Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0461/11.2BEPRT
Data do Acordão:05/26/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
MAIS VALIAS
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I -Tendo a contribuinte transferido, através de “Carta Compromisso”, para o B…….. os seus direitos de voto, e, uma vez que detinha 2,909% do capital da “C.............”, sem direito de voto, é forçoso concluir que a participação na “C.............” não pode ser considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............., representando, a aquisição e alienação das partes do capital da “C.............”, um investimento e estando os ganhos na alienação de participações financeiras fora do objecto social da impugnante.
II -Como a AT fundamentou a sua posição nos elementos documentais apresentados pela Impugnante, v.g. os acordos celebrados com o B………… (“Carta Compromisso”), na transferência para este, dos seus direitos de voto, concluiu, e bem, que ao ter transferido tais direitos de voto, a sua participação na “C.............” não pode ser considerada forma indirecta de exercício da sua actividade económica e a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” configuram um investimento, estando os ganhos na alienação de participações financeiras fora do seu objecto social (cf. art.º 1.º n.º 2 do D.L. n.º 318/94);
III -Consequentemente, as mais-valias realizadas não têm enquadramento no benefício fiscal previsto no art.º 32.º do EBF.
Nº Convencional:JSTA000P29470
Nº do Documento:SA2202205260461/11
Data de Entrada:02/14/2022
Recorrente:A………… – SGPS, UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A………… – SGPS UNIPESSOAL, LDA, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 27-10-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação que apresentara da liquidação adicional de IRC, n.º 2010 8310005296, de 30/09/2010, referente ao exercício de 2007, cuja demonstração de acerto de contas ascende a € 206.896,61.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………… – SGPS UNIPESSOAL, LDA, as seguintes conclusões:

1. A recorrente tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, sendo, pois, uma SGPS a que é aplicável o regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de dezembro, com as diversas alterações que conheceu.
2. Face ao que dispunha o artigo 31º, nº 2, do EBF, as mais valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que fossem titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano não concorriam para a formação do lucro tributável dessas sociedades.
3. Pelo que a recorrente deduziu o valor de 539.487,65 €, que, no exercício de 2007, constituía o saldo final da conta 7941 – Proveitos e Ganhos Extraordinários – Ganhos em Imobilizações – Alienação de Investimentos Financeiros e resultava das mais valias realizadas com a alienação de acções representativas do capital da sociedade C………… ao seu resultado líquido.
4. A AT e, na sua senda, o tribunal recorrido sustentam que a aquisição e alienação das partes representativas do capital da C………… estariam fora do objeto social da recorrente e não poderiam beneficiar da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, mas a tese não tem suporte no regime do Decreto-Lei nº 495/88.
5. É indubitável que, de acordo com o nº 1 do artigo 1º, o Decreto-Lei nº 495/88, as SGPS têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas, e que, segundo o nº 2, uma participação é considerada forma indireta de exercício de atividade económica quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
6. Tendo presente que, segundo o nº 3, se considera que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano, conclui-se que os requisitos para que uma participação seja considerada forma indireta de exercício de atividade económica são dois: (i) ser detida por período superior a um ano e (ii) atingir, direta ou indiretamente, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada.
7. Esses requisitos são suficientes, mas também são necessários, pelo que, se uma participação social for detida por período inferior a um ano ou não atingir 10% do capital com direito de voto, não é considerada forma indireta de exercício de atividade económica.
8. Ocorre, porém, que, o artigo 1º, nº 4, e o artigo 3º, nº 3, permitem que as SGPS adquiram e detenham participações de montante inferior a 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado.
9. A aquisição e detenção de participações ao abrigo desses normativos não podem ser incompatíveis com o objecto de uma SGPS, pois, se a sua admissibilidade está balizada, podendo as participações ser consideradas “participações-exceção”, não é menos certo que são elegíveis e estão, no essencial, em pé de igualdade para efeitos da aplicação da lei.
10. Cabendo presumir, em obediência ao artigo 9º, nº 3, do Código Civil, que o legislador consagra as soluções mais acertadas e sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados, o nº 4 do artigo 1º e o nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 495/88 só podem cobrar um sentido: o da autorização da detenção, a título excecional, de participações que não visam o exercício indireto de exercício de atividades económicas.
11. O mesmo é dizer que uma SGPS pode investir, dentro dos limites da lei, em participações não relevantes ou não significativas, de montante inferior a 10% do capital social de sociedades participadas, participações essas que correspondem tipicamente a simples aplicações financeiras de frutificação, traduzidas em mera aplicação de capitais.
12. A participação da recorrente na C………… cabia no artigo 3º, nº 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 495/88, pois foi detida por mais de um ano, representava menos de 10% do capital social com direito de voto da participada e foi sempre de montante inferior a 30% do valor total das participações iguais a superiores a 10% do capital social com direito de voto das participadas incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado da recorrente – o que, aliás, nem a AT nem o tribunal recorrido questionaram.
13. A AT e o tribunal recorrido, verificando que a recorrente apenas deteve 2,909% do capital da C………… e assumiu contratualmente perante o B............. determinadas obrigações que lhe limitaram o exercício do seu direito de voto na C............., presumiu que a participação social não constituía uma forma indireta do exercício de atividades económicas.
14. Mas, a verdade é que, nos casos previstos no nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 495/88, as SGPS podem adquirir e deter participações sociais que não constituem forma indireta do exercício de atividades económicas.
15. Assim, ainda que se tratasse de uma participação insusceptível de constituir forma indirecta de exercício de atividades económicas, a participação na C………… era e é, aos olhos da lei, uma participação perfeitamente compatível com o objecto social da recorrente, enquanto SGPS.
16. Acresce que não há razão para distinguir, para efeitos da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, entre mais valias realizadas com partes de capital, consoante estas constituam ou não forma indireta do exercício de atividades económicas.
17. Este preceito exige a não ocasionalidade da participação social – traduzida na obrigação de detenção por um ano –, mas não a representação de uma percentagem igual ou superior a 10% do capital social com direito de voto das participadas, de que depende a qualificação da participação como forma indirecta do exercício de atividades económicas.
18. Uma vez que, de acordo com o artigo 31º, nº 2, do EBF, as mais valias realizadas com participações não ocasionais não concorrem para o lucro tributável, a AT não tinha fundamento para corrigir o lucro tributável individualmente declarado da recorrente no montante correspondente às mais valias realizadas com a participação social na C………..
19. Nem tinha, consequentemente, fundamento para corrigir na mesma medida o lucro tributável do grupo: tal correcção, no avultadíssimo valor de EUR 539.487,65, não se pode manter.
20. A douta sentença recorrida entendeu diferentemente, mas violou o disposto nos artigos 1º, nº 4, e 3º, nº 3, do Decreto-Lei nº 495/88, e no artigo 31º, nº 2, do EBF.
TERMOS EM QUE DEVE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE ANULE O ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC RELATIVO AO ANO DE 2007, MELHOR IDENTIFICADO NA PETIÇÃO INICIAL, NA MEDIDA QUE RESULTA DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO E COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

Vem A………… – SGPS UNIPESSOAL, LDA reagir contra a Sentença proferida em 27/10/2021, nos termos da qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida, absolvendo-se a AT do pedido.
O recurso vem interposto nos termos dos art.ºs 280.º n.º 1 e 282.º do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT).
***
Antes de ser proferida a Sentença agora recorrida foi proferida sentença de absolvição do pedido por caducidade do direito de acção, mas, tendo a Impugnante interposto recurso para o STA (conformando-se, embora, com a declaração de caducidade do direito de acção relativamente à correcção respeitante à não aceitação dos prejuízos reportados pelo grupo de sociedades), insurgindo-se apenas quanto ao não conhecimento da violação do art.º 31.º n.º 2 do Estatuto de Benefícios Fiscais (EBF) relativamente a mais-valias realizadas pela Impugnante, veio o mesmo a obter provimento.
Por douto acórdão de 17/02/2021 foi revogada a sentença então recorrida, no segmento impugnado e foi ordenada a baixa dos autos ao Tribunal a quo para ser apreciada a legalidade da liquidação impugnada na parte relativa à correcção à matéria tributável efectuada pela Autoridade Tributária (AT), no montante de €539.487,65 com base na não aceitação da aplicação do art.º 31º nº2 do EBF das mais-valias realizadas no exercício de 2007.
Em cumprimento do acórdão mencionado, foi proferida a Sentença ora recorrida e ora submetida a reapreciação.
A matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo é a que consta elencada de A) a U) do probatório, no ponto “IV – Matéria de facto” da Sentença sob recurso, matéria que aqui damos como integralmente reproduzida.
Desta feita está em causa nos presentes autos a liquidação adicional de IRC n.º 2010 8310005296, de 30/09/2010, referente ao exercício de 2007, cuja demonstração de acerto de contas ascende a €206.896,61 e que tem na sua génese a correcção no valor de €539.487,65 emanada da acção inspectiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI200904240 (RIT de 05/07/2010).
Segundo defendeu a AT, no exercício de 2007, a Impugnante deduziu indevidamente ao RLE declarado, o valor de € 539.487,65, tal como resulta do Relatório de Inspecção e como foi considerado na contestação oportunamente apresentada.
São as conclusões da Alegação da Recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. art.º 635.º n.º 4 do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA).
Na sua Alegação, conclui a recorrente, de entre o mais:
“…
2. Face ao que dispunha o artigo 31º, nº 2, do EBF, as mais-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que fossem titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano não concorriam para a formação do lucro tributável dessas sociedades.
3. Pelo que a recorrente deduziu o valor de 539.487,65 €, que, no exercício de 2007, constituía o saldo final da conta 7941 – Proveitos e Ganhos Extraordinários – Ganhos em Imobilizações – Alienação de Investimentos Financeiros e resultava das mais valias realizadas com a alienação de acções representativas do capital da sociedade C…………, ao seu resultado líquido.

5. É indubitável que, de acordo com o nº 1 do artigo 1º, o Decreto-Lei nº 495/88, as SGPS têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas, e que, segundo o nº 2, uma participação é considerada forma indireta de exercício de atividade económica quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
6. Tendo presente que, segundo o nº 3, se considera que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano, conclui-se que os requisitos para que uma participação seja considerada forma indireta de exercício de atividade económica são dois: (i) ser detida por período superior a um ano e (ii) atingir, direta ou indiretamente, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada.

8. Ocorre, porém, que, o artigo 1º, nº 4, e o artigo 3º, nº 3, permitem que as SGPS adquiram e detenham participações de montante inferior a 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado.

12. A participação da recorrente na C………… cabia no artigo 3º, nº 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 495/88, pois foi detida por mais de um ano, representava menos de 10% do capital social com direito de voto da participada e foi sempre de montante inferior a 30% do valor total das participações iguais a superiores a 10% do capital social com direito de voto das participadas incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado da recorrente – o que, aliás, nem a AT nem o tribunal recorrido questionaram.
15. Assim, ainda que se tratasse de uma participação insusceptível de constituir forma indirecta de exercício de atividades económicas, a participação na C………… era e é, aos olhos da lei, uma participação perfeitamente compatível com o objecto social da recorrente, enquanto SGPS.

17. Este preceito (art.º31º, nº 2, do EBF) exige a não ocasionalidade da participação social – traduzida na obrigação de detenção por um ano –, mas não a representação de uma percentagem igual ou superior a 10% do capital social com direito de voto das participadas, de que depende a qualificação da participação como forma indirecta do exercício de atividades económicas.
18. Uma vez que, de acordo com o artigo 31º, nº 2, do EBF, as mais valias realizadas com participações não ocasionais não concorrem para o lucro tributável, a AT não tinha fundamento para corrigir o lucro tributável individualmente declarado da recorrente no montante correspondente às mais valias realizadas com a participação social na C…………
…”.
Defende a recorrente que a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 1º nº 4 e 3º nº 3, do DL nº 495/88 e, bem assim, no art.º 31º nº 2 do EBF, razão por que deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
Como supra se referiu, o tribunal recorrido julgou improcedente a impugnação deduzida pela aqui recorrente.
Considerou-se na Sentença que as correcções efectuadas pela AT se estribaram “no facto de através da “Carta Compromisso” a A………… ter transferido para o B............. os seus direitos de voto, pelo que, e de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 1.º do D.L. n.º 318/94 de 24/12, a participação na “C.............” não é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............., daí que a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” configuram um investimento e ganhos na alienação de participações financeiras fora do objeto social da “A.............”, pelo que as mais-valias realizadas não têm enquadramento no benefício fiscal previstos no atual art.º 32.º do EBF”.
Como também se considerou, a nosso ver correctamente, se os art.ºs 1.º nº 2 e 3.º n.º 3 do D.L. n.º 318/94 de 24/12 dispõem que a participação numa sociedade é considerada uma forma indirecta de exercício da actividade económica desta, quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, podendo adquirir e deter acções ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos casos elencados no n.º 3 do art.º 3.º, tem de concluir-se que é essencial que a SGPS detenha aquela percentagem do capital com direito de voto, o que no caso não sucedia.
Na verdade, como se referiu, a Impugnante transferiu, mediante a aludida “Carta Compromisso”, para o B………… os seus direitos de voto, sendo que, detendo 2,909% do capital da “C.............”, sem direito de voto, é correcto o entendimento da AT, segundo o qual a participação na “C.............” não pode ser considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............., representando, a aquisição e alienação das partes do capital da “C.............” um investimento e os ganhos na alienação de participações financeiras fora do objecto social da “A.............”.
A AT fundamentou a sua posição nos elementos documentais apresentados pela Impugnante, como sejam os acordos celebrados com o B………… (“Carta Compromisso”), na transferência para este, dos seus direitos de voto, tendo concluído, correctamente, que ao ter transferido tais direitos de voto, a sua participação na “C.............” não pode ser considerada forma indirecta de exercício da sua actividade económica e a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” configuram um investimento, estando os ganhos na alienação de participações financeiras fora do seu objecto social (cf. art.º 1.º n.º 2 do D.L. n.º 318/94); as mais-valias realizadas não têm, assim, enquadramento, no benefício fiscal previsto no art.º 32.º do EBF.
Destarte, a interpretação da lei feita na decisão impugnada não enferma de erro e tem de ser mantida.
Em face das disposições legislativas e estando a Sentença recorrida bem fundamentada, nos factos apurados e na interpretação do direito aplicável, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto e, nessa medida, deve ser mantida a sentença em apreciação, com as legais consequências.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) A “A………… SGPS, Unipessoal, Lda”, aqui impugnante, figura como a empresa-mãe de um grupo de sociedade que optou pela aplicação do RETGS, sendo o grupo (exercício fiscal de 2007) constituído pelas seguintes sociedades:

“A…………. Unipessoal, SA”, “D……….., SA” e “A............. , Unipessoal, Lda. Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) O saldo final, no exercício de 2007, da Conta 7941 – Proveitos e ganhos extraordinários – ganhos em imobilizações – alienação de invest. Financeiros da aqui Impugnante registava um valor de € 539.487,65 - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) A Impugnante esclareceu a Inspeção Tributária no decurso da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI200904240 que o proveito mencionado na alínea antecedente foi contabilizado pela Impugnante como sendo relativa à obtenção de mais-valias realizadas na alienação de partes representativas do capital da “C………… – Sociedade Gestora de Participações, SA”, NIPC …………. - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Mais esclareceu que as mais-valias no valor de € 539.487,65 foram deduzidas ao Resultado Líquido do Exercício (RLE) considerando as disposições constantes do n.º 2 do art.º 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) A sociedade “C………… – Sociedade Gestora de Participações, SA”, NIPC ……….. foi constituída, através da escritura lavrada no 5.º Cartório Notarial de Lisboa, em 26/05/2004, sendo o respetivo contrato de sociedade anónima celebrado por várias pessoas singulares incluindo administradores do B……….., SA (B.............) - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) A constituição da sociedade referida na alínea anterior foi publicada no Diário da República – III Série, n.º 172 de 23/07/2004 - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 dos autos e DR, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

G) Do documento complementar ao contrato social destacam-se as seguintes cláusulas, no que ao caso releva:

[IMAGEM]

Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 e ss dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

H) Por escritura designada de “aumento de capital e alteração parcial do contrato social” lavrada no 5.º Cartório Notarial de Lisboa em 04/02/2005 foi declarado que a “C…………” procedia ao aumento do seu capital social de € 50.000,00 para € 17.186.846,00, cujo aumento foi deliberado e aprovado em Assembleia-Geral constante da “ata número dois” lavrada em 07/01/2005 - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 e ss dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

I) O aumento de capital foi realizado com entradas em espécie e subscrito pelos acionistas identificados no Relatório do Revisor Oficial de Contas elaborado nos termos do art.º 28.º do CSC mediante a conversão em capital dos créditos que aqueles acionistas eram detentores sobre a “C…………”, créditos esses identificados nesse relatório - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 51 e ss dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

J) A entrada em espécie consistiu na conversão de créditos detidos pela “C………..” pelos acionistas identificados no relatório os quais foram convertidos em capital social pelo valor nominal - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 55 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

K) Dessa lista nominativa constituída por 52 acionistas consta a Impugnante com entrada e valor nominal dos créditos no montante de € 499.500,00 (o valor de € 500.000,00 foi realizado pela Impugnante através de cheque n.º …………. de conta bancária da cooperativa “A………… UCRL”, sacado sobre o …….e emitido em 09/07/2004 à ordem do B…………) - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 56 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

L) O aumento do capital social da “C…………” e o “Relatório do Revisor Oficial de Contas” foram publicados no DR – III Série, n.º 119 de 23/06/2005 - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 56 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

M) Por escritura designada “redução de capital e alteração parcial do contrato”, lavrada no Cartório Notarial de ……………, em 30/01/2007, a “C…………” procedeu à redução do seu capital social de € 17.186.846,00 para € 8.024.946,00, redução realizada mediante a extinção de 9.161.900 ações, no valor nominal de € 1.00 cada uma, na proporção das ações detidas pelos acionistas e pela própria sociedade - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 56 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

N) A “C.............”, relativamente aos anos de 2004 a 2006, não procedeu a qualquer aprovação de contas, nem à aprovação do relatório de gestão, do balanço e conta da sociedade - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 56 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

O) A Impugnante forneceu à IT diversos elementos, designadamente, documento designado “carta compromisso”, assinada por dois administradores do B............. e três representantes legais da Impugnante, da qual se extrai o seguinte:

[IMAGEM]

Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 57 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

P) Da “ficha técnica” a que alude a carta referida na alínea antecedente, consta que o objecto do investimento consistia na participação minoritária de aproximadamente 5% dos direitos de voto da “E…………, SGPS, SA” através de uma estrutura de cascata baseada numa sociedade do tipo SGPS sedeada em Portugal (C…………) a qual iria deter a participação em E………..; a capitalização da “C.............” seria integralmente efectuada com recurso a capitais dos investidores sendo que o valor dos suprimentos (anteriormente referidos) concedidos pelos investidores à sociedade seriam convertidos em capital em aumento a realizar até ao final de setembro de 2004; o desinvestimento da participação dos investidores no capital da sociedade seria efetuado unicamente após o desinvestimento completo do activo subjacente (ações E…………), sendo que após a alienação da posição na E……….. seria liquidada a sociedade e efetuadas as distribuições dos “net proceeds” mediante o cumprimento dos seguintes critérios:

[IMAGEM]

Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 58 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Q) A “C………..” não concretizou a aquisição das partes representativas do capital da E............. - Cf. RIT de 05/07/2010 - ordem de serviço n.º OI200904240 – de fls. 58 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

R) A impugnante foi alvo de uma ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI200904240 a qual concluiu por correções em sede de IRC, entre outras, no valor de € 539.487,65, nos seguintes termos, no que ao caso releva (RIT de 05/07/2010):

[IMAGEM]

Cf. fls. 52 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

S) A AT emitiu a liquidação adicional de IRC, n.º 2010 8310005296 de 30/09/2010, referente ao exercício de 2007, com data limite de pagamento em 15/11/2010, cuja demonstração de acerto de contas ascende a € 206.896,61 que engloba as correções referidas na alínea anterior no valor de € 539.487,65 - Cf. fls. 24 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

T) Por despacho de 01/07/2011, a Sr.ª Chefe de Divisão da DRFP da DF do Porto revogou parcialmente a liquidação na parte relativa à correção à matéria coletável no valor de € 35.000,00 (donativo concedido pela Impugnante art.º 56.º-D, n.º 4 do EBF) - Cf. fls. 94 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

U) A presente impugnação deu entrada em 09/02/2011 - Cf. fls. 4 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Motivação

A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e nos ínsitos no processo administrativo que não foram impugnados. O relatório de inspeção tributária é um documento autêntico, nos termos do art.º 371.º, n.º 1 do CC, uma vez que é exarado por funcionário da administração tributária, no âmbito e exercício das respetivas funções, o mesmo tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei (art.s 363.º e ss do CC e 546.º e ss do CPC). Os factos contidos no RIT respeitam a factos decorrentes da percepção do inspector no âmbito do procedimento inspectivo e os que não forem impugnados devem ser valorados em conjugação com os restantes elementos de prova segundo as regras da experiência comum.


*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, por violação do disposto nos art.ºs 1º nº 4 e 3º nº 3, do DL nº 495/88 e, bem assim, no art.º 31º nº 2 do EBF, uma vez que este preceito exige a não ocasionalidade da participação social – traduzida na obrigação de detenção por um ano –, mas não a representação de uma percentagem igual ou superior a 10% do capital social com direito de voto das participadas, de que depende a qualificação da participação como forma indirecta do exercício de actividades económicas, acrescendo que, de acordo com o artigo 31º, nº 2, do EBF, as mais-valias realizadas com participações não ocasionais não concorrem para o lucro tributável, pelo que a AT não tinha fundamento para corrigir o lucro tributável individualmente declarado da recorrente no montante correspondente às mais-valias realizadas com a participação social na C…………
Elementarmente sustentou-se na sentença recorrida que as correcções efectuadas pela AT se basearam “no facto de através da “Carta Compromisso” a A………… ter transferido para o B............. os seus direitos de voto, pelo que, e de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 1.º do D.L. n.º 318/94 de 24/12, a participação na “C.............” não é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............., daí que a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” configuram um investimento e ganhos na alienação de participações financeiras fora do objeto social da “A.............”, pelo que as mais-valias realizadas não têm enquadramento no benefício fiscal previstos no atual art.º 32.º do EBF”.
Em reforço dessa tese aduziu o julgador que os art.ºs 1.º, nº 2 e 3.º, n.º3 do D.L. n.º 318/94 de 24/12 dispõem que a participação numa sociedade é considerada uma forma indirecta de exercício da actividade económica desta, quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, podendo adquirir e deter acções ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos casos elencados no n.º 3 do art.º 3.º, sendo por isso essencial que a SGPS detenha aquela percentagem do capital com direito de voto, o que não ocorria no caso da impugnante e ora recorrente.
O Ministério Público acolhe a solução gizada na sentença, a qual, antecipe-se, este tribunal também sufraga.
Aquilatando.
Importa numa primeira plana aferir se, como sustenta a AT, secundada pelo tribunal recorrido e o Ministério Público, a aquisição e alienação das partes representativas do capital da C………… estariam fora do objecto social da recorrente e não poderiam beneficiar da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, isso à luz da normação consagrada no Decreto-Lei nº 495/88, mormente no nº 1 do seu artigo 1º, que estabelece que as SGPS têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais como forma indirecta de exercício de actividades económicas, bem como no nº 2 do mesmo preceito legal, que estatui que uma participação é considerada forma indirecta de exercício de atividade económica quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante, pontificando a respeito e relevantemente o preceituado no nº 3 do mesmo normativo que se considera que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano.
Importa ainda atentar na ressalva ínsita no art.º 1.º, n.º 4 de que as SGPS podem adquirir e deter participações de montante inferior ao referido no n.º 2, nos termos dos n.ºs 3 a 5 do artigo 3.º, todos do mesmo diploma legal.
Assim, decorre do n.º 3 do art.º 5.º que, com excepção do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1.º, as SGPS só podem adquirir e deter acções ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos seguintes casos:
a) Até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado;
b) Quando o valor de aquisição de cada participação não seja inferior a 1 milhão de contos, de acordo com o último balanço aprovado;
c) Quando a aquisição das participações resulte de fusão ou de cisão da sociedade participada;
d) Quando a participação ocorra em sociedade com a qual a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação.
Como emerge da síntese conclusiva do alegatório e reiterando o que inicialmente alegara, para a impugnante a participação social da “A………… SGPS” na “C………..”, apesar de ser detida por mais de um ano, representava menos de 10% do capital social com direito de voto desta última sociedade, o que significa que se inclui no caso previsto na al. a) do art.º 3.º do D.L. n.º 495/88 de 30/12, pelo que não colhe a tese de que a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” estariam fora do objecto social da “A.............”.
Mas é flagrante que lhe falece razão, face ao quadro normativo definido pelo D.L. n.º 495/88 de 30/12, em especial no disposto no art.º 31.º, n.º 2 do EBF, ao conciliar que as mais valias realizadas pela SGPS com as partes de capital de que sejam titulares não concorrem para formação do seu lucro tributável, estabelece como único requisito desse benefício a detenção de participação social por período não inferior a um ano.
Ora, a exigência da detenção por período não inferior a um ano está em total consonância com o regime consagrado no Decreto-Lei n° 495/88: as SGPS “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta do exercício de actividades económicas” e “uma participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício de actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional” o que tal sucede quando a participação “é detida pela SGPS por período superior a um ano” (cf. art°1°)».
Na verdade, capta-se do preâmbulo do Decreto-Lei nº 495/88, que o legislador quis “proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participadas sociais em ordem à sua gestão centralizada e especializada” em ordem a facilitar e incentivar “a criação de grupos económicos enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português”.
É por demais manifesto que a mens legislatoris é expressa no sentido de ser conferido um tratamento mais favorável às SGPS que às restantes sociedade, visando perceptivelmente o fomento económico e o reforço do tecido empresarial, adrede imposta pela entrada no mercado único como instrumento privilegiado do desenvolvimento do país.
Como declarado no artº 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL 215/89, de 1 de Julho, só há benefício fiscal quando se aplica um desagravamento a uma situação de tributação:
“Artigo 2.º
Conceito de benefício fiscal e de despesa fiscal e respectivo controlo
1 - Consideram-se benefícios fiscais as medidas de caracter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.
2 - São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.
3 - Os benefícios fiscais são considerados despesas fiscais, as quais podem ser previstas no Orçamento do Estado ou em documento anexo e, sendo caso disso, nos orçamentos das Regiões Autónomas e das autarquias locais.”
Na esteira do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2012, proferido no processo n.º 0529/12, disponível em www.dgsi.pt, os benefícios fiscais, como se disse no são derrogatórios dos princípios da generalidade e da igualdade da tributação, e são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa.
Também o doutrinador Nuno de Sá Gomes in Manual de Direito Fiscal, 11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326 propugna que as normas que estabelecem benefícios fiscais são normas de carácter excepcional, que derrogam os princípios gerais que presidem à tributação, da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural fundada na sua natureza excepcional e anti-sistemática por definição, estão, como indica Sérgio Vasques in Manual de Direito Fiscal, pág. 312, «em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto» impõe-se que sejam objecto de interpretação estrita ou declarativa.
E, a recolhendo o trilho discursivo delineado no Acórdão deste STA de 13/07/2015, prolatado no Processo n.º 0144/14 e consultável em www.dgsi.pt, “As normas em análise não são normas anti-abuso, em sentido próprio, que visam combater «qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinados actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação», como definido por, Gustavo Lopes Courinha, in A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário — Contributos para a sua Compreensão, Almedina, 2009, pag. 172, ainda que, como ocorre no nº 3 do artº 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL 215/89, de 1 de Julho, se sirvam de delimitações negativas da isenção usando situações que teriam tal natureza se estivéssemos no campo da tributação.
O legislador, em sede de benefícios fiscais, porque recusa a tributação, goza de amplitude para definir com exactidão quais as concretas situações que não serão tributadas, sem que possa levantar-lhes as eventuais desconformidades com as regras da tributação pela real capacidade contributiva que só ocorrerá caso não seja o caso enquadrável no benefício fiscal. O contribuinte que não goze de benefício fiscal pode exigir que a tributação tenha em conta a sua capacidade contributiva, mas não pode, com base nela, ou na veracidade das operações que realizou, ou na sua conformação com os valores do mercado exigir que seja também isenta de tributação uma situação que o legislador não teve em vista abranger.
Não se trata de qualquer situação que a Administração Tributária tem dificuldade em controlar, e face às quais pode utilizar uma norma anti-abuso, mas de uma situação que o estado decidiu não tributar.
Quando o estado decide não tributar as SGPS, definindo as situações em que o faz, não faz qualquer sentido trazer para a análise dos preceitos respectivos os princípios e as normas relativas ao combate à fraude e evasão fiscal, dado que estas pressupõem que o imposto seja devido e o contribuinte o não queira pagar, enquanto na situação em análise a norma consagra que o imposto não é devido, o que é o inverso.
A Administração Tributária não tem nem pode analisar a situação concreta de cada empresa para ver se à luz de uma qualquer filosofia as situações não previstas expressamente como beneficiadoras do benefício fiscal, também deverão ser por ele abarcadas.
A norma é clara, indica os requisitos necessários para que a recorrente possa beneficiar do benefício fiscal. Como a recorrente não preenche todos esses requisitos, a operação financeira de transacção das participações sociais será tributada como são tributadas todas as operações financeiras do mesmo tipo, realizadas por qualquer outra empresa. Não há violação de qualquer preceito constitucional, nem a recorrente se vê a braços com uma presunção inilidível que presume uma capacidade contributiva que não tenha tido efectivamente. O que acontece é que essa capacidade contributiva não reúne todos os pressupostos para não ser tributada, como poderia se as participações sociais houvessem sido detidas pela recorrente por mais tempo.”
Retornando ao caso dos autos, como bem se refere na sentença recorrida, a AT não “questionou o enquadramento da participação social da “A. SGPS” na “C………..” nas exceções previstas no art.º 3.º do D.L. n.º 495/88 de 30/12 ao referir expressamente que “as participações sociais em causa de valor inferior a 10% do capital, relativamente à “A............. SGPS” têm enquadramento nas exceções previstas no art.º 3.º daqueles diplomas legais”, pelo que é inócua a alegação da Impugnante como causa invalidante da liquidação impugnada.
Ao invés, as correções estribaram-se no facto de através da “Carta Compromisso” a A………… ter transferido para o B............. os seus direitos de voto, pelo que, e de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 1.º do D.L. n.º 318/94 de 24/12, a participação na “C.............” não é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............., daí que a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” configuram um investimento e ganhos na alienação de participações financeiras fora do objeto social da “A.............”, pelo que as mais-valias realizadas não têm enquadramento no benefício fiscal previstos no atual art.º 32.º do EBF.
Sobre este segmento da correção levada a cabo pela AT, a Impugnante limita-se a afirmar que:
(i) A AT, por constatar que a “A…………” apenas deteve 2,909% do capital da “C…………” e ter detetado um contrato pelo qual aquela assumiu perante o B…………… determinadas obrigações relativamente ao exercício do seu direito de voto na “C…………”, considerou que essa participação social não constituída para a Impugnante uma forma indirecta do exercício de atividades económicas (cf. art.º 43.º da p.i.);
(ii) Mas independentemente do questionável valor da presunção de que se socorreu a AT, a verdade é que nos casos previstos no n.º 3 do art.º 3.º do D.L. n.º 495/88, de 30/12, as SGPS podem adquirir e deter participações sociais que não constituem forma indirecta do exercício de actividades económicas.
Deste modo, a Impugnante sobre o facto de através da “Carta Compromisso” a “A…………” ter transferido para o B………… os seus direitos de voto nada diz ou infirma, mantendo incólume este segmento da correção levada a cabo pela AT.
Ora, se os art.º 1.º, nº 2 e 3.º, n.º 3 do D.L. n.º 318/94 de 24/12 dispõem que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, podendo adquirir e deter ações ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos casos elencados no n.º 3 do art.º 3.º, é forçoso concluir que é crucial que a SGPS detenha aquela percentagem do capital com direito de voto, o que no caso não sucede. Com efeito, a Impugnante transferiu, mediante a aludida “Carta Compromisso”, para o B………… os seus direitos de voto – aliás, facto não controvertido pela Impugnante -, pelo que detendo 2,909% do capital da “C.............”, mas sem direito de voto, não merece censura o entendimento da AT segundo o qual a participação na “C.............” não é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............. e a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” configuram um investimento e ganhos na alienação de participações financeiras fora do objeto social da “A.............”.
De facto, a actividade económica de uma SGPS reside essencialmente, mas não exclusivamente, na gestão activa das participações, sendo que a titularidade de uma participação social deve representar um conjunto de direitos, designadamente de voto, daí advindo um poder de direcção da sociedade participada (materializável, por exemplo, na possibilidade de nomeação da administração da sociedade participada). No caso em apreço, tendo sido transferido mediante a aludida “Carta Compromisso”, para o B………… os seus direitos de voto – aliás, facto não controvertido pela Impugnante – é incontornável que a atividade económica da Impugnante não supõe a gestão ativa da participação da “C.............”. Deste modo, não se acompanha a argumentação da Impugnante segundo a qual a AT se socorreu de uma presunção. Com efeito, constituindo uma presunção uma ilação que se tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, é manifesto que a AT não se socorreu de nenhuma presunção, mas em factos concretos demonstrados pelos elementos documentais apresentados pela Impugnante, mais concretamente acordos celebrados entre ela e o B………… (“Carta Compromisso”), nos termos dos quais a Impugnante transferiu para o B………… os seus direitos de voto concluindo, por isso, e a nosso ver bem, que ao ter transferido tais direitos de voto, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 1.º do D.L. n.º 318/94 de 24/12, a participação na “C.............” não é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............. e a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C.............” configuram um investimento e ganhos na alienação de participações financeiras fora do objeto social da “A.............”, pelo que as mais-valias realizadas não têm enquadramento no benefício fiscal previstos no atual art.º 32.º do EBF.
Ante o exposto, improcede a alegação da Impugnante como causa invalidante da liquidação impugnada.
Em suma:
-a Impugnante transferiu, através de “Carta Compromisso”, para o B…………, os seus direitos de voto, e, uma vez que detinha 2,909% do capital da “C.............”, sem direito de voto, é forçoso concluir que a participação na “C.............” não pode ser considerada forma indirecta de exercício da actividade económica da A............., representando, a aquisição e alienação das partes do capital da “C.............” um investimento e estando os ganhos na alienação de participações financeiras fora do objecto social da “A.............”;
-como a AT fundamentou a sua posição nos elementos documentais apresentados pela Impugnante, v.g. os acordos celebrados com o B………… (“Carta Compromisso”), na transferência para este, dos seus direitos de voto, concluiu, e bem, que ao ter transferido tais direitos de voto, a sua participação na “C………” não pode ser considerada forma indirecta de exercício da sua actividade económica e a aquisição e alienação das partes representativas do capital da “C…………” configuram um investimento, estando os ganhos na alienação de participações financeiras fora do seu objecto social (cf. art.º 1.º n.º 2 do D.L. n.º 318/94);
-consequentemente, as mais-valias realizadas não têm enquadramento no benefício fiscal previsto no art.º 32.º do EBF.
Dado que foi esse o entendimento firmado na sentença recorrida, é imperioso concluir que a mesma não enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado nas conclusões sob análise, improcedendo o presente recurso, in totum, o que traz implicada confirmação da decisão recorrida na ordem jurídica e a condenação da recorrente nas custas processuais.

*

3.- Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

*
Lisboa, 26 de Maio de 2022. - José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.