Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0145/17
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRS
DECLARAÇÃO
CESSAÇÃO
BENEFÍCIOS FISCAIS
FALTA
Sumário:Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após ampliação da matéria de facto pertinente.
Nº Convencional:JSTA000P23354
Nº do Documento:SA2201805300145
Data de Entrada:02/07/2017
Recorrente:A.... E OUTRA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
A…………….. e B…………….., devidamente identificados nos autos, vêm recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente o recurso e confirmou a liquidação adicional de IRS no montante de € 5.907.47 referente ao ano 2012.
Inconformados com o assim decidido, apresentaram as respectivas alegações que resumiram nas seguintes conclusões:
A)- Vem o presente Recurso da Sentença de fls.... pela qual se julgou totalmente improcedente o processo de impugnação judicial contra a liquidação n°20135005305748 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que lhes foi liquidado em relação ao ano de 2012, assim como em relação à extinção dos benefícios fiscais relativos ao mesmo ano apresentado pelos Recorrentes e, em consequência, se condenou estes nas custas processuais;
B)- Baseou-se tal decisão no facto de se entender que “... o IRS recai sobre a globalidade dos rendimentos auferidos pelos membros desse mesmo agregado familiar, não podendo ser considerados como sujeitos passivos autónomos para tal efeito.”, e que “…se o agregado familiar é tido como um todo e único sujeito passivo de imposto, não faria sentido considera-lo individualmente para efeito de fruição ou cessação de qualquer benefício fiscal.”, sendo esta conclusão baseada na interpretação conjunta e conjugação do disposto nos artigos 14°, n°5 e n°6 do EBF e 13°, n°2 e n°6 do CIRS;
C)- É precisamente nesta interpretação conjugada destes preceitos que reside o âmago da questão e da discordância, na medida em que é nesta mesma interpretação que reside o principal fundamento da impugnação judicial por se entender que a mesma padece de vício de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e da intransmissibilidade das penas;
D)- Um dos princípios fundamentais insertos na Constituição da República Portuguesa é o da presunção de inocência, consagrado no n°2 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, e um outro princípio fundamental inserto no texto constitucional, e que no presente caso assume particular relevo, estando conectado com o anterior, é o da intransmissibilidade das penas, consagrado no n°3 do artigo 30° da Constituição da República Portuguesa;
E)- São estes os princípios fundamentais consagrados pela Constituição da República Portuguesa violados com aquela interpretação conjugada dos nºs 5 e 6 do artigo 14° do EBF com os n°s 2 e 6 do artigo 13° do CIRS, segundo a qual existindo agregado familiar, este assume-se como sujeito passivo autónomo do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, e independentemente de quem, de entre as pessoas singulares a quem incumbe a sua direcção, é o titular de benefícios fiscais e o responsável por dívidas fiscais, extinguem-se aqueles por existência destas;
F)- A extinção, em virtude da existência de dívidas fiscais, dos benefícios fiscais reconhecidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, consagra uma verdadeira penalidade;
G)- Não só a pessoa singular responsável pelas dívidas fiscais não era titular de qualquer benefício fiscal, e a pessoa singular titular dos benefícios fiscais não era responsável por qualquer dívida fiscal, como, se tanto não bastasse para se entender a nulidade por violação destes princípios constitucionais, quer da decisão de extinção dos benefícios fiscais, quer da liquidação n° 201 35005305748 do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares relativo ao ano de dois mil e doze, ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a responsabilidade, e consequente penalidade, recai sobre o agregado familiar;
H)- Declarada a nulidade deve proceder-se nova liquidação, tendo-se em consideração os benefícios fiscais em causa, e ilegalmente extintos, originando um valor a reembolsar aos Impugnantes superior ao da liquidação ora impugnada, e sobre essa diferença positiva entre o valor do reembolso indicado na liquidação ora impugnada e a nova liquidação incidem juros indemnizatórios, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento aos Impugnantes;
I)- Os princípios contidos na Constituição da República Portuguesa são transversais a todo o ordenamento jurídico, aplicando-se sempre que esteja em causa situação jurídica que o justifique, e no caso presente, apesar de estarmos no âmbito do direito tributário, o certo é que a extinção dos benefícios fiscais tem uma notória qualidade sancionatória que justifica a aplicação daqueles princípios constitucionais, pelo que a sua não aplicação implica a nulidade por violação constitucional;
Deve, assim, ser proferido Acórdão que revogue a Douta Decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere procedente a presente impugnação, com as legais consequências.»

Não foram apresentadas contra alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público a fls. 91 e seguintes emitiu parecer pugnando pelo não provimento do recurso. Ali se expendeu, além do mais, a seguinte fundamentação nuclear:
(…) 2. No caso concreto a impugnante B………. é portadora de um grau de deficiência de 60%,determinante da consideração, para efeitos de IRS, de apenas 90% do rendimento bruto das categorias A, B e H; e da dedução à colecta de uma importância correspondente a quatro vezes o valor do IAS (art.111° n°8 Lei n° 64-B/2011, 30 dezembro-Lei OGE 2012; art.87° n°1 CIRS).
Sendo o imposto devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, e ambos os cônjuges sujeitos passivos do imposto, a cessação dos efeitos do benefício fiscal deve repercutir-se desfavoravelmente nos rendimentos do agregado familiar; é irrelevante a circunstância de os pressupostos fácticos determinantes da extinção do benefício não se terem verificado na esfera jurídica do cônjuge ao qual o benefício tinha sido outorgado (arts.13° n°2 e 3 al. a) CIRS redacção vigente em 2012; art. 14º nºs 5 e 6 EBF).
3. A alegação de violação dos princípios constitucionais da presunção da inocência e da intransmissibilidade das penas pela interpretação conjugada das normas convocadas pela sentença para a decisão da causa é espúria, considerando:
a) a aplicação exclusiva daqueles princípios no domínio do processo criminal (arts.32° n°2 e 30° n°3 CRP);
b) a inexistência de qualquer paralelismo ou similitude entre a cominação de sanção criminal e a reposição automática da tributação-regra em consequência da extinção do benefício fiscal (art. 14° n°1 EBF).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.»
2 - Fundamentação
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto.
1. O Presidente da junta médica do Ministério da Saúde emitiu em 30.03.2009 atestado médico de incapacidade em nome de B…………. de onde decorre o seguinte: “(...) Discriminação da deficiência: Incapacidade física desde Dezembro de 2008 (...) Natureza da deficiência: Grau de desvalorização da deficiência de 60% (sessenta por cento). (...)“— cfr. fls. 27 dos autos.
2. Foi extraída pela Administração Tributária e Aduaneira a certidão de dívida n.º 2012000095759 no montante de € 410,81 por dívidas de IVA do período de 2010 — cfr. fls. 13 do proc administrativo (PA) junto aos autos.
3. A……………….. e B…………. apresentaram em 1.05.2013 a declaração de IRS do ano de 2012 com indicação no quadro de Deficientes 60% respeitante a B…………. — cfr. fls. 18 a 23 dos autos.
4. Em 03.08.2013 foi emitida em nome de A………….. e B……………. a liquidação de IRS n.º 2013 5005305748, respeitante ao ano de 2012, com valor a reembolsar no montante de €5.907,47 — cfr. fls. 25 dos autos.
5. Na sequência do descrito em 4., foi emitida em 04.07.2004 a liquidação adicional de IRS n.º 200 5002274122 no valor de €5.605,56 respeitante ao exercício de 2003, assim como a correspondente demonstração de compensação n.º 200784 resultando no valor a pagar de € 6.308,94— cfr. fls. 41 e 44 do PA junto a autos.
3- DO DIREITO
Para se decidir pela improcedência da impugnação considerou a decisão recorrida a seguinte fundamentação jurídica que se apresenta por extracto:
“(…)
Vem impugnada a liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2013, decorrente da desconsideração e benefícios fiscais, por existirem dívidas em nome do Impugnante.
Em sua defesa, os Impugnantes sustentam a errada interpretação do disposto no n.º 5 e n.º 6 do artigo 14.º do EBF e n.º 2 e n.º 6 do artigo 13.º do CIRS, assim como a violação do princípio constitucional da presunção de inocência e da intransmissibilidade das penas.
A Fazenda Pública, remetendo para o parecer elaborado pela Divisão da Representação da Fazenda Pública, pugnam pela legalidade da liquidação impugnada.
Vejamos.
Da errada da errada interpretação do disposto no n.º 5 e n.º 6 do artigo 14.º do EBF e n.º 2 e n.º 6 do artigo 13.º do CIRS.
Nos termos do que dispõe o n.º 1 do artigo 2° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1/7, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º: 198/01, de 3/7) “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.
O n.º 6 do artigo 111.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro -OE 2012, veio estabelecer que “os rendimentos brutos de cada uma das categorias A, B e H auferidos por sujeitos passivos com deficiência são considerados, para efeitos de IRS, apenas por 90 % em 2012.”
Ademais, do n.º 1 do a artigo 87.º do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (CIRS) resulta que “são dedutíveis à coleta por cada sujeito passivo com deficiência uma importância correspondente a quatro vezes o valor do IAS e por cada dependente com deficiência, bem como, por cada ascendente com deficiência que esteja nas condições da alínea e) do n.º 1 do artigo 79.º, uma importância igual a 1,5 vezes o valor do IAS.”
Sendo que, o n.º 2 do artigo 2 do EBF dispõe ainda que “são benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta (...)“.
“Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o art°.12, n°.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 30.10.2012, rec. 05913/12.
Com efeito, como decorre do n.º 5 do artigo 14.º do EBF “no caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações: a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a si de incumprimento; b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível”, estabelecendo o seu n.º 6 que “verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, o benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos.”
Assim, tal qual decorre estes normativos, perante a existência de dívidas cessam os benefícios fiscais.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 13.º do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (CIRS), ficando sujeitas ao imposto as pessoas singulares “quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta.” — cfr. n.º 1 e n.º 2.
A par, estatui a alínea a) do n.º 3 do daquele preceito legal que compõem o agregado familiar “os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes”
Por último, decorre do n.º 6, com a redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro que “sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 59.º e no n.º 9 do artigo 78.°, as pessoas referidas nos números anteriores não podem fazer parte de mais do que um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos.”
(…)
Ora, se o agregado familiar é tido como um todo e único sujeito passivo de imposto, não faria sentido considera-lo individualmente para efeito de fruição ou cessação de qualquer benefício fiscal.
Tal conclusão pode ser e da conjugação do estatuído pelo n.º 1 e n.º 6 do artigo 13.º do CIRS com o que dispõe a alínea a) do n.º 5 do artigo 14.º do EBF, isto porque, se o sujeito passivo e imposto para efeitos de IRS é o agregado familiar, não podendo ser considerado cada um dos seus membros individualmente, para efeitos de benefícios fiscais o sujeito passivo a considerar também é o agregado familiar no seu todo.
Pelo exposto, bem andou a AT a não considerar o benefício fiscal por deficiência da Impugnante, na liquidação dos rendimentos relativos ao ano de 2012, improcedendo o invocado.
Da violação do princípio constitucional da presunção de inocência e da intransmissibilidade das penas.
Vêm também os Impugnantes sustentar a violação dos princípios constitucionais de inocência e da intransmissibilidade das penas, por defenderem que a interpretação feita aos n.ºs 5 e 6 do artigo 14.º do EBF com os n.º 2 e 6 do CIRS, segundo a qual existindo agregado o familiar, este assume-se como sujeito autónomo de IRS e independentemente de quem incumbe a direcção, é o titular de benefícios fiscais e o responsável por dívidas fiscais, extinguem-se aqueles por existência destas.
Vejamos.
Como decorre do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Por outro lado, do n.º 3 do artigo 30.º da CRP decorre que “a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”.
Os princípios que os Impugnantes invocam como tendo sido violados são de aplicação ao processo criminal.
Ora, estando em questão nos autos uma dívida de IVA do período de 2010 (cfr. ponto 2) do acervo probatório), não se vislumbra em que medida é que poderão ter sido violados tais princípios, um vez que não estamos no âmbito de um qualquer processo criminal.
Por outro lado, não se discorre como poderiam tais princípios encontrarem-se violados na medida em que é o próprio Impugnante que afirma ser devedor de dívidas fiscais no ano em questão.
Pelo exposto, improcede o que vem invocado.
VI Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a presente impugnação e em consequência, mantenho a liquidação impugnada.”

DECIDINDO NESTE STA

Os recorrentes questionam o acerto da sentença recorrida por discordarem da interpretação que foi efectuada, em conjunto, do disposto nos artigos 14°, n°5 e n°6 do EBF e 13°, n°2 e n°6 do CIRS tendo sido afirmado que o IRS, à data dos factos, recaía sobre a globalidade dos rendimentos auferidos pelos membros do agregado familiar, não podendo ser considerados como sujeitos passivos autónomos para tal efeito e que se o agregado familiar é tido como um todo e único sujeito passivo de imposto, não faria sentido considera-lo individualmente para efeito de fruição ou cessação de qualquer benefício fiscal.

Como é consabido os benefícios fiscais, consistem em medidas de carácter excepcional (artº 2º nº 1 do EBF aprovado pelo DL 215/89 de 01/07). E, a sua génese tem a ver com a ocorrência de factos obstativos do nascimento da obrigação tributária porque o legislador atribui a tais factos um interesse superior ao da própria cobrança do imposto e do interesse em arrecadar receita fiscal. Mas, tal como são previstos factos que determinam o nascimento de uma excepção à tributação regra, também a sua extinção tem previsão normativa e opera importando, imediatamente, a reposição automática da referida tributação regra (artº 14º nº 1 do EBF).

Também é exacto que à data, existindo agregado familiar, o imposto era devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se sujeitos passivos as pessoas a quem incumbe a sua direcção (nos termos do art. 13º n° 2 CIRS redacção vigente em 2012). E, o agregado familiar é constituído pelos cônjuges não separados de pessoas e bens e os seus dependentes, nos termos da alínea a) do nº3 da mesma disposição legal. Como resulta do probatório os recorrentes apresentaram declaração conjunta de rendimentos, ou seja, uma única declaração de IRS. E, deste modo, tendo apresentado declaração conjunta de rendimentos, ambos foram considerados sujeitos passivos do IRS, que incide sobre o conjunto dos rendimentos, independentemente da titularidade dos mesmos e, inclusive, de algum deles os não auferir.
O que se discute agora é saber se a cessação dos efeitos do benefício fiscal se deve repercutir desfavoravelmente nos rendimentos do agregado familiar, e se para isso é irrelevante a circunstância de os pressupostos fácticos determinantes da extinção do benefício não se terem verificado na esfera jurídica do cônjuge ao qual o benefício tinha sido outorgado (arts.13° n°2 e 3 al. a) CIRS redacção vigente em 2012; art. 14º nºs 5 e 6 EBF).
Tudo ponderado e visto, cremos que os autos não contêm, ainda, os elementos necessários para uma tomada de decisão neste STA o que nos impede de responder de imediato à questão suscitada.
Vejamos:
Dispunha em 2012 o artº 14º do EBF o seguinte na parte que nos interessa:
Artigo 14.º

Extinção dos benefícios fiscais


1 - A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.
2 - Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário.
3 - Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.
4 - O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado.
5 - No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações:
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento; (negrito nosso)
b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível. (negrito nosso)
6 - Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, os benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos.
(…)

Estamos, pois, em sede de IRS numa altura em que, como já se referiu, a tributação dos rendimento do agregado familiar era efectuada conjunta ou em cumulação e a análise das questões suscitadas prendem-se, especificamente, com a cessação de benefícios fiscais em função da verificação de determinados pressupostos factuais previstos na lei, designadamente o incumprimento de obrigações fiscais.
Ora, no caso dos autos, o probatório não nos revela se em 2012 ainda se mantinha a situação de incumprimento relativamente ao IVA liquidado ao impugnante Marido e também não elucida se este tributo foi objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, se exigível.
A aquisição para o processo destes elementos mostra-se essencial para uma das soluções plausíveis que este STA poderá vir a seguir e, assim sendo, impõe-se a baixa dos autos à primeira instância para a aquisição, designadamente, dos elementos supra referidos pois que sendo este STA um Tribunal de revista não lhe é cometida a função de fixar o probatório.
Fica, assim e em consequência, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas relativas aos invocados princípios constitucionais da presunção de inocência e da não comunicabilidade das penas.
Preparando a decisão alinham-se as seguintes proposições:
A)- Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extra fiscais relevantes, que impedem a tributação regra (cfr. artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Dec. Lei 215/89, de 1/7).
B)- Constituindo o benefício fiscal um facto impeditivo da tributação - regra, a sua extinção tem como efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.14º nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
C) Para aferir da legalidade da cessação de um benefício fiscal automático derivado de deficiência de 60% medicamente comprovada, numa das soluções plausíveis de seguir, importa antes de mais adquirir para os autos, na 1ª instância, se no ano da cessação do benefício (2012) ainda se mostrava em situação de incumprimento um dos sujeitos passivos e se a dívida de IVA tinha sido ou não, objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, se exigível.


Assim sendo, por tudo quanto ficou expresso, não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após ampliação da matéria de facto pertinente.

4. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova sentença, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, nos termos acima apontados.

Sem custas (artº 534 nº 1, 1ª parte do novo CPC).

Lisboa, 30 de Maio de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.