Autónoma - Indemnizações por cessação de funções de gestor, administrador ou gerente e 2. Tributação Autónoma - Gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.
II. Alega o Recorrente que «esses dois segmentos da decisão estão em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra jurisprudência do CAAD. No primeiro caso, a decisão contradiz o acórdão proferido pelo CAAD a 07-11-2017, no processo n.º 163/2017-T (…); No segundo caso, a decisão do CAAD contradiz o acórdão proferido pelo CAAD a 22-12-2015, no processo n.º 204/2015-T (…)».
III. Constitui entendimento reiterado pela jurisprudência desse douto STA que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos é necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (ii) haja identidade na questão fundamental de direito, (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e (iv) que a oposição decorra de decisões expressas e não implícitas, requisitos que, manifestamente, não se encontram reunidos no caso vertente.
IV. Não existe oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão proferido no processo n.º 163/2017-T, porquanto o Tribunal a quo foi chamado a dirimir a questão controvertida de saber se a factualidade apurada pela Inspeção Tributária teria enquadramento no primeiro ou no segundo segmento da norma constante da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º, do Código do IRC, concluindo que a quantia paga pelo Requerente, ora Recorrido, ao administrador que renunciou ao cargo não teve caráter de indemnização.
V. Enquanto que no Acórdão fundamento estava em causa decidir a legalidade de uma correção efetuada no âmbito de ação inspetiva a que foi sujeita uma Sociedade Gestora de Participações Sociais «motivada, essencialmente, na análise e verificação do valor atribuído a título de indemnização no exercício de 2012 (…)», concluindo o Tribunal arbitral que «a AT não contradita que os valores das indemnizações se justificam com as remunerações que aqueles administradores teriam direito até ao final do mandato».
VI. Assim, não existe identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, bem como estamos perante diferentes situações de facto, o que implica que não podem as decisões proferidas ser analisadas à luz do recurso para uniformização de jurisprudência.
VII. Não existe oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão proferido no processo n.º 204/2015-T.
VIII. O Acórdão arbitral recorrido equaciona a questão a decidir, problematizando-a em três vertentes:
1) «importa, em primeiro lugar, apurar se o valor das remunerações variáveis pagas pelo Requerente aos seus administradores excede o limite legal»;
2) «e, em caso negativo, se houve ou não diferimento no seu pagamento pelo período ali estabelecido»;
3) «Finalmente, haverá ainda que esclarecer se, ainda que não cumprindo os requisitos cumulativos que permitam a exclusão da tributação, tendo aquelas remunerações variáveis sido pagas em 2014, são suscetíveis de tributação autónoma no exercício de 2013».IX. Decidindo o Tribunal a quo:
«Concluindo-se terem sido ultrapassados os limites absolutos e relativos previstos na norma de incidência, verifica-se não ter sido, também, observado “o diferimento [no pagamento] de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”, pois que, tendo os encargos com as referidas remunerações variáveis, no valor global de € 117 844,00, sido registadas na conta “70888 – Prémios de Produtividade”, conforme o Balancete Analítico Global do Requerente, reportado a 31.12.2013, as mesmas foram pagas, na íntegra, em 2014.
(…)
Tendo os gastos com aquelas remunerações concorrido, comprovadamente, para a determinação do lucro tributável do Requerente, inscritas no Balancete Analítico Global do Requerente, reportado a 31.12.2013, não merece dúvida que foi no exercício de 2013 que os mesmos se repercutiram negativamente na receita fiscal.».».
X. No Acórdão fundamento decidiu o Tribunal arbitral que: «p) Fica deste modo prejudicada a questão relativa ao valor de base a considerar para efeitos desta tributação autónoma.».
XI. Assim, perante a decisão de considerar prejudicada a questão respeitante ao valor das remunerações variáveis que constituem o valor base para efeitos de tributação autónoma forçoso é concluir que não existe identidade ou sequer semelhança no que concerne à questão fundamental de direito apreciada no Acórdão arbitral e no Acórdão fundamento.
XII. Resulta, assim, demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 152.º do CPTA, porquanto o Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamento não adotaram, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
XIII. No entanto, por mera hipótese e sem conceder, caso entenda esse douto STA conhecer do mérito da decisão, cumpre salientar que a AT mantém o entendimento propugnado na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral no sentido da sua improcedência, nos termos melhor explicitados na decisão arbitral ora impugnada, a cujo teor se adere na totalidade, a qual deve manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser rejeitado ou ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Arbitral na ordem jurídica.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de não conhecimento do mérito do recurso porque não se perfilharam nas decisões arbitrais soluções opostas, pois tanto as situações de facto, como a matéria de direito são diferentes.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto, na parte com interesse:
a. O Requerente é um banco privado, detido a 100% pelo banco francês C..., que desde agosto de 2005 prossegue a sua atividade sob o CAE 64190, tendo como objeto social o exercício da atividade bancária e a realização de todas as operações bancárias permitidas por lei, encontrando-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC (PPA e Relatório da Inspeção Tributária – RIT – págs. 5 e 6);
b. A AT emitiu, em 23.02.2016, a ordem de serviço OI2016..., com base na qual abriu o procedimento de inspeção interna, de âmbito parcial (IRC), referente ao exercício de 2013, tendo por objeto o controlo declarativo, no âmbito do qual procedeu a correções das quais, após exercício do direito de audição do Requerente, resultou o apuramento de imposto em falta, conforme o quadro seguinte (RIT – pág. 24):
(…)
Tributação autónoma:
a. Indemnizações por cessação de funções de gestor, administrador ou gerente
b. Gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes
210 000,00
41 245,40
(…)
c. É a seguinte a fundamentação de cada uma das correções efetuadas, tendo em conta dos documentos em anexo ao RIT (Anexos 1 a 4, que se dão como reproduzidos):
(…)
b. “Indemnizações e remunerações variáveis pagas a administradores (n.º 13 do art.º 88.º do CIRC) – págs. 8 a 13 e 21 a 24 do RIT:
“No âmbito da validação do valor inscrito no campo 365 do “Quadro 10 – Cálculo do Imposto, da declaração de rendimentos de IRC – Modelo 22 constatou-se que não foram inscritas quaisquer importâncias nos campos “422 – Indemnizações por cessação de funções de gestor, administrador ou gerente [art.º 88.º, n.º 13, al. a)]” e “424 – Gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores e gerentes [art.º 88.º, n.º 13, al. b)].
No entanto, no Relatório e Contas do A... do ano de 2013 é mencionado que «[a] remuneração dos Membros Executivos do Conselho de Administração, que não desempenham funções no CEF, é composta por uma componente fixa, (…) e uma componente variável. A atribuição e o montante da componente variável será definida tendo em conta o cumprimento de objetivos individuais e coletivos definidos» e que «durante o exercício foi paga indemnização a um administrador com funções executivas (…) decorrente da sua saída do Banco (…)», informação confirmada pela certidão permanente e pela informação existente nas aplicações da AT (“cadastro”).
Deste modo, tendo em conta o saldo acumulado a 31-12-2013 das contas # 7080 – Indemnizações contratuais e # 70888 – Prémios de Produtividade, torna-se necessário enquadrar a natureza das indemnizações e remunerações variáveis pagas a administradores e analisar o tratamento fiscal atribuído às mesmas.”.
(…)
“Indemnizações e outras compensações pagas a administradores (alínea a) n.º 13 do art.º 88.º do CIRC) € 210.000,00
A Lei n.º 100/2009, de 7 de setembro, introduziu o n.º 13 do então artigo 81.º do Código do IRC (…)”
(…)
“O n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, tem como objetivo evitar a dedução de pagamentos excessivos a altos cargos de empresas, não só durante o exercício das suas funções, mas também quando esses casos cessam.
Na presente situação temos que o administrador executivo D... designado para o quadriénio de 2012/2015 do concelho de administração, renunciou ao cargo em 28/02/2013, conforme consta na certidão do registo comercial.
(…)
Na sequência do ato de renúncia, foi pago ao Sr. D..., a título de indemnização, o valor de 600.000,00 (…)”
(…)
“(…) a sociedade foi questionada sobre este pagamento tendo a mesma esclarecido que «[a] indemnização paga, ao, então, Administrador, D..., resultou da aplicação do disposto na alínea a) do n.º 7 da ata em apreço, devendo este ser devidamente articulado com a duração do mandato do referido MOE.”.
(…)
“No entanto, estatui a alínea b) desse mesmo ponto que «[l]a cessation de fonctions comme administrateur avec des responsabilités exécutives à l´initiative de D..., ou suite à la révocation pour faute («justa causa»), ne lui conferente aucun droit à une indemnité».
(…)
“Assim, a destituição sem justa causa constitui sempre para a sociedade o dever de indemnizar o membro do órgão de gestão destituído, é o que resulta expressamente do n.º 5 do artigo 403.º (…) sendo esta a indemnização prevista na última parte da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, já que, outro entendimento desvirtuaria a intenção do legislação na introdução desta norma.
Atendendo ao supra exposto, e tendo sempre presente os motivos da intenção do legislador na introdução desta tributação autónoma, a indemnização paga ao Sr. D... com a renúncia à relação de administração, consubstanciando um ato unilateral, de manifestação de vontade do próprio administrador em não querer manter esta relação, é um gasto sujeito a tributação autónoma nos termos da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, à taxa de 35%, totalizando € 210 000,00 (600 000,00x35%).”
(…)
“Bónus e outras remunerações variáveis de administradores (alínea b) do CIRC) - € 41 245,40
O sujeito passivo, em sede de direito de audição, alega que «os bónus em causa foram pagos no exercício de 2014, pelo que, a haver lugar a tributação autónoma, esta seria devida em 2014 e não em 2013» (…) Entende que «o facto tributário sujeito a tributação autónoma deve ser o pagamento dos bónus e não o respetivo registo contabilístico, uma vez que é com o pagamento que se realiza a “despesa” sujeita a tributação autónoma” (…)”
“(…) ainda refere que em relação ao administrador E..., o valor do bónus pago em 2014 representa menos de 25% da sua remuneração anual.”.
(…)
“(…) é de salientar que a norma constante na alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do CIRC refere, em primeira ordem os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis (…)”
“Como princípio subjacente a esta norma está que o gasto inerente aos benefícios dos gestores, administradores ou gerentes deve ser reconhecido no período em que uma entidade aufere os serviços dos referidos colaboradores e em que esta assume e reconhece a obrigação de atribuição das remunerações em causa, sendo a mesma relevada para efeitos da determinação do resultado económico apurado nesse período (e não quando os benefícios são pagos.”.
(…)
“Em termos fiscais, esta regra resulta da própria redação do n.º 1 do art.º 18.º do CIRC (…)”.
“De acordo com o ponto 3 da circular n.º 8/2000, de 11 de maio, da Direção de Serviços do IRC, deverão ser incluídas no conceito de remuneração anual todas as importâncias certas, variáveis ou mistas que, nos termos do contrato, das normas que o regem o dos usos, o membro do órgão de administração tem direito como contrapartida do exercício das funções para que foi mandatado. (…)”.
(…)
“De acordo quer com a certidão permanente quer com o referido pelo sujeito passivo (…), E... passou a exercer funções na administração a partir de abril de 2013”.
(…)
“Posto isto, e atendendo ao disposto na alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do CIRC, bem como os motivos que se prendem à sua introdução a «(…) a remuneração anual auferida por cada gestor (…)» cinge-se à que é recebida como administrador (…).
Pelo que a remuneração fixa a ter em consideração será a de € 139 910,00, valor auferido por E... como membro do conselho de administração (a partir de abril de 2013), acrescida da remuneração variável de € 54 563,00, o que perfaz o total de € 194 473,00, pelo que, e representando a remuneração variável uma parcela superior a 25% da remuneração anual, e atendendo a que não reúne os restantes pressupostos previstos na alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do CIRC, que permitem afastar a tributação autónoma, não pode proceder a pretensão do sujeito passivo, sendo de manter a correção proposta no valor global de € 41 245,45 (…), conforme quadro apresentado (…) e que infra se complementa:
Membros Executivos Remunerações Fixas e Variáveis Anuais (Fonte: Relatório de Gestão 2013)

(1) Remunerações Variáveis
(2) Remuneração Anual
(3)=(1)+(2) % das Remunerações Variáveis na Remuneração Anual
(4)=(2)/(3) Tributação Autónoma
5=2*35%
F... 144 523,00 63 281,00 207 804,00 30,45 22 148,35
E… 139 910,00 54 563,00 194 473,00 28,06 19 097,05
TOTAL..284 433,00 117 844,00 402 277,00 41 245,40

d. Na sequência destas correções, notificadas ao Requerente em 20.01.2017, foi este notificado da demonstração de liquidação de IRC n.º 2017..., de 02.02.2017 e objeto de compensação em 06.02.2017, referente ao período de tributação de 2013, no montante total de € 283 759,72, incluindo € 256 570,30 de imposto e € 27 189,44 de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 05.04.2017 (Doc. 2 junto ao PPA e PA).

Na decisão fundamento proferida no processo n.º 204/2015, deu-se como assente a seguinte matéria de facto, na parte com interesse:
a) A Requerente entregou a sua declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2010 em 31 de Maio de 2011.
b) A Requerente, que para efeitos de IRC está enquadrada no regime geral de tributação, tinha à data as suas contas englobadas no perímetro de consolidação da B... .
c) A 2 de Junho de 2011 a Requerente entregou uma 1ª declaração de substituição, na qual se apurava imposto a recuperar no montante de €294.867,88.
d) A 20 de Abril de 2012 a Requerente entregou uma 2ª declaração de substituição, da qual resultou uma nota de liquidação em que apurava, para lá de imposto a recuperar no montante de €294.867,88, um prejuízo fiscal reportável de €13.766.461,38.
e) A AT iniciou em 6 de Setembro de 2012 uma ação de inspeção externa ao exercício de 2010 da Requerente.
f) A 12 de Dezembro de 2012 a Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção, no qual se propunha a realização de correções em sede de IRC.
g) A Requerente exerceu o seu direito de audição, contestando as correções propostas.
h) A 28 de Dezembro de 2012 a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção, que determina a realização de correções em sede de IRC, num valor total de €672.027,55 (= €485.674,66 quanto a imóveis de uso próprio, €14.532,40 por ajustamento de transição, €53.200,00 por criação de emprego, €15.000,00 por donativos não-dedutíveis, €18.015,65 por donativos – majoração, €2.297,40 relativo à Apólice 14, €16.034,24 por mais-valias fiscais e €71.868,00 por correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre imóveis), acrescidos de imposto em falta no valor de €199.458,86 a título de tributações autónomas.
i) A Requerente recebeu, em 9 de Janeiro de 2013, a liquidação adicional nº 2013... e a respectiva demonstração de acerto de contas nº 2013..., relativas ao exercício de 2010, com um montante global a pagar de €211.109,43, que foi pago pela Requerente em 5 de Março de 2013.
j) Da liquidação referida resultou ainda que o saldo dos prejuízos fiscais reportáveis foi corrigido para o valor de €13.094.433,83.
k) A 9 de Julho de 2013 a Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação de IRC de 2010, por discordar das correções referentes a imóveis de uso próprio (€485.674,66) e a tributação autónoma (€199.458,86).
l) A 28 de Novembro de 2014 a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento da reclamação.
m) A 23 de Dezembro de 2014 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
n) Corre termos, no Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial contra a liquidação de IRC do exercício de 2008, interposta pela ora Requerente em 29 de Janeiro de 2013 (nº .../13...BELRS).

A admissibilidade do presente recurso.

Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos decorrente da invocação da oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

Vejamos, então o que se disse nas decisões arbitrais em confronto para que se possa concluir se existe, ou não, uma clara oposição entre as mesmas no que toca às mesmas questões fundamentais de direito.

Quanto à questão de saber se é aplicável tributação autónoma, à taxa de 35%, sobre a compensação paga a um administrador do Recorrente, pela renúncia ao cargo antes do final do mandato.

Na decisão recorrida escreveu-se:
Reconhece o Requerente que o administrador a quem foi paga a indemnização objeto de tributação autónoma não foi destituído, antes renunciou ao exercício do cargo para o qual foi designado.
Ora, a renúncia prevista no artigo 404.º, do CSC, é um ato jurídico unilateral do administrador, pelo qual ele põe termo à situação de administração, relevando exclusivamente da autonomia da sua vontade, pois a renúncia é livre e não carece de causa legal. É ainda um ato recetício, dependente de comunicação e receção pelo destinatário, produzindo efeitos “no final do mês seguinte àquele em que tiver sido comunicada, salvo se entretanto for designado ou eleito o substituto.”, sem que a lei atribua ao renunciante o direito a indemnização.
Não tendo a quantia paga pelo Requerente ao administrador que renunciou ao cargo caráter de indemnização, ocioso se torna averiguar se a mesma excede ou não o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do seu mandato, devendo antes concluir-se que aquela quantia configura uma compensação não relacionada com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, enquadrável no segmento inicial da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º, do Código do IRC e, como tal, sujeita a tributação autónoma à taxa de 35%;
e na decisão fundamento disse-se:
Pois bem, a este respeito, e já em sede arbitral, a Requerente vem invocar que (uma significativa) parte do valor das indemnizações pagas aos administradores em causa respeita ao valor que lhes seria devido a título de remunerações que seriam por eles auferidas pelo exercício dos cargos de administração até ao final dos respetivos mandatos. E vem a Requerente procurar demonstrar esse facto com base na indicação dos valores médios de retribuição mensal por aqueles administradores auferidos.
Ora, de acordo com o comando legal acima transcrito, e não tendo a AT conseguido contrariar a alegação de que parte do valor das indemnizações aos administradores se justificava com as remunerações que estes deixaram de auferir em virtude da sua renúncia, não se vê como não se possa dar razão à Requerente.
Ou seja, ainda que não seja uma solução exemplar, tudo indica que o Código do IRC, nesta matéria, não pretende sujeitar a TA as indemnizações pagas a administradores até ao montante em que essas indemnizações se compreendam nos valores médios de retribuição mensal por aqueles deixados de auferir. É isso mesmo que parece resultar da expressão «à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato» (cit.).
Acresce que a interpretação que seguimos é a que melhor se coaduna com o regime previsto para a tributação, agora em IRS, dos administradores. Efetivamente, de acordo com a alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, é sempre sujeita a tributação pela totalidade a parte da indemnização que corresponda ao exercício de funções de administrador. Sendo certo que, in casu, a AT não demonstrou que os administradores não foram sujeitos a IRS nos termos da referida alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS…
Ora, in casu, e de acordo com os factos assentes, não estamos perante indemnizações relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade. Acresce que, como acima já indicámos, a AT não contradita que os valores das indemnizações se justificam com as remunerações que aqueles administradores teriam direito até ao final do mandato, apesar de não ter sido esta a resposta inicial do sujeito passivo durante o procedimento inspetivo.
Por outro lado, não resultou provado também que tenha sido criado um novo vínculo profissional entre os administradores em causa e a Requerente ou qualquer outra entidade a ela equiparada nos termos do n.º 10 do artigo 2.º do Código do IRS.
Nestes termos, não se vê como se possa decidir no sentido de desatender ao expressamente estipulado no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, quando este se refere à tributação apenas dos «gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato» (cit.).
É verdade que cabe à empresa calcular o valor da indemnização a pagar, e chegar a acordo com o trabalhador ou membro de órgão social.
E é verdade também que, essa empresa pode sempre justificar o valor da indemnização (ou de parte dele) – como o faz a Requerente em sede arbitral (não o tendo feito em sede inspetiva) – com base nas remunerações que ficaram por pagar em virtude da cessação do contrato de trabalho ou do exercício da função. Mas mesmo que assim seja, mais uma vez se diga que não se vê como se possa desconsiderar o citado trecho do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC que, na prática, dispõe que apenas existe tributação autónoma da indemnização a partir de um determinado valor que é aferido tendo em consideração o valor das remunerações que seriam devidas caso não tivesse ocorrido a extinção do vínculo com a empresa.

Ou seja, enquanto que na decisão recorrida se deu como assente que as quantias pagas não assumiam o caráter de indemnização, por força da interpretação conjugada das normas constantes da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º, do Código do IRC e artigos artigo 403.º, n.ºs 1 e 5 e 404º do CSC, devendo antes concluir-se que as mesmas configuram uma compensação não relacionada com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, já na decisão fundamento concluiu-se que as quantias pagas respeitavam a parte do valor das indemnizações aos administradores se justificava com as remunerações que estes deixaram de auferir em virtude da sua renúncia, sem se ter feito apelo às normas do CSC.
Pretende, no essencial a recorrente que, ao contrário do que se conclui na decisão recorrida, considera-se pertinente averiguar se a quantia paga pelo Recorrente ao seu administrador excede ou não o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do seu mandato, porém este facto foi resolvido na decisão fundamento, sem paralelo na decisão recorrida, quando aí se escreveu que, não tendo a AT conseguido contrariar a alegação de que parte do valor das indemnizações aos administradores se justificava com as remunerações que estes deixaram de auferir em virtude da sua renúncia, não se vê como não se possa dar razão à Requerente.
Assim, não se vislumbra que se possa considerar haver contradição entre ambas as decisões.

Quanto à questão de saber se é aplicável tributação autónoma, à taxa de 35%, sobre os bónus e outras remunerações variáveis pagas a administradores do Recorrente com referência ao exercício da sua contabilização.
Na decisão recorrida escreveu-se:
Um outro aspeto da questão é o que se reporta ao momento da sujeição do valor daquelas remunerações variáveis, defendendo o Requerente que, tendo as mesmas sido pagas em 2014, a sujeição a tributação autónoma de IRC, a ser devida, seria no exercício do respetivo pagamento. Em contrapartida, defende a Requerida que as tributações autónomas não incidem sobre pagamentos mas sim sobre gastos e que, tendo tais gastos sido contabilizados no exercício de 2013, é a esse exercício que se reporta a génese do facto tributário.
A intenção do legislador com a introdução das tributações autónomas previstas no n.º 13 do artigo 88.º, do Código do IRC, terá sido, como se decidiu no já citado Acórdão n.º 197/2016, do Tribunal Constitucional, “desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.” (…).
“A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.”
Importa pois saber em qual dos exercícios o pagamento das remunerações variáveis em questão influenciou negativamente a matéria coletável do Requerente, apurada com base no seu lucro tributável.
Uma das regras para o apuramento do lucro tributável é a da periodização a que se refere o artigo 18.º, do Código do IRC, de acordo com a qual tanto os rendimentos como os gastos, salvo as exceções ali previstas, “são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento”.
Tendo os gastos com aquelas remunerações concorrido, comprovadamente, para a determinação do lucro tributável do Requerente, inscritas no Balancete Analítico Global do Requerente, reportado a 31.12.2013, não merece dúvida que foi no exercício de 2013 que os mesmos se repercutiram negativamente na receita fiscal.

Por sua vez, na decisão fundamento escreveu-se:
l) A discordância sobre a aplicação temporal desta tributação autónoma entre a Requerente e a AT reside, precisamente, na leitura que fazem desta norma: enquanto que a Requerente baseia a sua argumentação de que a tributação autónoma é devida no ano do pagamento dos bónus e outras remunerações variáveis na expressão “pagas”, a AT fundamenta a sua posição de que a tributação autónoma deve surgir no período em que foram contabilizados os encargos, ou seja, na expressão “gastos ou encargos”, fazendo a ligação com o apuramento do lucro tributável desse mesmo ano.
m) Fizemos um exercício de elaboração de uma redação que fosse inequivocamente ao encontro da posição adotada pela AT neste litígio:
“São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:
a) …
b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas ou apuradas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se uma parte do pagamento não inferior a 50 % for diferida por um período mínimo de três anos e for condicionada ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”
Neste caso, passaria a ser inquestionável que, apesar de se fazer o “matching” entre rendimentos e gastos para efeitos de cálculo do lucro tributável (esses gastos com o pessoal respeitavam ao trabalho desenvolvido por esses membros dos órgãos sociais nesse ano e, consequentemente, estavam associados à geração dos rendimentos desse ano), admitia-se uma não coincidência temporal integral entre a tributação autónoma e a parcela do IRC relativa à aplicação da taxa à matéria coletável se uma parte significativa do pagamento (no mínimo 50%), pudesse ocorrer em momento ao longo de um período relativamente afastado do momento da geração do gasto associado a esse pagamento.
Esta redação adotaria o raciocínio subjacente a duas das situações já relatadas: a da tributação autónoma excecional com uma vigência temporal limitada ao setor financeiro através do artigo 90º da Lei nº3-B/2010, de 28 de abril (curiosamente o mesmo diploma legal que introduziu o nº 13 do artigo 88º do CIRC) e a disposição constante do nº 8 do próprio artigo 88º do CIRC relativamente a certas despesas com residentes em “paraísos fiscais”, onde surge a expressão “pagas ou devidas”.
n) Fizemos o exercício inverso de elaborar uma redação que fundamentasse de forma inequívoca a posição da Requerente:
“São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:
a) …
b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis quando pagas, por norma no próprio ano ou no ano seguinte, a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período. ”
o) Assiste razão à Requerente neste ponto, em suma, e pelos seguintes motivos:
1. A redação atual da alínea b) do artigo 13º não é clara quanto à ligação entre gastos e pagamento na vertente temporal. Poderá eventualmente enfermar de um pressuposto que nem sempre se verificará, que é o da coincidência temporal (e no ano da contabilização dos gastos com pessoal) entre surgimento do gasto e do seu pagamento. No entanto, na mesma altura surgiu uma tributação autónoma similar a esta (aplicável a idêntica realidade mas ao sector financeiro e a título extraordinário) em que o legislador foi claro ao referir que a tributação se dava em função da contabilização do gasto, houvesse ou não pagamento.
2. Ora se o legislador quisesse assegurar o mesmo efeito para a tributação autónoma aqui em apreço poderia ter elaborado uma redação idêntica, o que não fez.
3. Não colhe assim o tipo de argumento que foi utilizado pela Requerida, de que tem que coexistir no tempo o gasto relacionado com a tributação autónoma e a própria tributação autónoma; aliás, a segunda parte do nº 13 do artigo 88º do CIRC prevê precisamente o contrário.
4. Também não se compreende o argumento da Requerida de que a expressão “pagas” surge apenas para “identificar os beneficiários”. Se se retirasse a expressão “pagas” e se apenas se colocasse “Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis de gestores, administradores ou gerentes” não se identificavam da mesma forma os beneficiários? Presume-se que o legislador utilizou as expressões mais adequadas, pelo que, se lá colocou a expressão “pagas” (e não outra, como “pagas ou apuradas/devidas”), é porque quis tornar o pagamento no elemento relevante destas situações.

Da leitura atenta que se faz de ambas as decisões surpreende-se que, na verdade, existe uma divergência no tocante à questão identificada pela recorrente.
Porém, não pode este Supremo Tribunal deixar de sufragar a posição adoptada pela decisão recorrida, não só porque faz uma leitura coerente e assertiva da norma em questão, na redacção à data, -o legislador entendeu valer-se dos critérios de imputação temporal previstos no Código do IRC para gastos, os quais são independentes do momento da verificação do pagamento efetivo. Em suma, o legislador nada disse porque não precisava, manifestamente, de o dizer-, mas ainda porque a interpreta por apelo às restantes normas fiscais que com ela se relacionam, respeitando as regras interpretativas da lei constantes do artigo 9º do Código Civil e do artigo 11º da LGT, não entrando em lucubrações hipotéticas e teóricas, desajustadas para uma decisão que se deve fundar naquelas mesmas regras interpretativas.
Improcede, assim, esta questão que nos vinha dirigida.

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, em Pleno, não tomar conhecimento do recurso quanto à primeira questão e negar provimento ao recurso quanto à segunda questão.
Custas do recurso interposto pela própria recorrente.
D.n.


Lisboa 21 de Abril de 2021. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido, conforme declaração infra) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

Voto de Vencido do Sr. Conselheiro Nuno Bastos:

Voto vencido na parte da decisão que analisou a legalidade da correção respeitante à tributação autónoma de bónus e remunerações variáveis.
Vem colocado nos autos o seguinte problema, relativo ao elemento temporal da incidência da tributação autónoma dos gastos com bónus e remunerações variáveis: o de saber se determinado pressuposto dessa tributação (que o valor da remuneração variável seja superior a 25% da remuneração anual) deve ser reportado ao período em que é prestado o serviço que justifica essa remuneração ou ao período em que é paga a remuneração variável.
Ou seja (e no que para o caso importa), saber se a remuneração variável paga em 2014 compara com a remuneração anual de 2013 ou com a remuneração anual de 2014.
A meu ver, devem ser comparados os valores remunerados no mesmo ano económico. Isto é, o valor pago em 2014 a título de remuneração variável, compara com o valor pago no mesmo período a titulo de remuneração anual.
Deve, antes de mais, assinalar-se que, neste caso específico, o que releva do ponto de vista da incidência é (apenas) que as remunerações variáveis tenham sido pagas (e não, como sucede noutros casos de tributação autónoma, que sejam devidas, ou que sejam dedutíveis, ou que sejam efetuadas).
O facto tributário respetivo é, por isso, um facto instantâneo (o seu pagamento total ou, nos casos em que ocorra o diferimento de uma parte, o pagamento da parcela que não foi objeto de diferimento).
O que significa que o elemento temporal de incidência é também delimitado pela ocorrência do facto material [ver ALBERTO XAVIER, in «Manual de Direito Fiscal I», Almedina 1981, pág. 251].
Assim, o que releva para efeitos de incidência desta tributação autónoma é que as remunerações variáveis tenham sido pagas e a data em que foram pagas.
Mas, a ser assim – e na falta de especificação em sentido diverso, tirada da norma de incidência – a referência à remuneração anual deve ter o mesmo enquadramento temporal, isto é, deve ser interpretada como a referência à remuneração do ano em que é paga a remuneração variável.
Poderia contrapor-se que os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis estão relacionadas com o desempenho ou os objetivos fixados para um determinado período e que, por isso, devem ser relacionados com a remuneração anual desse período (normalmente, do exercício findo).
Trata-se, porém, de uma interpretação para a qual não encontro o mínimo respaldo na lei. Para efeitos de tributação autónoma, não importa a justificação dada para a atribuição da remuneração variável, mas o facto de ela ter sido efetivamente paga. E o legislador não ressalva da tributação um qualquer desempenho (positivo) a montante, designadamente no ano em que foi prestada a atividade remunerada, mas o desempenho positivo ao longo de um período posterior, conjugado com o diferimento do pagamento de uma parte da remuneração variável.
Ademais, a finalidade do legislador não é, aqui, a de obstar à atribuição de remunerações variáveis injustificáveis à luz do desempenho do período remunerado, mas a de obstar à atribuição de remunerações variáveis excessivas, considerando o valor da remuneração anual ou os resultados de períodos posteriores.
Para chegar a entendimento diverso, a Decisão Arbitral Recorrida convocou a regra da periodização do lucro tributável, a que se refere o artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
Trata-se, porém, de uma regra a convocar quando se tributa o lucro das empresas. E na tributação autónoma tributam-se despesas.
E tributam-se despesas autonomamente. No sentido de que o valor da tributação é determinado autonomamente, mas também no sentido de que é liquidado mesmo que não haja lucro a tributar no período correspondente.
Por isso, nem as regras da periodização do lucro tributável nem tampouco as regras relativas aos gastos que concorrem para a determinação do lucro são diretamente aplicáveis à tributação autónoma. Só assim será quando se deva concluir a partir das próprias regras da tributação autónoma que se está a remeter para aquelas outras regras.
O que não sucede no caso porque o legislador não relaciona ali o seu pagamento com o facto de o encargo com a remuneração variável ser dedutível (e ser dedutível num determinado período temporal).
Pelo que, a meu ver, a Decisão Arbitral Recorrida não fez, neste segmento, a melhor interpretação da lei aplicável e não deveria ser confirmada.
Nuno Bastos