Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0858/16
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Justifica-se a admissão de revista - por claramente necessária para uma melhor aplicação do direito - de acórdão que confirmou o indeferimento liminar de uma petição de impugnação por manifesta extemporaneidade, no entendimento de que considera-se a incorporante notificada das mesmas na data em que o foi a incorporada, sem que fosse manifesto ou incontroverso ter sido a sociedade incorporada notificada de tais liquidações.
Nº Convencional:JSTA000P22145
Nº do Documento:SA2201707120858
Data de Entrada:07/04/2016
Recorrente:A..........., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………, LDA, com os sinais dos autos, vem ao abrigo do n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17 de Março de 2016, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do tribunal Tributário de Lisboa que, por manifesta intempestividade, indeferiu liminarmente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações adicionais de IRS e IRC relativas ao ano de 2009, apresentando para tal as seguintes conclusões:

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA, NOS TERMOS DO N.º 1 DO ARTIGO 150.º do CPTA:

A) A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo se torna absolutamente imprescindível por a admissão do presente recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, assim se preenchendo os pressupostos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

B) A situação dos presentes autos requer uma melhor aplicação do direito, habilitando assim este Supremo Tribunal a se pronunciar.

C) A questão relevante prende-se com o erro manifesto e evidente incorrido no Acórdão recorrido no que respeita à validade e eficácia das notificações.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO DE REVISTA

D) Foi a RECORRENTE notificada do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que confirma a decisão recorrida e nega provimento ao recurso interposto, e do qual agora se interpõe recurso de revista nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

E) Com fundamento na existência de erro grosseiro, que corresponde a não apreciação de uma questão de validade e eficácia das notificações carreadas para os autos, e suscetível de legitimar a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em ordem a contribuir para uma melhor aplicação do direito.

F) O Acórdão recorrido deixou de abordar questões que se impunha que conhecesse, ou seja, o mesmo deveria ter-se pronunciado sobre a validade e eficácia das notificações, quando efetuadas na sociedade incorporada e já extinta, quando na realidade a AT deveria ter notificado a sociedade incorporante, ou seja, a RECORRENTE.

G) De acordo com a alínea a) do artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais “com a inscrição da fusão no registo comercial, extinguem-se as sociedades incorporadas (…)”

H) Com a fusão a personalidade jurídica da sociedade incorporada não se extingue, ela continua a existir mas desta feita integrada na sociedade incorporante, pelo que para que as obrigações tributárias não liquidadas da sociedade incorporada, pudessem ser oponíveis à RECORRENTE, a AT deveria ter notificado válida e eficazmente a sociedade incorporante, o que não aconteceu!

I) Assim, não pode colher o entendimento do Acórdão recorrido que “ (…) considera-se a incorporante notificada das mesmas na data em que foi a incorporada, sendo que tais liquidações são eficazes.

J) Uma vez que a Autoridade Tributária (AT) notificou a RECORRENTE das liquidações adicionais em sede de IRC e IRS da sociedade incorporada, para um domicílio postal e electrónico desactualizado.

K) Pelo que, e atendendo a que a AT tinha conhecimento da fusão, e do atual domicílio postal e eletrónico da RECORRENTE porque os mesmos lhe foram validamente informados, deveria ter notificada a RECORRENTE, para o seu endereço atual sob pena de a liquidações adicionais não lhe serem oponíveis.

L) Nas palavras de PEDRO GONÇALVES (“Notificação dos Actos Administrativos (Notas sobre a génese, âmbito, sentido e consequências de uma imposição constitucional)” in “Ad Vno Ad Omnes – 75 Ano da Coimbra Editora – 1920-1995, Coimbra, pág. 1115) “o dever de notificar exige da Administração o exercício de uma actividade comunicativa especialmente dirigida ao interessado (…) O direito à notificação do acto administrativo não é apenas o direito de aceder a uma informação que é posta à disposição do interessado, que a pode procurar, mas o direito à recepção do acto na esfera da perceptibilidade normal do destinatário”

M) O dever de notificação que recai sobre a AT tem consagração constitucional no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, o qual dispõe que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados…”

N) De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdão n.º 72/2009), “ a razão de ser desta opção constitucional reside na tutela de dois diferentes valores que se reconduzem, no essencial, a dois princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico: de um lado, o princípio da segurança (ínsito na ideia de Estado de Direito), do qual decorre a necessária cognoscibilidade, por parte dos destinatários dos actos da Administração, de todos os elementos que os integrem; de outro lado – mas de forma indissociável do primeiro – o princípio da tutela jurisdicional efectiva, dado que só será impugnável o que for cognoscível”

O) É a AT que tem o ónus de demonstrar que efetuou a notificação de forma correta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.

P) O que também não logrou verificar-se!

Q) Além do que a RECORRENTE não pode ad eternum suportar os custos de um reencaminhamento de correspondência de uma sociedade que a AT sabe que se encontra extinta, uma vez que a fusão lhe foi comunicada atempadamente.

R) Como também não se compreende que uma sociedade extinta, ou seja, que já cessou a sua atividade tenha de manter ativo o seu endereço electrónico, para, única e exclusivamente, receber notificações da AT.

S) Pelo que, impõe-se para uma melhor aplicação do direito que este douto Tribunal esclareça por quanto tempo deve uma sociedade incorporante manter ativo o endereço electrónico de uma sociedade incorporada,

T) Bem assim como, requerer o reencaminhamento de correspondência do domicílio fiscal de uma sociedade extinta, para a sociedade incorporante.

U) Assim, a admissão do recurso mostra-se claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, relativamente à questão da validade e eficácia das notificações efectuadas em sociedades extintas, bem assim como, durante quanto tempo está a sociedade incorporante obrigada a manter o reencaminhamento da correspondência da sociedade extinta, para o seu domicílio fiscal e por quanto tempo está também obrigada a manter ativo o endereço electrónico dessa sociedade extinta.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO CUJO DOUTO SUPRIMENTO SE ESPERA E INVOCA, DEVE O PRESENTE RECURSO DE REVISTA SER ADMITIDO E JULGADO TOTALMENTE PROVADO E PROCEDENTE, COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 281/283 dos autos, concluindo no sentido da inadmissibilidade da revista – porquanto o que a Recorrente assaca à decisão recorrida é um erro sobre a apreciação da matéria de facto, por não ter atendido ao facto das notificações das liquidações terem ocorrido após a data da fusão por incorporação e as mesmas nunca terem chegado ao seu conhecimento, por presumivelmente terem sido remetidas para o endereço da incorporada - não obstante consigne não ter qualquer dúvida de que estamos perante um défice da matéria de facto (…) o que só por si afastaria a prolação do despacho de indeferimento liminar, conforme jurisprudência deste STA, que cita.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

4 – Apreciando.

4.1 Da admissibilidade do recurso de revista

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA-Sul do qual se solicita revista excepcional negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, por manifesta intempestividade, indeferiu liminarmente a petição inicial de impugnação relativamente à 1.ª Impugnante, no entendimento de que, tendo as liquidações impugnadas como termo do prazo de pagamento voluntário, respectivamente, o dia 13/03/2014 (IRS) e 17/03/2014 (IRC), conforme ofício de citação de fls. 29 a fls. 31, e uma vez que a presente Impugnação foi apresentada em juízo em 06/11/2014, tal impugnação é manifestamente intempestiva.

O acórdão do TCA julgou duas questões, que enunciou do seguinte modo: saber se a decisão recorrida padece de omissão de pronúncia; saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a impugnação é intempestiva, relativamente à 1.ª impugnante, e indeferiu liminarmente a impugnação quanto à recorrente (cfr. acórdão, a fls. 193 dos autos).

No que à alegada nulidade respeita – por omissão de pronúncia, quanto aos factos invocados pela Recorrente no seu pedido, relativamente à ilegitimidade da Recorrente – o Tribunal Central Administrativo julgou-a inverificada, porquanto a decisão recorrida pronunciou-se sobre a notificação da recorrente nos seguintes moldes: “considerando-se a incorporante notificada das liquidações em crise, na data em que o foi a incorporada.” – cfr. Acórdão, a fls. 193/194 dos autos.

Quanto ao invocado erro de julgamento, considerou o acórdão do TCA – invocando o Acórdão deste STA de 16/09/2009, proc. 372/09, o sumário do acórdão do TCAS de 20/11/2001, proc. 5377/01 bem como alguma doutrina –, que é de concluir que havendo liquidações relativamente à sociedade incorporada, referente ao exercício de 2009, anterior à data da fusão, considera-se a incorporante notificada das mesmas na data em que o foi a incorporada, sendo que tais liquidações são eficazes relativamente à sociedade incorporante que responde por aquela dívida (cfr. acórdão recorrido, a fls. 194 a 197 dos autos).

A recorrente fundamenta a presente revista na sua absoluta imprescindibilidade para “uma melhor aplicação do direito”, invocando que o acórdão recorrido incorreu em erro manifesto e evidente no que respeita à validade e eficácia das notificações.

Julgamos que assim é efectivamente.

Constitui jurisprudência reiterada e pacífica deste STA - acolhida, designadamente no Acórdão deste STA invocado pelo Exmo Magistrado do MP junto deste STA, Acórdão de 3 de Abril de 2013, rec. n.º 1308/12 - que o despacho de rejeição liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.). Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo com o n.º 26482, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004; de 4 de Março de 2009, proferido no processo com o n.º 786/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009; de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo com o n.º 765/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011.

Ora, no caso dos autos, o acórdão cuja revista se peticiona e a decisão que aquele confirmou partem de um pressuposto não assente e nunca verificado pelas instâncias, sem o qual não podia liminarmente rejeitar-se, por intempestiva, a impugnação deduzida pela sociedade incorporante – a de saber se, e em caso afirmativo quando, foi a sociedade incorporada validamente notificada das liquidações adicionais-, pois que a afirmação constante da decisão e do acórdão recorrido segundo a qual considera-se a incorporante notificada das mesmas na data em que o foi a incorporada pressupõe, obvia e necessariamente, que a incorporada tenha sido notificada das liquidações adicionais impugnadas.

E sem que esse facto seja incontroverso – o que, não resultando evidente dos autos, haveria que ser apurado -, nada do que se disse no acórdão recorrido sobre a sucessão da incorporante na posição jurídica da incorporada pode justificar a confirmação da decisão de indeferimento liminar.

Será, pois, admitida a revista.


- Decisão -

5 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.

Custas a final.

Lisboa, 12 de Julho de 2017. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.